Gerações de evolução dos direitos fundamentais


PorJeison- Postado em 18 março 2013

Autores: 
SOUZA, Diego Brunno Cardoso de.

 

Para bem discorrer acerca das gerações (ou dimensões, como alguns preferem) de evolução dos direitos fundamentais deve-se dividi-las, ao menos, em três.

 

Cumpre registrar que, hodiernamente, alguns autores ainda fazem alusão a uma quarta e até a uma quinta geração de direitos fundamentais. Estas, no entanto, não serão objeto do presente artigo.

 

1. A primeira geração

 

A primeira geração trata dos direitos individuais. Por volta dos séculos XVI e XVII formulou-se a moderna doutrina dos direitos naturais. Tratava-se de explicar os direitos naturais não mais com base no direito divino e sim como expressão racional do ser humano.

 

Foi a partir do século XVII, com o inglês Thomas Hobbes, que se desenvolveu o chamado modelo do jusnaturalismo moderno. Este modelo já explica o Estado político como expressão racional da vontade dos indivíduos. É a base para influenciar pensadores de diversos pontos de vista políticos e ideológicos, levando à construção do modelo liberal da sociedade e do Estado.

 

Com John Locke desenvolveu-se a teoria da liberdade natural do ser humano. O indivíduo devia limitar sua própria liberdade para defender o valor fundamental da propriedade.

 

Assim, para Locke a verdadeira liberdade decorreria do direito à propriedade. Daí nasce a moderna idéia de cidadão e da relação contratual entre os indivíduos, no qual sua garantias e liberdades eram protegidas pelo poder público.

 

Locke entendia que o direito à propriedade era o direito fundamental do ser humano. É devido a esse direito que os homens cederam parte de sua liberdade para a formação de um Estado-governo. Esse Estado-governo lhe garantiria e protegeria quanto àquele direito.

 

O século XVIII representou o confronto direto com o antigo regime absolutista. Foi o momento das grandes lutas políticas e ideológicas que garantiriam posteriormente as transformações sociais. As declarações de direitos foram também um grande marco desse período.

 

Nesse contexto, influenciado pelas idéias iluministas, Jean-Jacques Rousseau afirmava que existia uma condição humana natural à felicidade, à virtude e à liberdade. Ao contrário de Locke, entendia que é a civilização que limita as condições naturais de felicidade humana.

 

Para Rousseau a propriedade era a fonte da desigualdade humana. Portanto para ele o princípio da igualdade era a condição essencial para o exercício da liberdade.

 

As idéias rousseaunianas se enquadram no contexto da França no século XVIII, no qual a burguesia era uma classe revolucionária que aglutinava em torno de si vários setores populares na luta contra o Antigo Regime.

 

Foi a partir dessas lutas burguesas na Europa contra os Estados absolutistas que surgiram as bases para a instituição formal de um elenco de direitos que seriam considerados fundamentais para o ser humano.

 

Os direitos humanos em sua primeira geração são fruto das lutas da burguesia revolucionária, com base na filosofia iluminista e nas doutrinas liberais, contra o Estado absolutista.

 

            2. A segunda geração

 

            A segunda geração dos direitos humanos trata dos direitos coletivos.

 

Os primeiros setenta anos do século XIX são marcados pela consolidação do Estado liberal e pelo fenomenal desenvolvimento industrial. Também foi um período de grandes conflitos sociais e contradições políticas.

 

A burguesia há muito já tinha deixado de ser revolucionária e se via, agora, ameaçada: de um lado as forças remanescentes do antigo regime e de outro a massa empobrecida que não usufruiu dos benefícios alcançados na luta contra o absolutismo.

 

A consolidação do Estado liberal e do modelo industrial de produção (concentração de mão-de-obra em uma mesma unidade de produção, sob a mesma disciplina interna da fábrica) possibilitou o surgimento de uma nova classe social: o proletariado.

 

Essa nova sociedade do século XIX, aliada às crescentes lutas urbanas protagonizadas pela classe operária, pela burguesia industrial e pelo Estado liberal não-intervencionista, possibilitou o surgimento da crítica social, das idéias socialistas e do sindicalismo.

 

Karl Marx foi o principal pensador da época e analisou as declarações de direitos humanos americana e francesa da seguinte forma: os direitos ali proclamados como universais tinham cunho individualista e expressavam na verdade os anseios da classe que vencera o modelo absolutista. No entanto, tal classe conseguira expressar os sentimentos da ampla maioria do povo.

 

Para a burguesia era essencial que todos os indivíduos pudessem ser considerados sujeitos de direitos. Assim, a lei não seria feita para garantir privilégios, mas para assegurar a igualdade de todos. Entretanto, essa igualdade não era real, era apenas uma formalidade.

 

O direito à liberdade aparece também como uma expressão formal. Para o povo era fundamental a liberdade dos grilhões do sistema feudal e para a burguesia era fundamental a liberdade desse povo para que ele pudesse vender sua força de trabalho para o mercado.

 

A liberdade tão proclamada era na verdade a liberdade para que a burguesia pudesse usar sua criatividade, inteligência, poder, dinheiro, entre outros, para explorar a grande massa de trabalhadores subjugados.

 

O pensamento socialista e a prática política e sindical dos movimentos europeus e norte-americanos do século XIX passaram então a questionar as disparidades existentes entre os princípios e garantias assegurados nas declarações de direitos e a realidade vivida pela ampla maioria do povo. Os trabalhadores não tinham as mínimas condições de trabalho, eram mal-remunerados, não tinham como assegurar saúde e educação aos próprios filhos, enfim, eram privados de todas as condições básicas de existência. E tudo isso em nome do direito sagrado de o homem contratar livremente com o seu semelhante.

 

O movimento sindical sofreu muitas restrições, com a alegação de que não permitia que o indivíduo manifestasse livremente (e individualmente) a sua vontade. Desse modo, o trabalhador tinha que negociar seu contrato individualmente com o empregador, respeitando assim o direito de contratar livremente, contanto que tudo fosse lícito e não desrespeitasse os direitos alheios.

 

A luta sindical daquela época era direcionada à realização dos direitos enunciados e não apenas à mera formalização então vigente. A exploração chegou a tal ponto que os sindicatos e partidos políticos passaram a reivindicar a intervenção do Estado na vida econômica e social, visando à regulamentação do mercado de trabalho.

 

Por outro lado, o próprio capitalismo encontrava-se em transformação. Ele já não era mais o simples sistema de livre concorrência entre empresas individuais e familiares. Surgiam os conglomerados de empresas, em busca de novos mercados. Essa nova fase do capital ficou conhecida como imperialismo.

 

Surge no século XIX e perdura até hoje a dúvida se os direitos fundamentais do ser humano seriam aqueles direitos individuais enunciados pelas declarações de direitos do século XVIII ou se seriam novos direitos de natureza social que garantiriam coletivamente os direitos humanos.

 

Por fim, as várias ideologias começaram a se contrapor em busca de uma forma que garantisse o atendimento dos interesses coletivos. As revoluções do início do século XX ampliaram na realidade sócio-política a abrangência dos direitos humanos, que deixaram de ser entendidos apenas como individuais e passaram a ser concebidos como coletivos.

 

3. A terceira geração

 

A terceira geração dos direitos humanos é a que trata dos direitos dos povos ou direitos da solidariedade.

 

A ampliação do conteúdo dos direitos fundamentais seguiu o caminho indicado pelas lutas sociais e pelas transformações sócio-políticas dos últimos três séculos.

 

Esse processo de ampliação de direitos passou a encarnar reivindicações e lutas democráticas e populares passaram a representar os anseios de toda a humanidade. As lutas do século XIX demonstraram que o homem deveria avançar mais na busca de novos espaços de liberdade coletiva e material, que possibilitassem as condições de viabilização da felicidade humana.

 

Durante o século XX novas reivindicações sociais, humanas e estatais passam a fazer parte do imaginário da sociedade contemporânea. Novas contradições e confrontos possibilitaram a ampliação do conteúdo dos direitos humanos.

 

A partir do pós-guerra desenvolvem-se os direitos dos povos, que distingue entre os direitos individuais da primeira geração, os direitos sociais, econômicos e culturais da segunda geração e os novos direitos, ou direitos da terceira geração. Assim, os direitos dos povos são, ao mesmo tempo, individuais e coletivos.

 

O fim da 2ª guerra revelou uma nova realidade mundial. Junto com a valorização do ideal democrático surgiu um mundo dividido em dois blocos de poder (de um lado o Ocidente – Estados-Unidos – Capitalismo, de outro o Oriente – URSS – Comunismo), sob o fantasma da Guerra Fria.

 

As novas relações internacionais do pós-guerra contam com novos atores, com o processo de descolonização da Ásia e da África, que formaram o bloco dos não-alinhados, ou seja, nem a favor dos Estados-Unidos nem da URSS, por meio da Conferência de Bandung em 1955.

 

Por fim, a nova divisão internacional do trabalho possibilitou o surgimento de uma nova era na acumulação de capitais: a era das multinacionais. O desenvolvimento possibilitado pelo dinheiro das multinacionais promoveu a exploração dos recursos em níveis inimagináveis em todo o mundo. A degradação ambiental, entretanto, afetou principalmente os países do Terceiro Mundo.

 

Todas essas mudanças trouxeram novas reivindicações de novos movimentos sociais. As principais são: direito à paz, ao desenvolvimento e à autodeterminação dos povos, direito a um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado e direito à utilização do patrimônio comum da humanidade.

 

4.  REFERÊNCIA

 

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

 

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.

 

OLIVEIRA, José Nicodemos Vitoriano de. O acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3533, 4mar.2013. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23867>. Acesso em: 13 mar. 2013.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42488&seo=1>