Honorários advocatícios e a competência trabalhista


Porrafael- Postado em 27 outubro 2011

Autores: 
OZOL, Marco Aurélio Waterkemper

Honorários advocatícios e a competência trabalhista

Com a publicação da Emenda Constitucional 45/2004, inseriu-se no mundo jurídico uma discussão a respeito da nova área de atuação da Justiça Laboral, com especial destaque à inclusão da relação entre profissionais liberais e seus clientes. Especial interesse surge no particular do advogado e seus honorários.


Advogado

Da origem da palavra, encontra-se descrição da sua tarefa: "para perto chamado" para defender o direito do seu cliente. E da lei extrai-se sua importância, sendo o advogado peça fundamental na aplicação do direito, considerado por disposição constitucional indispensável à administração da justiça (art. 133).

Mas seu mister, apesar de revestido de múnus público, também tem seu aspecto privado, como fonte de sustento do profissional, sendo sua remuneração protegida em lei federal (8.906/94, art. 22 e seguintes).

Neste diapasão, é possível o exercício da profissão de advogado sob a roupagem de empregado, bem como sob a de autônomo, a depender da forma de contrato que se estabelecer com o beneficiado pela sua atuação. No primeiro caso, a aplicação das leis trabalhistas é decorrência lógica. No segundo, as dúvidas motivaram este estudo.


O direito trabalhista e a evolução constitucional brasileira

A criação de leis trabalhistas no Brasil sempre se deu de forma não sistematizada, embora desde antes do Código Civil de 1916 já houvesse projetos de códigos para as relações de trabalho.

A melhor alternativa, ou a mais viável à época, foi a reunião das leis esparsas, numa compilação que deu origem à Consolidação das Leis do Trabalho, pelo Decreto-Lei 5.452/1943. Como o nome indica, não foi a criação de uma lei, mas a reunião de várias, com o intuito de consolidar a matéria.

Neste processo, uniram-se comandos por vezes contraditórios, dentro de um cenário com não raras lacunas e carência de definições e conceituações. Para trazer resposta, os autores do projeto fizeram papel de criadores também, inserindo na obra alguns artigos de introdução com tal fim.

É desta forma que encontramos nos primeiros dispositivos da Consolidação as definições de empregador e empregado, dando força à interpretação unânime de que a nova legislação tratava das relações de emprego especificamente, e não as de trabalho em si, como sugeriu o nome. O próprio primeiro artigo esclarece que a "Consolidação estatui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho, nelas previstas" (sem grifo no original), dando a entender não exaurir a questão.

Tal interpretação se deve ao fato de que os conceitos do gênero "trabalho" e da espécie "emprego" eram indissociáveis naquele período, muito embora o primeiro já fosse notoriamente mais abrangente. A confusão se conclui de ensinamendo de Segadas Vianna [01], segundo o qual no primeiro projeto de Código do Trabalho

"se encontrava uma boa definição, para a época, do contrato de trabalho como o ‘convênio pelo qual uma pessoa se obriga a trabalhar sob a autoridade, direção e vigilância de um chefe de empresa ou patrão, mediante uma remuneração, diária, semanal ou quinzenal, paga por este, calculada em proporção ao tempo empregado, à quantidade, qualidade e valor da obra ou serviço, ou sob quaisquer outras bases não proibidas em lei’. ".

Neste extrato, vislumbra-se, mutatis mutandis, o atual conceito de relação de emprego. O conceito de relação de trabalho nunca ocupou a pauta dos juristas e legisladores.

Note-se que falamos da legislação, por ter sido a CLT sempre a representação do espaço de atuação da Justiça do Trabalho, desde a criação de ambas [02], ficando assim excluídas as relações de trabalho sem subordinação de sua competência. A saudável celeuma se instalou tão-somente com a Emenda Constitucional n. 45/04, quando então, uma Carta Magna brasileira (incluindo as de 1934 a 1988 sem emenda) deixou de prever a competência da Justiça do Trabalho para as questões entre "empregadores e empregados" ou para outras regidas por lei especial, ampliando sua competência para todas as relações de trabalho. Vejamos:

1934

Art 122 - Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I.

1946

Art 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial.

1967

Art 134 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei especial.

1988

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, [...], e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, [...].

1988 – após EC 45/04:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

[...]

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei."

Assim, até a alteração da Carta Magna, em 2004, a relação entre advogados e seus clientes foi de competência indiscutível da Justiça Comum, tendo em vista que o trabalho do advogado liberal não é albergado pelo conceito do artigo 2º da CLT, e nem sua lei especial comanda a sua inclusão na refida competência.


A nova competência da Justiça do Trabalho

A Emenda Constitucional n.45 trouxe alterações ao texto da Carta Maior que não podem ser interpretadas de forma tão restritiva ao ponto de se considerar que nada inovaram.

Necessário verificar se a competência foi reduzida ou ampliada. Nota-se que foi ampliada, pois o antigo texto restringia a competência da Justiça Laboral para as relações entre trabalhadores e empregadores, apenas autorizando a análise de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho quando houvesse previsão em lei.

Pode-se dizer que a ampliação foi saudável porque a idéia de que a Justiça Laboral está adstrita à matéria tratada na CLT funda-se em um preconceito, que persiste e se reflete na resistência à nova competência Trabalhista. A Justiça do Trabalho não é a Justiça da CLT; não só as relações e pessoas lá inscritas têm espaço em sua competência. O constituinte fez romper este dogma, mas a aceitação total da mudança ainda será tema de muito debate.

Podemos observar que, por imperativo Constitucional, agora "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar [todas] as ações oriundas da relação de trabalho [e quaisquer] outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, [neste particular, somente] na forma da lei" (Art. 114, inc. I e IX). Uma limitação não pretendida pelo constituinte derivado será inconstitucional e uma sobre-vida ao "preconceito celetista"

Se houve ampliação da competência, importa notar quais questões ela passou a abarcar.


Mudança de critério e jurisdicionados abrangidos

É inegável que com a Emenda Constitucional 45, o constituinte derivado teve a intenção de inovar e expandir a competência da Justiça do Trabalho de relações de emprego, para relações de trabalho. Alterou o critério subjetivo (relação entre empregador e trabalhador) para o critério objetivo (matéria: lide originada de relação de trabalho).

Neste ponto, cabe fazer a distinção entre o conceito de empregado e o conceito do jurisdicionado com acesso a esta Justiça Especializada: o primeiro cinge-se à parte hipossuficiente dos contratos entre "empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço" e a "pessoa física que presta serivços de natureza não eventual [...], sob a dependência [daquele] e mediante salário". (texto da CLT, arts. 2 e 3).

Já a relação de trabalho que menciona o novo texto da Carta, aproveita do texto celetista apenas a "prestação de serviço" e "pessoa física", eis que caem as demais exigências.

A prestação de serviços inclui em seu conceito uma atividade com execução direcionada a um tomador, mas necessariamente com caráter profissional, sob pena de incluirmos favores no rol de serviços.

A necessidade de ser pessoa física restringe as atividades para somente as humanas e se explica pelo fato de que a contratação de uma pessoa jurídica exigiria prestação direta por pessoa diversa da contratada.

Assim, parcial razão tem o Procurador do Trabalho e doutrinador Renato Saraiva [03], quando prelecionou que "relação de trabalho corresponde a qualquer vínculo jurídico por meio do qual uma pessoa natural executa obra ou serviços para outrem, mediante pagamento de uma contraprestação". Faltou mencionar o caráter profissional da prestação, ou a atividade de um filho com fito na tradicional mesada, restaria abrangida.

A relação de trabalho, então, nos limites dos conceitos expressos acima, é toda prestação profissional de serviço por pessoa física, incluindo-se contratos de mandato, trabalho voluntário, estágio, corretagem, empreitada, agenciamento e outros. Devem ser ainda abrangidos todos os terceiros que tiverem questão que se originou da relação de trabalho, mesmo que dela não fizessem parte, como, v.g., a viúva de vítima de acidente de trabalho.

A subordinação, própria da relação de emprego, ora é desnecessária para configurar a competência da Justiça do Trabalho. O mesmo autor citado ensina que "um pedreiro, um pintor, um marceneiro, ou qualquer outro profissional autônomo que não receber pelos serviços prestados, embora não seja empregado do tomador de serviços em função da ausência de subordinação, ajuizará eventual demanda perante a Justiça laboral" [04] (sem grifo no original).

As relações de trabalho que não são empregatícias são inclusive chamadas agora de trabalho não subordinado, e os entendimentos que confirmam a competência da Justiça Laboral são inúmeros e, hoje, praticamente unânimes, com entendimento sedimentado pelo próprio TST que cancelou a Orientação Jurisprudencial nº 138 da SBDI-2, que excluia de sua competência a apreciação de " ação de cobrança de honorários advocatícios, pleiteada na forma do art. 24, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.906/1994, em face da natureza civil do contrato de honorários". (cancelada – DJ 10.05.2006).

A esse respeito, traz-se à baila conclusão proveniente de encontro de magistrados trabalhistas realizado em Belém, com o objetivo de discutir a nova competência da Justiça do Trabalho, assim vazado:

"COMPETÊNCIA. Critério de definição. A subordinação jurídica não mais define a competência da Justiça do Trabalho, que passou a abranger todas as espécies de contratos de atividade.";


Os honorários profissionais advocatícios

Os advogados são prestadores de serviços, por meio de contrato de mandato e honorários, devendo, desde que contratados como pessoa física, serem incluídos no rol de jurisdicionados sob o manto Trabalhista.

Este entendimento inovado já encontra reflexo em decisões do Tribunal desta região, como no acórdão de relatoria do MM. Juiz Gilmar Cavalheri, cuja ementa abaixo transcre-se:

RELAÇÃO DE TRABALHO. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LIDE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. o fato de serem aplicadas ao contrato de prestação de serviços as regras dispostas no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor ou mesmo em leis especiais atinentes ao profissional liberal não altera a natureza jurídica do pacto, que continua a gerar uma relação de trabalho. Não é, portanto, a fonte de direito material na qual se enquadra o pleito que tem força para estabelecer a competência, mas sim a expressa disposição no Texto Constitucional (art. 114 da CRFB/1988) quanto à constatação da existência de uma relação de trabalho "lato sensu" (Ac.-3ªT-Nº 00314/2007RO 00876-2006-041-12-00-0) (grifo nosso)

Outras Regiões já comungam também deste entendimento [05]:

"CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45.


Advogado e cliente - relação de trabalho ou de consumo

Embora uma relação jurídica não exclua a outra (consumo x relação de trabalho), vamos analisar o entendimento segundo o qual a relação entre advogado e seu cliente seria uma relação de consumo, com base nos conceitos do Código de Defesa do Consumidor: destinatário final vs. prestador de serviço.

A ausência de razão que assista a esta tese, justifica-se por toda particularidade e regramento específico que cerca o mister do advogado, sobre tudo, em razão de estarem seus serviços fora do comércio, no sentido de lhes ser vedado captar clientes, prometer resultados ou fazer publicidade ostensiva. 

O Estatuto que regulamenta esta profissão é a Lei 8.906/94, cujo artigo 33 exige do advogado o cumprimento rigoroso dos deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.

Esta norma, por seu turno, estabelece que:

Art. 5º. O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.

[...]

Art. 7º. É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela.

Em brilhante voto [06], o ilustre Ministro César Asfor Rocha pondera com maestria o tema, aduzindo que:

"... os serviços advocatícios não estão abrangidos pelo disposto no art. 3°, § 2°, do Código de Defesa do Consumidor, mesmo porque não se trata de atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados - como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31, § 1°, e 34, III e IV, da Lei n° 8.906/94) - evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo..."


Da hipossuficiência como excludente de competência

Outra vertente, representante de poucas mentes, permanece a excluir da competência Laboral a atividade do advogado, arrimando-se em suposta falta de hipossufiência por parte deste profissional, em comparação com outros trabalhadores, verbi gratia, uma pessoa que faça faxinas sem vínculo de emprego (diarista).

Tal sorte de interpretação encontrou abrigo em decisão exarada por Excelentíssimo Juiz de primeira instância, no processo 03452-2007-034-12-00-0, da 4ª Vara do Trabalho de Florianópolis/SC, sob pendência de recurso:

"O texto constitucional, ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho não se referiu à prestação de serviço (o que englobaria as relações de consumo), mas às relações de trabalho, por certo objetivando que permanecesse sob a órbita da competência da Justiça especializada, as relações em que o trabalhador é hipossuficiente e dependente economicamente do tomador e não toda e qualquer prestação de serviços. É o caso, por exemplo, da diarista que, embora não detendo a condição de empregada, depende economicamente da pessoa para a qual trabalha. Sempre foi o caso do pequeno empreiteiro, que labora como operário ou artífice."

Este argumento está eivado de vícios axiológicos, consistente na interpretação de que, sendo o empregado fraco em oposição ao empregador, que é forte, decorreria a conclusão de que o contratante de serviços de advocacia é fraco em oposição ao advogado. Respectivamente, um remunera, o outro é remunerado com dependência, o terceiro remunera e o último é remunerado, mas não teria dependência econômica.

Não é possível admitir esta teoria, pois seria incongruente com os preceitos da Carta Maior. Primeiro, porque tanto a profissão de advogado como a de diarista são exercidas com o objetivo de gerar a subsistência dos profissionais; então, dizer que advogado não depende economicamente do pagamento dos seus clientes é ter a visão romântica de que advogado é peça essencial da justiça e executa seu mister apenas para a preservação da Democracia, de forma absolutamente autruísta, doando seus serviços. Faltaria dizer de onde retiraria seu sustento.

Por outro lado, se a diferenciação estivesse em considerar que uma diarista é pessoa humilde, ou néscia, enquanto que os advogados são melhor preparados acadêmica ou intelectualmente, é fazer uma discriminação da primeira classe mencinada, para em seguida criar uma diferenciação entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos, como veda explicitamente o artigo 5º da Constituição Federal, no inc. XXXII.

Dúvidas não restam de que foi intenção das mudanças implementadas na Carta Maior, fazer da Justiça do Trabalho verdadeiramente uma justiça do trabalho e não só do emprego. Fica forte que a nova competência passou a albergar a relação do advogado e seu cliente.


Notas

  1. SÜSSEKIND, Arnaldo. et al. Insituições de direito do trabalho. 16ed. atual. São Paulo: LTr, 1996, pág 57
  2. a primeira, apesar de instituída pela Constituição de 1934, art. 122, apenas em 1941 foi efetivamente instalada em todo o território nacional.
  3. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Métodos, 2005, pág. 71.
  4. Op. cit. pág. 72
  5. TRT19, Tribunal Pleno, AP 00191-2005-007-19-00-3/2005, rel. José Abílio, DOE/AL: 10/01/2006
  6. STJ, 4ª Turma, REsp 532377/RJ, Recurso Especial 2003/0083527-1, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 13/10/2003, p. 373.