"A humanização do meio ambiente laboral como fator de evolução social"


Porgiovaniecco- Postado em 08 outubro 2012

Autores: 
PINHEIRO, Magna Aureni.

 

 

A finalidade do Direito do Trabalho é promover a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores, por meio de seus princípios básicos, especialmente por meio do princípio da proteção.

 

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde como: “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença.” 

Humanização do meio ambiente de trabalho significa criar ambientes de trabalho que promovam e protejam a saúde do trabalhador em todos os aspectos, incluindo, além do ambiente físico, os fatores psicossociais.

O ambiente físico de trabalho se refere a estrutura, ar, maquinário, móveis, produtos, substâncias químicas, materiais e processos de produção no local de trabalho. Estes fatores, se não administrados de acordo com as normas trabalhistas vigentes, podem prejudicar a segurança e a saúde física dos trabalhadores, bem como sua saúde mental e seu bem-estar. Nos casos em que os trabalhadores executam tarefas em um veículo ou ao ar livre, os veículos ou os locais ao ar livre também fazem parte do ambiente físico de trabalho.

O ambiente psicossocial do trabalho inclui a cultura organizacional, bem como atitudes, valores, crenças e práticas cotidianas da empresa, e exercem influência sobre o bem-estar físico e mental dos trabalhadores. Fatores que podem causar estresse emocional ou mental são muitas vezes chamados de “estressores” do local de trabalho.

Podem ser apontados como exemplos de perigos psicossociais: deficiência na organização do trabalho, que se manifesta na pressão quanto ao cumprimento de prazos, falta de reconhecimento e comunicação deficiente; cultura organizacional onde há falta de normas e procedimentos relacionados à dignidade e respeito para com os trabalhadores, intimidação, discriminação; estilo de gestão onde há ausência de negociações, comunicação recíproca, feedback construtivo e gestão do desempenho de forma respeitosa; medo da perda do emprego devido a fusões, reorganizações ou ao mercado de trabalho.

Recentemente foram veiculadas na imprensa nacional[1] as condições precárias de trabalho nas oficinas de costura das grandes cidades brasileiras, cujos trabalhadores são oriundos de regiões mais pobres do país, ou mesmo de países vizinhos, onde faltam empregos, como a Bolívia.

Também os trabalhos realizados no corte de cana nas usinas de álcool, ou no setor de produção dos frigoríficos e indústrias de alimentos pelo país afora, são exemplos de que ainda nos dias atuais, as condições de trabalho em alguns lugares pouco melhoraram.

O aumento do número de usinas de produção de etanol tem revelado a situação precária dos trabalhadores que atuam no corte de cana, um verdadeiro contraste com a riqueza do setor sucroalcooleiro. Além de ser um trabalho naturalmente penoso, em geral no corte de cana[2] as pessoas trabalham em condições degradantes, de modo que este setor é responsável por grande número de resgate de trabalhadores por grupos de fiscalização do Ministério do Trabalho, em razão de alojamentos sem higiene, da ausência de equipamentos de proteção individual, condições de trabalho desumanas, enfim por serem vítimas de "redução a condição análoga à de escravo", crime tipificado pelo art. 149 do Código Penal. A expressão “análoga à de escravo” utilizada pelo Código Penal tem um sentido amplo, pois designa falta de liberdade, jornada de trabalho exaustiva ou em condições degradantes. Só para se ter uma ideia, entre 1995 e 2008, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho resgatou 30.036 trabalhadores no Brasil nestas condições.

Além disso, o noticiário nacional destaca diversos relatos sobre a disseminação, entre os trabalhadores do corte de cana, do uso de crack, droga ilícita que é um subproduto barato da cocaína e ainda mais destrutivo e capaz de criar dependência. A droga, segundo depoimento dos próprios trabalhadores, é usada para aumentar sua produtividade, e também para tirar as dores do corpo. Mas depois o corpo debilita e adoece.

Assim relata Leonardo Sakamoto[3] em seu artigo: Desde que seja para trabalhar, toleramos quem fica “doidão”:

Trabalhadores rurais chegam a derrubar mais de 12 toneladas de cana em um dia de serviço, incentivados pelo modelo de produção (o salário tem uma parte fixa, pequena, e uma variável – que depende de quanto se corta). De acordo com o diretor de um sindicato de trabalhadores rurais, há registro de um recordista com 30 toneladas em um único dia. O corpo vai ao limite em busca de ganhar mais para voltar para casa reconhecido como uma pessoa de valor e com dinheiro para ajudar a família. E, ao final do expediente, o crack ajuda a tirar as dores do corpo.

No mundo moderno, ambientes de trabalho que valorizem o ser humano e respeitem seus direitos fundamentais é algo que ainda precisa ser conquistado. Em tempos de globalização, da competitividade que conduz à busca por redução de custos e maior produtividade, são constantes as cobranças por alcance de metas e jornadas excessivas em todos os setores da economia.

Embora a Constituição de 1988 mencione a possibilidade de prorrogação de jornada de trabalho, as horas extras previstas no art. 61 da Consolidação das Leis do Trabalho, estas foram viabilizadas somente em duas hipóteses: inseridas em sistema de compensação e de forma esporádica. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência continuam não aplicando o texto constitucional, pois ainda é aceita jornada extra de forma habitual, onde apenas se exige o pagamento com acréscimo mínimo de 50% das horas de trabalho extraordinário.

Ao tratar sobre horas extras, Otávio Amaral Calvet[4] nos fala sobre o direito social ao lazer. Para ele, embora este direito apresente-se de forma lacônica e sem determinação de seu conteúdo no rol do art. 6.º da Constituição Federal, dentre os dois grupos de direitos fundamentais, de defesa e prestacionais, o lazer se insere na segunda modalidade, sendo o lazer, portanto, um direito fundamental.

Na opinião de Calvet :

Sempre que o empregador exigir horas extras, fora dos casos excepcionais previstos no art. 61 da CLT e do sistema de compensação de jornadas, há flagrante lesão ao direito social ao lazer, pois o labor excessivo por longos períodos de tempo impede que o empregado se desenvolva como ser humano, atrofiando suas aptidões naturais e passando ele a viver exclusivamente condicionado ao trabalho produtivo, usufruindo do pouco tempo livre que lhe resta apenas para repor suas energias físicas e mentais, para  que possa estar apto ao labor no dia seguinte, literalmente perdendo tempo de vida e restando impossibilitado de aproveitar as oportunidades que esta lhe traz. 

De acordo com o documento “Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação”, elaborado pela Organização Mundial de Saúde, vários movimentos mundiais de empresários e consumidores que consideram a ética importante, introduziram os selos de “comércio justo” que são atraentes para os consumidores de países desenvolvidos. Esses rótulos têm por objetivo assegurar a saúde e o bem estar social dos produtores, bem como proteções ambientais no que se refere ao processo produtivo[5].

No Brasil, entre as iniciativas oficiais para combater o trabalho escravo, está a publicação das portarias 504, do Ministério do Trabalho e Emprego, e 1.150, do Ministério da Integração Nacional. A primeira criou o cadastro de pessoas físicas e jurídicas que exploram o trabalho “em condições análogas à de escravo”. A segunda recomenda aos órgãos financeiros que não lhes concedam financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência com recursos. Elas inspiram propostas de mudança na constituição para agravar as penas por este tipo de infração. Recentemente foi aprovada na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional n.º 438 de 2001, que prevê a expropriação de propriedades rurais ou urbanas onde se constate a existência de trabalho escravo.  Até o momento, a Constituição apenas atinge com a expropriação propriedades onde haja cultivo de drogas ilícitas.

A maioria dos países possui leis de proteção ao trabalhador. Gradativamente o nível de conscientização mundial tem se desenvolvido, pois os acidentes de trabalho nos países subdesenvolvidos têm chamado a atenção da mídia mundial, razão pela qual estes estão cada vez mais preocupados com o cumprimento de normas relativas a saúde e segurança do trabalhador.

Segundo o documento elaborado pela OMS, as companhias multinacionais que tentam cortar os custos de segurança e saúde dos trabalhadores, transferindo seus processos industriais mais perigosos para os países onde as normas relacionadas a saúde, segurança e legislação trabalhista ou seu cumprimento são consideradas mais fracas, podem descobrir que as suas empresas e produtos tornam-se foco de intenso escrutínio da mídia e da comunidade internacional, prejudicando seus mercados e rentabilidade.

Ainda que analisado apenas sob o aspecto financeiro, um ambiente de trabalho que valoriza o ser humano é mais vantajoso para o empregador, considerando fatores como os custos de prevenção em relação aos custos resultantes de acidentes, e as conseqüências financeiras decorrentes das violações jurídicas de leis e normas de segurança e saúde no trabalho.

Além disso, uma empresa que mantém a humanização do ambiente de trabalho com certeza terá empregados mais produtivos e mais motivados. Com efeito, ao priorizar a saúde e segurança do trabalhador, a empresa evita afastamentos e incapacidades para o trabalho, minimiza os custos com saúde, bem como os custos relacionados à alta rotatividade, como treinamentos, recrutamentos e demissões e, por outro lado, aumenta a produtividade a longo prazo, bem como a qualidade de produtos e serviços.

Dessa forma, a saúde do trabalhador pode ser considerada como um patrimônio da empresa, lembrando que saúde não significa apenas o oposto de doença, mas um bem - estar físico, mental e social.

Mas humanização do meio ambiente do trabalho é muito mais do excluir perigos físicos ou psicossociais. É importante ressaltar que ambiente de trabalho humanizado traz benefícios não só para empregados, mas também para empregadores e a sociedade na qual estão inseridos. Dados demonstram que, a longo prazo, as empresas que promovem e protegem a saúde dos trabalhadores estão entre as mais bem sucedidas e competitivas.

Bob Briner,[6] autor do livro Os métodos de administração de Jesus, afirma que o caminho para o sucesso de um executivo é colocar  seus empregados e clientes em primeiro lugar, servi-los, indo ao encontro das necessidades deles. E explica:

Nos negócios, o oposto do modelo baseado no servir é aquele que pode ser descrito com as seguintes palavras: “Vamos pagar a estes pobres funcionários o mínimo possível e cobrar dos clientes o máximo pelos produtos que fabricarmos, com o menor custo, de forma que possamos lucrar tanto quanto possível”. Não é esse o caminho que leva ao sucesso.

De acordo com Ricardo Semler[7], palestrante e empresário brasileiro bem sucedido, é necessária uma nova cultura empresarial, uma filosofia que trate os funcionários com mais liberdade, que dê espaços à criatividade, respeite o ser humano, incentive a gestão participativa e motive a participação social.

Anualmente, no Brasil e em outros países do mundo todo, é publicado o ranking das empresas que se destacam pelo Índice de Felicidade no Trabalho. Recebe o título de Melhores Empresas para Trabalhar. A premiação pretende mostrar para as empresas que o funcionário é o elo mais importante da cadeia produtiva, e que sem motivação, os funcionários não trabalham bem e não agregam valor aos produtos da empresa.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A humanização do meio ambiente laboral é um fator de evolução social porque uma sociedade evolui à medida que melhora o padrão de qualidade de vida de seus integrantes. E boa qualidade de vida só é possível quando se pode prover o próprio sustento de forma saudável.

Trabalhar não é apenas um dever, mas direito constitucional garantido a todos, sem distinção. Através do trabalho, o homem mantém sua dignidade e obtém reconhecimento pelo esforço desenvolvido.

Entretanto, nos meios de produção, nas sociedades modernas, movidas pelas políticas neoliberais, muitas vezes a força de trabalho é usada como mercadoria, cujo preço é pago de acordo com a lei da oferta e procura. É prática comum empresas procurarem se estabelecer em locais onde haja pouca ou nenhuma oferta de emprego, na busca de mão-de-obra barata, como forma de reduzir custos e tornar seus produtos mais competitivos no mercado.

Quando sobrevêm crises financeiras, logo ocorrem demissões em massa, afetando toda a sociedade. O número de doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho causa prejuízo à sociedade como um todo. É preciso exigir dos empregadores consciência social, não só no tocante a demissões, mas sobretudo na atenção à saúde e segurança do trabalhador, pois, ao afetar a saúde de um trabalhador, afeta sua família e, indiretamente, toda a sociedade, além de onerar os cofres públicos, prejudicando o interesse coletivo.

O trabalho não pode ser fonte de expiações, mas, ao contrário, deve preservar a dignidade da pessoa humana e seus direitos fundamentais, pois somente com o respeito aos direitos humanos no mundo do trabalho é possível construir a paz social.

 

4. REFERÊNCIAS

MORAES, Maurício. Invasão silenciosa. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com

Acesso em: 15 de junho de 2012.

MAGALHÃES, Mário e SILVA, Joel - O Submundo da cana. Folha de São Paulo, 24.8.08.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho.13.ed.São Paulo:Atlas, 2001.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Interpretação da Convenção 158 da OIT. Dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto aplicável. Disponível em: <HTTP:// jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820> Acesso em 28/03/2011. Material da Aula 4 da Disciplina: Direitos Fundamentais e Tutela do empregado, ministrada no Curso de Pós- Graduação Televirtual em Direito  e Processo do trabalho,2011.

SAKAMOTO. Leonardo.Desde que seja para trabalhar, toleramos quem fica “doidão”.

Disponível em:  <http://envolverde.com.br/sociedade/trabalho> Acesso em: 11/06/2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIl. Consolidação das Leis do Trabalho- Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Leis e Códigos de A a Z do Mato Grosso do sul. São Paulo: conceito Editorial, 2011.

CALVET, Otávio Amaral. CALVET, Otávio Amaral. A eficácia horizontal imediata do direito ao lazer nas relações de trabalho. Direito ao Lazer nas Relações de Trabalho, 1ª edição, Rio de Janeiro: Labor Editora, 2010, pág.106 a143. Material da Aula 3 da Disciplina: Direitos Fundamentais E Tutela Do Empregado, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual em Direito e Processo do Trabalho, 2011, p. 18

Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação. Documento elaborado pela OMS em 2010 e traduzido pelo Sesi.  Disponível em:

BRINER, Bob.Os métodos de administração de Jesus; traduzido por Milton Azevedo Andrade. São Paulo: Mundo Cristão, 1997.

SEMLER, Ricardo. Virando a própria mesa: uma história de sucesso empresarial made in brazil. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.


[1] MORAES, Maurício. Invasão silenciosa. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com> Acesso em: 15 de junho de 2012.     

[2] MAGALHÃES, Mário e SILVA, Joel - O Submundo da cana. Folha de São Paulo, 24.8.08.

[3] Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em:  <http://envolverde.com.br/sociedade/trabalho> Acesso em: 11/06/2012.

[4] CALVET, Otávio Amaral. CALVET, Otávio Amaral. A eficácia horizontal imediata do direito ao lazer nas relações de trabalho. Direito ao Lazer nas Relações de Trabalho, 1ª edição, Rio de Janeiro:Labor Editora, 2010, pág106 a 143. Material da Aula 3 da Disciplina: Direitos Fundamentais E Tutela Do Empregado, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual em Direito e Processo do Trabalho, 2011, p. 18

[5] Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação. Documento elaborado pela OMS em 2010 e traduzido pelo Sesi. 

[6] BRINER, Bob.Os métodos de administração de Jesus; traduzido por Milton Azevedo Andrade. São Paulo: Mundo Cristão, 1997.

[7] SEMLER, Ricardo. Virando a própria mesa: uma história de sucesso empresarial made in brazil. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

 

http://www.meuadvogado.com.br/entenda/a-humanizacao-do-meio-ambiente-laboral-como-fator-de-evolucao-social.html