Imunidade de impostos no Brasil e a maçonaria


Porwilliammoura- Postado em 02 maio 2013

Autores: 
ARAÚJO, Anildo Fabio de

 

Analisa-se processo em trâmite no STF, mediante Recurso Extraordinário, que visa assegurar a imunidade religiosa e/ou de entidade de assistência social à Maçonaria, entidade presente em muitos países e que desperta interesse das pessoas dos mais diversos ramos da sociedade.

1 – INTRODUÇÃO:

O presente estudo é resultante de caso em julgamento no Supremo Tribunal Federal do Brasil, relacionado com o meu projeto de investigação apresentado na Universidad del Museo Social Argentino – UMSA, em Buenos Aires, Argentina, da tese do Curso de Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais: “A Maçonaria, a Igreja e outras fontes do Constitucionalismo e os símbolos oficiais.”

Ele tem por objetivo analisar lide processual em trâmite no Supremo Tribunal Federal do Brasil, mediante Recurso Extraordinário, que visa assegurar a imunidade religiosa e/ou de entidade de assistência social à Maçonaria, entidade presente em muitos países e que desperta interesse das pessoas dos mais diversos ramos da sociedade.

Além de relacionado com o meu projeto de investigação, o presente estudo também se relaciona com minha atividade profissional, perante a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que atua na execução fiscal (art. 131, § 3º, da Constituição Federal de 1988) e na defesa de processos tributários, no âmbito administrativo e judicial (art. 12, da Lei Complementar nº 73/1993 – Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), em que a União (Receita Federal do Brasil e a Fazenda Nacional) sejam partes (requerida, interessada, autora, credora, exeqüente, embargada, recorrente/recorrida, etc.).


2 – IMUNIDADE:

Inicialmente, compreendo ser necessário analisar o que é a imunidade tributária no Brasil.

Vittorio CASSONE (in “Direito Tributário”, 13ª edição, Atlas, São Paulo, p. 122), define e classifica, de forma clara e objetiva, o instituto da imunidade tributária:

“A imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar, prevista expressamente pela Constituição Federal. Significa dizer que a pessoa e/ou o bem descrito pela Constituição não podem sofrer tributação..................................................................

Há na Constituição cinco categorias de imunidades, a saber:

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b. objetiva: quando veda a tributação sobre determinado bem (aspecto objetivo): é vedado instituir impostos sobre ‘templos de qualquer culto’; imunidade aos livros, jornais, periódicos e ao papel destinado a sua impressão;

.................................................................”

Vittorio CASSONE (in “Interpretação no Direito Tributário – Teoria e Prática”, Atlas, São Paulo, 2004, p. 218), complementa: “Essas vedações e exclusões, previstas na CF, a doutrina convencionou chamar de imunidade, assim reconhecida pelo STF.”

Celso Ribeiro BASTOS (in “Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário”, Editora Saraiva, São Paulo, p. 129/130) esclarece:

“A imunidade é de fato uma regra de competência negativa, quer dizer, define, ao nível da própria Constituição, algumas áreas em que o Estado não pode exercer a sua competência tributária.

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Gilberto de Ulhôa Canto define com extremo rigor essas três figuras:

‘Imunidade é impossibilidade de incidência, que decorre de uma proibição imanente porque constitucional, impossibilidade de um ente público dotado de poder impositivo, exercê-lo em relação a certos fatos, atos ou pessoas. Portanto, é, tipicamente, uma limitação à competência tributária, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sofrem por força da Carta Magna, porque os setores a eles reservados na partilha da competência impositiva já lhes são confiados com exclusão desses fatos, atos ou pessoas.”

Gilmar Ferreira MENDES (in “Curso de Direito Constitucional”, 6ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2011, p. 1482/1483) discorre sobre as imunidades tributárias:

“11. IMUNIDADES

Tradicionalmente, as imunidades têm sido compreendidas, ao lado dos princípios, como espécies de ‘limitações ao poder de tributar’, na clássica terminologia de Aliomar Baleeiro. A diferença é que, enquanto estes disciplinam a forma de exercício da competência tributária, aquelas estabelecem hipóteses em que a competência não pode ser exercida de forma alguma. As imunidades estabeleciam verdadeiros limites ou proibições ao exercício do poder de tributar. Em certo sentido, é possível reconhecer nas imunidades formas de demarcar a competência tributária, isto é, diretrizes que compõem o próprio limite daquilo que é demarcado. A competência já nasce delimitada.

A Constituição alberga imunidades genéricas no tocante a todos os impostos, em princípios, além de outras específicas que só se aplicam a determinados impostos. O STF já decidiu, na ADI 939, que algumas imunidades configuram verdadeiras garantias constitucionais em defesa de liberdades públicas consagradas no texto constitucional, tais como liberdade sindical, liberdade de culto, liberdade de organização partidária, liberdade de expressão intelectual e liberdade de informação. Em outras palavras, ‘A imunidade tributária não constitui um fim em si mesma. Antes, representa um poderoso fato de contensão do arbítrio do Estado na medida em que esse postulado da Constituição, inibindo o exercício da competência impositiva do Poder Público, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas’ (ADI 939/DF).”


3 – IMUNIDADE RELIGIOSA NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL:

Durante o período colonial, a Igreja Católica Romana era a religião oficial do Império do Brasil (art. 5º, da Constituição de 1824). Após a Proclamação da República, foi estabelecida a Laicidade do Estado, ou seja, desde então não existe religião oficial no Brasil (art. 72, § 3º, da Constituição de 1891).

Até a Constituição de 1946, a imunidade tributária de todos os templos de qualquer culto não era assegurada nas Constituições do Brasil. A partir da Constituição Federal de 1946 é que os textos constitucionais passaram a consagrar, de forma ampla, a imunidade religiosa:

a) Constituição de 1946:

“Art. 31. À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:

............................................................................

V – lançar imposto sobre:

............................................................................

b) templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins;

...........................................................................”

b) Emenda Constitucional nº 18, de 1965:

“Art. 2º. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

............................................................................

IV – cobrar impostos sobre:

............................................................................

b) templos de qualquer culto;

...........................................................................”

c) Constituição de 1967:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

............................................................................

III – criar imposto sobre:

............................................................................

b) templos de qualquer culto;

...........................................................................”

d) Emenda Constitucional nº 01, de 1969:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

............................................................................

III – instituir impostos sobre:

............................................................................

b) templos de qualquer culto;

...........................................................................”

e) Constituição de 1988:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

............................................................................

VI – instituir impostos sobre:

............................................................................

b) templos de qualquer culto;

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§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”

A imunidade religiosa decorre da liberdade religiosa, da Laicidade do Estado e da vedação constitucional para os membros da Federação de criação, estabelecimento, subvenção ou embaraço ao exercício das igrejas e cultos religiosos (art. 11, 2º, da Constituição de 1891; art. 17, II, da Constituição de 1934; art. 32, b, da Constituição de 1937; art. 31, II, da Constituição de 1946; art. 9º, II, da Constituição de 1967; e art. 19, inciso I, da Constituição de 1988).


4 – DOUTRINA CONSTITUCIONAL:

A imunidade tributária no Brasil abrange apenas os impostos, não se aplicando às taxas (de iluminação pública, de limpeza, de esgoto, etc.), contribuições de melhorias, tarifas (de água, de luz, de telefone, etc.), pedágios, etc.

Neste sentido, José Afonso da Silva (in “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 9ª edição, Malheiros, São Paulo, 1994, p. 607) explica:

“IV – Imunidadades. As imunidades fiscais, instituídas por razões de privilégio, ou de considerações de interesse geral (neutralidade religiosa, econômicos, sociais ou políticos), excluem a atuação do poder de tributar. Nas hipóteses imunes de tributação, inocorre fato gerador da obrigação tributária. Nisso diferem imunidades e isenções, pois, relativamente a estas, dá-se o fato gerador da obrigação tributária, mas o contribuinte fica apenas isento do pagamento do tributo. As imunidades configuram privilégios de natureza constitucional e não podem estender-se além das hipóteses expressamente previstas na Constituição, que, em seu art. 150, IV, veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (é a chamada imunidade recíproca); b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) o livro, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Note-se que só existe imunidade quanto aos impostos.14 Ela não beneficia as taxas nem as contribuições de melhoria nem as demais contribuições fiscais ou parafiscais. (...)”

Ao tratar das Imunidades Religiosas, Alexandre de MORAES (in “Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional”, 7ª edição, São Paulo, Atlas, 2007, p. 1871) enfatiza:

“Ressaltamos, porém, como o fez Aliomar Baleeiro, que:

‘o templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga ou edifício, onde se celebra a cerimônia pública[1], mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência oficial do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregados para fins econômicos.’

Dessa forma, a imunidade tributária referente aos templos dos cultos religiosos deve estar relacionada com os imóveis necessários ao exercício de suas finalidades essenciais, entendidos não somente como os imóveis ligados à realização das cerimônias e liturgias, mas também os imóveis relacionados diretamente com essas atividades, tais como os seminários, conventos, as sacristias e a residência oficial dos ministros religiosos.

Trata-se, pois, de garantia instrumental à liberdade de crença e culto religiosos prevista no art. 5º, VI, do texto constitucional, cuja finalidade é impedir a criação de obstáculos econômicos – por meio de impostos –, à realização de cultos religiosos.”

Gilmar Ferreira MENDES (in “Curso de Direito Constitucional”, 6ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2011, p. 1483/1485):

“Outra imunidade prevista, no art. 150 da Constituição Federal, é a que beneficia templos de qualquer culto. A palavra ‘templo’, no dispositivo, designa o local onde se pratica toda manifestação organizada de religiosidade, ainda que não seja um prédio. A proteção é válida para qualquer religião licitamente praticada. O Estado é laico: nenhuma religião é acolhida, mas todas são respeitadas. Protege-se aqui a livre manifestação de religiosidade.

Quanto à extensão, a imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, abrange não apenas os prédios destinados ao culto, também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da CF, como se decidiu no RE 325.822, julgado em 2002.

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Nesse caso, ‘o fato de os imóveis estarem sendo utilizados como escritório e residência de membros da entidade não afasta a imunidade prevista no art. 150, VI, alínea c, § 4º, da CF’ (RE 221.395). O importante é que não se perca a vinculação entre o uso do bem e as finalidades essenciais à instituição. Já se decidiu inclusive que ‘eventual renda obtida pela instituição de assistência social mediante cobrança de estacionamento de veículos em área interna da entidade, destinada ao custeio das atividades desta, está abrangida pela imunidade prevista no dispositivo sob destaque’ (RE 144.900). Os cemitérios, entendidos como extensões de entidades de cunho religioso, estão abrangidos pela garantia contemplada no art. 150 da Constituição do Brasil (RE 578.562).

No julgamento dos Embargos de Divergência no RE 210251/SP, o STF firmou precedente estendendo o alcance da imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal para alcançar inclusive tributos ditos ‘indiretos’, desde que situada a entidade imune como contribuinte de direito. O caso tratava de instituição beneficente que buscava imunidade em relação ao ICMS cobrado pelo fisco paulista sobre o comércio de pães por ela produzido. Decidiu-se que a referida atividade estava abrangida pela imunidade mencionada, ainda que o ônus econômico pudesse ser transferido ao consumidor final. A imunidade viria a título de incentivar e incrementar a eficiência dos serviços prestados pela entidade imune, justificando-se, dessa forma, a vantagem concorrencial eventualmente ensejada pela regra imunizante.”




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