A indústria do tabaco e a teoria do abuso do direito


Porrafael- Postado em 01 novembro 2011

Autores: 
DELFINO, Lúcio

A indústria do tabaco e a teoria do abuso do direito

Há quem entenda inaplicáveis as normas do CDC em ações indenizatórias movidas contra a indústria do fumo. De qualquer sorte, uma outra fundamentação é adequada para impingir responsabilidade civil nessas circunstâncias: a teoria do abuso do direito.

Sumário: 1. Introdução. 2. Breve esboço histórico. 3. Teorias. 4. Natureza jurídica. 5. A aplicação da teoria no direito brasileiro e a sua recente positivação pelo Código Civil de 2002. 6. A definição de abuso do direito e os seus critérios de aplicabilidade. 7. A caracterização do abuso do direito perpetrado pela indústria do tabaco. 7.1. A incidência do dever de boa-fé entre os contratantes, mesmo antes da publicação do código de defesa do consumidor. 7.2. A postura adotada pela indústria do fumo para garantir a comercialização de seus produtos: omissão intencional de informações. 7.3. A postura adotada pela indústria do fumo para garantir a comercialização de seus produtos: oferta publicitária insidiosa promovendo o consumo de cigarros. 8. Ainda sobre a caracterização do abuso do direito perpetrado pela indústria do tabaco. 8.1. O desrespeito pela indústria do tabaco dos valores da boa-fé e dos bons costumes. 8.2. O desacato da indústria do tabaco à finalidade econômica do seu direito de produzir e comercializar cigarros. 8.3. O desrespeito pela indústria do tabaco à finalidade social do seu direito de produzir e comercializar cigarros. 9. Conclusões.


1. Introdução

Há quem entenda inaplicáveis as normas do CDC em ações indenizatórias movidas por fumantes, familiares desses, ou entidades legitimadas para tanto contra a indústria do fumo, em função dos danos a eles causados por doenças oriundas do consumo do tabaco. De qualquer sorte, uma outra fundamentação também se mostra perfeitamente adequada para se impingir à indústria do fumo responsabilidade civil nessas circunstâncias: a teoria do abuso do direito. [01]

Esse raciocínio, por certo, alicerça, de maneira ainda mais sólida, a tese de que as empresas do fumo são realmente responsáveis pelos danos que seus produtos causam àqueles que os consomem, ou se expõem à sua fumaça tóxica. Consoante afirmado, não são raras as vozes a insistirem numa propensa imprestabilidade da Lei n.º 8.078/90 para reger relações firmadas entre tabagistas e empresas responsáveis pela fabricação e fornecimento de cigarros, fundando seu pensamento, no mais das vezes, no fato de que os consumidores atualmente portadores de doenças tabaco-relacionadas, provavelmente se iniciaram no fumo anos antes da publicação dessa mesma Legislação. [02] Portanto, seu juízo escora-se numa problemática voltada ao direito intertemporal – raciocínio já rebatido em capítulo próprio.

Nem de longe o Direito pode ser enquadrado no rol das ciências exatas. Nele, a dialética encontra porto seguro. Daí a conveniência de se criarem novas argumentações voltadas a rechaçar teses que, na ótica do pensador, aparentam-lhe imprecisas, ou mesmo, intoleráveis. Metaforicamente, essas novas idéias seriam pequenas sementes semeadas no solo fértil do seio social, as quais, depois de aguadas e adubadas, certamente produzirão frutos de grande valia à sociedade.

Logo, o que aqui se propõe é a análise da teoria do abuso do direito, e isso com a intenção firme de tornar evidente que ela também se mostra plenamente capaz de estear, de maneira segura, pretensões de ressarcimento civil endereçadas às empresas de tabaco.


2. Breve esboço histórico

A doutrina do abus du droit é velha nas suas origens, encontrando em vários textos do direito romano o fundamento de sua afirmação. Entretanto, eles muitas vezes se contradizem: enquanto uns afirmam o princípio de um absolutismo sem peias no exercício dos direitos (concepção individualista do direito), outros representam a consagração dos princípios modernos da relatividade dos direitos, do seu exercício social (teoria medieval da aemulatio) [03].

Conquanto controvertida a questão de saber se no direito romano vigorava a proibição do ato emulativo, prevalece a opinião segundo a qual, já naquela época, observar-se um desenvolvimento gradual para se limitar o uso abusivo do direito de propriedade, de maneira especial quando o seu exercício era pautado pelo ânimo de lesar alguém sem utilidade própria para o agente – esse o escólio, dentre outros, de Josserand [04] e Alexandre Augusto de Castro Corrêa. [05] Destarte, é predominante o entendimento de que, já no direito romano, havia germes de uma teoria geral do abuso do direito, porquanto não se permitia o exercício de direitos quando pautado numa intenção manifesta de se lesar alguém.

De qualquer forma, a teoria do aemulatio – segundo a qual o ato praticado com intenção maligna de lesar e sem uma utilidade própria acarretava responsabilidade ao agente – encontrou seu maior desenvolvimento no direito medieval, alastrando-se não só sobre as matérias de direitos reais, senão ainda sobre as relações obrigacionais. Em verdade – esclarece Leonardo Mattietto, citando Ugo Gualazzini –, foi somente na Idade Média que o problema do abuso do direito começou a despertar a atenção dos juristas, obrigando-os a criar uma teoria voltada a definir os limites do uso do próprio direito, de modo e forma que não resulte em dano ou moléstia a outrem, sem uma própria vantagem real ou concreta [06].

A doutrina que pregava a proibição dos atos emulativos acabou se alargando, para alcançar não apenas aqueles praticados com animus aemulandi, devidamente provados; em várias circunstâncias, admitiu-se uma série arbitrária e indefinida de presunções diretas para demonstrar a existência do mesmo animus aemulandi, deduzindo-o da presença ou não de um interesse legítimo no cumprimento do ato que se desejava evitar. Dessa forma, incluíram-se entre os atos emulativos aqueles que denunciavam um mínimo interesse relativamente à prática que se desejava impedir [07].

Modernamente, foram pioneiros os textos legislativos do Código Civil da Prússia (1974), estabelecendo, de maneira clara e precisa, um princípio genérico que proibisse o abuso do direito, extensivo a todos os direitos em geral. Ademais, referido o Código limitava o exercício do direito de propriedade, dentro do mesmo critério de proibição dos atos emulativos – ressalte-se que principalmente nas relações entre proprietários, nos direitos de vizinhança, a proibição do ato emulativo teve numerosas aplicações [08].

O Código de Napoleão, criado sob o fundamento de igualdade perante a lei e sob uma concepção individualista, representa um sistema de direitos absolutos. O direito, então, seria um poder que emana da lei, como vontade geral, ou da vontade particular, nas suas múltiplas manifestações em atos jurídicos. Exercê-lo em toda a sua amplitude, ainda que viole terceiros, é prerrogativa legal – conquanto vigorassem dispositivos esparsos que proibiam a prática de atos emulativos. Dentro dessa concepção atomística da sociedade, que elevava o indivíduo a um ser abstrato, isolado, senhor irrestrito dos seus direitos, não se enquadrava um princípio genérico de restrição do exercício dos direitos [09].

A jurisprudência amotinou-se contra a rigidez dos princípios individualistas do Código de Napoleão, e agitou-se rapidamente contra o exercício intencionalmente malicioso e anormal, contra a finalidade dos direitos subjetivos, adotando o rumo abandonado pelo legislador. Apontam os escritores um sem-número de arestos que consagraram os princípios da teoria moderna do abuso do direito, em todas as relações jurídicas, não se atendo este movimento jurisprudencial à doutrina da aemulatio. Acabou condenando o exercício do direito, quando o seu titular não tinha legítimo interesse na sua ação, desviando-o de sua finalidade social e econômica [10].

Tal movimento jurisprudencial também surgiu na Bélgica, na Itália e na Espanha.


3. Teorias

É praticamente uníssona a idéia de que a responsabilidade civil pode resultar do exercício abusivo do direito, circunstância reforçada no País principalmente depois da publicação do CC de 2002, donde o abuso do direito encontra-se positivado como espécie de ato ilícito.

Entretanto, o atual estágio de desenvolvimento da teoria se deve a uma constante batalha travada entre alguns que a negavam por completo, e outros que a admitiam, divergindo apenas quanto ao fundamento dela.

A primeira das teorias defende que essa expressão – abuso do direito – encerra uma logomaquia – teoria essa sustentada por juristas do calibre de Planiol, Duguit, Baudry-Lacantinerie, Esmein, Barassi. Afinal, diziam seus defensores, quando alguém se vale de um direito que lhe pertençe, seu ato é lícito, e quando ele é ilícito, estar-se-á ultrapassando o próprio direito, passando-se a agir, a partir daí, sem direito. Defendia-se, pois, que todo ato abusivo, só por ser ilícito, não representava exercício de um direito; o abuso do direito, portanto, não seria uma categoria distinta do ato ilícito. Alguns, sintonizados com esse entendimento, chegavam a negar que o próprio exercício de um direito, com a intenção lesiva, pudesse acarretar a responsabilidade.

Sob outro norte, a tradicional teoria subjetiva pode ser divisada em duas principais correntes: para a primeira, o abuso ocorre quando o titular do direito o utiliza com o intuito específico de prejudicar outrem. Já para a segunda corrente, a caracterização do abuso sucede quando o titular vale-se de seu direito com negligência, imprudência ou imperícia em alto grau; sem esta "gravidade" no exercício do direito, o ato não se desloca da seara do lícito [11]. De qualquer modo, para os que se escoram nessas diretrizes teóricas, o abuso do direito encontra-se umbilicalmente vinculado ao conceito de culpa, de sorte que, sem ela, a tese mostra-se absolutamente inaceitável.

Parafraseando Rui Stoco, quando se fala em teoria subjetiva do abuso do direito, indica-se a presença do elemento intencional, ou seja, impõe-se ao agente a consciência de que seu direito, inicialmente legítimo e secundum legis, ao ser exercitado, desbordou para o excesso ou abuso, e, assim, lesionou ou feriu o direito de outrem. O elemento subjetivo é a reprovabilidade, a consciência de que algum mal poderá ser acionado, assumindo esse risco ou deixando de prevê-lo quando devia [12].

É precisa a lição de Camila Lemos Azi, ao afirmar que tais

teorias [...] não se coadunam com as tendências atuais do direito, que buscam conferir aos institutos a máxima operabilidade. Sempre que se torna necessário perquirir o ânimo do sujeito, a aplicação da norma resta dificultada, sendo mais proveitoso que se busquem critérios objetivos para garantir esta aplicação [13].

Talvez tenha sido a compreensão dessa idéia que levou alguns doutrinadores a delinearem teorias objetivas do abuso do direito, e estruturarem formas que autorizassem o julgador a prescindir da verificação da intenção do agente para precisá-lo. Aliás, Josserand, citado por Alvino Lima, dá uma noção clara do núcleo dessas teorias. Leciona o jurista que as faculdades objetivas são conferidas aos homens pelo poder público, tendo em vista a satisfação de seus interesses, mas não de quaisquer deles, e sim daqueles legítimos. Se o titular de um direito o executa fora de todo o interesse ou para a consecução de um interesse ilegítimo, ele abusa de desse seu direito, não merecendo a proteção legal. O exercício contrário à destinação econômica do direito, um verdadeiro contra-senso econômico, estabelece esta concepção de ordem econômica [14].

Porém – continua o mestre –, este critério econômico não abrange todos os direitos. É imperioso levar-se em conta outro meio de proceder a uma adequada avaliação, a saber, o desvio do direito da sua função social. Somente pelo critério finalista (função social) é que se mostra possível atingir a verdade integral; é por meio dele que se busca a finalidade dos direitos, sua função própria a cumprir. Cada um dos direitos deve realizar-se em conformidade com o espírito da instituição; os pretensos direitos subjetivos são direitos-funções, os quais devem permanecer no plano da função a ser por eles desempenhada, senão seu titular comete um desvio, um abuso do direito. O ato abusivo é aquele contrário ao fim da instituição, adverso ao seu espírito ou a sua finalidade [15].

Nessa ótica, e mesmo considerando a diversidade de teorias objetivas surgidas para explicar o abuso do direito, pode-se reuni-las na seguinte conclusão: sempre que o ato não for guiado por um motivo legítimo, desequilibrando os interesses em jogo, o exercício do direito será abusivo, mesmo que praticado sem nenhuma intenção de prejudicar alguém. A teoria objetiva impõe como abusivo o exercício anormal do direito, sempre que sua finalidade social e econômica for contrariada, e, por conseqüência, seus limites impostos pela boa fé e bons costumes forem transpassados, pouco importando a configuração da intenção malévola de se prejudicar outrem.


4. Natureza jurídica

Há aqueles que sequer admitem falar em abuso do direito, negando-o por completo. Outros, porém, aceitam-no como uma variedade do ato ilícito. Há, também, doutrinadores que vêem a teoria situada num terreno reservado, apartado da responsabilidade civil.

De todo modo, o problema situa-se realmente na seara da responsabilidade civil, de maneira que se deve considerar um alargamento na definição de ato ilícito para abarcar, também, o abuso do direito. Praticando-se um ato no exercício irregular de um direito, o ilícito se configura, porquanto se notabiliza uma conduta lesiva a um dever jurídico primário afeto à boa-fé, bons costumes e aos fins sociais e econômicos desse mesmo direito.

Lembre-se, aqui, a lição de Carvalho Mendonça ao asseverar que o ilícito não é só aquilo que se opõe a um imperativo explícito ou implícito da lei positiva, e sim, também, o que se põe em oposição aos costumes, aos princípios gerais e filosóficos do direito, às normas da eqüidade natural [16]. Josserand, citado por Alvino Lima, elucida que os direitos não se realizam rumo a uma direção qualquer, mas em um ambiente social, em função de sua missão e de conformidade com os princípios gerais subjacentes à legalidade – um direito natural de conteúdo variável, uma superlegalidade [17].

Diga-se, ademais, que o enquadramento do abuso do direito como espécie de ato ilícito foi a concepção adotada e positivada pelo CC de 2002 – consoante se verá adiante –, espancando-se, ao menos no ordenamento jurídico nacional, quaisquer dúvidas a respeito do assunto.


5. A aplicação da teoria no direito brasileiro e a sua recente positivação pelo Código Civil de 2002

É quase instintiva a conclusão de que o CC de 1916 não teria recepcionado a teoria do abuso do direito. Afinal, por ocasião da publicação daquela legislação, ela, a teoria, ainda se encontrava em estruturação.

Todavia, não faltaram vozes que buscavam um suporte legal para a aplicação do abuso do direito no País. A maioria entendia que essa teoria encontrava sustentáculo no art. 160, I, do CC de 1916, o qual literalmente previa não constituírem atos ilícitos, os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido. Uma conclusão fundada na análise invertida dos dizeres do artigo citado levou à dedução de que os atos praticados no exercício irregular de um direito reconhecido certamente configurar-se-iam ilícitos. Outros, porém, pugnavam pela aplicação do abuso do direito com base no art. 100 do mesmo Diploma Legal; também havia aqueles que preferiram alicerçar o emprego da teoria no art. 5º da LICC.

A respeito disso, veja-se a abalizada lição de Maria Helena Diniz:

Todavia, há no ordenamento jurídico brasileiro normas que, implicitamente, são contrárias ao exercício anormal de certos direitos. O art. 100 do Código Civil, ao prescrever que "não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito [...]", está considerando como coação a ameaça do exercício anormal de um direito, para extorquir de alguém uma declaração de vontade, logo, com maior razão está reprovando o efetivo exercício anormal desse direito. No art. 160, ao arrolar as causas excludentes da ilicitude, dispõe, dentre outros, que "não constituem atos ilícitos [...] os praticados [...] no exercício regular de um direito reconhecido", de forma que a contrário senso serão atos ilícitos os praticados no exercício irregular de qualquer direito. Nos arts. 554 e 564, p. ex., há uma reação contra o exercício abusivo dos poderes do titular do domínio, tais como o mau uso da propriedade, prejudicando a segurança, o sossego ou a saúde do vizinho; o desvio de águas de seu curso normal para utilizá-las em prédio que lhe pertença, onerando com o escoamento delas o dono do prédio inferiormente situado. No mesmo teor de idéias o art. 1530, que comina sanções ao credor que cometer a irregularidade de demandar o devedor antes do vencimento da dívida, fora dos casos permitidos em lei, caso em que ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Ter-se-á aqui a questão do excesso de pedido, em que o autor, movendo ação de cobrança de dívida, pede mais do que aquilo a que faz jus. Por isso, o demandante de má-fé deverá aguardar o tempo que falta para o vencimento, descontar os juros correspondentes e pagar as custas em dobro. Se agiu de boa fé, deverá pagar tão-somente as custas vencidas na ação de cobrança de que decairá, por ser intempestiva. Tal não ocorrerá se se tratar de hipóteses em que se tem o vencimento antecipado das obrigações (CC, arts. 762 e 954; Lei de Falências, art. 25; Lei n.º 6.024/74, art. 18, b). O mesmo se diga do art. 1.531 do Código Civil, que aplica sanções ao credor que demandar o devedor por dívida já solvida, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, pois ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação [18].

Destarte, a teoria do abuso do direito passou a ser empregada no Brasil mesmo na ausência de positivação lúcida e expressa a respeito dela. Inicialmente, foi utilizada para coibir o chamado dolo processual, reconhecido pelo CPC de 1939. Mais tarde, foi empregada como medida nos contratos de locação de imóveis urbanos, quando o locatário abusava de suas prerrogativas legais. A teoria também tinha serventia na solução de problemas de vizinhança, tendo sido igualmente aplicada no âmbito do direito administrativo, a fim de declarar a nulidade de atos praticados com desvio de sua finalidade [19].

Não se olvide, ainda, que a Lei consumerista, expressamente, positivou a teoria, referindo-se a ela em várias oportunidades. Nesse viés, tem-se contato com o abuso do direito já no art. 4º, VI, da citada Legislação, momento em que se trata dos objetivos e princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, sendo um deles a "coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores". Além disso, incluiu-se, dentre os direitos do consumidor, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra as práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Noutra parte, agora já na Seção V do Capítulo IV, especificamente no art. 28, encontra-se expressamente previsto que o juiz "poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social". A Seção IV do Capítulo V, por sua vez, foi destinada ao tratamento das "Práticas Abusivas", estabelecendo o legislador um extenso rol exemplificativo de atos abusivos. A Seção II, do Capítulo VI, trata das "Cláusulas Abusivas"; são várias situações – também previstas de forma exemplificativa – as quais, se constantes em contratos relacionados ao fornecimento de produtos (ou serviços), serão nulas de pleno direito, podendo o juiz, de ofício, decretar tal nulidade.

Hodiernamente, a teoria do abuso do direito ganhou positivação expressa também no âmbito civil. O CC de 2002 preleciona que cometerá ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187) [20]. Se dúvidas com relação à aplicação da teoria do abuso do direito no Brasil, ou quanto à sua natureza, pudessem ainda estar pendentes, depois da publicação do novo CC todas elas foram incondicionalmente dirimidas.


6. A definição de abuso do direito e os seus critérios de aplicabilidade

O legislador não é um ente supremo, um super-humano, um ser onisciente incapaz de cometer erros. Ao revés, a imprecisão das legislações produzidas é deveras demasiada. É atividade mental meramente utópica imaginar que as leis ainda poderão sintetizar, de maneira absolutamente inequívoca, as diretrizes a serem seguidas no exercício dos direitos, não deixando margem a dúvidas ou lacunas. É também pueril crer na possibilidade de se solver os problemas surgidos no seio social pela mera aplicação das leis positivadas, restringindo-se o papel do juiz ao de um autômato, uma máquina destinada a vomitar palavras previamente estabelecidas pelo legislador, conforme outrora já se acreditou.

O poder de interpretação e aplicação da lei pelo juiz sempre existiu. As necessidades sociais, múltiplas e tortuosas, não se suprem na palavra fria e rígida da lei, fazendo-se mister a presença de um intermediário que tenha condições de adaptar a fórmula às situações concretas postas em julgamento. Ripert, com toda a razão, já disse que "o juiz é o legislador dos casos particulares" [21]. À legislação cabe o papel de apresentar os contornos gerais do desenho legal; ao juiz compete preenchê-lo, dar-lhe o colorido necessário à definição ideal do caso concreto.

A admissão da teoria do abuso do direito certamente leva em consideração tal realidade. Ademais, quase sempre não se mostra possível estabelecer os limites objetivos da norma positiva, de uma maneira hermética. Aliás, hoje, a tendência legislativa é a de se criarem normas abertas, passíveis de atualização no tempo e espaço, em conformidade com o período histórico vivenciado e em observância às situações concretas postas em julgamento. Logo, cabe ao Judiciário o ofício de definir quais atos excederam o exercício regular de um direito, circunstância cuja solução, evidentemente, transfere à doutrina e jurisprudência o trabalho de elaboração de bases firmes acerca do conceito de abuso do direito e dos critérios a serem adotados para a aplicação efetiva da teoria na realidade forense.

Evidente haver um direito de se impingirem lesões a outrem. Muitas vezes, essa lesão é inevitável e fortemente amparada por lei, a exemplo do que ocorre na execução civil, em que o devedor ou responsável, muito embora amparado pelos princípios da dignidade humana e da menor onerosidade possível, certamente se verá obrigado a suportar os transtornos ocasionados pelos atos executivos de sub-rogação e/ou de coerção destinados à satisfação do crédito exeqüendo. [22]

Assim, realmente direitos existem a permitir lesões na esfera jurídica alheia. Entretanto, se no exercício deles os seus limites objetivos forem transpostos, estará o agente sujeito a ser responsabilizado civilmente pela ação ou omissão geradora do seu exercício irregular. Mas como se definir até onde pode ir o agente no exercício de seu direito? Quais os critérios que deverão orientar o julgador no caminho a ser percorrido para concluir se houve ou não exercício irregular ou arbitrário de um direito?

A doutrina tradicional, basicamente, definiu três critérios válidos a serem utilizados para se responsabilizar alguém por abuso do direito: a) intenção de lesar outrem, ou seja, o exercício de um direito com o intuito exclusivo de prejudicar – circunstância que deverá ser provada por quem a alega; b) ausência de interesse sério e legítimo; c) exercício do direito fora de sua finalidade econômica e social [23].

A dificuldade de se estabelecer uma fórmula única para definir o abuso do direito acabou superada com a publicação do CC de 2002. O art. 187 desse Diploma Legal denota uma opção manifesta do legislador pelo último critério, esse oriundo de um movimento doutrinário surgido para expandir o seu conceito, antes meramente ligado à proibição do ato emulativo e responsável pela demasiada circunscrição da aplicação dessa interessante e polêmica teoria.

Destarte, mesmo no exercício daquelas prerrogativas que a lei confere às pessoas, suas ações podem ferir interesses, lesar terceiros, produzir desequilíbrio social. Esta lesão dos direitos de terceiros poderá gerar responsabilidade, quando o agente negligencia certos ditames fundamentais da polícia jurídica, ordenados pela própria natureza das instituições. O simples fato de alguém se proclamar titular de um direito, nos termos objetivos da norma positivada, não dispensa uma vontade honesta; a consciência moral não pode jamais ser posta à margem, haja vista o fato de que há deveres em relação a outrem que nenhum direito permite violar [24]. Se o direito é o justo poder de agir, observando na ação os limites fixados na lei ou na estipulação consentida, urge – afirma Chironi – que essa ação se conduza dentro da sua própria finalidade, da sua distinção econômica e social [25].

Aquele que age com submissão apenas aos limites objetivos da lei, mas que, no exercício do direito que lhe confere o preceito legal, ofende os princípios da finalidade econômica e social desse mesmo direito, e, por conseqüência, as diretrizes da boa-fé e bons costumes [26], dando origem ao desequilíbrio entre os interesses individuais e os da coletividade, abusa de seu direito, mesmo que não tenha tido a intenção de lesar – independente, pois, de dolo ou culpa.

O fundamento principal do abuso do direito – leciona Sérgio Cavalieri Filho e Carlos Alberto Menezes Direito – é impedir que o direito sirva à opressão, evitar que o seu titular utilize seu poder com finalidade distinta daquela a que ele se destina. O ato é formalmente legal, mas o titular do direito desvia-se de sua finalidade, transformando-o em ato substancialmente ilícito. A conduta encontra-se em harmonia com a letra da lei, mas em rota de colisão com os seus valores éticos, sociais e econômicos, enfim, em confronto com o conteúdo axiológico da norma legal. A letra da lei não pode estar distanciada dos valores presentes na sociedade a que se destina [27].

A teoria do abuso do direito – esclarece Rui Stoco – se apóia no princípio da convivência, sendo imperioso conciliar-se a utilização do direito respeitando-se, sempre, a esfera jurídica alheia, fixando-lhe, pois, um limite. Destarte, o indivíduo, para exercitar o direito que lhe foi outorgado ou posto à disposição, deve conter-se dentro de uma limitação ética, além da qual desborda do lícito para o ilícito e do exercício regular para o abusivo [28].

É o art. 187 [29] do CC de 2002 uma norma aberta. Afinal, seria impossível ao legislador cristalizar, de forma rígida, numa única fórmula, a finalidade social e econômica do exercício dos direitos. [30] Tal dispositivo indica moralização, uma evidência vivaz da relatividade dos direitos, apregoando a infalibilidade das idéias que pregavam direitos subjetivos absolutos, oriundas do fetichismo da lei, da já anunciada onisciência do legislador e da ausência de lacuna na lei, princípios insustentáveis e desmoralizados [31].


7. A caracterização do abuso do direito perpetrado pela indústria do tabaco

Realizada a leitura das linhas traçadas até aqui, são quase automáticas as seguintes indagações: quão diferente seria o mundo, se há 40 ou 50 anos, a indústria do tabaco tivesse revelado suas pesquisas e conhecimento ao público mundial, esclarecendo-o acerca das moléstias que o ato de fumar pode acarretar à saúde do consumidor e sobre a natureza viciante da nicotina? A pandemia gerada pelo tabagismo, responsável por 10 mil mortes diárias no mundo, teria tomado forma se a indústria do fumo agisse, naquele tempo, nos moldes impostos pelo princípio geral da boa-fé e bons costumes?

A teoria do abuso do direito traduz uma concepção relativista do direito subjetivo, limitando sua atuação pelo repúdio ao caráter individualista que já o consagrou como absoluto. É um movimento repressivo à ultrapassada idéia liberalista, que valorizava o interesse particular, egoisticamente praticado, em detrimento do próprio interesse da coletividade.

Consoante a bem posta lição de Fábio Pallaretti Calcini,

o direito subjetivo há de ser vislumbrado por sua missão social, não podendo ser empregado em qualquer direção, não sendo, portanto, um direito-poder, mas um direito-função, que tem o indivíduo para auferir as benesses legais, sem, entretanto, atuar em prejuízo do interesse social [32].

Estaria a indústria do tabaco imunizada diante dessa realidade? Obviamente não. Aliás, consoante se verá, a inevitável conclusão extraída de todo esse contexto que envolve a indústria do fumo e as estratégias adotadas para fomentar o sucesso de vendas de seus produtos, é a de que sua postura não estava – e ainda não está – escorada no dever de lealdade para com o parceiro contratual, inerente ao princípio da boa-fé, já vigente antes mesmo da publicação do CDC.

7.1. A incidência do dever de boa-fé entre os contratantes, mesmo antes da publicação do código de defesa do consumidor

Em brilhante parecer [33], a professora Cláudia Lima Marques analisou os parâmetros legais do dever de boa-fé contratual e extracontratual, nos últimos 40 anos no Brasil, e construiu a fundamentação jurídica necessária para evidenciar o dever de lealdade da indústria do fumo para com os seus consumidores, bem assim, a conseqüente responsabilidade civil da primeira em razão dos danos acarretados aos últimos, considerando a publicidade insidiosa que difundiu massivamente e a omissão intencional de informações importantes acerca dos males gerados pelo consumo de cigarros.

Tal parecer, encomendado pelo Dr. Miguel Wedy, advogado da família de Eduardo Francisco da Silva – fumante morto em razão do consumo inveterado de cigarros –, e responsável pelo ajuizamento de uma ação de reparação de danos contra a Souza Cruz S.A. e a Philip Morris do Brasil S.A., representa uma das bases centrais na estruturação e desenvolvimento das idéias aqui apresentadas.

Mister esclarecer que muito embora tal trabalho tenha sido encomendado especificamente para ser utilizado num dos inúmeros processos existentes contra a indústria do fumo, e se encontre registrado sob insígnia ‘parecer’, representa ele, verdadeiramente, um estudo de profundidade, imparcial e realístico, que aborda o tema em várias de suas polêmicas facetas. Nem de longe é exagerado afirmar – repita-se – que o aludido ‘parecer’, pelo peso que possui a sua autora na comunidade jurídico-científica, representa mais um marco na disputa judicial travada entre fumantes e a indústria do tabaco no Brasil, e serve de robusto elemento para contribuir com a reviravolta jurisprudencial – que não tardará a ocorrer, acredita-se – a beneficiar os hipossuficientes da relação de consumo que envolve a comercialização de cigarros.

A brilhante jurista assevera que o princípio da boa-fé amolda-se como o fundamento jurídico do dever de lealdade (conduta) na sociedade brasileira, isso já bem antes da publicação da Lei n. 8.078/90. Sua análise e conclusão são pautados no CC (1916), Código Comercial (1850) e na própria CF (1988) [34]. Importante enumerar alguns dos pontuais ensinamentos ministrados pela professora Cláudia Lima Marques:

1) É correto afirmar que o princípio da boa-fé encontra-se inserido no ordenamento brasileiro desde 1850, especialmente naquilo que se refere ao dever informativo do profissional/fabricante ao consumidor/leigo. O princípio da boa-fé, já a esta época, influenciava todo o direito das obrigações no Brasil [35].

2) A regra de conduta da sociedade brasileira, notadamente nas relações entre profissionais (fabricantes de cigarros) e leigos (consumidores-fumantes), sempre foi e deve ser a da boa-fé e lealdade informacional! [36]

3) O princípio da boa-fé já vigorava no ordenamento jurídico brasileiro, por influência direta dos ensinamentos do Direito Romano. "A atividade criadora dos magistrados romanos [...] – segundo o magistério de Clóvis Couto e Silva, em sua tese de 1964, intitulada ‘A obrigação como processo’ – valorizava grandemente o comportamento ético das partes, o que se expressava, sobretudo nas ‘actiones ex fide bona’, nas quais o arbítrio do ‘iudex’ se ampliava para que pudesse considerar, na sentença, a retidão e a lisura do procedimento dos litigantes, no momento da celebração do negócio jurídico [37].

4) Obviamente, uma sociedade não pode se organizar com base na má-fé, nem aceitá-la se subjetiva, seja no contrato, nos direitos reais seja, igualmente, na relação extracontratual (ou pré-contratual), donde a segurança e a confiança naquilo que foi afirmado deve ser a regra para evitar o dano futuro [38].

5) Desde Roma, a confiança despertada pelos atos e palavras daquele que age na sociedade, nutrindo expectativas nos outros, é juridicamente importante e valorada, levando à criação e à transformação das relações jurídicas. Cita ensinamentos de Amélia Castresana:

A fides supõe, pois, ‘fazer o que se afirmou’, ‘cumprir o que se afirma ou promete’, ‘ter palavra’, como uma certa condição que, mantida ou prolongada nas relações entre os homens, gera uma confiança, um estado de confiança’ em relação ao sujeito, titular da ‘fides’, e, por ele, ‘homem de palavra’, ‘cumpridor de seus compromissos’ [39].

6) Apesar de não haver menção expressa no CC de 1916, Clóvis Couto e Silva identificava a presença e incidência do princípio da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro, desde 1850, notadamente no Código Comercial, em seu art. 131, I [40]. A jurista destaca a importância desse ensinamento para o caso examinado no parecer por ela desenvolvido, haja vista que o Código Comercial de 1850 já vigorava à época em que o consumidor/vítima iniciou-se no tabagismo [41].

7) As normas de conduta aplicáveis às relações mistas, logo, aos atos mistos, como as relações entre comerciantes e civis, hoje denominadas de relações de consumo, encontravam-se inseridas no Código Comercial de 1850 e, subsidiariamente, no CC de 1916 [42].

8) No tráfico jurídico, a boa-fé impõe uma conduta leal e cooperativa, em que a realização da liberdade negocial, ou verdadeira autonomia de vontade e de decisão de um leigo (no caso, consumidor), depende das informações, atos e omissões de um profissional (no caso, fabricante de cigarros), conduzindo-se lealmente. O grau de intensidade de tais deveres varia conforme o contato social (contrato, negócio jurídico etc.) e conforme os costumes morais da época; todavia, serão sempre os bons costumes e a lei o limite: nada pode ser de acordo com a boa-fé se é contrário aos bons costumes ou à atuação esperada de um homem médio diligente [43].

9) A boa-fé não é um paradigma apenas contratual, mas pré-contratual e extra contratual, e tem intensidades diferentes segundo o tipo de contato social (contrato, publicidade, embalagem, marca, delito, etc.) e também de acordo com os sujeitos da relação (profissionais, leigos, crianças, idosos, pessoa determinada, pessoa indeterminada, etc.). Quando se escolhe um parceiro contratual, deve-se com ele cooperar leal e fortemente. Quando se organiza e se veicula publicidade, sabe-se – num país como o Brasil – que ela será vista por pobres e ricos, letrados e iletrados, atingirá e criará, ou não, confiança em pessoas informadas e mediamente informadas. O contrato firmado com outro profissional, que é "expert" no produto comprado, não obriga o fornecedor a informar ou esclarecer todos os detalhes, mas, quando ele é feito com um leigo, informações e alertas simples podem ser importantes [44].

10) Ao citar Clóvis Couto e Silva, a professora leciona não bastar a mera informação, sendo imprescindível alertar e esclarecer, pois um é "expert"/profissional e detém a informação, o outro é leigo/consumidor e não a possui por inteiro [45].

11) Ainda com Clóvis Couto e Silva, assevera ela terem sido a boa-fé e os deveres de conduta por ela criados que diminuíram a importância da summa divisio entre responsabilidades contratual e extracontratual, impondo um paradigma de boa-fé a todos os contatos sociais [46].

12) Cita a posição de Jhering acerca da culpa in contrahendo, que lança luzes sobre a existência destes deveres de cooperação, de informação, de lealdade e de segurança, mesmo quando o contrato ou relação principal apresenta-se nulo ou já cumprido. A teoria da culpa in contrahendo – continua a jurista citando Johannes Koëndgen – impõe a necessidade de se considerar a existência de deveres da boa-fé nas aproximações negociais para vender (incluindo as práticas de publicidade e a informação prestada pelos representantes, fornecedores diretos), aceitar estes deveres acrescidos e o regime quase-contratual ou contratual deste momento pré-negocial e daí retirar a imposição de conduta leal (valorando a ação e omissão in contrahendo segundo a boa-fé). Se a boa-fé objetiva (conduta) ou subjetiva (conhecimento negado ao alter) não existir, configurar-se-á uma ‘valoração’ da culpa daquele que in contrahendo, direta ou indiretamente, omitiu-se e criou uma aparência que destoa da realidade – por ele conhecida – para assim vender e mais lucrar, despertando confiança e criando expectativas inexistentes [47].

13) Embora a indústria de fumo não contrate diretamente com o consumidor, a publicidade massiva por ela veiculada possui indiscutível potencial indutor, um quase-contrato, um ato unilateral voltado a realização do negócio, direcionado para vender uma imagem de saúde, liberdade e livre escolha que faz parte dos atos e omissões negociais daquele que fabrica cigarros [48].

De tais linhas, é de se perceber a incoerência da tese que pugna pela não incidência de um dever de informar antes da vigência do CDC, mormente porque tal obrigação junge-se ao princípio maior da boa-fé, de observação imprescindível, hoje e outrora, em especial nas aproximações negociais destinadas à venda e contratação de produtos e serviços – tidos por potencialmente perigosos.

Logo, aquele que se predispôs a exercer o papel de fornecedor e, intencionalmente, deixou de informar o parceiro contratual leigo acerca dos riscos a que ele estava sujeito ao consumir o produto que disponibilizara no mercado, agiu contrariamente aos ditames impostos pela boa-fé, já presentes no ordenamento jurídico, bem antes da publicação do CDC.

Igualmente censurável é a postura daquele que, mesmo compreendendo a natureza maléfica do produto que forneceu ao mercado, valeu-se de expedientes publicitários contrários a essa realidade, e sugeriu um contexto de idéias positivas em nada afeto ao verdadeiro resultado do seu consumo, o qual verdadeiramente se alinha à morbidade e mortalidade em massa de consumidores.

De tal panorama, já é possível vislumbrar a configuração do ilícito perpetrado pela indústria do fumo, fincado num evidente abuso do direito de desenvolver, fabricar e comercializar cigarros.

7.2. A postura adotada pela indústria do fumo para garantir a comercialização de seus produtos: omissão intencional de informações

Não há – acredita-se – como negar ser a atividade desenvolvida pela indústria do tabaco lícita. O Estado, por mais incrível que possa parecer, conferiu às fornecedoras de cigarro uma verdadeira licença para matar. Só no Brasil, nada menos que 200 (duzentos) mil indivíduos vão a óbito, anualmente, por razões vinculadas ao fumo. Já se disse que a Organização Mundial da Saúde considera o tabagismo uma pandemia, pois, todo o ano, tira a vida de quase 5 milhões de indivíduos no mundo, [49] ou seja, o equivalente a mais de 10 mil mortes/dia. O tabagismo, hoje, mata mais que a soma das mortes por AIDS, cocaína, heroína, álcool, suicídios e acidentes de trânsito [50].

Conforme visto no tópico anterior, o fato de a indústria do tabaco ser detentora do direito de produzir, fabricar e comercializar cigarros, não a desobriga de fazê-lo em cumprimento a alguns deveres morais e jurídicos intransponíveis, a saber, informar o consumidor adequadamente acerca das características do cigarro e dos riscos aos quais está sujeito ao usar ou expor-se a esse produto. E isso, décadas e décadas antes da vigência do CDC.

Nessa linha de raciocínio, a observação de Chironi, citado por Alvino Lima, segundo a qual o "simples fato de nos proclamarmos titulares de um direito, nos termos objetivos da norma de direito positivo, não dispensa uma vontade honesta; a consciência moral não pode jamais ser posta à margem, visto como há deveres em relação a outrem que nenhum direito permite violar" [51]. Sem dúvida que o direito à vida deveria encabeçar esse rol de direitos invioláveis; contudo, o imenso poderio da indústria do tabaco permitiu a abertura de uma brecha na legislação constitucional, relativizando – pasme-se – o direito à própria vida e à dignidade da pessoa humana.

Mesmo diante dessa infeliz constatação, é inaceitável o argumento – não raro utilizado pelos órgãos do Judiciário Nacional – de que as empresas do tabaco, por realizarem atividade lícita, não poderãoser responsabilizadas por eventuais prejuízos sofridos em razão do consumo de seus produtos. Conhece-se a surrada tese adotada por essas empresas no sentido de que "agem no exercício regular de um direito". O raciocínio, data venia, é truncado, incapaz de resolver adequadamente questão tão complexa.

Em primeiro lugar porque, não obstante a atividade seja lícita, extrinsecamente a indústria do tabaco se porta, ainda presentemente, de modo inadequado, à margem da legalidade, já que mantém em seus produtos um gravíssimo vício de informação – como demonstrado em capítulo próprio. Afirmou-se que as atividades exercidas no mercado de consumo são, em regra, todas lícitas, de modo que a ilicitude não se concentra nas atividades em si, senão em características, intrínsecas ou extrínsecas, afetas ao próprio produto em circulação no mercado. No caso específico da indústria do tabaco, um dos cenários que identificam a ilicitude, plenamente capaz de responsabilizá-la pelos danos oriundos do consumo de seus produtos, situa-se justamente em sua postura, caracterizada pela sonegação de informações ao consumidor.

Em segundo lugar porque – e aqui se encaixa perfeitamente a teoria do abuso do direito –, embora a indústria do tabaco exerça atividade lícita, sempre agiu no exercício irregular de seu direito de produzir e comercializar produtos fumígenos, seguindo na contramão da finalidade desse mesmo direito, da sua destinação econômica e social. Por igual, insiste numa postura antiquada, se confrontada aos bons costumes e à boa-fé.

A história evidencia que a indústria do tabaco sempre operou egoisticamente, tendo por escopo maior seus interesses econômicos; desimportantes a ela, as conseqüências nefastas que o uso de seus produtos acarreta aos consumidores, sobretudo porque não só omitiu da sociedade – e isso no mundo todo – informes preciosos sobre os malefícios do cigarro, mas também se valeu de expedientes publicitários desleais, fazendo apologia do produto perigoso, com o intuito de confundir, seduzir e aliciar mais e mais adeptos ao fumo.

A literatura especializada assinala uma série de imposturas adotadas pela indústria do tabaco, intentadas exclusivamente em manter e fomentar o seu lucrativo negócio – anualmente em torno de 300 bilhões no mundo. No Brasil, a respeito disso, destaca-se a notável obra intitulada "O cigarro", de autoria do jornalista Mario Cesar Carvalho.

A hipocrisia perpetrada pelas fabricantes de cigarros tornou-se pública a começar de 1994, quando uma caixa com alguns milhares de páginas de documentos da Brown and Williamson Tobacco Corporation (B&W) acabou sendo enviada, anonimamente, ao escritório do professor Stanton Glantz, na Universidade da Califórnia, São Francisco.

A partir daí, uma radiografia da indústria do fumo foi produzida e a revelou por dentro, notadamente naquilo que diz respeito a sua contumaz estratégia de incitar controvérsia e dúvida para minimizar os efeitos deletérios do cigarro. Ressalte-se que esses documentos encontram-se, atualmente, à disposição do público para consulta, no site "http://www.library.ucsf.edu/tobacco", e na obra "The Cigarrette Papers" – ainda sem tradução no Brasil –, de autoria de Stanton A. Glantz, John Slade, Lisa A. Bero, Peter Hanauer e Deborah E. Barnes.

Diga-se, ademais, que o desmantelamento da arquitetônica e fraudulenta estratégia criada e efetivada pela indústria do tabaco teve também como colaboradores alguns dos funcionários atuantes nas empresas de fumo, nos Estados Unidos. Esses acabaram denunciando o que sabiam, incentivados pela verdadeira guerra travada contra o cigarro. O mais célebre deles foi o bioquímico da Brown Williamson, Jeffrey Wigand, cuja história tornou-se um filme de grande repercussão mundial – O Informante. Em função de revelações desse jaez, as fabricantes tiveram que capitular e pagar a todos os 50 estados americanos uma indenização no importe de 256 milhões de dólares, para compensar os gastos com a saúde pública [52].

Mario Cesar Carvalho esclarece que a sucessão de fraudes da indústria do cigarro teve início para combater um pesquisador que vinculou o consumo de cigarros ao câncer. Em 1953, o médico Ernst Wynder (1922-1999), um judeu alemão que fugira do nazismo e se estabelecera nos Estados Unidos, experimentou pincelar o dorso de 86 ratos de laboratório com uma substância obtida da condensação da fumaça do cigarro Lucky Strike [53]. Cada ratinho recebeu semanalmente, por dois anos, 40 gramas de alcatrão destilado, mais ou menos a mesma quantidade constante em um maço de cigarros. O resultado: dos 62 que chegaram ao final do experimento, 58% desenvolveram tumores cancerígenos. Nos 20 meses seguintes, 90% dos ratos haviam perecido. Num grupo de roedores que não tinham recebido a substância, 58% sobreviveram [54].

Por óbvio que as descobertas de Wynder não foram bem recebidas pela indústria do tabaco. Era a primeira vez que um estudo realizado, sob condições rigorosas, comprovava a relação umbilical entre o fumo e o câncer. Amplamente divulgada pela mídia na época, a descoberta foi responsável por uma queda de 10% no consumo de cigarros per capita nos Estados Unidos, entre 1953 e 1954 [55].

Acuadas – relata o jornalista Mario Cesar Carvalho –, as fabricantes de cigarros investiram pesado para garantirem a neutralização do ataque – e a força de seu poderio econômico surtiu efeitos quase imediatos [56].

Sua primeira providência foi contratar a Hill & Knowlton, uma das maiores empresas de relações públicas dos Estados Unidos. Num anúncio, publicado em nada menos que 448 jornais, em 1954, a indústria golpeou as descobertas do alemão, afirmando que ele não possuía evidências científicas. Categoricamente afirmava-se que não havia provas com o rigor da ciência de que o cigarro causasse câncer; os bioestatísticos poderiam apontar como causa qualquer outro fator ligado à vida moderna, como a poluição de carros e fábricas ou a alimentação industrializada. Dizia o texto, assinado pelo recém-criado Comitê de Pesquisas da Indústria do Tabaco (Tobacco Industry Research Committee) [57]: "Acreditamos que os nossos produtos não fazem mal à saúde ." Ao final do anúncio, o referido Comitê fazia uma promessa na qual a indústria aceitava como responsabilidade básica o interesse pela saúde das pessoas, acima de todas as outras considerações de seu negócio – e para provar que ela estava "interessada" em pesquisar o impacto do fumo sobre a saúde, estava lá o tal Comitê de Pesquisas, financiado pelas fabricantes de cigarros [58].

A ofensiva não parou por aí, vindo de muitos flancos: "cientistas", defensores da indústria tabagista, apareciam em programas de TV e escreviam artigos em jornais (muitos desses espaços descaradamente comprados) contestando as descobertas do alemão. Wynder, uma voz solitária que a todo o momento necessitava demonstrar a austeridade na execução de suas pesquisas, foi visto com desconfiança, até mesmo por alguns órgãos do governo americano [59].

Outra estratégia da qual se valeu a indústria de tabaco foi a criação maciça de novos tipos de cigarros, a exemplo daqueles com filtro, nos anos 50, e os low-tar (baixa concentração de alcatrão), a partir dos anos 60. Um dos memorandos, esse escrito por Ernest Pepples, vice-presidente e advogado geral da B&W, evidencia que a primeira reação da indústria do tabaco à crescente preocupação pública com os efeitos danosos do cigarro foi a de "produzir mais marcas com filtro e com baixos índices de alcatrão." Segundo Pepples, a fatia do mercado dos cigarros com filtro cresceu rapidamente durante os anos 50 e 60, e criou uma atmosfera de competição feroz que ficou conhecida como a "corrida do alcatrão" (empresas competindo para baixar o alcatrão dos cigarros). Os documentos secretos mostram, entretanto, que essas novas marcas não eram exatamente mais saudáveis que as antigas. Em verdade, foram desenvolvidas com propósitos de marketing, para que as empresas de tabaco pudessem declarar em seus anúncios que elas tinham "menos alcatrão" que as outras – o próprio Pepples assinala, no tal memorando citado supracitado, que os filtros não faziam os cigarros mais benéficos, apenas davam aos fumantes a ilusão de fumar um produto mais saudável. [60] A respeito disso, os cientistas da BAT fizeram uma distinção entre os cigarros "orientados para a saúde", que incorporavam avanços tecnológicos testados e com a redução dos riscos, e cigarros "de imagem saudável", que eram projetados para dar aos fumantes a ilusão de estarem consumindo um produto mais seguro [61].

Mas, em 12 de maio de 1994, a indústria sofreu um súbito e inesperado choque. Nessa data, em razão do surgimento dos documentos secretos da indústria do fumo [62], comprovou-se que o discurso por ela elaborado e difundido entre os anos 50 e 90 era absolutamente cínico e fraudulento. Referidos documentos, enviados anonimamente ao escritório do professor Stanton Glantz, na Universidade da Califórnia, combinados com outros obtidos da B&W, pela House of Representatives Subcomittee on Health and the Environment, e alguns papéis secretos de um ex-diretor de pesquisa da BAT, forneceram uma visão cândida e particular dos pensamentos e ações da indústria do tabaco, durante a última metade do século XX [63]. Isso por espelharem evidências de que a indústria conhecia os fatos de o cigarro provocar câncer e de a nicotina ser uma droga capaz de acarretar dependência, embora a imagem pública apresentada por ela, naquele tempo, sobre a praga marrom, fosse outra bem diferente [64].

É de se dizer que naquela data – em 12 de maio de 1994 –, Stanton A. Glantz, professor da Divisão de Cardiologia da Universidade da Califórnia, São Francisco, Estados Unidos, ativo militante contra o tabagismo, recebeu de um missivista, ocultado sob o pseudônimo Mr. Butts, aproximadamente 4 mil páginas de memorandos, relatórios, cartas, cópias de atas, que corresponderam a um período de 30 anos de atividade da BAT e de sua subsidiária nos Estados Unidos, a B&W. Ulteriormente, Merry Williams, ex-técnico da B&W, forneceu ao Prof. Glantz grande número de documentos referentes às atividades dessa companhia de cigarros. Os documentos foram repassados ao Subcomitê de Saúde e Ambiente do Congresso Norte-americano. Além de sua publicação em periódicos científicos, foram divulgados numa série de artigos do New York Times. Após vários recursos dos fabricantes de cigarros, por meio dos quais alegava interferência em sua privacidade, a Corte Superior do Estado da Califórnia reconheceu sua legitimidade, e decidiu que esses documentos deveriam ser do domínio público [65].

Em 8 de maio de 1998, as companhias de tabaco propuseram um acordo com o Estado do Minnesota, numa ação instaurada pelo Promotor Geral do Estado de Minnesota, Estados Unidos, e a Blue Cross Shield desse Estado. Nas cláusulas do acordo constou a obrigatoriedade de a indústria tabaqueira abrir ao público o acesso aos seus documentos internos constantes de atas, memoriais, cartas, relatórios, planos de administração e toda a correspondência referente às suas atividades técnicas, científicas e comerciais. Neles ainda constam pronunciamentos de técnicos, cientistas, consultantes, assessores e advogados.

Toda essa documentação refere-se a sete empresas fabricantes de cigarros e duas organizações a elas filiadas, em atividade nos Estados Unidos: Phillip Morris Incorporated, RJ Reynolds Tobacco Company, British American Tobacco, Brown and Williamson, Lorillard Tobacco Company, American Tobacco Company, Liggett Group, Tobacco Institute e o Center for Tobacco Research. Ao todo, são 5 milhões de documentos, com 40 milhões de páginas, que podem ser consultados pela internet, no arquivo oficial de Minnesota, e em Guilford Surrey nos arredores de Londres [66], ou no livro intitulado The Cigarette Papers.

Apenas para se ter uma idéia – já que não é o objetivo desse trabalho compilar todas as importantes informações colocadas sob domínio público, por intermédio do livro The Cigarette Papers e pela internet –, os aludidos documentos demonstraram que a nicotina era rotineiramente vista pela indústria do fumo como viciante e sempre tratada como o agente farmacologicamente ativo no tabaco. Evidenciaram, outrossim, que a professada busca da verdade pela indústria, acerca dos efeitos do fumo na saúde humana, foi, nada mais, que uma fraude. Sua pretensa vontade de se engajar e disseminar pesquisas relacionadas à saúde era, sempre, subserviente a considerações comerciais e litigiosas. Inicialmente, os pesquisadores das companhias tentaram descobrir os elementos tóxicos na fumaça do cigarro para que um cigarro "seguro", a conter apenas nicotina e não substâncias tóxicas, pudesse ser desenvolvido. Quando ficou provado que tal objetivo era inexeqüível, principalmente em razão do número de toxinas envolvidas, as decisões a respeito da saúde passaram exclusivamente para os advogados. Os documentos mostraram que os advogados da B&W e de outras companhias de tabaco desempenharam um papel central nas decisões relacionadas a essas pesquisas... [67].

O principal alvo deste esforço de pesquisa controlada por advogados não era melhorar o entendimento público ou científico existente sobre os efeitos do fumo na saúde, mas, sim, minimizar a exposição da indústria a litígios por responsabilidade e regulação adicional do governo [68]. Quando as metas de determinar e disseminar a verdade entravam em conflito com a meta de minimizar a responsabilidade da B&W, a última prevalecia consistentemente. Em particular, mesmo após a pesquisa da B&W ter mostrado que cigarros causam doenças e são viciantes, sob a direção de seus advogados, esta empresa pretendia evitar a geração de quaisquer outros novos resultados confirmando tais evidências. Ela também empreendeu esforços para impedir a disseminação ou revelação desses resultados, tanto judicialmente como em qualquer foro público – aparentemente a ponto de remover alguns documentos relevantes de seus arquivos e mandá-los para longe [69].

Muitos desses documentos consubstanciam-se em correspondências que retratam a comunicação entre advogados de companhias do tabaco. Esses profissionais pareciam ter aceitado as hipóteses de que o ato de fumar vicia e causa doenças. Os documentos dos anos 70 e 80, nos quais advogados especificaram aquilo que poderia ou não ser alegado nas relações públicas e anúncios da indústria do tabaco, mostram que alguns deles consideravam tais hipóteses tão bem estabelecidas que sequer tinham como ser negadas diretamente, sem o risco de responsabilidade [70].

A aludida documentação também revela que, nos anos 60, a indústria do tabaco em geral – a B&W e a BAT em particular – havia provado, em seus próprios laboratórios, que o alcatrão do cigarro causa câncer em animais [71]. Além disso, no início dessa década, os cientistas da BAT (e os advogados da B&W) já trabalhavam com a idéia de que a nicotina motiva a dependência. A BAT respondeu com a tentativa de criar secretamente um cigarro "seguro" que minimizaria os elementos perigosos existentes na sua fumaça. Entretanto, publicamente, essas empresas mantiveram a posição de que o cigarro não era prejudicial e muito menos viciante. A meta primária da indústria do tabaco era a de se manter como um grande nicho comercial, protegendo-se de processos judiciais e regulação dos governos. Até hoje, apesar de irrefutáveis evidências científicas e relatórios governamentais oficiais, algumas fabricantes de cigarros insistem em sustentar que os produtos do tabaco não viciam nem causam doenças; colocam-se por detrás de uma parede de negativas, construída com o fim único de criar controvérsias e dúvidas acerca daquilo que já se provou sobre os malefícios do tabagismo no curso dos anos [72] – basta, para constatar essa realidade, uma breve análise das defesas apresentadas pelas fabricantes de cigarros em ações judiciais que sofrem no Brasil.

Imprescindível, nesse ponto, a transcrição das importantes constatações anotadas pelo jornalista Mario Cesar Carvalho:

Os memorandos dos altos executivos são ainda mais reveladores, principalmente pelo teor de cinismo que carregam quando confrontados com o discurso público. Oficialmente, os fabricantes de cigarro rejeitam ferozmente que o produto que vendem seja classificado como droga. Na correspondência interna, a conversa é outra [73].

E continua:

Um desses documentos, de 1963, trata, numa só frase, dos dois maiores tabus para os fabricantes de cigarro – ele fala em droga e em dependência. "Nosso negócio é vender nicotina, uma droga viciante que é eficaz no relaxamento dos mecanismos do estresse", escreveu Addison Yeaman, presidente do conselho da Brown & Williamson.

Em 1961, a Ligget & Myers, uma fábrica dos EUA, encomendou uma pesquisa sobre os componentes da fumaça do cigarro. O texto com o resultado da pesquisa, desenvolvida pela empresa Arthur D. Little, começava assim: "Há materiais biológicos ativos na fumaça do tabaco do cigarro. Eles são: a) causadores de câncer; b) promotores de câncer; e) tóxicos; d) estimulantes e prazerosos" [74].

E conclui:

Outros textos menos contundentes mostravam que a indústria fazia campanhas publicitárias para atingir adolescentes e manipulava o nível de nicotina no cigarro. Um memorando de 1965, do pesquisador Ron Tamol, da Philip Morris, produtora do cigarro mais vendido no mundo, o Marlboro, trazia a seguinte anotação: "Determinar o mínimo de nicotina para manter o fumante normal ‘viciado’" [75].

José Rosemberg, referindo-se exclusivamente à nicotina, assevera que, com os documentos secretos da indústria do tabaco, revelou-se, em suma: a) as pesquisas conduzidas sobre a nicotina foram mais avançadas que as das comunidades médico-científicas; b) a indústria tabaqueira, de longa data, clara e comprovadamente, detém conhecimentos de que a nicotina é droga, causadora de dependência físico-química, e age de forma deletéria sobre os centros nervosos cerebrais; e c) as pesquisas foram conduzidas com o objetivo de melhor esclarecer a neuro farmacologia da nicotina, a sua natureza, suas formas de presença no tabaco, sua mais fácil liberação e maior ação sobre o cérebro, a elevação do seu teor no fumo e a intensificação da dependência [76].

Apesar das diversas e impressionantes informações [77] obtidas desses documentos secretos, não se pode negar que eles possuem certo grau de limitação – aliás, os próprios autores o livro The Cigarette Papers admitem isso. De qualquer modo, são eles suficientes para se concluir que a indústria do fumo agiu no exercício irregular de um direito e, assim, dele abusou, já que produziu e comercializou cigarros sem informar adequadamente o consumidor – apesar de deter informações de que o fumo é prejudicial à saúde – e, o que talvez seja pior, fazendo apologia do produto perigoso por meio de insidiosas publicidades [78].

7.3. A postura adotada pela indústria do fumo para garantir a comercialização de seus produtos: oferta publicitária insidiosa promovendo o consumo de cigarros

Num raciocínio embasado nas informações até aqui colocadas, não se mostra dificultosa a conclusão de que a indústria do fumo adotou estratégia destinada a desacreditar a ciência legítima, somando esforços para incitar controvérsias e dúvidas sobre estudos divulgados desde o início dos anos 50 [79], os quais vinculavam a prática do tabagismo aos prejuízos para a saúde humana. A publicidade massiva e insidiosa, veiculada pela indústria do fumo, é peça fundamental desse complexo quebra-cabeça.

Mesmo antes que as evidências científicas começassem a apontar a ligação entre o consumo de cigarros e diversas doenças, as companhias de tabaco, nos EUA, já promoviam anúncios publicitários os quais insinuavam que algumas marcas eram ‘mais saudáveis’ ou ‘menos irritantes’ que outras, consoante demonstra os documentos secretos da indústria do fumo.

Um dos documentos simplesmente lista os slogans de publicidades de várias marcas de cigarro dos anos 20 até os 50, incluindo Kool, Camel, Lucky Strike, Old Gold e Viceroy. [80] Vejam-se algumas dessas ofertas publicitárias:

a) "É torrado. Sem irritação da garganta – sem tosse." (Lucky Strike, em 1928).

b) "20.679 médicos confirmaram o fato de que Lucky Strike é menos irritante à garganta que outros cigarros." (Lucky Strike, em 1929).

c) "Pelo bem de sua garganta, mude dos ‘Quentes’ para Kools." (Kools, nos anos 30 e 40).

d) "O novo filtro guarda-saúde faz Viceroy melhor para a sua saúde do que qualquer outro cigarro líder!" (Viceroy, nos anos 50, quando o público se encontrava mais apreensivo em razão dos informes divulgados na imprensa, de que o tabagismo causaria riscos à saúde. Em tal época, a indústria promoveu maciçamente os cigarros com filtro e fez anúncios de menos alcatrão).

e) "Apesar de muitos filtros ajudarem a remover os teores do tabaco, análises de laboratório provaram que a fumaça de outros cigarros com filtro líderes contêm até 110,5% mais nicotina do que Viceroy." (Viceroy, em 1952).

f) "Por que os homens e mulheres das faculdades fumam mais Viceroy que qualquer outro cigarro? Porque só Viceroy dá a você 20.000 proteções de filtro em cada um deles, feitas de uma substância natural pura – a celulose – encontrada em deliciosas frutas e outros alimentos! Além de não ser mineral e atóxico, esse filtro de acetato de celulose nunca quebra ou deforma." (Viceroy, em 1955).

g) "Não há outro filtro como Viceroy! Sem algodão! Sem papel! Sem asbestos! Sem carvão mineral! Sem nenhum tipo de substância estranha!" (Viceroy, em 1955, numa publicidade divulgada em revista) [81].

Estudiosos dos documentos secretos da indústria do fumo esclarecem que esses "slogans", juntamente com o memorando escrito por Ernest Pepples,referindo-se à ‘corrida do alcatrão’, indicam que as fabricantes de tabaco começaram a promover os cigarros de filtro e de baixos teores durante os anos 50, sobretudo para acalmar a animosidade pública, surgida em razão de estudos que vinculavam o cigarro a várias doenças. Embora os anúncios da época sugerissem que os novos cigarros eram ‘mais saudáveis’, não havia nenhum indício real de que isso revelava uma verdade. Depois de vinte anos, em 1977, evidências surgiram, mas para indicar a diminuição de teores e a utilização de filtros tinham apenas um efeito modesto na redução do risco enorme representado pelo consumo de cigarros [82].

Hoje, o discurso de muitas fabricantes de fumo mudou. Segundo elas, a comercialização de cigarros de filtros e ‘low-tar’ mantêm-se por causa da demanda do público, e não porque se acredita que esses produtos são mais seguros. Ressalte-se, contudo, que foram as próprias empresas de tabaco, por meio de massiva campanha publicitária, as formadoras da ilusão de que esses produtos seriam menos perigosos [...] [83].

Com o passar dos anos, a publicidade ofertada pela indústria tabagista foi-se tornando mais e mais sofisticada e incisiva, fosse para garantir uma gorda fatia do competitivo mercado, fosse ainda para incitar controvérsias e dúvidas nos estudos que vinham se assomando com maior freqüência, a fim de provar uma ligação direta do consumo de cigarros a varias enfermidades.

No próximo capítulo se verá que a publicidade de cigarros jamais teve cunho informativo e esclarecedor. Sempre foi promovida com o objetivo de criar uma necessidade artificial de consumo e manter na sociedade uma ambientação constante do produto nocivo. A motivação do consumidor era buscada mediante a aproximação de modos de ser e viver ao produto anunciado. Assim, relacionavam-se os cigarros a atividades esportivas, à sociabilidade, à saúde, ao requinte, ao sucesso profissional, à sensualidade, etc. Refletia-se a idéia de que fumar era algo prazeroso, "hábito" de pessoas inteligentes, produtivas e livres. Tal estratégia publicitária, hoje proibida no Brasil, objetivava primordialmente a persuasão, pois tinha por matéria prima sons e imagens sedutores, voltados a incitar a prática do tabagismo, tática bastante eficiente, principalmente quando endereçada a crianças e adolescentes [84], pessoas naturalmente imaturas, ou inseridas num contexto de mudanças psicológicas e hormonais próprias.

Essa, a linha de raciocínio de Cláudia Lima Marques, ao lecionar que

[...] não somente as empresas [do tabaco] desinformaram voluntariamente seus milhares de consumidores, como enviaram mensagens que – para estes leigos – eram aceitáveis e acreditáveis. Em outras palavras, a informação publicitária (imagens, induções, sons, risos, frases, personagens, situações de esporte, lazer, prazer, etc.) é recebida e processada por um leigo, o consumidor brasileiro, que nela acredita, de forma totalmente escusável!

Para que se evitem argumentos repetitivos a respeito do ilegítimo estratagema publicitário, do qual se valeu a indústria do tabaco décadas e décadas no Brasil – argumentos esses já abordados e a serem traçados com mais profundidade no próximo capítulo deste trabalho –, apenas se fará referência a uma importante prova técnica responsável pela comprovação do potencial lesivo de um material publicitário veiculado pela empresa Souza Cruz S.A – as frases e conclusões transcritas a seguir foram retiradas do aludido trabalho técnico, o qual não foi objeto de publicação.

No ano de 2000, atendendo à requisição do Promotor de Justiça, Dr. Guilherme Fernandes Neto, da Quarta Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor do Distrito Federal, o Instituto de Medicina Legal da Coordenação de Polícia Técnica da Polícia Civil do Distrito Federal, nas pessoas dos psicólogos Patrícia de Oliveira, Rita Elizabeth da Mota Britto Rocha, Álvaro Pereira da Silva Júnior, realizou a análise psicológica da publicidade de cigarro "Free", intitulada "Artista Plástico II", elaborada pela Agência de Publicidade Standart Ogilvy & Mater.

Abaixo, o monólogo do citado material publicitário, pronunciado por pessoa do sexo masculino, passando a idéia de um jovem multifacetário, do ponto de vista intelecto-profissional:

Meu nome é Daniel Zanage. Eu trabalho com luz, computador, arte, filmes, sombra, letras, imagens, pessoas.

Vejo as coisas assim: certo ou errado, só vou

Saber depois que eu fiz.

Eu não vou passar pela vida sem um arranhão.

Eu vou deixar minha marca.

Segundo os três psicólogos responsáveis pelo laudo técnico, algumas frases possuem uma entonação incisiva e irresponsável, na medida em que o interlocutor deixa clara sua vontade de agir impulsivamente diante de conflitos: "Vejo as coisas assim: certo ou errado, só vou saber depois que fiz". Além disso, afirmam que parece não haver preocupação com as conseqüências de sua decisão: "Eu não vou passar pela vida sem nem um arranhão". Apontam, também, sinais de postura individualista, com conotação de "status" e poder: "Eu vou deixar a minha marca".

Nas palavras dos profissionais:

O comportamento e a linguagem utilizada pelo protagonista da publicidade atingem em cheio as dificuldades vivenciadas por pré-adolescentes e adolescentes e, considerando este aspecto, são grandes as chances de haver um processo de identificação entre o público pertencente às referidas faixas etárias e o padrão verbal e comportamental utilizado no monólogo, o que, associado a outras variáveis, pode compor um quadro facilitador de acesso ao produto veiculado, especialmente para o público citado acima.

Entretanto, não só isso. Concluíram os psicólogos que o material apresentado contém recursos considerados como subliminares, ou seja, atingem o cérebro do público-alvo abaixo do limite de sua percepção (consciência), no entanto são plenamente capazes de influenciar comportamentos. Salientam que todas as imagens com poder de penetração subliminar (com o tempo de exposição em centésimos de segundos) são dotadas ou de conteúdos influenciadores, ou de algum tipo de estímulo que provoca alterações do psiquismo, em especial a senso-percepção. Com efeito, tal publicidade – ainda segundo relato dos profissionais – é potencialmente capaz de influenciar condutas futuras, sobretudo em crianças e adolescentes, além de ser suscetível de imprimir em seus telespectadores a sensação de alterações psíquicas (ilusão, hiperestesia com aumento da intensidade numérica das sensações, alucinações visuais, etc).

Aponta o laudo que, teoricamente, o adulto possui condições de captar e avaliar os riscos e benefícios das situações apresentadas pela publicidade. Já o adolescente percebe mas, ao dimensionar as conseqüências do seu ato, o sentimento de onipotência prevalece, o que é comum nessa fase do desenvolvimento. Tal sentimento é caracterizado pela crença de que vale a pena correr riscos; afinal, nada irá reverter contra ele. O personagem central desse material publicitário sugere, por meio da palavra, padrões de comportamentos que podem servir como modelo de identificação a ser seguido.

A conclusão final entabulada no laudo psicológico foi a de que, em tal publicidade, houve a utilização de técnica específica para transmitir mensagens com estimulação subliminar a qual, somada ao tempo de exposição, distribuição cromática e espacial de escala, impossibilitaria uma leitura consciente por parte do receptor. Quando isso ocorre, as inserções de imagens, palavras ou idéias não podem ser percebidas pelo consumidor em um nível normal de consciência; portanto, não lhe é dada a opção de aceitar ou rejeitar a mensagem.

Ao responderem os quesitos formulados pelo representante do Ministério Público, os psicólogos foram taxativos em responder:

a) existem, na publicidade, frases que estimulam o comportamento inconseqüente da criança e/ou do adolescente, o qual poderá ser, direta ou indiretamente, prejudicial à saúde de alguma forma;

b) as imagens da publicidade podem levar uma criança e/ou adolescente a associar o fumo com o sucesso, circunstância que, por conseqüência, também poderá levar ao consumo de cigarros;

c) os estímulos visuais e sonoros utilizados na publicidade podem despertar o interesse de crianças e adolescentes pelo produto veiculado.

O brilhante trabalho capitaneado pelo promotor Dr. Guilherme Fernandes Neto teve resultado positivo para os consumidores: a Souza Cruz S.A. aceitou retirar do ar a publicidade do cigarro Free, de modo que foram canceladas 240 veiculações do comercial.


8. Ainda sobre a caracterização do abuso do direito perpetrado pela indústria do tabaco

O Estado edita legislações no afã de evitar as incompatibilidades que, volta e meia, surgem no seio social, e isso em razão dos ilimitados anseios, necessidades e imperfeições dos homens. Logo, uma de suas finalidades é assegurar o bem comum.

Parece correto afirmar que as leis são responsáveis pelo desenho do círculo dentro do qual as pessoas podem agir livremente, articulando-se e concretizando as mais diversas relações jurídicas que a sua criatividade permitir. Não raro, porém, esse espaço reservado à vontade tem seus limites ultrapassados, ainda que não traçados expressamente pelo ordenamento jurídico, atingindo interesses alheios [85]. Então – leciona Rosalice Fidalgo Pinheiro –, o próprio direito parte na busca da estipulação de limites aos poderes que concedeu ao sujeito, e surge, daí, a figura do abuso do direito como mecanismo para a limitação da liberdade, [86] a restringir o exercício dos direitos subjetivos, relativizando-os, de maneira que garanta o respeito aos valores sociais, morais e éticos sagrados pelo ordenamento jurídico. Nas palavras de Voltaire:"Un droit porté trop loin devient une injustice" [87].

E a indústria do tabaco literalmente atropelou de forma maquiavélica os limites estabelecidos pelo direito, no que tange ao exercício de sua autonomia de vontade, valendo-se de estratégias tão ardilosas quanto hediondas, para garantir o sucesso de vendas dos produtos que fabrica. E tamanho foi seu êxito que, no início da década de 90, cerca de 1,1 bilhão de indivíduos usavam o tabaco no mundo; em 1998, esse número já atingia a cifra de 1,25 bilhão [88].

Contudo, esse triunfo teve um preço avassalador: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada ano morrem cerca de 5 milhões de pessoas em todo o mundo em decorrência do consumo de tabaco; no Brasil, estimam-se mais de 200 mil mortes/ano decorrentes do tabagismo [89].

Mas onde exatamente se situaria o limite ultrapassado pela indústria do fumo, para abalizar a conclusão de que agiu ela no exercício abusivo de seu direito? A resposta atualmente é de fácil solução, mormente em razão do que se descobriu com a publicação de milhões de páginas de documentos de circulação interna apontados alhures, como resultado de um acordo judicial firmado entre estados americanos e a indústria do tabaco.

A análise de tal documentação propicia um entendimento translúcido sobre o pensamento estratégico da indústria do fumo, visando difundir seus produtos no mercado de consumo mundial. Se hoje a nicotina é a segunda droga mais usada entre os jovens, e isso no Brasil como em todo o globo, tal se deve provavelmente à forma pela qual o seu consumo foi historicamente inserido na sociedade [90]. Fatores que facilitam a obtenção de cigarros, como o baixo custo, somados a atividades de promoção e publicidade, associadas a imagens de beleza, sucesso, liberdade, poder, inteligência e outros atributos desejados especialmente pelos jovens, criaram, durante anos, uma aura de aceitação social e de imagem positiva do comportamento de fumar – a glória dessas estratégias pode ser traduzida no fato de que 90% dos fumantes principiam-se no fumo antes de alcançar os 19 anos de idade [91].

É fato que as ações propostas para o controle do tabagismo, ao longo dos anos, têm surtido efeito positivo, de modo que, na maioria dos países desenvolvidos, o consumo de cigarros diminuiu razoavelmente.

Numa análise global, porém, a situação é bem outra. O tabagismo vem crescendo dia a dia, e isso, tanto em decorrência do reflexo das estratégias arquitetadas pela indústria do fumo para direcionar o mercado de cigarros aos países em desenvolvimento, como por outros estratagemas, voltados ao estímulo do consumo, especialmente dirigidos a seguimentos sociais mais vulneráveis, como o das crianças e adolescentes. E é aqui, na sede de tais estratégias arquitetadas pela indústria do tabaco, que se encontra sustentáculo jurídico para abrigar a incidência da teoria do abuso do direito.

Em trabalho de peso, produzido e editado pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), órgão do Ministério da Saúde, intitulado "Ação global para o controle do tabaco – 1º Tratado Internacional de Saúde Pública", acessível a todos pela internet, no site <http://www.inca.gov.br>, vários documentos internos da indústria do fumo são analisados, de sorte que evidenciam, com lucidez, parte do pensamento e das táticas já adotadas pela indústria do tabaco. Veja-se a transcrição de alguns deles, quando comparados ao posicionamento da indústria do tabaco perante o público:

1) Posicionamento da indústria perante o público:

"A propaganda não é dirigida aos jovens".

O que os documentos mostram:

"Eles representam o negócio de cigarros do amanhã. À medida que o grupo etário de 14 a 24 anos amadurece, ele se tornará a parte chave do volume total de cigarros, no mínimo pelos próximos 25 anos" (J.W. Hind, R.J. Reynolds Tobacco, internal memorandum, January 23, 1975).

2) Posicionamento da indústria perante o público:

"A pressão dos amigos é o fator mais importante para o tabagismo infantil."

"A propaganda de cigarros afeta meramente a demanda dentro da categoria de produtos, através do fortalecimento da lealdade à marca ou criando mudanças de marca, mas não é dirigida para aumentar o consumo total às custas de não fumantes."

O que os documentos mostram:

"Atingir o jovem pode ser mais eficiente mesmo que o custo para atingi-los seja maior, porque eles estão desejando experimentar, eles têm mais influência sobre os outros da sua idade do que eles terão mais tarde, e porque eles são muito mais leais a sua primeira marca." (Escrito por um executivo da Philip Morris em 1957).

3) Posicionamento da indústria perante o público:

"A Souza Cruz fabrica cigarros para o consumo exclusivo de adultos, baseada nos melhores mecanismos e meios de produção." (<www.souzacruz.com.br/2002>).

O que os documentos mostram:

"[...] um cigarro para o iniciante é um ato simbólico. Eu não sou mais a criança da minha mãe, eu sou forte, eu sou um aventureiro, eu não sou quadrado [...]. À medida em que a força do simbolismo psicológico diminui, o efeito farmacológico assume o papel de manter o hábito." (Rascunho de relatório do Quadro de Diretores da Philip Morris, 1969).

"É importante saber tanto quanto possível sobre os padrões de tabagismo dos adolescentes. Os adolescentes de hoje são os potenciais consumidores regulares de amanhã, e a grande maioria dos fumantes começa a fumar na sua adolescência [...]. Devido ao grande espaço que ocupa no mercado entre os fumantes mais jovens, a Philip Morris sofrerá mais do que qualquer outra companhia com o declínio do número de adolescentes fumantes" (Memorando enviado por um pesquisador da Philip Morris, Myron E. Johnston para Robert B. Seligman, Vice Presidente de pesquisa e desenvolvimento da Philip Morris, 1981).

4) Posicionamento público:

"Nicotina é importante para dar sabor ou aroma – não para a dependência."

"Aqueles que definem fumar como uma dependência, o fazem por razões ideológicas e não científicas". (Posição da Philip Morris em 1996).

"Em 1994, durante uma audiência no Congresso Americano sete altos executivos de escritórios de companhias de tabaco americanas deram testemunhos de que a nicotina não causa dependência: Nós não ocultamos antes, nem ocultamos agora, nem nunca ocultaremos [...] nós não temos nenhuma pesquisa interna que prove que fumar [...] é aditivo." (Martin Broughton, Chief Executive BAT).

"Entrevista para uma revista – John Carlisle da Tobacco Marketing Associaton (UK, 1998): Pergunta – A nicotina causa dependência? Carlisle – "A definição de dependência é ampla e variada. Pessoas são dependentes de Internet. Outras são dependentes de shopping, sexo, chá e café. A linha que eu consideraria é a de que o tabaco não causa dependência e sim de que é formador de hábito."

"Posicionamento sobre dependência de nicotina, homepage da Souza Cruz, 2002: "A nicotina é um componente natural do fumo e apresenta propriedades farmacológicas que contribuem para o prazer. Mesmo sendo uma parte importante da experiência de fumar, a nicotina não é a única razão para fumar. Aspectos culturais e sociais, entre outros, estão envolvidos no ato de fumar, que é uma escolha da caráter puramente individual. Certamente é difícil deixar de fumar para alguns fumantes, mas não existe nada em nossos produtos que retire do fumante a sua capacidade de parar de fumar." (<www.souzacruz.com.br>).

O que os documentos mostram:

"Nicotina causa dependência. Nós estamos, portanto, no ramo de vender nicotina, uma droga que causa dependência." (Addison Yeaman from Brown and Williamson B&W, 1963).

"A nicotina tem a propriedade de uma droga de abuso. Ela tem propriedade de droga de adição... Estes (os resultados) são completamente contraditórios com a posição da indústria de que a nicotina está nos cigarros para dar sabor. Nós sabemos que eles (os camundongos) pressionavam a alavanca devido aos efeitos da droga nos cérebros dos animais. Nós também sabemos, a partir de estudos, que se a droga fosse cocaína ou morfina ou álcool os camundongos continuariam a pressionar a alavanca. Nós encontramos o mesmo com a nicotina." (Informações do cientista Victor DeNoble da Philip Morris sobre experimentos em camundongos nos quais injetou nicotina diretamente no coração – Philip Morris, quoted on Dispatches, Channel 4, 1996).

"A BAT deveria aprender a se ver mais como uma companhia de droga do que como uma companhia de tabaco." (Memorando escrito por cientistas da BAT, 1980).

"Nós também achamos que se deve considerar a hipótese de que os altos lucros adicionais associados com a indústria do tabaco estão diretamente relacionados ao fato do consumidor ser dependente do produto... Olhando de outra forma, não procede que o produto X, enquanto alternativa futura, mantenha um nível de lucro acima da maioria das outras atividades do ramo de produtos, a não ser que, como o tabaco, seja associado à dependência." (BAT, 1979).

"Tem sido sugerido que a fumaça do cigarro é a droga mais aditiva. Certamente, um grande número de pessoas continuará a fumar porque eles não conseguem deixar. Se eles pudessem, eles o fariam. Não se pode mais dizer que eles fizeram uma escolha adulta." (Dr. Green, funcionário da BAT, 1980).

5) Posicionamento público:

"Posicionamento sobre riscos do consumo de tabaco, homepage da Souza Cruz, 2002: Importante destacar, entretanto, que a ciência ainda não é capaz de explicar os mecanismos causais entre o ato de fumar e doenças, nem qual a probabilidade de um determinado fumante desenvolver ou não uma doença relacionada ao ato de fumar. Os riscos variam de uma doença para outra, de uma população para outra e com o número de cigarros fumados, e as doenças associadas têm natureza multifatorial." (<www.souzacruz.com.br/frame_left.asp?n=posicionamentos, 2002>).

O que os documentos mostram:

"Quanto aos carcinógenos da fumaça do tabaco, esta contém não apenas um carcinógeno mas uma galáxia deles... A eliminação do carcinógeno não parece factível [...]. Do meu ponto de vista, portanto, é pouco provável que dentro do escopo da criação de cigarros aceitáveis se torne possível reduzir substancialmente o risco de doenças associadas ao tabagismo no futuro." (BAT, 1986 – extraído da análise documental apresentada por Stella Aguinaga, no Fórum sobre Mídia em Tabaco, 2000).

"Nunca foi possível que as pesquisas que permitiram a produção de um cigarro não cancerígeno também produzissem um cigarro que atendesse ao gosto dos consumidores e ao mesmo tempo fosse livre dos riscos para a saúde, particularmente os relacionados a doenças cardiovasculares e a doenças pulmonares obstrutivas crônicas." (BAT, 1993 – extraído da análise documental apresentada por Stela Aguinaga, no Fórum sobre Mídia em Tabaco, 2000).

6) Posicionamento público:

"Muitas pessoas têm sido levadas a crer que a fumaça ambiental do cigarro (FAC) é fato de risco ou causa de doenças em não-fumantes. As pesquisas científicas analisadas, em conjunto, não são suficientes e conclusivas para afirmar que a FAC esteja associada a uma maior incidência de doenças respiratórias e cardíacas ou câncer de pulmão." (<http://www.souzacruz.com.br>).

"O estudo sobre câncer de pulmão em fumantes passivos não encontrou nenhum aumento estatístico significativo em termos de riscos [...]. Vamos comparar isso com resultados recentes do Instituto do Câncer dos Estados Unidos. Investigando fatores de riscos da dieta alimentar, eles encontraram casos em que os riscos de câncer de pulmão aumentam mais do que no caso de fumo no ambiente. Por exemplo, em frituras de carnes há um aumento de 57% no risco. Para produtos de laticínio é muito maior [...]. Lamentavelmente, concluo que ainda não sabemos, com exatidão, qual o nível da exposição à fumaça dos cigarros que aumenta os riscos de doenças coronarianas, ou se essa exposição realmente apresenta riscos." (Christopher Proctor – director da Science & Regulation BAT, Reino Unido – em apresentação no Brasil – Anais do Seminário Internacional sobre Fraudes no setor de cigarros – agosto 2001).

O que os documentos mostram:

"Uma outra questão importante que afeta a aceitação (de fumar) é o tabagismo passivo. Nossa atual iniciativa é desafiar toda a área com o "baixo risco epidemiológico". Existem experts externos de reputação que acreditam que essa é uma ciência altamente imprecisa e nós estamos encontrando meios de exprimir essas preocupações." (BAT, 1986).

"Objetivos da campanha da Philip Morris dirigida a pesquisadores, à mídia e ao governo para se contrapor ao estudo do International Agency on Research on Cancer (IARC) sobre os riscos do tabagismo passivo. Objetivos: Retardar o progresso e/ou a liberação do estudo; interferir nas suas conclusões e declarações oficiais de seus resultados; neutralizar possíveis resultados negativos do estudo, particularmente o seu uso como um instrumento regulatório; contrapor-se ao potencial impacto do estudo na política governamental, opinião pública e ações por empregados e patrões." (Philip Morris, 1993).

7) Posicionamento público:

"O contrabando prejudica nossos negócios. Faríamos mais dinheiro a longo prazo se ele pudesse ser eliminado. Gostaríamos que todos os mercados estivessem totalmente livres do contrabando." (Resposta da Souza Cruz à matéria do Jornal Valor Econômico, 09/05/2002).

O que os documentos mostram:

"Como se sabe, os cigarros contrabandeados (devido aos exorbitantes níveis tributários) representam quase 30% do total das vendas no Canadá, e este nível segue aumentando. Ainda que tenham acordado em apoiar o Governo Federal, para reduzir o contrabando, limitando nossas exportações aos EUA, nossos competidores não o fizeram. Por isso, decidimos eliminar os limites às exportações, para recuperar a nossa participação entre os fumantes canadenses. Fazer o contrário colocaria em perigo o bem-estar, no longo prazo, de nossas marcas registradas no mercado nacional. Até que se resolva a questão do contrabando, será exportado um volume cada vez maior de produtos do Canadá, que depois entrarão novamente por contrabando para a venda." (BAT, 1993).

8) Posicionamento público:

"A SOUZA Cruz fabrica cigarros para o consumo exclusivo de adultos." (<http://www.souzacruz.com.br>).

"A companhia contribui de forma significativa para combater o fumo antes da idade adulta." (Souza Cruz, ofício enviado ao INCA, novembro de 2001).

"A empresa vende e divulga seus produtos de uma maneira responsável, incluindo todos os recursos e materiais usados na publicidade e nas operações de venda e distribuição." (Souza Cruz, ofício enviado ao INCA, novembro de 2001).

O que os documentos mostram:

"Nosso objetivo é comunicar que a indústria do tabaco não está interessada em que os jovens fumem e posicionar a indústria como uma "corporação cidadã responsável", num esforço para repelir novos ataques pelo movimento anti-tabaco." (Philip Morris – América Latina: Campanha dirigida ao Jovem da América Latina, 1993).

"O programa juvenil e suas partes individuais apóiam o objetivo do Instituto de Tabaco de dissuadir as restrições injustas e contraproducentes, nos níveis federal, estadual e local, contra a publicidade de cigarros através das seguintes medidas: reforçar a crença de que a pressão dos pares e não a publicidade é o fator causal para os jovens fumarem; atingir o centro político e pressionar a um extremo os que estão contra o tabaco.

A estratégia é bastante simples: fomentar intensamente a oposição da indústria em relação ao tabagismo entre jovens; alinhar a indústria com uma visão mais ampla e sofisticada do programa, ou seja, com a incapacidade paterna de se contrapor à pressão dos colegas dos seus filhos; colaborar com profissionais e educadores de boa reputação e que lidam com o bem estar infantil, para abordar o "problema"; provocar as forças contra o tabaco para que critiquem os esforços da indústria. Concentrar a atenção em extremismos das posturas contra o tabaco. Adiantar-se para abrandar os pontos mais fortes dos oponentes; estabelecer a idéia de um programa bem recebido, em crescimento, alimentando-o com uma proliferação de projetos pequenos locais e parcerias com outros aliados. Evitar depender de uma única organização [...]" (Tobacco Institute, 1991).

O mesmo trabalho identifica o pensamento expansionista do mercado de cigarros, direcionado aos países em desenvolvimento, bem assim noticia como a indústria do tabaco tem-se organizado para minar as políticas de controle do tabagismo no mundo inteiro e para contra-atacar e desacreditar órgãos envolvidos no controle deste. A estratégia de "lobby" e aliança que envolve diferentes setores sociais, como agricultura, mídia, governos e congressos nacionais dos países, também se encontra explicitamente mencionada nos documentos internos da indústria do fumo. Veja-se:

1) "O consumo de tabaco nas nações desenvolvidas seguirá uma tendência de redução até o final do século, ao passo que nos países em desenvolvimento o consumo poderia aumentar em cerca de 3% ao ano! Um quadro verdadeiramente promissor! Não haverá uma sociedade sem fumantes, e sim um crescimento mantido para a indústria do tabaco." (Tobacco Reporter, 1989).

2) "Temos que encontrar uma maneira de alimentar os monstros que foram citados. Praticamente, a única que restou, foi procurar aumentar as vendas em países em desenvolvimento." (Tobacco Reporter, 1991).

3) Não deveríamos estar deprimidos só porque o mercado total do mundo livre parece diminuir. Dentro do mercado total, existem áreas de sólido crescimento, particularmente na Ásia e na África; se abrem novos mercados às nossas exportações, tais como nos países da Indo-China e do Comecon; e existem grandes oportunidades de aumentar nossa participação no mercado de algumas regiões da Europa [...]. Esta indústria é sistematicamente rentável. E existem oportunidades de aumentar ainda mais essa rentabilidade." (BAT, 1990).

4) Este é um mercado com um enorme potencial. O índice de crescimento demográfico é 2,2% ao ano e 40% da população é menor de 18 anos." (Philip Morris Turquia, 1997),

5) Pensar nas estatísticas de consumo de cigarros na China é como pensar nos limites do espaço." (Rothmans, 1992).

6) "O mercado de cigarros chinês é três vezes maior que o mercado nos Estados Unidos e representa mais de 30% das 5,4 bilhões de unidades consumidas no mundo. Como o segmento internacional total aumenta a menos de 1% deste enorme mercado, temos um lugar amplo para um crescimento extraordinário." (Philip Morris, 1993).

7) "Não é prudente pressupor um crescimento substancial considerável nos países em desenvolvimento, em vista da rápida intensificação das pressões internacionais que as organizações contra o tabaco exercem sobre os governos e sobre os consumidores [...]. Para podermos maximizar o crescimento, no longo prazo, nos países em desenvolvimento, devemos procurar neutralizar a pressão contra o tabaco dando a impressão de que: atuamos de forma responsável, tendo em vista a quantidade de opiniões acerca dos efeitos de fumar sobre a saúde. Preparamos nossos métodos de comercialização para demonstrar esta responsabilidade; somos um hóspede aceitável no país anfitrião, onde nossa presença gera benefícios econômicos consideráveis; somos contribuintes, e não exploradores." (BAT, 1980).

8) "Diretriz estratégica global da Philip Morris Latin América Inc.: Dar suporte às nossas subsidiárias através de programas que procurem obter/manter a liberdade de preço e uma taxação justa, e ao mesmo tempo promover uma maior sensibilidade e tolerância por parte dos governos e do público, no que se refere ao tabagismo e a sua publicidade. Obter apoio da comunidade de mídia e de publicidade para oposição às restrições. Promover/fortalecer alianças com a comunidade de publicidade para oposição ao banimento da propaganda (em andamento). Organizar uma série de simpósios para promover a liberdade de discurso comercial e aumentar o apoio contra a restrição (em andamento)." (Philip Morris – Plano Estratégico 1994-1996).

9) "Dar assistência as suas afiliadas para evitar a aprovação da legislação para banir ou restringir o tabagismo em ambientes públicos e privados." (Philip Morris, Objetivos para a América Latina 1993).

10) "A Philip Morris assumiu um papel de liderança na Câmara de Comércio Filipina. Prestamos assistência na visita altamente produtiva da presidenta Aquino aos Estados Unidos. O pessoal da Philip Morris Internacional ocupa atualmente postos chave em uma ampla variedade de organizações internacionais, o que pode nos ajudar nos próximos anos." (Philip Morris, 1986).

11) "Os aliados: seguiremos formando nossos executivos como porta-vozes públicos eficazes, e buscaremos as oportunidades para que possam difundir nossas mensagens. Recrutaremos e ativaremos outras ‘vozes/aliados’ com quem possamos contar para divulgar nossas opiniões de forma criativa." (Philip Morris, 1989).

12) "Identificar aqueles membros dentro do Congresso que, devido a sua antiguidade, cargo de liderança etc., tenham uma maior chance de vir a ser parte da próxima geração de líderes do Congresso... Deveríamos refinar os programas atuais para ampliar nossa presença ante estes membros, como reuniões, jantares e eventos para arrecadar fundos, além das necessidades de financiamento especiais destes membros." (Tobacco Institute, 1982).

13) "Devemos desacreditar o grupo dos "anti"... Temos sido advertidos para adotar uma mentalidade de sítio. E temos ouvido alguns comentários interessantes que questionam se é correto, como se diz no exército, disparar em tudo que se move. Porém, ao desenvolver contra-medidas, creio que não devemos duvidar de que há um estado de guerra." (Tobacco Institute, 1979).

14) "Devemos tratar de deter os programas voltados para obter um compromisso do Terceiro Mundo contra o tabaco. Devemos tratar de conseguir que todos ou pelo menos uma grande parte dos países do Terceiro Mundo se comprometam com a nossa causa. Devemos tratar de influenciar a política oficial da FAO e da UNCTAD,para que adotem uma postura a favor do tabaco. Devemos tratar de mitigar o impacto da OMS, forçando-a a adotar uma postura mais objetiva e neutra." (BAT, 1979).

15) "Nosso objetivo continua sendo desenvolver e mobilizar os recursos necessários – aliados internos da Philip Morris, entidades e consultores externos, as associações de comercialização nacionais da indústria e todos os aliados possíveis – para combater as iniciativas sociais e legislativas contra o tabaco [...]. Especificaremos cuidadosamente nossos oponentes. Identificaremos, vigiaremos, isolaremos e responderemos cuidadosamente a indivíduos e organizações chave." (Philip Morris, 1989).

16) "RJ Reynolds está planejando se contrapor ao crescente número de cruzadas nacionais lançando sua própria campanha "direitos dos fumantes". (Tobacco Repórter, 1976).

17) "Atacar a OMS e dividir a FAO/OMS: criticar o manejo dos recursos financeiros, abordar as prioridades da saúde, expor a chantagem dos recursos, ressaltar as falhas regionais, atacar o "conducionismo". Refutar em matéria de assuntos públicos, desacreditar as credenciais dos ativistas, fazer uma guerra de estatísticas, inverter as relações de imprensa, demonstrar o impacto dessas organizações "pouco convencionais". (INFOTAB, 1989).

18) "[...] empreender uma iniciativa de longo prazo para se contrapor à agressiva campanha global contra o tabaco, desenvolvida pela OMS, e introduzir um debate público a respeito de uma redefinição do mandato da OMS." (BAT, 1989).

19) "Adjunto a este memorial uma cópia de uma fatura de meus honorários mensais de consultor de 01 de junho de 1992 até 30 de setembro de 1992 [...]. Meu trabalho no Conselho da Organização Panamericana de Saúde continua através de meus esforços de reordenar suas prioridades para o controle de enfermidades em lugar de controle de estilos de vida." (Memo BAT, 1992 – escrito por Paul Dietrich, consultor da BAT que também fazia parte da Comissão sobre Desenvolvimento da Organização Panamericana de Saúde).

20) "Paul (Dietrich) conseguiu persuadir a OPS a remover o tabaco de sua lista de prioridades este ano." (Memo BAT, 1991 – escrito por Sharon Boyse da BAT).

É conveniente transcrever, ainda, o conteúdo de mais alguns documentos, também registrados no trabalho ‘Ação global para o controle do tabaco – 1º Tratado Internacional de Saúde Pública’, apontando outras vertentes do pensamento manipulador da indústria do fumo:

1) "Aumentar a incidência de tabagismo entre mulheres jovens servirá para manter a incidência de iniciação... As taxas de cessação de fumar não aumentarão, uma vez que a manutenção dos fumantes existentes será garantida pelo crescimento das marcas de baixos teores de alcatrão." (BAT, 1979 "Year 2000").

2) "Naturalmente nos interessa mais saber como captar as fumantes adultas jovens emergentes do que as fumantes mais velhas." (Philip Morris, 1989).

3) "As mulheres apresentam uma probabilidade de aumentar a percentagem total. As mulheres estão adotando papéis mais dominantes na sociedade; elas têm aumentado o poder de consumo; elas vivem mais do que os homens. E de acordo com o que um recente relatório oficial mostrou, elas parecem ser menos influenciadas por campanhas contra o tabagismo do que os homens. Tudo isso faz das mulheres um alvo de primeira. Dessa forma, apesar das dúvidas anteriores, nós podemos deixar de considerar agora um ataque mais definido sobre esse importante segmento de mercado representado por fumantes do sexo feminino?" (Tobacco Reporte, 1982).

4) "[...] a forma de fumar dos seres humanos é diferente da forma simulada pelas máquinas de fumar quanto à freqüência das tragadas, a intensidade das baforadas, e isto varia de pessoa a pessoa." (Canadian Tobacco Industry, 1969) In: <http://www. ash.org.uk/>.

5) "Quaisquer que sejam as características dos cigarros determinadas por máquinas de fumar, o fumante ajusta seu padrão para atender às suas próprias necessidades de nicotina." (British American Tobacco – subsidiária alemã – Research Conference, 1974). In: <http://www.ash.org.uk/>.

6) "Algumas observações não são esperadas no que se refere ao comportamento do fumante e o alcatrão e a nicotina. Geralmente as pessoas fumam de tal forma que obtêm mais do que o previsto pelas máquinas de fumar. Isso é especialmente verdadeiro para a diluição dos cigarros (isto é, baixo nível de alcatrão e baixo nível de nicotina) [...]. O teste padronizado pelo FTC – Federal Trade Commission – deve ser mantido: ele fornece níveis baixos." (Philip Morris, docs. internos, 1974). In: <http://www.ash.org.uk/>.

7) "Dados sobre o perfil do fumante relatados anteriormente indicam que os cigarros "Marlboro lights" não são fumados como os "Marlboro regulares". De fato, 875 fumantes de "Marlboro" deste estudo não conseguiram qualquer redução na inalação da fumaça ao fumar um cigarro "Marlboro lights". (Philip Morris, doc. interno assinado por L. Meyer, 1975). In: <http://www.ash.org.uk/>.

8) "[...] é difícil ignorar as advertências das autoridades de saúde que advertem aos fumantes para deixarem de fumar ou mudarem para uma marca de baixo teor. Mas existem, atualmente, evidências suficientes para questionar essa advertência de mudar para uma marca de baixo teor, pelo menos no curto prazo. Em geral, a maioria dos fumantes habituais compensa a alteração dos teores, se eles mudam para uma marca de teor mais baixo." (Creighton, D.E. Compensation for changed delivery. British American Tobacco Company. June 27, 1978. Minnesota Trial Exhibit 11.089, citado por Kozlowski, 2001).

9) "Sem dúvida, é possível que o efeito de mudar para cigarros com baixos teores de alcatrão seja o de aumentar e não diminuir os riscos de se fumar." (Tobacco Advisory Council, 1979). In: <http://www.ash.org.uk/>.

10 "Devido à grande variedade de carcinógenos produzidos durante o processo de pirólise (reação química produzida pela queima de matérias orgânicas) é pouco provável que se possa chegar a uma forma completamente segura de fumar tabaco." (BAT, sem data). In: <http://www.ash.org.uk/>.

11) "Todo trabalho nessa área (comunicação) deveria ser em direção a tranqüilizar o consumidor acerca dos cigarros e do hábito de fumar [...] através da divulgação dos baixos teores, estimulando a percepção de baixas emissões e de "suavidade". Além do mais, a propaganda dos baixos teores ou das marcas tradicionais deveria ser construída de forma a não provocar ansiedade a respeito de questões de saúde, mas para aliviá-la e permitir que o fumante sinta-se tranqüilo a respeito do seu hábito e confiante em mantê-lo durante algum tempo." (Short, P. L. Smoking & Health item 7: The effect on marketing. British American Tobacco Co., Ltd., April 14, 1977 [030, Minnesota Litigation] citado por Pollay & Dewhirst, 2001).

12) "Os fumantes necessitavam de marcas light por razões tangíveis, práticas e lógicas [...]. É útil considerar os "light" como uma terceira alternativa à cessação de fumar e à redução do consumo – uma hibridização do produto com as tentativas infrutíferas dos fumantes para modificar seus hábitos por eles mesmos." (BAT, Research & development/marketing conference. Circa 1985. [081,PSC 60] citado por Pollay & Dewhirst, 2001).

13) "Salem criou um completo e novo sentido para o mentol. A partir da herança que o mentol traz como solução para os problemas negativos do fumar, o mentol quase que instantaneamente tornou-se uma sensação positiva para o fumar. O mentol na forma de filtro na propaganda do Salem foi uma experiência de sabor "refrescante". Ele pode ser visto como uma forte estratégia tranqüilizadora para as preocupações pessoais. Indubitavelmente, a conotação medicinal do mentol trouxe o aspecto terapêutico, mas como um benefício de sabor positivo." (Cunningham and Walsh. [Advertising] Kool: 1993-1980. A retrospective view of Kool).

14) "Psicologicamente a maioria dos fumantes se sente aprisionada. Eles estão preocupados a respeito da saúde e da dependência. Os fumantes se preocupam com o que os comerciais dizem a respeito deles. A propaganda pode ajudar a reduzir a ansiedade e a culpa [...]. A imagem do usuário da marca pode ser crítica para influenciar a mudança de lealdade de marca." (Oxtoby-Smith, Inc. A psychological map of cigarette worl. Prepared for the Ted Bates advertising agency and Brown & Williamson, August, 1967. [005,K0107] citado por Pollay & Dewhirst, 2001).

15) "[…] qualquer cigarro saudável deve estabelecer um compromisso entre implicações para a saúde por um lado e sabor e nicotina por outro... sabor e nicotina são ambos necessários para vender um cigarro. Um cigarro que não fornece nicotina não pode satisfazer o fumante dependente e não pode levar à dependência e certamente falharia." (Johnston, M. E. Market potential of a healt cigarette. Special Report n.º 248 Philip Morris, June 1966. [004, K0126] citado por Pollay & Dewhirst, 2001).

16) "A mobilização do setor agrícola da indústria do tabaco, especialmente em países em desenvolvimento, é um dos pontos de pressão mais viáveis para responder à Organização Mundial de Saúde." (RJ. Reynolds, 1981).

17) "[...] comunicar de forma indireta aos dirigentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) dos países do Terceiro Mundo para sugerir que uma posição extrema contra o tabaco por parte da OMS poderia ser prejudicial para o bem estar econômico de seus países." (Internacional Council on Smoking Issues, ICOSI, 1979).

18) "[...] recrutaremos e capacitaremos um Gerente de Assuntos Corporativos. Esta pessoa se concentrará inicialmente em identificar e desenvolver relações com os líderes – desde a semente até o mercado – da indústria do tabaco turca, conhecer o processo de tomada de decisões do governo, fomentar as relações com os responsáveis pela tomada de decisões e buscar oportunidades para cultivar discretamente uma imagem corporativa da Philip Morris. Prestará particularmente a atenção no fomento das relações com líderes dos fumicultores." (Philip Morris na Turquia, 1987).

Crê-se que a leitura desses documentos se mostra suficiente para assegurar uma idéia bastante nítida acerca do comportamento adotado pela indústria do fumo, desde que os cigarros foram inseridos no mercado mundial. Comportamento esse voltado a exclusivamente a garantir o sucesso de vendas de seus produtos, não importando as conseqüências dele advindas. Tanto quanto lastimável, é também atemorizador perceber como o poder de manipulação, de persuasão pode ser utilizado em favor daqueles abastados, que agem egoisticamente, menos preocupados com o bem-estar dos indivíduos – e, portanto, desinteressados de garantir a lealdade negocial –, do que com a glória e conseqüente rentabilidade de seu negócio.

Já se disse que a teoria do abuso do direito representa um instrumento garantidor da limitação da liberdade, e evidencia a não-existência de direitos absolutos e, por resultado, restringe o exercício dos direitos subjetivos, relativizando-os, de sorte que garanta o respeito aos valores sociais, morais e éticos sagrados pelo ordenamento jurídico. De forma sintética, caracteriza-se abusivo o exercício anormal do direito, sempre que sua finalidade social e econômica for contrariada, o que certamente abrange o respeito aos limites impostos pela boa-fé (objetiva) e bons costumes.

8.1. O desrespeito pela indústria do tabaco dos valores da boa-fé e dos bons costumes

Inicie-se o raciocínio pela boa-fé e bons costumes. A civilista Judith Martins-Costa, com sua costumeira clareza, esclarece que ao conceito de boa-fé objetiva encontram-se subjacentes as idéias e ideais que animam a boa-fé germânica, a saber, a boa-fé como regra de conduta, fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses do ‘alter’, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Qualifica-se a boa-fé objetiva como uma norma de comportamento. Aí se insere a consideração para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da comunidade, especialmente no outro pólo da relação obrigacional [92]. Ínsito no conceito de boa-fé objetiva, que se reveste de feições diversas, encontra-se também a idéia de bons costumes [93].

Quem, em juízo perfeito, diria que os aliciadores de crianças e adolescentes, com a finalidade de garantir, agora e futuramente, o consumo de seus produtos mortíferos e viciantes ("Eles representam o negócio de amanhã"), valendo-se, para tanto, de expedientes publicitários insidiosos, voltados a estabelecer uma quase inquebrantável aura artificial do produto, vinculada a estilos de vida, esportes, lazer, sociabilidade, sedução, requinte, saúde, etc., estariam agindo em conformidade com as diretrizes da boa-fé e bons costumes? Apresenta-se em harmonia com tais valores a postura daqueles que, apesar de deter conhecimento sólido sobre a natureza psicotrópica de um dos componentes de seus produtos, não se limitam apenas a omitir tal informação aos consumidores, mas também negam e questionam, dissimuladamente, dados científicos que apontam em tal rumo, tudo para garantir o maior número possível de dependentes de nicotina e, por resultado, de consumidores de cigarros? Agem de acordo com os parâmetros da boa-fé objetiva aqueles que astuciosamente obram, criando controvérsias sobre o potencial mórbido e mortífero de seus produtos, mesmo já estando familiarizados com o fato de que a fumaça do tabaco contém não apenas um carcinógeno, mas uma galáxia deles? É aceitável, jurídica e moralmente, o direcionamento da expansão do mercado de produtos fumígenos aos países em desenvolvimento, haja vista a maior facilidade encontrada ali para garantir o sucesso desse objetivo (menos – ou nenhuma – legislações antitabagistas e um maior contingente de consumidores desinformados, notadamente pela carência educacional)? Será honesta e leal a postura daqueles que auferem lucros com a doença alheia (o tabagismo), sem sequer esclarecer adequadamente sobre os malefícios que certamente sofrerão os consumidores de tabaco?

Conquanto a nicotina seja considerada uma droga pelo Ministério da Saúde, bem assim pela própria Organização Mundial de Saúde, e por todos aqueles estudiosos que examinaram com seriedade o assunto, a indústria de fumo, não raras vezes, ainda insiste na tese contrária, negando essa qualificação a tal substância. Para se ter uma idéia lúcida a respeito disso, ressalte-se que a Philip Morris Marketing S/A., ao apresentar sua defesa numa ação coletiva de responsabilidade por danos individuais homogêneos, ajuizada pela Associação de Defesa da Saúde dos Fumantes (ADESF), negou a capacidade psicotrópica da nicotina, refutando todas as evidências nacionais e internacionais que seguem rumo diametralmente oposto (Processo n.º 95.523167-9, ajuizado na Comarca de São Paulo no ano de 1995). Essa negativa resultou numa discussão judicial – que acabou desembocando no Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 140097) – voltada ao estabelecimento do ônus da prova, para definir quem realmente estaria obrigado a demonstrar que a nicotina possui a capacidade de causar dependência, se a autora ou a ré. Ora, atualmente – e isso já foi esclarecido – o tabagismo tem sido tratado como verdadeira doença crônica, justamente pela dificuldade que os fumantes, em sua grande maioria, possuem de abandonar o vício pela nicotina. Ademais, a própria Philip Morris, décadas antes do ajuizamento dessa ação coletiva, já detinha conhecimento sólido sobre a capacidade viciante da nicotina, consoante demonstram os documentos secretos da indústria do fumo (<http://www.library.ucsf.edu/tobacco>). Esse comportamento, engajado numa estratégia de sempre criar contradições e dúvidas [94], mesmo defronte a discussões judiciais, alinha-se às diretrizes da boa-fé e bons costumes?

Se é correta a premissa de que "um direito levado longe demais pode acarretar a uma injustiça", certamente a resposta a esses questionamentos – e a outros tantos que podem ser formulados por um mero resvalo de olhar nos documentos transcritos alhures –, é única: a indústria do tabaco transpassou o limite que lhe foi outorgado para produzir e comercializar seus produtos, indo na contramão do que reza a boa-fé objetiva e os bons costumes, abusando conscientemente de seu direito, sendo ela responsável por uma pandemia, que embora lhe traga benefícios financeiros, lesa maciçamente parcela considerável da população mundial.

8.2. O desacato da indústria do tabaco à finalidade econômica do seu direito de produzir e comercializar cigarros

Noutro foco, sabe-se que o consumo de produtos derivados de tabaco, além de abrolhar diversos malefícios à saúde humana e ao meio ambiente, causa grandes perdas para a economia dos países [95]. O Banco Mundial estima que o consumo de produtos do tabaco gera, no mundo, uma perda bruta de U$ 200 bilhões por ano, estando a metade dessa perda concentrada nos países em desenvolvimento [96]. Tal constatação fez o Banco Mundial concluir que, do ponto de vista econômico, não faz sentido financiar projetos da área de tabaco [97].

Para a avaliação dos custos relacionados ao tabagismo, devem ser considerados todos os custos para a sociedade, e não apenas aqueles relacionados ao tratamento de pacientes acometidos por doenças tabaco-relacionadas. Incluam-se, aí, por exemplo, os custos incorridos no sistema previdenciário (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e pensões por viuvez), a perda de produção (em termos de força de trabalho) devido à morte e ao adoecimento, perdas econômicas atribuídas à poluição, à degradação ambiental, aos incêndios e aos acidentes [98]. Vejam-se, a esse respeito, algumas das conclusões obtidas pelo Banco Mundial, devidamente registradas na obra ‘Ação global para o controle do tabaco’ [99]:

1) Nos países de alta renda, calcula-se que o gasto anual com assistência à saúde, devido às doenças causadas pelo tabagismo, varia de 6% a 15% do seu custo total. Nos países de baixa e média renda, o custo anual da atenção à saúde com doenças decorrentes do fumo é inferior, conforme indicam estudos do Banco. Em parte, isto se deve ao fato de que, nesses países, essas doenças ainda não atingiram os patamares observados atualmente em países desenvolvidos, onde o consumo de tabaco tem mais tempo de evolução. Também contribuem para esse quadro outros fatores, tais como, as dificuldades na identificação da prevalência de doenças relacionadas ao tabagismo nos países em desenvolvimento.

2) Do ponto de vista da produtividade, o Banco Mundial estima que, num ambiente de trabalho, um fumante custa mais caro para os empregadores. Estes custos incluem: maior índice de absenteísmo, redução da produtividade, aposentadoria precoce devido aos problemas de saúde e gastos anuais mais elevados com ela e com seguro-saúde, maiores despesas com manutenção e limpeza, maiores riscos de incêndio e prêmios de seguro contra os mais elevados. No Canadá, um estudo mostrou que, para o empregador, o custo anual de um fumante é da ordem de US$ 3.022,00. Outro estudo sobre o tabagismo em ambientes de trabalho, na Escócia, mostrou que o país perde U$ 60 milhões com absenteísmo, US$ 675 milhões com perda de produtividade e US$ 6 milhões com incêndios.

É de se ver, pois, que também por um viés voltado exclusivamente à finalidade econômica, não se mostra razoável defender a prática do exercício regular de um direito pela indústria do fumo.

8.3. O desrespeito pela indústria do tabaco à finalidade social do seu direito de produzir e comercializar cigarros

Restringindo-se a uma interpretação puramente fincada na finalidade social do direito de a indústria do fumo produzir e comercializar produtos derivados do tabaco, seria crível advogar a tese de que ela exerceria um papel social importante na sociedade? Esse papel seria suficientemente imponente, a ponto de conduzir à ilação de que a indústria do tabaco efetivamente agiu no exercício regular de seu direito?

De início, aponte-se que falar em finalidade social de empresas que matam grande parte daqueles que consomem diretamente seus produtos, é algo que soa curioso e insustentável, data maxima venia. Ocorre que, atualmente, um amplo mutirão social mobiliza o setor fumageiro e promove avanços nas áreas de saúde, educação, bem-estar social, meio ambiente, entre outros setores. Contudo, até para os mais despercebidos, não deixa de ser curioso o fato de uma indústria, que diretamente contribui para a morbidade e mortalidade de milhares de pessoas anualmente, e responsável por uma verdadeira pandemia mundial, articule-se para desenvolver uma gama de programas a fim de tornar a vida mais saudável. Deveras, não se pode acusar de incrédulo aquele que, estudioso dos documentos secretos da indústria do tabaco, não se regozije com a notícia e reflita uma desconfiança perfeitamente defensável, a qual segue rumo à conclusão de que essa mesma indústria, em verdade, descobriu uma nova estratégia de divulgar seus produtos e mantê-los no mercado, garantindo, por conseqüência, seus vultosos lucros, mesmo diante da onda antitabagista que atinge o setor.

Embora a indústria do tabaco, hodiernamente, garanta o sustento de inúmeros trabalhadores e venha manifestando uma novel preocupação em se envolver com projetos sociais, isso não lhe outorga a chancela referendada àquelas empresas cujos compromissos são legitimamente sociais. Não seria exagerado afirmar que nunca existiu uma finalidade social naquele direito conferido à indústria do tabaco de produzir e comercializar produtos fumígenos, bastando para sacramentar essa assertiva uma breve análise nos registros da Organização Mundial da Saúde, os quais apontam para evidentes prejuízos sociais, econômicos e ambientais causados pelo consumo de cigarros.

O que se conclui é que a indústria do tabaco, efetivamente, fraudou a saúde pública, enganou, dissimuladamente, a sociedade, e isso pelo uso de artifícios contrários à finalidade econômica e social do direito que lhe fora conferido – bem assim, transpassando os limites impostos pela boa-fé objetiva e bons costumes –, sendo responsável por uma verdadeira tragédia mundial, representada pela morte de aproximadamente 5 milhões de pessoas por ano (uma pandemia para muitos); tudo com o objetivo único de ampliar seus lucros. Ao longo de várias décadas, a indústria do fumo, titular do direito de produzir e comercializar produtos fumígenos, exerceu-o de maneira abusiva, atuando em desconformidade com a lealdade e confiança desejáveis.

Agiu assim pois sabia que tais expedientes ilegítimos atrairiam uma gama imensa de consumidores inclinados a utilizar seus produtos, sendo absolutamente despicientes argumentações no sentido de que a sociedade sempre revelou um conhecimento firme sobre a natureza maléfica dos cigarros, como se houvesse uma notoriedade quanto aos riscos de se fumar.

Nesse sentido, também é precisa a lição de Cláudia Lima Marques, pontuando que o leigo-consumidor, quando começou a fumar, há 40 anos [...] podia até ter alguma desconfiança natural sobre se determinado produto fazia mal à saúde ou mesmo viciava, mas são considerações do campo das suposições, ao que se acrescenta uma série de outras informações (publicidade massiva, na televisão, cinema, outdoors, nos esportes, etc.) contraditórias, organizadas pelo fabricante, de forma a nunca realmente permitir que o consumidor detenha esta informação. Importante ressaltar, que em 1954, nos Estados Unidos da América, o diretor da Philip Morris, George Weissman, desmentia que estas informações eram notórias e afirmava, frente à Pioneer Press, que ele mesmo não sabia destes riscos e se soubesse, que sairia da indústria do tabaco se existisse qualquer prova ou mesmo indício que provasse que o tabaco fazia mal à saúde! Outros fabricantes de tabaco, na investigação realizada pelo Congresso norte-americano, já em 1964, repetiram estas afirmações e voltaram a repeti-las até 1986! Também no setor público e governamental (nos Estados Unidos e no Brasil) estas informações eram desconhecidas (ou negadas veementemente, o que é o contrário da notoriedade ou conhecimento público!), pois como comprovam Jacobson e Wasserman, com o aumento da popularidade do fumar depois da Segunda Guerra Mundial e dos indícios médicos ligando o cigarro ao câncer desde a década de 40 e especialmente de 50, foi somente em 1964, que o primeiro estudo médico oficial e completo (Surgen General’s Report Smoking and Health) concluiu que fumar causava câncer de pulmão, bronquite crônica e aumentava os riscos de morte por enfisema e doenças coronárias e, como resposta, somente em 1965, o congresso norte-americano criou a lei sobre informação nas embalagens de cigarro e na publicidade (1965 Cigarette Labeling and Advertising Act) e, em 1969, proibiu a publicidade de cigarros na televisão e rádio (1969 Public Health Cigarette Smoking Act) [100].

O exercício abusivo aqui retratado fica ainda mais patente com o novo discurso, construído e difundido pela indústria do tabaco, que atualmente vem se engajando numa caríssima estratégia de relações públicas, isso para se mostrar como uma indústria renovada, preocupada com o social. Tal postura apenas evidencia o seu erro, o transpasse dos limites do direito que lhe foi outorgado, de produzir e comercializar produtos derivados do tabaco. É de se citar que o Comitê de Saúde da Casa dos Comuns da Inglaterra, depois de analisar as novas posturas assumidas pelas principais multinacionais do tabaco, manifestou a seguinte conclusão:

Para nós, parece que as companhias procuravam esconder o consenso científico até que, de repente, tal posição pareceu ridícula. Então, as companhias agora geralmente aceitam que fumar é perigoso (mas colocam a seguir argumentos para sugerir que a epidemiologia não é uma ciência exata, e que os números de mortes por tabagismo podem ser exagerados); são ambíguas sobre a dependência da nicotina; e são ainda tentadas a esconder os argumentos de que o fumo passivo é perigoso [101].

Saliente-se que a tese do abuso do direito foi utilizada em recente acórdão, como uma das bases para a condenação de uma grande empresa do fumo. Em substancioso voto, o Desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, com pena de ouro, deixou assentado para os anais da história os seguintes dizeres:

Assim, mesmo que seja lícita a atividade, não pode aquele que a exerce, abusando de seu direito, por omissão, ocultar as conseqüências do uso do produto, como a causação de dependência e de câncer, e, ao contrário, promover propaganda ligando o uso do produto a situações de sucesso, riqueza, bem-estar, vida saudável, etc., situações exatamente contrárias àquelas que decorrem e são conseqüências do uso do produto.

Evidentemente, se uma empresa fabrica e comercializa um produto que, além de viciar, ainda mata por câncer e enfisema pulmonar, desimporta se sua atividade é lícita. Ao colocar tal produto no mercado, com tamanho potencial de malefício e destruição, não há como negar que tal empresa é responsável pelo risco e pelo perigo que criou. E se não impede as conseqüências desastrosas do uso de tal produto – ainda que o uso fosse completamente voluntário, e não houvesse dependência e ardiloso apelo publicitário – sendo uma dessas conseqüências, certamente a mais trágica, a morte, não pode restar dúvida sobre a evidente responsabilidade do fabricante em arcar com a indenização correspondente.

Por tudo o que foi exposto, tenho que, definitivamente, não é pelo fato de uma atividade ou produto serem considerados lícitos pelas leis do Estado, que os cidadãos-consumidores, que forem vítimas de malefícios ou prejuízos causados por tal atividade ou produto, devam ficar, esses cidadãos, desamparados juridicamente, e nem tampouco esse fato, da licitude da atividade ou do produto, torna, os promotores da atividade ou produtores do bem, isentos de qualquer responsabilidade.

É verdade que, se se entender que a ordem jurídica permite que alguém fabrique e coloque no mercado um produto que mata, e que esse alguém não tem nenhuma responsabilidade pela morte ou outros males causados às pessoas, então a conclusão há de ser a de que a demandada não deve ser condenada no caso destes autos’ [102].


9. Conclusões

Sérgio Cavalieri Filho e Carlos Alberto Menezes Direito invocam os jurisconsultos romanos os quais defendiam que quem exerce um direito não comete falta, logo não está sujeito a nenhuma responsabilidade (neminem laedit qui jure suo utitur). Ainda que aparentemente correta, essa concepção constitui uma contraverdade.

Os direitos são concedidos para serem exercidos de maneira justa, social e legítima, e não para que seu uso seja feito discricionariamente. Só pelo fato de ser titular de um direito, uma pessoa não pode exercitá-lo de forma absoluta, sem se preocupar com os outros [103].

Conquanto as fabricantes de cigarro defendam serem detentoras de uma proteção quase mágica – já que jurídica ela não é –, como se alheias estivessem às normas jurídicas e morais impostas a todos os humanos, sua postura harmoniza-se com a definição de abuso do direito, revelando o ilícito necessário a sua responsabilização civil pelos danos que seus produtos acarretam aos consumidores de cigarros. É de se lembrar sempre que "não há liberdade sem responsabilidade e a liberdade comercial não pode ser maior do que a garantia de saúde e qualidade de vida de uma nação" [104].


Notas

Numa das salas de reuniões do hotel, os presidentes da American Tobacco, da Benson & Hedges, da Philip Morris e da US Tobacco deram o primeiro passo para criar o que viria a tornar-se uma estratégia unificada para passar ao público a mensagem tranqüilizadora de que não havia evidências de que o cigarro fizesse mal à saúde.

Ao longo dos 50 anos seguintes, as empresas de cigarro americanas iriam conspirar para fraudar os consumidores, negando os perigos do fumo e da fumaça inalada por não fumantes. Iriam financiar cientistas solidários com elas para que conduzissem pesquisas que semeassem a confusão em torno da questão. Iriam manipular os níveis de nicotina para criar dependência entre os fumantes e iriam propositalmente difundir o cigarro entre os jovens. Porém, em boa parte desse tempo, elas sabiam que existia um vínculo causal entre o cigarro e a doença.

Isso tudo, ao menos, é o que o Departamento de Justiça americano tentará provar, numa ação que começará a ser julgada no próximo dia 21. Os depoimentos das primeiras testemunhas do governo deverão ser divulgados nesta segunda-feira. A ação talvez se torne o maior ataque na Justiça já lançado por um governo contra uma indústria legal. O argumento essencial é similar ao das ações movidas por Estados americanos e das movidas por fumantes. Mas o julgamento em questão será diferente de tudo já visto nas cortes do Mississippi ou do Alabama.

De um lado, está o Departamento de Justiça, que, usando documentos incriminadores vazados desde o interior das empresas ou descobertos em processos anteriores ou ainda por meio de suas próprias investigações, passou cinco anos montando os mais abrangentes argumentos já preparados no combate à indústria do tabaco. De outro lado, estão os recursos somados das maiores empresas do ramo e suas fileiras de advogados de primeira linha.

governo dos EUA afirma que os réus devem restituir US$ 280 bilhões em "lucros indevidos" – um valor mais do que suficiente para levar as empresas à falência. Para conseguir isso, porém, terá de provar – não a um júri, mas a uma juíza única – que as empresas de cigarros foram culpadas de fraude no passado e que existe a probabilidade de que continuem a fazê-lo no futuro. Não será um empreendimento fácil. O governo também terá de justificar sua exigência de US$ 280 bilhões.

A razão é que não se trata de um processo de indenização por falha de um produto, alegando que os artigos feitos pela indústria prejudicaram um fumante ou grupo de fumantes específicos, como os que o setor dos cigarros já está acostumado a combater. Em lugar disso, a ação é movida sob a Lei de Organizações Corruptas e Influenciadas por Fraudadores (Rico), de 1970, promulgada para combater o crime organizado.

"O argumento principal do governo é que a indústria americana do cigarro foi um empreendimento ilegal, como a máfia", diz Marin Feldman, analista da Merill Lynch para o setor do tabaco.

A indústria nega ter cometido fraudes no passado e afirma achar que o governo não conseguirá convencer a juíza Gladys Kessler, que presidirá o processo, de que há a probabilidade de que as empresas violem a Rico no futuro.

Ademais, diz o setor, as restrições à propaganda de cigarros que o governo está pedindo, ao lado da restituição de US$ 280 bilhões, em grande medida duplicam as que já estão em vigor com o acordo de 1998 conhecido como Master Settlement Agreement. Foi o acordo pelo qual as empresas de cigarros concordaram em pagar US$ 246 bilhões a 50 Estados americanos ao longo de 25 anos. Isso pôs fim aos processos litigiosos movidos pelos Estados e inspirou o governo federal a iniciar sua própria investida legal.

"Quando a ação do governo foi aberta, em 1999, dissemos achar que ela estava equivocada com base na lei, nos fatos e na política. Nada mudou desde então", diz William Ohlemeyer, um dos advogados da Philip Morris, a maior fabricante de cigarros dos EUA.

A Philip Morris é uma das seis rés. As outras são a RJ Reynolds, segunda maior empresa de tabaco nos EUA; a Brown & Williams, terceira maior; a Lorillard; a Liggett; e a filial local da British American Tobacco. Também são rés no processo duas associações do setor que já deixaram de existir.

As alegações contidas nas últimas constatações de fatos, divulgadas em julho, são extremamente graves: "As empresas de cigarros vêm praticando e executando há 50 anos – e continuam a praticar e executar – um esquema maciço de fraude do público.

Trabalhando com as duas organizações do setor, o Instituto do Tabaco e o Conselho de Pesquisas do Tabaco, elas teriam feito uma campanha de relações públicas para desmentir os males causados pelo cigarro e gerar controvérsias em torno das pesquisas científicas. A campanha teria começado pouco após a reunião no Hotel Plaza, com a Declaração Franca aos Fumantes, um anúncio assinado de página inteira publicado pelas empresas em 448 jornais dos EUA. "Acreditamos que os produtos que fabricamos não são nocivos à saúde", afirmou a declaração que, porém, prometia que seriam conduzidas pesquisas para descobrir a verdade.

A indústria do cigarro rejeita todas as acusações, dizendo que não houve fraude. Um dos argumentos centrais da defesa será que, desde 1966, dois anos após um relatório do diretor nacional de saúde dos EUA ter afirmado inequivocamente que o cigarro causa câncer, os maços de cigarros trazem um aviso de saúde, obrigatório por medida federal, informando que o produto pode fazer mal à saúde. Então, como as empresas poderiam ter enganado alguém?

"Quando foi constatado o vínculo entre cigarros e câncer, o Congresso precisou decidir se proibia os cigarros ou se fornecia avisos e informações para que as pessoas pudessem tomar uma decisão com base em informações corretas", afirma o advogado William Ohlemeyer. "A decisão tomada foi não proibir o cigarro mas fornecer avisos, completou.

Para as empresas, não houve conspiração. A reunião no hotel que teria dado origem ao plano todo nem sequer foi secreta: o Departamento de Justiça foi avisado com antecedência, para que as empresas pudessem evitar o perigo de violar um decreto antitruste que proibia reuniões entre as empresas, e a reunião foi noticiada em diversos jornais. A subseqüente Declaração Franca aos Fumantes teria refletido o consenso científico vigente na época.

A composição do setor do cigarro também mudou radicalmente nos últimos 50 anos, algo que, segundo as empresas, reflete a existência de uma concorrência dinâmica que não condiz com a idéia de conspiração. A indústria de cigarros poderá ainda partir para a ofensiva, destacando os vínculos de longa data entre o Estado americano e as empresas – sem falar nos bilhões de dólares que os governos ganham em impostos sobre produtos à base de tabaco.

Os fabricantes de cigarro estão confiantes nas chances de vitória de sua defesa, que já foi burilada em dezenas de outras ações.

Dick Daynar, adversário de longa data do setor e presidente do Projeto de Responsabilidade dos Produtos à Base de Tabaco da Universidade Northeastern, que incentiva a abertura de processos contra empresas de cigarro, argumenta, porém, que os júris decidiram, em alguns casos, que as indústrias do setor haviam cometido atos ilegais, mas que não podiam ser responsabilizadas pela decisão de fumar tomada por um indivíduo. Só que desta vez, afirma, não será preciso encontrar nenhum vínculo desse tipo, já que o argumento legal só diz respeito à conduta das empresas. E ainda os documentos mais condenatórios serão apresentados à corte.

governo terá também de convencer a juíza de que as empresas continuarão a cometer fraudes. A indústria do cigarro argumenta que as restrições implantadas pelo acordo de 1998 já praticamente impossibilitam qualquer violação futura. Daynard discorda disso.

maior desafio do governo, no entanto, talvez seja convencer o tribunal de que apenas o pagamento da restituição no valor de US$ 280 bilhões impedirá o setor de voltar a cometer violações." (BUCKLEY, Neil. Tradução de Clara Allain. Folha de São Paulo, Especial, A6, Para EUA, setor do cigarro age com máfia. Sábado, 18 de setembro de 2004).

Primeiro, a FDA descobriu que o número referia-se ao percentual de nicotina produzido pela planta transgênica. Era praticamente o dobro dos níveis de nicotina encontrados no fumo, sem manipulação genética, que variam de 2,5% a 3,5%. O porquê de o texto ter sido escrito em português seria revelado com a ajuda de Janis Bravo, uma funcionária da DNA Plant Technology, empresa que produzira a planta geneticamente modificada (com o nome futurista de U1). Janis contou que tinham sido enviadas ao Brasil sementes suficientes para produzir mil toneladas de fumo. Uma pesquisa nos arquivos alfandegários nos EUA revelou que a Brown & Williamson despachara 1 milhão de quilos de sementes do fumo geneticamente modificado Y1 para a Souza Cruz Overseas. O roteiro das sementes era o mesmo dos negócios escusos: iam para as ilhas Cayman e depois para o Brasil.

Brasil fora escolhido porque a indústria fez nos EUA um acordo de cavalheiros para não elevar os níveis de nicotina. Do contrário, haveria uma espécie de jogo sujo que viciaria de tal forma o consumidor que isso praticamente eliminaria a concorrência entre marcas. Cultivando o Y1 no Brasil, onde as sementes foram plantadas no Rio Grande do Sul, a Brown & Williamson, segundo sua visão particular de ética, não estava violando o acordo. Um empregado da Brown & Williamson também decidiu abrir a boca. Contou à FDA que a empresa estocara nos EUA entre 125 e 250 toneladas de fumo Y1.

Por causa do processo aberto nos EUA contra a Brown &Williamson, a Souza Cruz interrompeu a produção do Y1 no Brasil.

A engenharia genética era a forma mais sofisticada de alterar o nível de nicotina do cigarro, mas não era a única. Um manual de mistura de fumos da Brown & Williamson ensinava outro método – a adição de amônia. "Um cigarro que incorpore a tecnologia da amônia vai distribuir mais compostos de sabor na fumaça, inclusive nicotina, do que um sem nada." A técnica é simples: a amônia reage com os sais da nicotina e eleva o nível de liberação da mesma nicotina. As fábricas brasileiras também recorreram ao método da amônia, segundo o Instituto Nacional do Câncer.

É mais um ingrediente para engrossar a lista de cerca de 600 compostos que são adicionados ao cigarro, conforme a própria indústria." (CARVALHO, Op.cit., 2001. p. 18-20).

a)"It’s toasted. No Throat Irritation – No Cough."

b)"20.679 physicians have confirmed the fact that Lucky Strike is less irritating to the throat than other cigarettes."

c)"For your Throat’s sake Switch from ‘Hots’ to Kools."

d)"New HEALTH-GUARD Filter Makes VICEROY Better For Your Health Than Any Other Leading Cigarette!"

e)"Although most filters help to remove tobacco tars, laboratory analysis proved that smoke from other leading filter-tip cigarettes contain up to 110,5% more nicotine than VICEROY."

f)"Why do more college men and women smoke VICEROYS than any other filter cigarette? Because only VICEROY gives you 20.000 filter traps in every filter tip, made from a pure natural substance – cellulose – found in delicious fruits and other edibles! Besides being non-mineral and no-toxic, this cellulose acetate filter never shreds or crumbles."

g)"No other filter like VICEROY! No cotton no paper! No asbestos! No charcoal! No foreign substances of any king!"

"Apelação cível. Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Tabagismo. Ação de indenização ajuizada pela família. Resultado danoso atribuído a empresas fumageiras em virtude da colocação no mercado de produto sabidamente nocivo, instigando e propiciando seu consumo, por meio de propaganda enganosa. Ilegitimidade passiva, no caso concreto, de uma das co-rés. Caracterização do nexo causal quanto à outra co-demandada. Culpa. Responsabilidade civil subjetiva decorrente de omissão e negligência, caracterizando-se a omissão na ação. Aplicação, também, do cdc, caracterizando-se, ainda, a responsabilidade objetiva. Indenização devida. A prova dos autos revela que a vítima falecida teria fumado durante 40 anos, cerca de 40 cigarros por dia, tendo adquirido enfisema e câncer pulmonar que lhe acarretaram a morte. Não havendo comprovação de que o de cujus consumisse os cigarros fabricados pela co-ré Souza Cruz, impõe-se, no caso concreto, reconhecer ilegitimidade passiva desta. É fato notório, cientificamente demonstrado, inclusive reconhecido de forma oficial pelo próprio Governo Federal, que o fumo traz inúmeros malefícios à saúde, tanto à do fumante como à do não-fumante, sendo, por tais razões, de ordem médico-científica, inegável que a nicotina vicia, por isso que gera dependência química e psíquica, e causa câncer de pulmão, enfisema pulmonar, infarto do coração entre outras doenças igualmente graves e fatais. A indústria de tabaco, em todo o mundo, desde a década de 1950, já conhecia os males que o consumo do fumo causa aos seres humanos, de modo que, nessas circunstâncias, a conduta das empresas em omitir a informação é evidentemente dolosa, como bem demonstram os arquivos secretos dessas empresas, revelados nos Estados Unidos em ação judicial movida por estados norte-americanos contra grandes empresas transnacionais de tabaco, arquivos esses que se contrapõem e desmentem o posicionamento público das empresas – revelando-o falso e doloso, pois divulgado apenas para enganar o público – e demonstrando a real orientação das empresas, adotada internamente, no sentido de que sempre tiveram pleno conhecimento e consciência de todos os males causados pelo fumo. E tal posicionamento público, falso e doloso, sempre foi historicamente sustentado por maciça propaganda enganosa, que reiteradamente associou o fumo a imagens de beleza, sucesso, liberdade, poder, riqueza e inteligência, omitindo, reiteradamente, ciência aos usuários dos malefícios do uso, sem tomar qualquer atitude para minimizar tais malefícios e, pelo contrário, trabalhando no sentido da desinformação, aliciando, em particular os jovens, em estratégia dolosa para com o público, consumidor ou não. O nexo de causalidade restou comprovado nos autos, inclusive pelo julgamento dos embargos infringentes anteriormente manejados, em que se entendeu pela desnecessidade de outras provas, porquanto fato notório que a nicotina causa dependência química e psicológica e que o hábito de fumar provoca diversos danos à saúde, entre os quais o câncer e o enfisema pulmonar, males de que foi acometido o falecido, não comprovando, a ré, qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores (art. 333, II, do CPC). O agir culposo da demandada evidencia-se na omissão e na negligência, caracterizando-se a omissão na ação. O art. 159 do CCB/1916 já previa o ressarcimento dos prejuízos causados a outrem, decorrentes de omissão e negligência, sendo que o criador de um risco tem o dever de evitar o resultado, exatamente porque, não o fazendo, comete a omissão caracterizadora da culpa, a chamada omissão na ação conceituada na doutrina do preclaro Cunha Gonçalves, a qual é convergente com as lições de Sergio Cavalieri Filho e Pontes de Miranda, sendo a conduta da demandada violadora dos deveres consubstanciados nos brocardos latinos do neminem laeder, suum cuique tribuere e no próprio princípio da boa-fé objetiva existente desde sempre no Direito Brasileiro. A conduta anterior criadora do risco enseja o dever, decorrente dos princípios gerais de direito, de evitar o dano, o qual, se não evitado, caracteriza a culpa por omissão. Como acentua a doutrina, esse dever pode nascer de uma conduta anterior e dos princípios gerais de direito, não sendo necessário que esteja concretamente previsto em lei, bastando apenas que contrarie o seu espírito. Não obstante ser lícita a atividade da indústria fumageira, a par de altamente lucrativa, esta mesma indústria, desde o princípio, sempre teve ciência e consciência de que o cigarro vicia e causa câncer, estando cientificamente comprovado que o fumo causa dependência química e psíquica, câncer, enfisema pulmonar, além de outros males, de forma que a omissão da indústria beira as fronteiras do dolo. A ocultação dos fatos, mascarada por publicidade enganosa, massificante, cooptante e aliciante, além da dependência química e psíquica, não permitia e não permite ao indivíduo a faculdade da livre opção, pois sempre houve publicidade apelativa, sobretudo em relação aos jovens, sendo necessário um verdadeiro clamor público mundial para frear a ganância da indústria e obrigar o Poder Público à adoção de medidas de prevenção a partir de determinações emanadas de órgãos governamentais. Ainda que se considere que a propaganda e a dependência não anulem a vontade, o fato é que a voluntariedade no uso e a licitude da atividade da indústria não afastam o dever de indenizar. Desimporta a licitude da atividade perante as leis do Estado e é irrelevante a dependência ou voluntariedade no uso ou consumo para afastar a responsabilidade. E assim é porque simplesmente o ordenamento jurídico não convive com a iniqüidade e não permite que alguém cause doença ou mate seu semelhante sem que por isso tenha responsabilidade. A licitude da atividade e o uso ou consumo voluntário não podem levar à impunidade do fabricante ou comerciante de produto que causa malefícios às pessoas, inclusive a morte. Sempre que um produto ou bem – seja alimentício, seja medicamento, seja agrotóxico, seja à base de álcool, seja transgênico, seja o próprio cigarro – acarrete mal às pessoas, quem o fabricou ou colocou no mercado responde pelos prejuízos decorrentes. Ante as conseqüências desastrosas do produto, como é o caso dos autos, que levam, mais tragicamente, à morte, não pode o fabricante esquivar-se de arcar com as indenizações correspondentes. Mesmo que seja lícita a atividade, não pode aquele que a exerce, cometendo abuso de seu direito, por omissão, ocultar as conseqüências do uso do produto e safar-se da responsabilidade de indenizar, especialmente se, entre essas conseqüências, estão a causação de dependência e de câncer, que levaram a vítima à morte. E também não pode esquivar-se da responsabilidade porque sempre promoveu propaganda ligando o uso do produto a situações de sucesso, riqueza, bem estar, vida saudável, entre outras, situações exatamente contrárias àquelas que decorrem e que são conseqüências do uso de um produto como o cigarro. Ademais, aplica-se também ao caso dos autos o Código de Defesa do Consumidor, porquanto a ocorrência do resultado danoso se deu em plena vigência do Regramento Consumerista, que é norma de ordem pública e de interesse social (art. 1º do CDC), e por isso de aplicação imediata. O cigarro é produto altamente perigoso, não só aos fumantes como também aos não-fumantes (fumantes passivos ou bystanders), caracterizando-se como defeituoso, uma vez que não oferece a segurança que dele se pode esperar, considerando-se a apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam (art. 12, § 1º, do CDC), situação que importa na responsabilidade objetiva do fabricante, que apenas se exime provando que não colocou o produto no mercado, ou que, embora o haja colocado, o defeito inexiste ou que o mal não foi causado, ou, por fim, que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro, o que aqui não se caracteriza porque o ato voluntário do uso ou consumo não induz culpa e, na verdade, no caso, sequer há opção livre de fumar ou não fumar, em decorrência da dependência química e psíquica e diante da propaganda massiva e aliciante, que sempre ocultou os malefícios do cigarro, o que afasta em definitivo qualquer alegação de culpa concorrente ou exclusiva da vítima. A indenização pelos danos materiais deverá ressarcir a venda de imóvel e de bovinos, despesas médicas e hospitalares comprovadas, hospedagem de acompanhantes durante a internação e gastos com o funeral. Também são indenizáveis os prejuízos decorrentes do fechamento do mini-mercado da vítima, desde a época da constatação da doença até a data em que o falecido completaria 70 anos de idade, conforme a expectativa de vida dos gaúchos, valor a ser apurado de acordo com a média de lucro dos últimos 12 meses de funcionamento anteriores à constatação da doença. As demais pretensões indenizatórias impõem-se indeferidas, porquanto não comprovados os prejuízos (art. 333, I, do CPC). A título de danos morais, tem-se como razoável, prudente e suficiente a fixação da quantia de 600 salários mínimos nacionais para a esposa, de 500 para cada um dos quatro filhos e de 300 para cada um dos genros, totalizando, a indenização a esse título, 3.200 salários mínimos nacionais, diante das peculiaridades do caso e da necessidade de atender o caráter sancionatório-punitivo e a finalidade reparatório-compensatória da verba, sem implicar enriquecimento indevido dos demandantes. Apelação parcialmente provida por maioria." (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n. 7000144626, Relatora Desembargadora Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, apelação provida por maioria, julgado em 29 de outubro de 2003. Disponível em <www.tjrs.gov.br>).

  1. Embora se entenda aplicável o Código de Defesa do Consumidor, nada impede a utilização de outras legislações para fundamentar pretensões indenizatórias, servindo elas como complemento aos dispositivos contidos na Lei consumerista, argumento esse que se aplica, obviamente, também ao Código Civil de 2002. Para melhor compreender a relação entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002, é de imprescindível leitura o brilhante trabalho de Cláudia Lima Marques, intitulado "Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002", publicado na Revista de Direito do Consumidor n.º 51, São Paulo: Revista dos Tribunais, [s.d.].
  2. Para nós, o Código de Defesa do Consumidor tem aplicação imediata em ações ajuizadas por fumantes (passivos ou ativos) – ou seus familiares ou entidades legitimadas – contra a indústria do tabaco, objetivando, justamente, o ressarcimento civil pelas lesões advindas do consumo de produtos fumígenos. Pouco importa, nessa ótica, que a Lei n.º 8.078/90 tenha sido publicada tempos depois de o vício pelo fumo ter se instalado no organismo do fumante – o que realmente se mostra relevante é o fato de a doença associada ao tabaco ter sido descoberta após a publicação da Lei consumerista.
  3. LIMA, op. cit., 1999. p. 207.
  4. JOSSERAND, Louis. De l’esprit des droits et de leur relativité: théorie dite de l’abus des droits. Paris: Dalloz, 1927.
  5. CORRÊA, Alexandre Augusto de Castro. Abuso de direito (direito Romano). In: Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 2.
  6. MATTIETTO, Leonardo. Do abuso de direito: perfil histórico da teoria. Disponível em <http://www2.eu rj.br/~direito/publicacoes/mais_artigos/do_abuso_de_direito.html>. Acessado em 22/03/2005.
  7. LIMA, op. cit., 1999. p. 210.
  8. Ibid., p. 211.
  9. Ibid., p. 211.
  10. LIMA, op. cit., 1999. p. 212.
  11. AZI, Camila Lemos. A lesão como forma de abuso de direito. Revista dos Tribunais n. 826. São Paulo: Revista dos Tribunais, [s.d.]. 205. (p. 39-57). p. 42.
  12. STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 68.
  13. AZI, op. cit., p. 42.
  14. LIMA, op. cit., 1999. p. 225.
  15. Ibid., p. 225.
  16. MENDONÇA, op. cit., 1956. p. 438.
  17. LIMA, op. cit., 1999. p. 216.
  18. DINIZ, op. cit., 1992. p. 394.
  19. AZI, op. cit., [s.d.]. p. 44.
  20. O mestre Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em trabalho sobre do projeto que deu origem ao novo Código Civil, teceu os seguintes comentários acerca da cláusula que dera origem ao art. 187: "Essa talvez seja, do ponto de vista do Direito Obrigacional, a cláusula mais rica do Projeto. Reúne, em um único dispositivo, os quatro princípios básicos que presidem o sistema: o abuso do direito, o fim social, a boa-fé e os bons costumes. Bastaria acrescentar a ordem pública para tê-los todos à vista." (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Projeto do código civil – as obrigações e os contratos. Revista dos Tribunais, 775. São Paulo: Revista dos Tribunais, [s.d.]. p. 23).
  21. LIMA, op. cit., 1999. p. 235.
  22. Cite-se um outro exemplo – agora se pautando no direito material – de que a lesão ao direito alheio nem sempre conduz à responsabilidade. Ênio Santarelli Zuliani, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, em brilhante ensaio científico, relata que, numa palestra, o expositor, Juiz da Vara Federal para o Estado de Maryland, Peter J. Messitte, afirmou que no "ano de 1962, a Suprema Corte decidiu o caso New York Times vs. Sullivan, com base na Primeira Emenda Constitucional, e, imediatamente, se tornou obrigatória a todas as demais cortes federais ou estaduais. O tribunal decidiu que, quando está envolvida uma figura pública, a mídia não será responsável por danos civis, mesmo por publicação de informações falsas, desde que a informação não tenha sido veiculada com o conhecimento de sua falsidade, ou com grosseiro desconhecimento da verdade. É o conhecido padrão do actual malice, i.e., efetiva má-fé. Por um princípio constitucional, não há responsabilidade civil se a mídia foi simplesmente negligente nas informações que publicou sobre figuras públicas". Conquanto a questão seja controvertida, esclarece o Desembargador Ênio Santarelli Zuliani – com toda a razão, acredita-se – que o sistema jurídico brasileiro segue as mesmas diretrizes. Ou seja, "haverá sempre a supremacia do direito de informação, desde que a divulgação seja do interesse da preservação da estrutura do poder democrático". O jurista vai além, defendendo a possibilidade de divulgação de informações obtidas por meio de provas ilícitas (escuta telefônica e escuta ambiental), quando necessárias ao esclarecimento coletivo de situações que envolvam pessoas públicas em escândalos ou situações de improbidade; há, aí, um interesse social relevante, a saber, o de comunicar à sociedade fatos comprometedores da ética e da malversação de receitas públicas, embora descobertos por intermédio de provas clandestinas. Em tais casos, o dano à personalidade pública se justificaria, mesmo que a mídia se valha de informações colhidas ilicitamente. Conclui o jurista: "A gravação ambiental não é ilícita. A interceptação telefônica não autorizada, embora ilícita e inservível para um processo justo, é uma fonte da qual a imprensa poderá se valer para denunciar a corrupção e atos de improbidades de agentes públicos, respondendo pelos excessos que derivarem de sua má utilização. O Judiciário não é censor prévio do exercício dessa atividade; atua para reparar as conseqüências de excesso, dolo ou má-fé da utilização de fontes clandestinas. Liminares restritivas impediriam reformas sociais conquistadas devido à publicidade de esquemas sigilosos indignos de uma sociedade democrática. A causa-fim do direito de comunicação prepondera para justificativa dos meios empregados." (ZULIANI, Ênio Santarelli. A questão da liberdade da imprensa de veicular matéria jornalística obtida de forma ilícita. COAD. Advocacia Dinâmica. Informativo. Ano 25, Boletim Semanal n.º 07. p. 116, 2005).
  23. DINIZ, op. cit., 1992. p. 396.
  24. LIMA, op. cit., 1999. p. 205.
  25. Ibid., p. 205.
  26. É de se dizer que toda a finalidade, seja econômica ou social, de um direito deve necessariamente resultar também de um respeito às diretrizes da boa-fé e bons costumes. Defender um direito cujo escopo foge a tais diretrizes parece pouco indicado.
  27. DIREITO, Carlos Alberto Menezes; Cavalieri FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código civil. Da responsabilidade civil. Das preferências e privilégios creditórios. Arts. 927 a 965. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XIII, p.127.
  28. STOCO, op. cit., 2002. p. 58-59.
  29. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que essa regra teve como fonte direta o Código Civil português (art. 334), do qual é praticamente cópia ippsis litteris. A norma portuguesa, por sua vez, tivera como inspiração o Código Civil grego (art. 281). (NERY JUNIOR; NERY, op. cit., 2003. p. 255).
  30. Não se deslembre, ainda, da importante lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao esclarecerem que, para o reconhecimento da ilicitude do ato do titular de direito, que o exerce ultrapassando a fronteira prescrita no art. 187 do CC de 2002, devem também ser observadas duas regras basilares: a) a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato (CC, art. 421); b) os contratantes são obrigados a observar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (CC, art. 422). (NERY JUNIOR; NERY, op. cit., 2003. p.255).
  31. LIMA, op. cit., 1999. p. 217.
  32. CALCINI, Fábio Pallaretti. Abuso de direito e o novo código civil. Revista dos Tribunais, 830. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 30.
  33. MARQUES, op. cit., 2005. p. 74-133.
  34. MARQUES, op. cit., 2005. p. 80.
  35. MARQUES, op. cit., 2005. p. 82.
  36. Ibid., p. 81.
  37. Ibid., p. 81.
  38. Ibid., p. 81.
  39. MARQUES, op. cit., 2005. p. 81.
  40. "Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: I - A inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras."
  41. MARQUES, op. cit., 2005. p. 81-82.
  42. Ibid., p. 82.
  43. MARQUES, op. cit., 2005. p. 83.
  44. Ibid., p. 83.
  45. Ibid., p. 84.
  46. Ibid., p. 84.
  47. MARQUES, op. cit., 2005. p. 85-86.
  48. Ibid., p. 85.
  49. Tabagismo & Saúde nos Países em Desenvolvimento. Documento organizado pela Comissão Européia em colaboração com a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial para a Mesa Redonda de Alto Nível sobre Controle do Tabagismo e Políticas de Desenvolvimento – Fevereiro/2003. Tradução realizada pelo Instituto Nacional de Câncer e Ministério da Saúde do Brasil. Disponível em: <www.inca.gov.br>.
  50. SILVA; GOLDFARB; CAVALCANTE; FEITOSA; MEIRELLES, op. cit., 1998. p.13.
  51. LIMA, op. cit., 1999. p. 205.
  52. SARMATZ, Leandro. Ernst Wynder. Super Interessante, Abril, ed. 174, p. 23, mar. 2002.
  53. CARVALHO, op. cit., 2001. p. 14.
  54. SARMATZ, op. cit., p. 23.
  55. SARMATZ, op. cit., p. 23.
  56. CARVALHO, op. cit., 2001. p. 15.
  57. O Tobacco Industry Research Committee surgiu como parte da reação da indústria às evidências ligando o fumo a várias doenças. A indústria do tabaco argumentou que o TIRC, como era conhecido o Comitê, representava uma organização independente, criada para determinar a verdade sobre os efeitos do cigarro na saúde humana. Entretanto, os documentos secretos mostram que o TIRC foi originalmente criado para propósitos de relações públicas, para convencer o público de que havia uma "controvérsia" sobre o fumo ser perigoso ou não. (GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 26).
  58. CARVALHO, op. cit., 2001. p. 15.
  59. SARMATZ, op. cit., p. 23. O artigo publicado na Revista Super Interessante informa ainda: "Apesar de ter suas investigações no laboratório enxovalhadas diante de milhões de americanos, de ser ridicularizado por fumantes e ver sua seriedade posta em dúvida, Wynder não se abalou. Sua "luta solitária" (como certa vez resumiu um colega de laboratório) culminou com a fundação, em 1969, da American Health Foundation, instituição que, entre outras coisas, é um bastião na pesquisa sobre os males do cigarro e que provou, além de qualquer dúvida, que as conclusões de Wynder estavam corretas. Apenas um dos legados do pioneiro da luta antitabagista".
  60. Em tradução livre, esses os dizeres do memorando: "As novas marcas com filtro visando a um pedaço do mercado crescente fizeram anúncios extraordinários. Havia um esforço urgente para destacar e diferenciar uma marca das outras já no mercado. Era importante ter mais filtros. Alguns anunciaram ter as menores taxas de alcatrão. Em muitos casos, porém, o fumante de um cigarro com filtro estava consumindo tanto alcatrão e nicotina quanto estaria se fumasse um cigarro comum." No original: "The new filter brands vying for a piece of the growing filter market made extraordinary claims. There was an urgente effort to highlight and differentiate one brand from the others already on the market. It was important to have the most filter traps. Some claimed to possess the least tars. In most cases, however, the smoker of a filter cigarette was getting as much or more nicotine and tar as be would have gotten from a regular cigarette. He had abandoned the regular cigarette, however, on the ground of reduced risk to health [emphasis added]. {2205.0I, p.2}." (GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 27).
  61. GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 26.
  62. Esses documentos consistem primariamente em memorandos internos, cartas e relatórios de pesquisas relacionados à B&W e à BAT. Muitos deles trazem a marca de "confidencial" ou "produto do trabalho de advogados", a sugerir que os autores nunca esperarvam que eles fossem mostrados fora da companhia, nem mesmo para procedimentos legais. Esses documentos demonstram que a indústria do tabaco, em geral, e a Brown & Williamson, em particular, estiveram empenhadas em enganar o público, pelo menos, 30 anos. (Ibid., p. 3).
  63. Ibid., p. 2.
  64. Veja-se, nesse sentido, esclarecedor trecho da monumental obra de José Rosemberg: "Desde os idos de 1950 a indústria tabaqueira vem desenvolvendo pesquisas que lhe fornecem a certeza de que a nicotina é geradora de dependência físico-química, assim como estudos para sua maior liberação e absorção pelo organismo e inclusive estudos genéticos objetivando desenvolver planta de tabaco hipernicotinado. A indústria tabaqueira, ciente das propriedades psico-ativas da nicotina geradora de dependência, sempre negou a existência dessas qualidades farmacológicas. É edificante o episódio ocorrido no início de 1980, quando a Phillip Morris obrigou seu cientista Vitor de Noble a retirar o artigo que havia entregado para publicação no Journal of Psychopharmacology, no qual relatava suas investigações comprovadoras de que ratos recebendo nicotina desenvolviam dependência físico-química. Isso tudo veio a lume com os documentos secretos que se tornaram públicos. Entretanto, a indústria tabaqueira continuamente pronunciou-se com ênfase, negando essas propriedades da nicotina." (ROSEMBERG, op. cit., 2003. p. 42). E mais: "Não obstante a exaustiva documentação acumulada de que a nicotina é droga geradora de dependência químico-física e da existência de fatores genéticos que ditam a reação orgânica com vasto polimorfismo (...), é de interesse ressaltar o fato histórico de que a ciência oficial demorou muito para se convencer dessa certeza, enquanto a indústria tabaqueira já tinha disso conhecimento de longa data. É também fato histórico edificante, como as multinacionais do tabaco esconderam por tanto tempo a certeza que tinham de a nicotina ser droga psicoativa, promovendo vasta propaganda enganosa, afirmando que ela não causa dependência, enquanto secretamente trabalharam para a obtenção de cigarros com teores mais altos de nicotina para tornar os fumantes mais escravizados ao seu consumo. É impressionante que em 1979 o relatório oficial do Departamento de Educação, Saúde e Assistência Social, dos Estados Unidos, abordando a temática da nicotina, não se pronunciou sobre a sua característica de gerar dependência. Mais inexplicável é que, ainda em 1964, o Comitê Consultivo do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, com o endosso do Surgeon General, tenha declarado que "a nicotina causa apenas hábito, não sendo droga que desenvolve dependência". Entretanto, a indústria tabaqueira, que vinha, desde 1950, promovendo pesquisas sofisticadas sobre a farmacodinâmica da nicotina, havia chegado à conclusão de que ela era droga geradora de dependência orgânica. Assim em março de 1963, um ano antes do acima citado relatório do órgão oficial da saúde pública dos Estados Unidos, negando que a nicotina causa dependência, a Brown and Williamson, na reunião de seus dirigentes face às pesquisas de seus técnicos concluiu pela propriedade da nicotina causar dependência. A companhia tabaqueira Brown and Williamson, sediada nos Estados Unidos, é subsidiária da British American Tobacco (BAT) assim como a Souza Cruz do Brasil. Nessa reunião, o vice-presidente, Addison Yeaman, afirmou: "além do mais, a nicotina causa dependência. Nós estamos, portanto, num negócio de vender nicotina que é uma droga que causa dependência, eficaz para anular os mecanismos de estresse." Aliás, desde a década dos anos 1950, a indústria tabaqueira já tinha a convicção da ação psico-ativa da nicotina, conforme se depreende do pronunciamento de H.R. Hammer, diretor de pesquisa da British American Tobacco, como consta da ata da reunião de 14 de outubro de 1955: "Pode-se remover toda a nicotina do tabaco, mas a experiência mostra que esses cigarros e charutos ficam emasculados e ninguém tem satisfação de fumá-los". Em 1962, em outra reunião da Britixh American Tobacco, o executivo Charles Ellis afirmou: "fumar é conseqüência da dependência [...]. Nicotina é droga de excelente qualidade". (ROSEMBERG, op. cit., 2003. p. 42-43).
  65. Ibid., p. 43.
  66. ROSEMBERG, op. cit., 2003. p. 43.
  67. GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 3.
  68. Interessante reportagem fora publicada no Jornal Folha de São Paulo acerca do assunto: "Em 15 de dezembro de 1953, os presidentes de várias das maiores empresas de cigarro dos EUA se reuniram no Hotel Plaza, em Nova York, num encontro incomum. A questão em pauta eram as crescentes preocupações médicas com os riscos do cigarro à saúde. Cinco estudos já haviam sugerido a existência de vínculos entre o cigarro e o câncer – e a imprensa estava tomando nota do assunto.
  69. GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 4.
  70. Ibid., p. 4.
  71. Vejam-se, a respeito, as informações de Mario Cesar Carvalho: "Há dois gêneros de documentos: os científicos e os memorandos do alto escalão da indústria. O mais antigo dos textos científicos revelados é de fevereiro de 1953, oito meses antes de a pesquisa com os ratos pintados com nicotina ter sido apresentada pela primeira vez. Assinado por Claude Teague, um pesquisador da R.J. Reynolds, o texto associa com câncer o uso de cigarros por períodos longos: "Estudos de dados clínicos tendem a confirmar a relação entre o uso prolongado de tabaco e a incidência de câncer no pulmão." Logo em seguida, o pesquisador descreve quais são os agentes cancerígenos do cigarro: "compostos aromáticos plinucleares ocorrem nos produtos pirológicos [ou seja, que queimam] do tabaco. Benzopireno e N-benzopireno, ambos cancerígenos, foram identificados". (CARVALHO, op. cit., 2001. p. 16-17).
  72. GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 4-5.
  73. CARVALHO, op. cit., 2001. p. 18.
  74. Ibid., p. 18.
  75. CARVALHO, op. cit., 2001. p. 18. Mario Cesar Carvalho informa que a manipulação do nível de nicotina era tema proibido. Se essa prática fosse provada, demonstrar-se-ia que a indústria alterava os ingredientes de seu produto como se este fosse uma droga – e aí a venda de cigarros poderia sofrer limitações. Complementa o jornalista: "O governo dos EUA encontrou a prova da manipulação num texto escrito em português, descoberto por uma bibliotecária da Food and Drugs Administration (FKA, a agência que controla remédios e comida). O texto era um pedido de patente da Brown & Williamson, empresa irmã da Souza Cruz, para "uma variedade de fumo geneticamente estável". O pedido era de 1992. Mesmo sem saber português, a bibliotecária, Carol Knoth, reparou num número: 6%. E uma dúvida persistia: por que o texto fora escrito em português?
  76. ROSEMBERG, op. cit., 2003. p. 44. José Rosemberg, na mesma obra, esclarece que o elenco e a variedade das investigações em animais e em humanos são difíceis de resumir, porém os itens mais marcantes são: "Estudos neuro-endocrínicos da ação da nicotina sobre os vários centros cerebrais. Regulação da função da glândula pituitária. Liberação mais rápida da nicotina e seu maior impacto sobre o cérebro. Controle da nicotina sobre o estresse e efeito tranqüilizante. Liberação de hormônios psico-ativos pela ação da nicotina sobre os centros nervosos cerebrais. Transposição da nicotina presa em nicotina livre objetivando sua maior ação. Transposição da nicotina da fase particulada para a fase gasosa, mais ativa. Fenômeno de tolerância dos centros nervosos nicotínicos. Graus da dependência à nicotina no tabaco através do tabaco reconstituído." Continua o estudioso, evidenciando que essas e outras linhas de pesquisa conduziram a vários conhecimentos sendo os essenciais: "A ação neuro-farmacológica da nicotina é de proeminente importância para as pessoas fumarem. Substâncias, como a amônia elevando o pH do tabaco, liberam mais nicotina. Exploração de métodos de enriquecimento de nicotina no tabaco: o tabaco reconstituído e engenharia genética. Eletroencefalografia como meio de medição dos graus de intensidade da nicotino-dependência. Ajustamento dos tabagistas nas maneiras de fumar, para obter níveis mais adequados de nicotina no sangue, proporcionando maior "satisfação". Elevação do índice de absorção orgânica da nicotina, em geral na média de 11% para 40%. Conseguir tabacos que farmacologicamente desencadeiam maior sensação prazerosa no fumante. Cigarros que liberam menos de 0,7 mg de nicotina não são vantajosos comercialmente. É urgente a confeccção de cigarros com maior nível de liberação de nicotina. Para os futuros produtos, é imprescindível a maior liberação de nicotina. Por isso, além dos procedimentos pesquisados, impõe-se a cooperação da engenharia genética para obtenção de tabaco mais rico de nicotina." (ROSEMBERG, op. cit., 2003. p. 44-45).
  77. Note-se importante trecho do livro The cigarette papers, em tradução livre: "Durante os anos 50 apareceram pesquisas ligando o cigarro a efeitos adversos à saúde. A indústria do tabaco respondeu à crescente preocupação pública sobre os efeitos do cigarro para a saúde, promovendo os de filtro e formando um comitê de pesquisa. Embora tivesse alegado publicamente que ambas as ações estavam sendo tomadas nos interesses da saúde pública, os documentos indicavam que a real motivação por trás delas era convencer o público da inexistência de provas de que o cigarro realmente acarretava perigos à saúde. A publicação do US Surgeon General, Smoking and Health, criou uma crise na indústria. O advogado geral da B&W aconselhou que a companhia deveria tentar desenvolver um cigarro "mais seguro", em parte para se proteger de processos judiciais. Como discutido nos Capítulos 3 e 4, durante os anos 60 e 70, a indústria conduziu pesquisas para entender a nicotina e identificar e remover elementos danosos da fumaça do tabaco. Até agora, porém, não conseguiu produzir um cigarro mais seguro." No original: "During the 1950s research linking cigarette smoking to adverse health effects was reported. The tobacco industry responded to the growing public concern over the health effects of smoking by promoting filter cigarettes and by forming the Tobacco Industry Research Committee. Although the industry claimed publicly that both of these actions were being taken in the interests of the public health, the documents indicate that the true motivation behind them was to convince the public that the health hazards of smoking had not been proven. The release of the 1964 report of the US Surgeon General, Smoking and Health, created a crisis within the industry. The general counsel of B&W advised that the company should attempt to develop a "safer" cigarette, in part to protect itself against lawsuits. As discussed in chapters 3 and 4, during the 1960s and 1970s, the industry conducted research to understand nicotine and to identify and remove harmful elements from tobacco smoke. Ultimately, however, the industry failed to make a safer cigarette." (GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 56).
  78. A respeito disso, importante citar a conclusão do Desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, ao decidir um caso que envolvia a matéria abordada no presente trabalho: "Essas as inegáveis verdades que os fabricantes de cigarro de todo o mundo sempre souberam e tiveram consciência, e que sempre tentaram ocultar. Portanto, a indústria de cigarro sempre soube, no mínimo desde o início da década de 50, que seu produto causa dependência química e psíquica e que mata, entre outras doenças, por câncer e enfisema pulmonar".(Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n. 7000144626, Relatora Desembargadora Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, apelação provida por maioria, julgado em 29 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.tjrs.gov.br>).
  79. O cientista britânico "Sir" Richard Doll, a primeira pessoa a estabelecer uma ligação clara entre o ato de fumar e o câncer de pulmão, morreu recentemente, dia 24 de julho de 2005, aos 92 anos, em Oxford, na Grã-Bretanha. Uma pesquisa publicada em 1950, escrita com seu colega Austin Bradford Hill, foi a primeira evidência científica de que o hábito afeta, negativamente e de forma crescente, a saúde humana. Na época, 80% dos britânicos fumavam; hoje, são 26%. (Vida &. O Estado de S.Paulo. A.13. Cientista que ligou cigarro ao câncer morre aos 92 anos).
  80. GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 28.
  81. No original a transcrição de tais slogans (The cigarette papers [...]. p. 28-29):
  82. GLANTS; SLADE; BERO; HANAUER; BARNES, op. cit., 1996. p. 30.
  83. Ibid., p. 30.
  84. Sobre a importância da idade em que se começa a fumar para desenvolvimento mais intenso da dependência da nicotina, mister citar-se passagem da obra de José Rosemberg: "Os que se iniciam no tabagismo em torno dos 14 anos de idade, cerca de 90% estão dependentes aos 19 anos. Tem-se comprovado que os que começam a fumar entre 14 e 16 anos desenvolvem muito maior dependência da nicotina, em comparação com aqueles que fumaram o primeiro cigarro depois dos 20 anos de idade. Nos adolescentes a nicotina provoca ação imediata sobre a função colinérgica, com alterações persistentes refletindo-se na dependência, aprendizado e memória. O adolescente é mais vulnerável para a disfunção colinérgica quando submetido à ação da nicotina. A nicotina, no adolescente produz rápida alteração no sistema noradrenérgico e dopaminérgico dos centros nervosos cerebrais. A vulnerabilidade dos adolescentes à nicotina deriva da circunstância de que o cérebro ainda não está completamente desenvolvido. Experimentalmente constatou-se que a instilação de nicotina em ratos jovens exerce extensa ação sobre os receptores acetilcolínicos, o que não ocorre nos ratos adultos. Além disso, verifica-se que em ratos mais jovens, a nicotina provoca maiores prejuízos funcionais no sistema de recompensa, que em adultos. Estudos em humanos indicam que o cérebro de adolescentes é particularmente vulnerável à nicotina, e que a dependência é mais intensa, razão porque a interrupção de sua administração, por deixar de fumar, apresenta maiores perturbações da função neurológica, com maior freqüência de depressão. Estudo de mais de 30 mil homens e cerca de 19 mil mulheres, ambos adolescentes, demonstrou que os iniciados no tabagismo, desenvolveram intensa dependência, traduzida pelo aumento de consumo de cigarros, quando na idade adulta. Os que começaram a fumar antes de 14 anos, 19,6%, quando adultos consumiam 41 ou mais cigarros por dia, comparados com 10,3%, quando começaram a fumar aos 20 ou mais anos de idade. O consumo foi um pouco inferior no sexo feminino. Outro estudo demonstrou que adolescentes fumantes têm duas vezes mais dificuldade de deixar de fumar que os tornados tabagistas, depois de 20 anos. Em suma, é farta a documentação evidenciando que a dependência da nicotina processa-se mais rapidamente e é mais forte, nos que ingressam no tabagismo em torno dos 14 anos, sendo mais difícil de superá-la, obrigando a consumir maior quantidade de cigarros continuamente, com sérias conseqüências à saúde." (ROSEMBERG, op. cit., 2003. p. 28-29).
  85. PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais: primeiras aproximações. Disponível em <http://200.160.20.172/publicacoes/direito/01/D.PDF>.
  86. Ibid., [s.d.].
  87. Em tradução livre: "um direito levado longe demais se torna uma injustiça". Trecho citado no trabalho de Leonardo Mattieto (Do abuso de direito: perfil histórico da teoria. Disponível em <www2.uerj.br/~direito/ publicações/mais_artigos/do_abuso_de_direito.html>).
  88. Ação global para o controle do tabaco. 1º Tratado Internacional de Saúde Pública. 3. ed. Criação do Instituto Nacional de Câncer (INCA), 2004. p. 6. Disponível em <http://www.inca.gov.br>.
  89. Ibid., p. 6.
  90. Ação global para o controle do tabaco. 1º Tratado Internacional de Saúde Pública. 3. ed. Criação do Instituto Nacional de Câncer (INCA), 2004. p. 6. Disponível em: <http://www.inca.gov.br>.
  91. Ação global para o controle do tabaco. 1º Tratado Internacional de Saúde Pública. 3. ed. Criação do Instituto Nacional de Câncer (INCA), 2004. p. 6. Disponível em: <http://www.inca.gov.br>. p. 6.
  92. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 412.
  93. Nesse sentido, Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho asseveram que a boa-fé e bons costumes "andam sempre juntos, como irmãos siameses, pois assim como se espera de um homem de boa-fé conduta honesta e leal, a recíproca é verdadeira: má-fé se casa com imoralidade, desonestidade e traição." (DIREITO; CAVALIERI FILHO, op. cit., 2004. p.143-144).
  94. Consoante leciona Cláudia Lima Marques, "o comunicado/informado é uma forma de responsabilidade (Verantwortung). A informação leva à imputação (Zurechnung) de um agente da sociedade. Isto é, este agente, que informa ou intencionalmente desinforma com sua omissão e publicidade massiva, deve assegurar e proteger as expectativas legítimas por ele despertadas no grupo coletivo de seus ‘expectadores’, daí o direito impor garantias jurídicas mínimas (Rahmengarantien)". (MARQUES, op. cit., 2005. p. 98).
  95. Ação global para o controle do tabaco. 1º Tratado Internacional de Saúde Pública. 3. ed. Criação do Instituto Nacional de Câncer (INCA), 2004. p. 6. Disponível em: <http://www.inca.gov.br>.
  96. Ação global para o controle do tabaco. 1º Tratado Internacional de Saúde Pública. 3. ed. Criação do Instituto Nacional de Câncer (INCA), 2004. p. 6. Disponível em: <http://www.inca.gov.br>. p. 6.
  97. Ibid., p. 6.
  98. Ibid., p. 6.
  99. Ibid., p. 6.
  100. MARQUES, op. cit., 2005. p. 93-94.
  101. The Tobacco Industry and the Health Risks of Smoking, Comitê de Saúde da Casa dos Comuns, Inglaterra, Relatório da Segunda Sessão, 1999-2000, in Trust Us: We’re the tobacco industry, Campaign for Tobacco Kids – Action on Smoking and Health – UK. Disponível no site <www.inca.gov.br>, no documento intitulado de "A indústria do tabaco: como ela atua e argumenta".
  102. Veja-se a transcrição da ementa na íntegra:
  103. DIREITO; CAVALIERI FILHO, op. cit., 2004. p.127.
  104. Ação global para o controle do tabaco. 1º Tratado Internacional de Saúde Pública. 3. ed. Criação do Instituto Nacional de Câncer (INCA), 2004. p. 6. Disponível em: <http://www.inca.gov.br>. Acessado em: 14/03/2006.