Indenização Punitiva


Porjulianapr- Postado em 09 maio 2012

Autores: 
Bethina Lemos Lage

1. INTRODUÇÃO

 

A consagração do dano moral foi uma das maiores conquistas trazidas pela nova Codificação Civil Brasileira. Ainda que a própria constituição vigente tenha pacificado essa questão, é de importante relevância que houvesse um ajustamento com o texto constitucional, estabelecendo assim, o direito genérico a reparabilidade do dano moral.

 

Quando uma pessoa se acha violada, seja em sua intimidade, vida privada, honra, imagem ou até mesmo quando o dano se estender no patrimônio e a ofensa gerar algum impedimento à realização de atividade profissional, a vítima poderá requerer reparação. Entretanto, por se tratar de dano moral, a reparação in natura será impossível, uma vez que não há como reparar, por exemplo, sofrimentos decorrentes de agressões a direitos da personalidade. Busca-se então, através de pecúnia, compensar ou ao menos minorar o prejuízo sofrido pela vítima.

 

Entretanto, há casos que é nítido a necessidade de se ampliar o papel da indenização dado pela doutrina. O caráter reparatório tem-se mostrado insuficiente em várias situações. Por exemplo, quando o ofensor após sofrer uma sanção reparatória, se mostra indiferente, pois prefere pagar um preço para continuar a prática ilícita, ou seja, persiste no erro, pois lhe traz benefícios que sobrepõe ao valor de uma “simples indenização”. Logo, é preciso uma reforma no caráter reparatório exercido pela responsabilidade civil, que além de reparar, deve também disciplinar uma função preventiva.

 

A fim de suprimir lacunas dentro do âmbito indenizatório, surge no sistema jurídico brasileiro a função punitiva da indenização. Partindo do pressuposto do Princípio da dignidade da pessoa humana, que por sua vez é um valor moral e espiritual caracterítico à pessoa, isto é, todo ser humano é dotado desse preceito.

 

Contudo, a indenização punitiva não possue total aprovação pela doutrina, pois há algumas objeçoes quanto a repercução acarretada por tal institudo.

 

2. A DOUTRINA DO PUNITIVE DAMAGES

 

A punição como réplica a um ato ilícito, teve seu fundamento do Direito Romano, a qual buscava sanções pecuniárias que variavam até quatro vezes mais do que o prejuízo sofrido. Visto que, a intenção preterida, estava voltada mais para o comportamento do agente do que para a vítima ou o dano sofrido por ela. Conforme preceitua André Gustavo de Andrade:

 

“os punitive ou exemplary damages surgem como instrumento

utilizado pelas cortes de justiça para ensinar que “tort does not

pay”,dissuadindo o causador do dano e outras pessoas de

praticar condutas lesivas”. (ANDRADE, 2009. p.128)

 

 

Vale ressaltar que para que o punitive damages seja válido, é preciso que a conduta do agente seja reprovável, mesmo que culposa. Condutas lesivas resultante de engano, culpa simples ou decorrente de ignorância, não se enquadram ao tipo discutido.

 

Os punitive damages não se limitam apenas ao dano moral, posto que a finalidade dessa espécie de indenização é o de punir, impondo-lhe uma sanção que sirva de exemplo para que a prática do ilícito não se repita.

 

Cerca de 45 a 50 estados americanos adotam os punitive damages, sendo que em alguns há manifestação através de leis e em outros se originam no common law. Todavia, os valores indenizatórios estabelecidos a título de indenização punitiva têm causado controvérsias. Há teses que defendem que esses valores estão “fora do controle”, e discutem à falta de preparo dos jurados para estabelecer uma quantia pecuniária coerente. Influenciados por tais argumentos, vários estados americanos atribuíram limites para que os punitives damages não fujam do controle e se tornem inconstitucionais.

 

Há várias áreas onde se podem aplicar os punitives damages, bem como em casos de responsabilidade civil de produtores e fornecedores por danos decorrentes de produtos defeituosos, ofensa à honra, erro médico e danos em acidentes de trânsito.

 

3. PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS PARA QUE HAJA INDENIZAÇÃO PUNITIVA

 

Para que se possa falar em indenização, é fundamental a ocorrência de um dano atribuído a uma atitude humana. O art. 186 do Código Civil apresenta de forma clara os elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil.

 

“Art 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

 

Sendo eles:

a) Conduta humana (positiva ou negativa);

b) Dano ou prejuízo;

c) O nexo de causalidade

 

Porém, existem outros pressupostos necessários para que se possa considerar ou não uma possível indenização punitiva.

 

1) A ocorrência de dano moral: É imprescindível a ocorrência de dano moral para que se configure uma ofensa aos direito da personalidade. Não há previsão legal que trate de indenização punitiva, por isso é preciso que algum direito regido pelo princípio da dignidade humana e da proteção dos direitos da personalidade seja transgredido. A falta de regra expressa que tipifique esse tipo de sanção, e a existência da tradicional regra de que a indenização se mede pela extensão do dano, dificulta de modo geral, a aplicação da indenização punitiva.

 

2) Culpa grave do ofensor: De regra, a responsabilidade civil não se preocupa com o grau de culpa do agente, seja ela dolosa ou culposa, o dever de indenizar é medido pela extensão do dano. Porém quando se diz respeito à indenização punitiva, o grau de culpa passa a ser de grande relevância. Este tipo de sanção será aplicado somente em casos que dano moral for conseqüência de dolo ou culpa grave, pois o comportamento do agente deve ser considerado reprovável ou merecedor de censura.

 

Quando por dolo, pressupõe-se que o ato lesivo foi desejado pelo agente ou aceito de forma indiferente por ele. Sendo assim, uma conduta proposital ao resultado do dano merece um tratamento mais severo por parte do judiciário. Mesmo que a intenção do agente não seja de prejudicar, o mesmo busca de forma egoísta obter vantagens para si.

 

Ocorrerá culpa grave quando decorrente da imprudência ou negligencia grosseira o agente praticar ato que cause um dano. Há situações em que apesar da conduta se enquadrar como culpa leve, devido o padrão do comportamento culposo do agente, este será considerado como culpa grave.

 

André Gustavo Correia de Andrade, com precisão, nos esclarece com um exemplo, em que aduz:

É o caso de empresas que não se preocupam em aperfeiçoar seus produtos e serviços, a despeito de reiteração dos danos causados aos consumidores em decorrência de defeitos apresentados por esses produtos ou na prestação desses serviços”. (ANDRADE, 2009. p. 221)

 

No que se refere à culpa leve ou levíssima, não há o que se falar em indenização punitiva, uma vez que a primeira é caracterizada pela falta de observância, exigível pelo homem médio, e a segunda pela falta de observância de um cuidado extraordinário, característico do homem prudentíssimo.

 

3) A obtenção de lucro com o ato ilícito

 

Impedir que o lesante lucre com o ilícito cometido, é uma das finalidades da indenização punitiva. Como bem salientou Matilde Zavala de Gonzalez, “este requisito se discute, mas nos parece inexorável, pois brinda a principal razão de ser da instituição: a indenização punitiva tende a eliminar ou desmantelar aqueles frutos da árvore envenenada”.

 

A conquista de lucro ilícito não deve ser considerada pressuposto indispensável da indenização punitiva, pois há outras situações diversas em que não se configura essa característica. Conclui-se, portanto que nesses casos, independe da gravidade da culpa do agente para que seja aplicada a indenização punitiva. Mesmo que a culpa não seja grave, esse tipo de sanção deverá ser aplicado para manter ética na ordem jurídica.

 

4. AS FINALIDADES DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA

 

Os principais propósitos da indenização punitiva estão relacionados à punição e a prevenção. A punição surge como uma forma de reprovar severamente condutas graves. Nesta, a sanção atuaria como retribuição ao dano sofrido pela vítima, tendo em vista o valor do comportamento do agente. E é exatamente esta característica que difere a indenização punitiva da indenização compensatória, pois na primeira o valor pecuniário está relacionado com a gravidade do comportamento do ofensor, enquanto na segunda o montante, baseia-se em sanar a gravidade do dano sofrido pelo lesado.

 

Adotando esse tido de entendimento, chegamos à conclusão que a indenização punitiva adota valores diferenciados para cada tipo de conduta, de acordo com sua gravidade e particularidades. Há uma distinção necessária quanto ao comportamento menos reprovável de um mais reprovável. E essa diferenciação, representa de forma clara, o princípio da isonomia, presente na constituição.

O caráter preventivo ou dissuasório da indenização punitiva se faz presente em casos que a indenização compensatória não se manifeste eficaz.

 

André Gustavo Correa de Andrade, dissertando sobre o tema, preleciona:

“É o que ocorre quando determinada soma, embora considerada suficiente para atenuar o constrangimento decorrente do dano moral, é de insignificante expressão econômica para o ofensor, que, por essa razão, não se vê convencido de não deve praticar atos lesivos iguais ou semelhantes; antes, vê-se estimulado a reiterar seu comportamento censurável. A indenização compensatória, neste contexto, funcionaria como o medicamento que ataca os sintomas sem combater a própria doença, trazendo uma falsa sensação de cura, pois a doença persiste e volta cada vez mais forte, acabando por se tornar imune ao ataque”. (ANDRADE, 2009. p.200)

 

Além das finalidades citadas acima, existem outras funções desempenhadas pela indenização punitiva, que, porém, não são identificadas em todos os casos. São elas a eliminação do lucro ilícito, preservação da liberdade contratual, manutenção do equilíbrio das relações de consumo e a defesa de contratantes que se encontram em posição de inferioridade.

 

5. SITUAÇÕES EM QUE NÃO SERÁ CABÍVEL A INDENIZAÇÃO PUNITIVA

 

A indenização punitiva, conforme já exposto anteriormente, não será admitida em todos os casos, pois se limita a aqueles que representam maior repressão. Quando a conduta do ofensor resultar de dano sem culpa ou culpa leve, não caberá este tipo de sanção, uma vez que possui caráter ofensivo mínimo.

Na culpa leve, mesmo que seja decorrente de ato ilícito, não há o que se falar em caráter punitivo. Neste caso, a indenização estará limitada à compensação e a satisfação à vítima do dano.

Quando o dano causado pelo ofensor for sem culpa, trataremos de responsabilidade objetiva, ou seja, não importa se a conduta for dolosa ou culposa, é necessária apenas uma ligação entre o dano e a conduta do agente. Logo a falta de culpa desvia qualquer resquício de uma possível sanção penal.

 

6. CRITÉRIOS PARA A FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA

 

O sistema de fixação de um quantumindenizatório que realce o caráter punitivo, parte do pressuposto de que, esta não busca ressarcir o lesado pelo dano sofrido tão pouco possui cunho compensatório.

E de responsabilidade do julgador quantificar de forma justificada, isto e, fundamentada expressamente de maneira coerente, o valor da indenização, onde serão analisados todos os elementos que caracterizaram a conduta do ofensor. Como bem salientou André Gustavo Correia de Andrade:

 

“Em todos os passos da operação realizada para a fixação do montante da indenização punitiva impõe-se ter sempre em mente as finalidades que conduzem: punir a conduta lesiva e prevenir novos litígios”. (ANDRADE, 2009. p.253)

 

Para que haja maior clareza quanto à imposição dos valores indenizatórios, busca-se sempre quantificar de forma separada a sanção compensatória da punitiva.

 

7. JURISPRUDÊNCIA

 

Em diversos Tribunais brasileiros observa-se que o caráter punitivo da indenização vêm sendo aplicado. Dentre as diversas decisões a favor a este tipo de sanção, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, seguindo o entendimento da real função punitiva, expediu os seguintes os acórdãos, um de forma positiva e outro de maneira negativa:

 

CONSUMIDOR. TELEFONIA FIXA E MÓVEL. INDENIZATÓRIA C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS DESBOLSADAS, EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO, COM FUNÇÃO PUNITIVA. SENTENÇA REFORMADA APENAS NO TOCANTE AO VALOR DA CONDENAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. (Recurso Cível Nº 71002922110, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 24/08/2011)

 

● RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZACAO POR DANOS MORAIS. CARTÃO ALIMENTAÇÃO. CLIENTE INFORMADO QUE CARTÃO NÃO ERA ACEITO. POSTERIOR RETRATAÇÃO. HIPÓTESE EM QUE AS COMPRAS FORAM PAGAS COM O CARTÃO ALIMENTAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE OFENSA A DIREITO DE PERSONALIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.(Recurso Cível Nº 71002904639, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em 24/08/2011)

 

8. CONCLUSÃO

 

A inclusão dos critérios punitivos nos tribunais brasileiros, tendem a crescer com o passar do tempo, pois como apresentado neste artigo, o caráter compensatório se tornou insuficiente para determinados casos.

Tais critérios baseiam –se em princípios expressos em nossa Constituição, que zelam pelos direitos da personalidade e da dignidade humana.

Portanto, para que haja transparência e coerência é preciso, por parte do julgador, um procedimento claro, que exponha justificativas fundamentadas, para que de fato a indenização punitiva proporcione resultados satisfatórios.

 

9. REFERÊNCIAS

 

ANDRADE, André Gustavo. Dano moral e Indenização Punitiva. 2ª ed, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

 

STOLZE GAGLIANO, Pablo. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil –Responsabilidade Civil. 9ª ed, São Paulo: Saraiva, 2011.

O caráter reparatório tem-se mostrado insuficiente em várias situações. Por exemplo, quando o ofensor após sofrer uma sanção reparatória, se mostra indiferente, pois prefere pagar um preço para continuar a prática ilícita, pois lhe traz benefícios que sobrepõe ao valor de de uma simples indenização