Inteligência competitiva e suas conexões epistemológicas com gestão da informação e do conhecimento


Porjuliawildner- Postado em 18 maio 2015

http://dx.doi.org/10.1590/S0100-19652009000200002 

ARTIGOS

 

Inteligência competitiva e suas conexões epistemológicas com gestão da informação e do conhecimento

 

Competitive intelligence and its epistemologic conections with information and knowledge management

 

 

Ethel Airton CapuanoI; Julio CasaesII; Julio Reis da CostaIII; Magda Sifuentes de JesusIV; Marco Antonio MachadoV

IDoutorando em ciência da informação pela Universidade de Brasília (UnB); mestre em gestão do conhecimento e da tecnologia da informação pela Universidade Católica de Brasília (UCB); especialista em redes de computadores pela Universidade Católica de Brasília (UCB). E-mail: eacapuano@terra.com.br 
IIMestrando em ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: jcasaes@uol.com.br 
IIIMestrando em ciência da informação pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: jreisc@uol.com.br 
IVDoutoranda em ciência da informação pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: magdasj@terra.com.br 
VMestrando em ciência da informação pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail:marcomachado03@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O artigo apresenta uma revisão de literatura mostrando o estado-da-arte conceitual na disciplina corporativa denominada inteligência competitiva (IC), sob um ponto de vista da ciência da informação (CI), explorando desenvolvimentos e experiências recentes. Embora já presente nas sociedades da Antiguidade, objeto de estudo de soberanos, pensadores e guerreiros, a inteligência competitiva (IC), inspirada nas atividades de inteligência militar, constitui tema bastante atual no mundo corporativo contemporâneo de competição global, com renovado interesse no mercado e na academia. Como o tema apresenta evidentes conexões epistemológicas com gestão da informação (GI) e gestão do conhecimento (GC), o texto busca mostrar como isso ocorre e as relações de causa e efeito entre as várias camadas de atividades vinculadas ao desenvolvimento de inteligência para tomada de decisão nas organizações inspirado no framework de Liebowitz (2006) baseado numa estrutura de cebola. Conceitos correlatos são também explorados, como o próprio conceito de GC, numa praxis composta de disciplinas corporativas conhecidas como aprendizado organizacional, gestão do capital intelectual ou capital humano e inteligência organizacional. Conceitos novos correlatos à inteligência competitiva são acrescentados ao conjunto intelligentsia galore de Liebowitz (2006), como capital estrutural, capital de clientela, capital competitivo e inteligência estratégica (IE).

Palavras-chave: Inteligência competitiva. Inteligência estratégica. Gestão da informação. Gestão do conhecimento. Inteligência artificial. Business intelligence. Aprendizado organizacional. Gestão do capital intelectual. Gestão do capital humano. Inteligência organizacional. Capital estrutural. Capital de clientela. Capital competitivo. Intelligentsia galore.


ABSTRACT

The article presents a literature's review showing the conceptual state-of-the-art of the corporate discipline called Competitive Intelligence (CI), from a point of view of Information Science (IS), exploring developments and experiences in the organizations. Although present in the ancient societies, subject of study of emperors, thinkers and warriors, Competitive Intelligence (CI), inspired in military intelligence activities, is a contemporary theme in the corporate world of global competition with renewed concern in market and academy. As the theme presents evident epistemological connections with Information Management (IM) and Knowledge Management (KM), the text aims to show how this happens and the relationship of cause and effect among several ranks of activity linked to the development of intelligence and decision making in the organizations, inspired in the Liebowitz's (2006) framework based on an onion structure. Correlated concepts are also explored, as the concept of KM itself, in a praxis integrated by corporate disciplines, is called organizational learning, intellectual capital or human capital management, and organizational intelligence. Other new concepts connected to CI are included in the Liebowitz's (2006) intelligentsia galore set, as structural capital, customer capital, competitive capital, and Strategic Intelligence (SI).

Keywords: Competitive intelligence. Strategic intelligence. Information intelligence. Knowledge management. Artificial intelligence. Business intelligence. Organizational learning. Intellectual capital management. Human capital management. Organizational intelligence. Structural capital. Customer capital. Competitive capital. Intelligentsia galore.


 

 

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende contribuir para a elicitação de conexões epistemológicas interdisciplinares da inteligência competitiva (IC) em linhas de pesquisas de Gestão da informação e do conhecimento (Gico)1 tais como as do Programa de Pós-graduação em ciência da informação do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília (PPGCInf/CID/UnB). Embora o tema não constitua novidade nos países desenvolvidos, questões envolvendo a ciência da informação (CI) geralmente não são abordadas nas obras publicadas, constituindo um campo de pesquisas a ser desenvolvido. O texto também apresenta conteúdos práticos, como referências a estudos de casos, que mostram a viabilidade dessa linha de pesquisas no sentido da produção de significados (conhecimento) nas organizações a partir da integração e expansão dos conceitos de gestão da informação (GI), gestão do conhecimento (GC) e inteligência competitiva (IC), prevendo uma composição sinérgica e promissora.

O problema abordado na ciência da informação (CI), que se refere ao uso da informação na construção de significados (CHOO, 2003) ou de inteligência nas organizações, para sua sobrevivência em mercados competitivos tem sido apresentado em publicações mais recentes no Brasil, algumas traduzidas de publicações no exterior. O artigo de Santos (2000), por exemplo, relata que estudos recentes apontam que a maioria dos executivos nas organizações, apesar da inundação de informações, muitas delas relevantes, teme errar no processo de tomada de decisão. Este autor apresenta, ainda, outro dado interessante que representa a ponta doiceberg do problema da inteligência nas organizações: estudos sobre causas de falências de empresas apontam que 70% dos casos se devem a um conhecimento incompleto de seu ambiente - clientes, concorrentes, fornecedores, regulamentação governamental, etc.

Esse cenário desanimador dos processos decisórios, mesmo com o desenvolvimento acelerado e uso cada vez mais pervasivo de tecnologias da informação e comunicação (TICs), não parece ter melhorado nos últimos anos, pois as próprias bases epistemológicas dos sistemas de informação (SI) baseados em computação eletrônica têm sido contestadas à medida que os casos de fracassos de projetos se tornam predominantes nas organizações (SANTOS, 2000 e NEVO; WADE, 2007).

É nesse contexto de apresentação da inteligência competitiva como objeto de estudo que o artigo se subdivide em quatro partes essenciais a partir deste ponto: conceituação de inteligência competitiva com base na literatura, identificação de conexões epistemológicas entre gestão da informação e conhecimento e inteligência competitiva, referências a casos de inteligência competitiva na prática e conclusões no escopo da ciência da informação (CI). Os textos utilizados na revisão de literatura são variados, alguns da administração, outros mais específicos da CI, mas concentrados no tema, de várias épocas e contextos históricos. O texto não pretende apontar modelos de inteligência competitiva para as organizações, assunto muito complexo que demandará, certamente, expressivos esforços nesse sentido, mas apenas realçar os tópicos epistemológicos considerados mais relevantes para mostrar como essa nova disciplina corporativa poderá se inserir, conceitualmente, em linhas de pesquisas de gestão da informação e do conhecimento em programas de pós-graduação em ciência da informação (CI).

 

CONCEITOS

O conceito de inteligência, neste artigo, situa-se no ambiente das organizações e é o mesmo de Fuld (1994, p. 24), citado por Santos (2000): proposições que permitem tomar decisões. O argumento central para a defesa desse conceito se baseia no argumento que é a inteligência, e não a informação, que auxilia o administrador a tomar decisões corretas no ambiente corporativo.

A expressão inteligência competitiva pode ser definida, segundo Queyras e Quoniam (2006), como um processo de aprendizagem motivado pela competição, fundada sobre a informação que permite a otimização da estratégia da organização a curto e longo prazo. Conforme Kahaner (1997), a inteligência competitiva (IC) tem se tornado a última arma na guerra mundial da economia, que coloca nação contra nação, deslocando o eixo de poder das armas de destruição tradicionais em direção a armas econômicas baseadas no uso da inteligência nas organizações. Esse autor observa que a inteligência competitiva há muito integra a política industrial japonesa e está se tornando um componente oficial das políticas industriais de vários países europeus e dos EUA, ressaltando que apesar de o número de empresas americanas praticando inteligência competitiva ainda ser relativamente pequeno, ela é a disciplina corporativa de crescimento mais rápido atualmente.

De um ponto de vista mais conceitual de interesse da ciência da informação (CI), Tarapanoff (2001) esclarece que a inteligência competitiva representa uma nova síntese teórica no tratamento da informação para a tomada de decisão nas organizações, uma metodologia que permite o monitoramento informacional da ambiência e, quando sistematizada e analisada, a tomada de decisão. A inteligência competitiva, para a autora, é composta de diversos tipos de informação - tecnológica, ambiental e sobre o usuário, competidores, mercados e produtos, conceito complementado com a visão de um processo sistemático que transforma pedaços esparsos de dados em conhecimento estratégico. Entretanto, uma versão simplificada do conceito de inteligência competitiva mais próximo do senso comum seria, ainda, apresentada por Tarapanoff (2001, p. 45):

É informação sobre produtos específicos e tecnologia. Também é monitoramento de informação externa que afeta o mercado da organização, como, por exemplo, a informação econômica, regulatória, política e demográfica.

De modo geral, as definições e conceitos de inteligência competitiva convergem bastante na literatura. Kahaner (1997, p. 16), por exemplo, conceitua inteligência competitiva como:

(...) um programa sistemático para coletar e analisar informação sobre as atividades de seus competidores e tendências de negócios para atingir os objetivos da empresa.

Tarapanoff (2001, p. 46) ainda cita Tyson (1998), argumentando que em sentido mais amplo a inteligência competitiva orienta as organizações a manter um foco no ambiente externo continuamente, de modo a estudar os competidores e qualquer outra coisa que possa tornar a organização mais competitiva e posicioná-la melhor no mercado.

Outro aspecto interessante da inteligência competitiva se reporta ao seu posicionamento nas estruturas organizacionais: enquanto alguns autores defendem que ela constitui um processo, como Kahaner (1997), outros argumentam que ela deve ser tratada como uma função com estrutura formal nas organizações, como Prescott e Miller (2001).

McGee e Prusak (1994) e Porter (1986) tendem a encaixar a inteligência competitiva numa visão de planejamento estratégico, como a da necessidade de se desenvolver um sistema de inteligência sobre os concorrentes, e Davenport (2000) prevê a inteligência competitiva como uma visão em sua concepção holística de ambiente informacional (ecologia da informação). Outra visão interessante é a de Santos (2000), que define o problema de modo bastante simples e didático: em geral, as organizações têm dificuldade não para coletar e armazenar informações para tomada de decisão, mas sim para processá-las de modo a se tornarem úteis no processo. Ou seja, o problema se deve à falta de entendimento sobre o fim a que se destina a informação: o consumo e não o estoque.

Kahaner (1997, p. 23-30) argumenta que a inteligência competitiva deve constituir um programa formalizado e ter como objetivos, entre outros:

a) antecipar mudanças no mercado e nas ações dos competidores;

b) descobrir novos ou potenciais competidores;

c) aumentar as opções e a qualidade das empresas alvo de aquisições;

d) aprender sobre novas tecnologias, produtos e processos que afetam os negócios da organização;

e) aprender sobre mudanças políticas, legislativas ou regulatórias que podem afetar os negócios;

f) entrar num novo negócio;

g) olhar as próprias práticas de negócio com mente aberta; e

h) auxiliar na implementação das mais atuais ferramentas de gestão.

Como se pode ver nessa percepção, os problemas epistemológicos derivados dos objetivos corporativos atribuídos à prática da inteligência competitiva são bastante amplos, exigindo o desenvolvimento de métodos e técnicas para coleta, análise e disseminação de informação e insights úteis em escala nunca antes experimentada na sociedade.

 

CONEXÕES EPISTEMOLÓGICAS

Informação e decisão nas organizações

Menezes (2005) apresenta extensa revisão histórica da literatura sobre a inserção do tema inteligência competitiva em publicações de periódicos da ciência da informação (CI) no Brasil e no mundo. Embora cada autor desenvolva seus argumentos ressaltando aspectos diversos no tema, dois pontos convergem de modo claro para que se possa estabelecer conexões epistemológicas entre inteligência competitiva (IC) e a ciência da informação (CI): (1) o processo de tomada de decisão nas organizações e (2) a interação informacional da organização com o ambiente externo. O primeiro ponto, apesar de endereçado há muito pela administração, como nas obras seminais de Simon (1976) e Argyris (1978 e 1991), tem despertado atenções e motivado linhas de pesquisa na CI inspiradas em trabalhos mais recentes de autores mundialmente reconhecidos, tais como Choo (2003, 1998 e 1991), Nonaka e Takeuchi (1997) e Daft e Weick (1984). Quanto ao segundo ponto, o problema tem sido tratado principalmente nas publicações de Davenport (2000), McGee e Prusak (1994), Porter (1986) e outros. Choo (2003), na obra que está se tornando um clássico na CI, apresenta uma síntese epistemológica contemporânea útil para a teorização acerca dos processos de tomada de decisão nas organizações, argumentando que:

O conhecimento organizacional é uma propriedade coletiva da rede de processos de uso da informação, por meio dos quais os membros da organização criam significados comuns, descobrem novos conhecimentos e se comprometem com certos cursos de ação. O conhecimento organizacional emerge quando os três processos de uso da informação - criação de significado, construção do conhecimento e tomada de decisões - se integram num ciclo contínuo de interpretação, aprendizado e ação. (CHOO, 2003, p. 420).

Outros autores, como McGee e Prusak (1994), Maury (1993), Porter (1986) e Jacobiak (1996), evidenciam a necessidade de uso da informação como arma dos negócios, num mundo globalizado e competitivo, em disciplinas da administração conhecidas como gestão estratégica, desenvolvimento organizacional e inteligência organizacional. Outros, na tradição francesa, como Queyras e Quoniam (2006), mas também Jacobiak (1996), concentram-se no monitoramento ambiental, ou monitoramento tecnológico (veille technologique), entendido como a aquisição e o uso de informações sobre eventos, tendências e relações da organização com seu ambiente externo, além do conhecimento que auxiliará os gerentes a planejar futuras ações (MORESI, 2001).

O trabalho de Marcial (2007) também merece atenção pela elicitação de variáveis principais (elementos-chave) no desenvolvimento de sistemas de inteligência competitiva nas organizações. A autora reconhece a multidisciplinaridade da inteligência competitiva e argumenta que as áreas do conhecimento científico que suportam os processos e atividades de inteligência competitiva são administração, ciência da informação, ciência da computação, comunicação, psicologia, filosofia, matemática, lógica e estatística.

Day, Reibstein e Gunther (1999) fundem os conceitos de inteligência utilizados na administração com a disciplina de inteligência competitiva apresentando, detalhadamente, estratégias competitivas em ambientes de negócio dinâmicos. Os autores abordam, entre outros recursos analíticos, a Teoria dos Jogos com objetivo de simulação de estratégias competitivas, elegendo a própria simulação como um método de análise de cursos de ação estratégica. Aoki e Dore (1996), na tradição japonesa, não abordam diretamente a inteligência competitiva, mas apresentam obra bastante esclarecedora sobre as estratégias competitivas das empresas transnacionais do Japão, que sugerem uma inteligência organizacional - ou seja, uma inteligência espelhada no próprio modelo de organização da produção.

Conforme Moresi (2001), um dos primeiros pesquisadores a estudar o ambiente como fonte de informação foi William Dill (DILL, 1958), sugerindo que a melhor maneira de analisar o ambiente não é tentando entendê-lo como um conjunto de outros sistemas ou organizações, mas vê-lo como informação que se torna disponível para a organização ou a que a organização possa ter acesso. Embora tal visão se configure um reducionismo epistemológico, com as implicações inerentes, sua vantagem está na simplicidade e pragmatismo, recurso que em geral se apresenta útil para compreensão do meio empresarial externo e uso na disciplina inteligência competitiva.

Esse acervo, em termos filosóficos, adota abordagens fenomenológicas do conhecimento na investigação dos processos de aquisição e tratamento da informação nos ambientes organizacionais para tomada de decisão.

Monitoramento externo

Choo (1998) observa que, sob a perspectiva da informação, qualquer mudança ou desenvolvimento no ambiente externo das organizações cria sinais e mensagens para os quais devem dedicar atenção. Esses sinais podem ser fracos (quando difíceis de serem detectados), confusos (difíceis de serem analisados) ou espúrios (quando não indicam mudanças verdadeiras). O segredo para executar a árdua tarefa de colecionar informações externas úteis para uma organização que pretende praticar inteligência competitiva, portanto, encontra-se na seletividade das informações do ambiente a serem trabalhadas.

Santos (2000) apresenta como evidência concreta da importância do desenvolvimento de processos, procedimentos, metodologias e ferramentas de monitoramento informacional ambiental nas organizações a iniciativa pioneira da França com a norma denominada "XP X 50-053 - Prestations de Veille et Prestations de Mise en Place d'un Système de Veille2, editada pela Association Française de Normalisation (AFNOR). Essa norma, conforme Santos (2000), aplica-se essencialmente à prestação de serviços de implantação e de operação de célula de inteligência competitiva para vigilância ativa do ambiente tecnológico, comercial (concorrencial), econômico, sociológico, geopolítico, jurídico, normativo, entre outros, de uma organização, tendo duplo objetivo:

I. facilitar a relação entre profissionais de inteligência competitiva com seus clientes por meio de uma terminologia comum, especificação de oferta de informação, classificação de papéis e de comprometimentos recíprocos;

II. contribuir para elevar a qualidade da prestação de serviços de inteligência competitiva.

O monitoramento externo não é uma atividade monolítica e a pesquisa em teoria da organização sugere, conforme Choo (1998), quatro modos de monitoramento: observação (ou visualização) indireta, observação condicionada, procura informal e procura formal (ver na tabela 1 resumo da elaboração de Daft e Weick (1984)).

Moresi (2001) argumenta, ainda, que a informação obtida no ambiente externo deve estar alinhada ao seu processamento em uma organização, a qual se baseia em duas grandes linhas de pesquisa: de abordagens racionais e de abordagens interpretativas (subjetivas). Os autores da administração mencionados anteriormente, de base filosófica fenomenológica, adotam abordagens predominantemente interpretativas.

O algoritmo básico das atividades de monitoramento ambiental, para Moresi (2001, p. 95), é composto por cinco fases:

a) procura por recursos de informação;

b) seleção dos recursos de informação para monitorar;

c) identificação dos critérios de monitoramento;

d) execução do monitoramento;

e) determinação das ações especiais a serem tomadas em face dos resultados do monitoramento.

Kahaner (1997, p. 44) apresenta, de modo esquemático, o ciclo de inteligência, conforme a figura 1, composto de quatro fases básicas: planejamento e direção, coleta, análise e disseminação. Esse ciclo de atividades para transformação de informação em inteligência competitiva partiria, portanto, de atividades de planejamento e direção estratégicas, passando a seguir para a coleta de informações propriamente dita, depois para a fase de análise e, finalmente, para a disseminação sistemática dessa inteligência nas áreas usuárias na organização. A fase de análise de informações coletadas, sistematicamente, sobre o ambiente externo exigirá, em versão contemporânea da inteligência competitiva, conexões consistentes com atividades de gestão da informação (GI) e gestão do conhecimento (GC), pois informações externas ao serem internalizadas necessitam percorrer fluxos internos para construção de significados (Choo, 2003). A trama e as implicações das conexões epistemológicas entre inteligência competitiva, gestão da informação e gestão do conhecimento serão discutidas mais adiante neste artigo.

 

 

Kahaner (1997) propõe, também, a classificação das fontes de informação sobre o ambiente externo em primárias e secundárias:

Fontes primárias

• relatórios anuais

• documentos governamentais

• conversas (ou discursos)

• entrevistas na TV ou no rádio (ao vivo)

• relatórios financeiros de empresas

Fontes secundárias

• jornais

• revistas

• livros

• programas gravados de TV e rádio

• relatórios de analistas

Como técnicas de análise ambiental, Kahaner (1997) propõe SWOT (Strengths, Weaknesses, Oportunities and Threads)BenchmarkData Mining e Text Mining para monitoramento externo. E sugere o uso de Balanced Scorecard (BSC), gestão da informação e do conhecimento (Gico) e Business Intelligence (BI) para a análise do ambiente de informações interno das organizações.

Na visão de Fleisher e Bensoussan (2007), para conhecer e entender o dinâmico e complexo contexto das organizações, é preciso adquirir o domínio de amplo conjunto de métodos e técnicas, tais como a análise estratégica, da competitividade, dos consumidores, de modelos evolucionários e financeiros que possibilitam transformar a abundante quantidade de dados e informações em uma forma útil para a tomada de decisão e ação.

Inteligência competitiva e gestão do conhecimento

Queyras e Quoniam (2006) argumentam que a informação é a chave do desenvolvimento da inteligência competitiva porque permite, com métodos de estruturação e análise, a criação de conhecimento para os usuários. Com isso, evidenciam uma conexão natural existente entre a gestão da informação, a gestão do conhecimento e a inteligência competitiva que parece ainda pouco desenvolvida na ciência da informação, embora se perceba a tendência de integração desses conceitos em outras áreas de pesquisas, como na administração. Essa tendência, consequentemente, implica não somente a integração de conceitos, mas de políticas e práticas de inteligência competitiva e gestão do conhecimento nas organizações, num movimento corporativo sinérgico no sentido "do conhecimento de si mesmo e conhecimento do inimigo" (SUN TZU, 2008, p. 41).

Prescott e Miller (2001, p. xi), por exemplo, recordam palavras de um guru da estratégia, Liam Fahey, para argumentar que se deve olhar para os competidores como um meio de analisar a si mesmo e perguntar Como é o meu desempenho? Outra abordagem prática pró inteligência competitiva seria, conforme os autores, aquela explícita num aviso de Gary Costly, antigo presidente da Kellogg nos EUA:

O grande retorno da inteligência competitiva é que ela apontará os pontos fracos que você tem internamente por causa dos pontos fortes de seus competidores. Empresas que não fazem isto fracassarão (PRESCOTT; MILLER, 2001, p. xi).

Esses autores estabelecem uma conexão direta entre gestão do conhecimento e inteligência competitiva ao observar que a inteligência competitiva tem se beneficiado dos avanços da infraestrutura tecnológica e da elevação da gestão do conhecimento a uma função dominante nas empresas. E argumentam que a integração da gestão do conhecimento pelas estruturas organizacionais está auxiliando a inteligência competitiva ter seu valor reconhecido. Outro ponto de conexão epistemológica entre gestão do conhecimento e inteligência competitiva estabelecido pelos autores se concentra em argumento bastante convincente: o conhecimento deve ser produzido e analisado antes de ser comunicado (disseminado) e "gerenciado" (PRESCOTT; MILLER, 2001, p. xiii), restrição que se aplica tanto a dados gerados internamente quanto para a inteligência obtida fora dos limites da empresa.

Breeding (2001) apresenta um caso concreto de integração de gestão do conhecimento com inteligência competitiva na Shell, registrando que a iniciativa de inteligência competitiva na empresa tem sido impactada positivamente pelo uso extensivo de gestão do conhecimento. O autor revela que na Shell criou-se algo denominado Competitive Intelligence Knowledgehouse (Armazém de Conhecimento para Inteligência Competitiva), baseado na intranet, que é um sistema de gestão do conhecimento com visão aprofundada dos competidores e mercados da Shell. O sistema possui três componentes básicos e 16 módulos, sendo o primeiro componente destinado aos usuários com necessidade de conhecimento prático de inteligência competitiva produzido na própria empresa, o segundo aos usuários que necessitam de informações de pesquisas de outras fontes (mais de 100), e o terceiro ao compartilhamento do conhecimento, em que o usuário se integra em comunidades de prática e tem acesso a outros recursos de colaboração.

Considerando-se a quantidade de obras consolidadas disponíveis no mercado, tais como a de Liebowitz (2006), não se pode duvidar que a integração de vários conceitos de inteligência corporativa não deverá tardar, na prática, nos projetos de novos modelos de gestão. A obra de Liebowitz (2006) não é a única nessa linha de raciocínio, mas é interessante porque lança, de modo explícito, a ideia de consolidação dos conceitos deBusiness Intelligence (BI), inteligência competitiva e gestão do conhecimento3 no mesmo framework de gestão da informação e do conhecimento que o autor denomina Inteligência Estratégica (IE).

Liebowitz (2006) justifica esse novo construto teórico integrador com o argumento que ele se aplica ao aperfeiçoamento do processo de tomada de decisão estratégica em uma organização, visão que surgiu de sua experiência profissional com gestão do conhecimento, inteligência de negócios e inteligência competitiva, observando que as comunidades de profissionais de cada uma dessas áreas atuam isoladamente. A obra destaca também conexões com áreas de estudo conhecidas como aprendizado organizacional, gestão do capital intelectual ou capital humano, inteligência organizacional, e apresenta conceitos novos como capital estrutural, capital de clientela e capital competitivo.

O capital humano seria o poder cognitivo (brainpower, no original) dos empregados da organização; o capital estrutural se refere aos ativos intangíveis (como patentes e direitos de propriedade intelectual); o capital de clientela seria a carteira de clientes, parceiros e colaboradores da organização (social or relationship capital); o capital competitivo referente ao conhecimento que a organização tem acerca de seus competidores no mercado. Esse conjunto de construtos de gestão organizacional contemporânea é condensado pelo autor no termointelligentsia galore4, ilustrado na figura 2 como uma cebola de camadas operativas de inteligência (LIEBOWITZ, 2006, p. 14).

 

 

Observe-se, na figura 2, o papel da inteligência artificial (IA) como núcleo operacional (computacional) doframework modelado por Liebowitz, demonstrativo do renovado entusiasmo acerca dessa cinquentenária disciplina como ferramenta metodológica e tecnológica do processamento de informações para tomada de decisão nas organizações em contextos de gestão do conhecimento e inteligência competitiva.

O autor destaca esse aspecto do framework argumentando que como a inteligência artificial trata de temas ligados aos processos de raciocínio humano, parece natural que a gestão do conhecimento adote alguns desses conceitos para auxiliar as pessoas a capturar, organizar e compartilhar o conhecimento internamente na organização e externamente com seus patrocinadores (LIEBOWITZ, 2006, p. 14).

O modelo pictórico da cebola na figura 2 significa que a gestão do conhecimento (GC) nos ambientes organizacionais suporta, do ponto de vista epistemológico, a inteligência de negócios (BI), que por sua vez suporta a inteligência competitiva (IC), que, finalmente, suporta iniciativas de desenvolvimento de inteligência organizacional condensadas sob o título de inteligência estratégica. O modelo da cebola também mostra onde ocorre cada tipo de atividade de inteligência numa organização, partindo da computação eletrônica inerente à inteligência artificial dentro da organização até a prática da inteligência competitiva e inteligência estratégica num nível fronteiriço entre o ambiente interno e externo da organização.

É interessante também o pensamento de Liebowitz (2006) acerca do próprio conceito de gestão do conhecimento:

KM consiste na identificação e captura do conhecimento, compartilhamento do conheci-mento, aplicação do conhecimento e criação do conhecimento (LIEBOWITZ, 2006, p. 15).

Informação mais insights e experiência se transformam em conhecimento (LIEBOWITZ, 2006, p. 7).

Outro autor que destaca essa sinergia natural e necessária nos temas de estudo ligados à inteligência organizacional é Terra (2008a), argumentando que processos de gestão do conhecimento e inteligência competitiva devem compartilhar dos mesmos direcionamentos estratégicos, taxonomia e infraestrutura de tecnologia da informação. Ele argumenta que gestão do conhecimento e inteligência competitiva podem ser implementados em uma organização de diversas maneiras, mas serão necessários, para garantia de sucesso, os seguintes fatores:

• aderência aos objetivos estratégicos da empresa;

• forte mudança cultural;

• implementação de novos processos informais e formais;

• uso de tecnologias de informação e comunicação;

• governança bem articulada e estruturada;

• envolvimento de profissionais altamente qualificados; e,

• avaliação de resultados.

Os vários estudos de caso detalhados na obra de Liebowitz (2006), por exemplo, reforçam uma visão otimista na qual práticas de gestão do conhecimento e inteligência competitiva podem ser implemen-tadas em qualquer tipo de organização, seja ela pública ou privada, com fins lucrativos ou não, ou seja, independemente do seu porte, ramo de ativi-dade ou finalidade a que se destina. Entretanto, conforme dados empíricos mencionados por Liebowitz (2006), não se deve alimentar ilusões quanto ao tempo mínimo de maturação de iniciativas de mudanças culturais dessa magnitude nas organizações, que pode consumir mais de uma década.

 

INTELIGÊNCIA COMPETITIVA NAS ORGANIZAÇÕES

Pioneiros

A busca por registros que permitam traçar as origens da inteligência competitiva revela que o uso da inteligência militar, econômica, comercial, religiosa ou política tem existido na China por mais de cinco mil anos (JUHARI; STEPHENS, 2006). Textos religiosos de 3.000 anos descrevem situações em que a inteligência é utilizada em processos de tomada de decisão (WALLE, 2001). Também no âmbito militar, estrategistas como Circa e Sun Tzu, há mais de 2.500 anos já enfatizavam a importância da inteligência e o valor da informação.

Na obra milenar A arte da guerra, contemporaneamente adaptada para os mais diversos contextos sociais e econômicos (PRESCOTT; MILLER, 2001, p. 2), Sun Tsu prescreveu que:

Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, você não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você conhece a si mesmo, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha você também vai sofrer uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, você sucumbirá em cada batalha.

Analisando-se o modelo de sabedoria milenar de Sun Tzu, ao qual é atribuída a paternidade da funçãointeligência nas organizações, pode-se raciocinar que o conhecimento do inimigo seria missão da inteligência competitiva e o conhecimento de si mesmo missão da GC, com base na GI. Essa abordagem analítica se reporta à Teoria dos Jogos (PRESCOTT; MILLER, 2001, p. xii), objeto de desenvolvimento também no ambiente corporativo buscando-se a seleção de cursos de ação em situações complexas nos ambientes de negócios. As implicações epistemológicas de A arte da guerra, portanto, estão no cerne da inteligência competitiva, constituindo potencial disciplina corporativa com linhas de pesquisas promissoras devido à complexidade da dinâmica dos negócios no mundo globalizado.

Em termos históricos, Kahaner (1997, p. 16) argumenta que a inteligência competitiva, na modernidade, tem suas origens bem definidas e enorme potencial instrumental:

Adaptada a partir de técnicas utilizadas pelas agências de inteligência política e militar da época da Guerra Fria, inteligência competitiva é um simples processo de quatro passos que pode, em última análise, viabilizar ou quebrar empresas de qualquer tamanho, em qualquer ramo de negócio.

E cita, ainda, como metáfora motivadora da prática de inteligência competitiva nas organizações, célebre lema de Frederico (Barba Ruiva), o Grande (imperador germânico da Idade Média): "É perdoá-vel ser derrotado, mas nunca ser surpreendido".

Prescott e Miller (2001) reforçam a tese sobre as origens da inteligência competitiva nas organizações, argumentando que ela herdou as práticas e o conhecimento das agências governamentais de inteligência e dos grupos de inteligência militar.

Inteligência competitiva como disciplina corporativa

Como ilustração da necessidade da inteligência competitiva nas organizações contemporâneas, Kahaner (1997) transcreve um diálogo que teve com Bill McGowan, então chief executive officer - CEO, ou executivo-chefe) da empresa transnacional norte-americana MCI, do ramo de telecomunicações. O autor esclarece que um dia perguntou a McGowan:

- Qual é a essência do seu trabalho?

Sem hesitação, o executivo respondeu:

- Tomar decisões. Se eu tomo a decisão correta, eu sou um herói. Se eu tomo a decisão errada, eu sou um pária5.

Prosseguindo na entrevista, Larry Kahaner indaga:

- Como você toma decisões?

Resposta de Bill McGowan:

- Eu coleto tanta informação quanto eu puder, de tantas fontes quanto eu tiver acesso, raciocino sobre tudo, então eu decido o que fazer.

Kahaner (1997) concluiu, então, que era por esse motivo que o executivo lia tanto sobre tudo - era o seu modo de transformar informação em inteligência útil. E essa é, geralmente, a missão dos executivos das organizações: tomar decisões do modo mais seguro e abalizado possível, com base nas informações e no conhecimento disponível no momento da decisão. Esse autor apresenta breve retrospectiva do interesse recente pela inteligência competitiva no mundo corporativo, observando que se trata de área relativamente nova e ainda não desenvolvida nos EUA, onde menos de 7% das grandes empresas teriam, há uma década, as próprias divisões de inteligência competitiva e a maior parte seria relativamente recente - 80% delas teriam menos de cinco anos de idade.

Outra fonte, referenciada em Prescott; Miller (2001), traz dados estatísticos mais recentes, baseados em pesquisa de 1998 do The Futures Group, segundo a qual 82% das maiores empresas multinacionais nos EUA com faturamento maior que US$ 10 bilhões anuais teriam unidade organizada de inteligência competitiva.

Outro ponto relevante nessa análise se reporta ao ambiente corporativo japonês que, em contraste, possui tradição mais antiga de inteligência competitiva (KAHANER, 1997, p. 16-17):

As empresas japonesas (...) têm tido sistemas de inteligência competitiva bem estabelecidos desde a 2ª Guerra Mundial, apesar de sua história de coleta de inteligência econômica remontar a muitos séculos. Sua atual infra-estrutura inclui empresas de comércio (sogo shosha) e agências governamentais que operam ao redor do mundo para coletar informação e colocá-la em grandes repositórios no Japão, para uso dos tomadores de decisão nas empresas.

A Mitsubishi, por exemplo, tem aproximadamente 13 mil empregados em mais de duzentos escritórios no mundo. Eles coletam mais de 30 mil peças de informação competitiva de negócios diariamente. Esses dados são filtrados, analisados e disseminados para empresas do grupo Mitsubishi para serem utilizados como munição na atual guerra global contra seus competidores.

Na Europa, a situação é algo similar na medida em que as agências governamentais também têm assumido ativo interesse na inteligência competitiva. Na Alemanha, os bancos estatais desempenham um grande papel no controle dos negócios no país e por isso têm interesse em proteger seus investimentos. Os bancos têm tradicionalmente utilizado seu poder e influência para coletar informações confidenciais sobre empresas estrangeiras e discretamente disseminá-las para as empresas alemãs.

Na França, o governo trabalha com empresas de modo mais encoberto - frequentemente ilegalmente, pelos padrões norte-americanos - para coletar informação sobre competidores estrangeiros. Entre 1987 e 1989, um grupo de vinte pessoas do Direction Générale de la Sécurité Extérieure (DGSE), uma agência governamental equivalente à CIA, espionou empresas como a IBM e a Texas Instruments e passou informações para seus competidores franceses. O então executivo-chefe Pierre Marion disse: 'Não seria normal que nós espionássemos os Estados Unidos em assuntos políticos ou militares. Nós somos aliados, mas em termos de competição econômica, de competição tecnológica, nós somos competidores. Nós não somos aliados.'

(...) Muitos países de economias emergentes como China, Vietnã, Coréia e Tailândia vêem a inteligência competitiva como um meio de vencer as guerras econômicas contra países maiores e mais industrializados.

Existe, nos EUA, uma organização denominada Society of Competitive Intelligence Professionals (SCIP), que segundo Kahaner (1997) foi criada em 1986, contando hoje com mais de cinco mil membros ao redor do mundo. O endereço eletrônico de seu sítio na Web é <http://www.scip.org/> e ela se propõe, conforme declarado na primeira página, a prover educação e oportunidades de relacionamento (networking) com profissionais de negócio trabalhando no campo de rápido crescimento que é a inteligência competitiva, que consiste na "atividade legal e ética de coleção e análise de informação sobre a capacidade, as vulnerabilidades e as intenções dos competidores nos negócios" (SCIP, 2008).

No Brasil, a atividade acadêmica de inteligência competitiva surgiu na década de 1990, com a criação do Curso de Especialização em Inteligência Competitiva (CEIC) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com a Université d'Aix-Marseille III. Segundo Gomes & Braga (2004), são poucas as universidades brasileiras que oferecem a disciplina em seus cursos de pós-graduação: Universidade Católica de Brasília, Universidade Estácio de Sá, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Fundação Getúlio Vargas (no Rio de Janeiro).

A atividade de inteligência competitiva no Brasil vem crescendo nos últimos anos, principalmente após a criação da Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva (Abraic), no ano 2000. Dentre os principais objetivos da Abraic destacam-se o desenvolvimento de estudos sobre o tema, apoio à organização de eventos e projetos relacionados à inteligência competitiva, promoção de assessoria à implantação da atividade de inteligência competitiva em organizações, difusão da mentalidade de inteligência competitiva no país e estímulo à pesquisa e reconhecimento às boas práticas empresariais, por meio da realização dos prêmios de Inovação e de Excelência Empresarial.

Com base em Santos (2000), pode-se identificar, na implantação de projetos ou células organizacionais de inteligência competitiva, quatro perfis básicos de profissionais dessa área: (i) "profissionais de interface", que se parecem com os antigos analistas de sistemas à medida que devem exercer o papel de "agentes sociais" que definem demandas e ofertas de informações úteis; (ii) analistas de dados com habilidades técnicas, (iii) especialistas nas fontes de informação de interesse; e (iv) especialistas no assunto de interesse, que se parecem com analistas de negócio. Os últimos precisariam ter visão sistêmica, pois seriam os responsáveis pela validação da inteligência gerada no processo e apresentação dos insights aos executivos.

Estudos de caso

A literatura começa a apresentar algumas lições das trincheiras da inteligência competitiva nas organizações, ou seja, da sua prática como disciplina corporativa. Prescott e Miller (2001) arriscam algumas delas na obra referenciada, observando que:

I. os programas de IC requerem clara definição de papéis que emergem ao longo de um processo de reaprendizado das necessidades de recursos de inteligência dos membros da organização;

II. o conjunto de produtos de um programa de inteligência competitiva deve ser disseminado tempestivamente, prover implicações de ações e ser percebido como algo que tenha credibilidade e valor;

III. a cultura de inteligência de uma organização deve ser construída com uma pessoa de cada vez, com o aumento da habilidade de operar com recursos de inteligência e o desenvolvimento de redes de pessoas e de mecanismos que facilitem o fluxo de informação;

IV. a evolução dos programas de inteligência competitiva é um fenômeno natural direcionado pelas necessidades da organização, retroalimen-tação (feedback) e técnicas de melhoria da qualidade.

Esses autores apresentam, na obra citada, uma série de estudos de caso de inteligência competitiva em organizações de grande porte, como Procter & Gamble, IBM, Shell, Xerox, Motorola, Daimler-Benz Aeroespacial, Chevron e na antiga DEC (depois adquirida pela HP). Como essas empresas operam em mercados de alta tecnologia (tecnologia da informação e comunicação, transporte aéreo, prospecção de petróleo e fármacos), um novo termo é utilizado, adicionalmente, para caracterizar as ações de IC: monitoramento tecnológico, numa visão de veille technologique6. Os estudos mais paradigmáticos talvez sejam os da Shell, em que se buscou uma convergência entre inteligência competitiva e gestão de conhecimento; o da DEC, no qual a IC desencadeou um programa de reengenharia de processos; o da Daimler-Benz, no qual se executou análise de cenários; e o da Chevron, em que foram utilizadas técnicas de benchmark para avaliação de tecnologias concorrentes.

São inúmeros os benefícios organizacionais decorridos da prática de inteligência competitiva, principalmente como suporte às decisões estratégicas. Terra (2008a) menciona alguns em seu artigo: antecipação a movimentos da concorrência; detecção antecipada de tecnologias emergentes e de alto impacto estrutural; redução de custos com o aprimoramento do desempenho operacional; subsídios para estratégias de fusão e aquisição; melhoria da eficiência das ações de marketing; reavaliação constante das estratégias com a criação de cenários; desenvolvimento de fornecedores mais estratégicos e competitivos em custo; penetração em novos mercados.

Os benefícios advindos da prática de inteligência competitiva nas organizações são resultados de um trabalho árduo, tanto para sua implementação quanto para sua manutenção. Terra (2008b) também o compara a um trabalho de formiguinha, pois envolve a utilização constante de informações, bem como a colaboração e mobilização de grande número de pessoas da organização. A prática de inteligência competitiva nas organizações deve considerar, ainda, aspectos como governança, infraestrutura de tecnologia da informação e comunicação (TIC), taxonomia, cultura, postura ética, estratégia e dificuldade de obter informações.

 

CONCLUSÕES E QUESTÕES EM ABERTO

Os executivos convivem atualmente, nas organizações, com um paradoxo bastante estimulante para pesquisas no campo da ciência da informação: a abundância (ou inundação) de informações e a necessidade de informação útil para embasar processos de tomada de decisão. Com a globalização dos mercados e o advento da Internet e da Web o problema tem se agravado, aumentando a demanda por informação como arma na competição global das empresas, ao mesmo tempo em que mais e mais informações são publicadas na rede. Evidente, nesse cenário, surge a necessidade de seleção de informações úteis na inundação informacional, de modo a viabilizar processos de tomada de decisão nas "guerras econômicas".

A inteligência competitiva (IC), herdada de práticas milenares de governantes e militares na arte da guerra, apresenta-se como uma disciplina corporativa, exigindo tratamento epistemológico adequado para que apresente resultados positivos, ou rentabilização de fluxos de informação (SANTOS, 2000). A promoção da inteligência competitiva para o status de disciplina corporativa também implica a necessidade de encaixe (ou integração) de conceitos, algo baseado na visão de Bates (2005) na ciência da informação, pois existem iniciativas acadêmicas em linhas de pesquisas correlatas, como gestão da informação (GI), gestão do conhecimento (GC) e business intelligence (BI), nas quais a inteligência competitiva poderá ser aninhada sinergicamente, com potencial promissor de sínteses epistemológicas.

A necessidade de integração de conceitos se torna axiomática à medida que se assume como útil o modelo filosófico de inteligência competitiva de Sun Tzu, que recomenda, para o êxito na guerra, "conhecer a si mesmo e conhecer seu inimigo". Com esta premissa importada da inteligência militar milenar, a consequência lógica é que gestão da informação e gestão do conhecimento devem ser encaradas como ferramentas de inteligência competitiva, emprestando métodos e técnicas para rentabilização dos fluxos de informação na organização, tratando-se tanto de informações externas (resultado do monitoramento) como de informações internas.

Os desafios de pesquisa de inteligência competitiva na linha de gestão da informação e do conhecimento (Gico) são formidáveis, exigindo abordagens multidisciplinares que integram a estrutura epistemológica da ciência da informação. Contrariando visões superficiais sobre os ambientes de inteligência competitiva nas organizações, em que transparecem apenas abordagens das ciências sociais, como a administração e a psicologia, eis que surgem no núcleo dos modelos de composição metodológica, como ferramentas de suporte às atividades multidisciplinares da inteligência competitiva, as ciências duras (hard sciences) que suportam a inteligência artificial, como a lógica, a matemática e a ciência da computação.

Obras correlatas relativamente recentes, como as de Choo (2003), Davenport (2000), McGee e Prusak (1994), Porter (1986) e outros, oferecem insights poderosos para a elicitação dos problemas e construção de possíveis soluções para a inteligência competitiva. Questões interessantes se apresentam nesse novo cenário, tais como: qual será o perfil do gerente do futuro nas organizações com a consolidação de unidades de inteligência competitiva em suas estruturas e processos? Existirá um verdadeiro mercado de informações corporativas no futuro do mesmo modo como existe hoje um mercado de informações científicas e um mercado de notícias?

Outra questão interessante é bastante óbvia: como deverão ser estruturados os departamentos acadêmicos para tratar de temas multidisciplinares como inteligência competitiva? Ou, de modo ainda mais detalhado: qual deverá ser o perfil dos acadêmicos para atuar em pesquisas de inteligência competitiva nas universidades? Os atuais departamentos de CI nas universidades estão preparados para tratar de universos epistemológicos multivariados e complexos como inteligência artificial, teoria dos jogos e simulações computacionais, que constituem ferramentas metodológicas e tecnológicas da inteligência competitiva?

 

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Artigo submetido em 11/11/2008 e aceito em 06/09/2009.

 

 

1 Conhecimento é um conceito filosófico abordado desde a Antiguidade clássica por Platão e Aristóteles, por exemplo, mas nem sempre bem compreendido no ambiente das organizações. A obra de Hessen (1976) apresenta uma introdução conceitual que ilustra a problemática do conhecimento do ponto de vista fenomenológico, bastante útil para definições epistemológicas mais rigorosas do termo no ambiente acadêmico.
2 Tradução aproximada: Prestação de Serviços de Monitoramento e Prestação de Serviços de Implantação de Sistema de Monitoramento. 
3 Ciente da polêmica epistemológica sobre a possibilidade de gestão do conhecimento, Liebowitz (2006, p. 4) afirma acreditar nessa linha doutrinária, mas ao longo de sua obra percebe-se que sua abordagem é um tanto conservadora, apoiando sua visão de gestão do conhecimento em correntes mais centradas na gestão do capital humano e no uso de sistemas e tecnologias da informação para criar ambientes favoráveis ao aprendizado organizacional e individual. 
4 Inteligência suficiente. 
5 Tradução aproximada para o termo bum, do idioma inglês. 
6 Veille technologique: vigília tecnológica, uma abordagem francesa da inteligência competitiva.