Intervenção direta do Estado no domínio econômico como forma de amenizar os efeitos negativos da globalização


PorThais Silveira- Postado em 29 maio 2012

Autores: 
Fernanda Pettersen de Lucena

 

Resumo: O presente artigo se propõe a analisar alguns dos efeitos negativos decorrentes do processo de globalização econômica e como ela repercute nos Estados-Nações, fragilizando a capacidade de implementação de políticas públicas voltadas à solução dos assuntos internos, observando-se as particularidades de cada território. A proposta principal consiste em demonstrar como a intervenção direta do Estado no domínio econômico pode contribuir para a amenização dos efeitos negativos decorrentes da globalização econômica nos Estados subdesenvolvidos e em desenvolvimento, quando direcionada para investimentos em políticas públicas que atendam aos interesses nacionais, e não aos interesses da economia mundial e dos grandes conglomerados transnacionais.

Palavras-chave: Intervenção direta. Intervenção do Estado. Domínio econômico. Globalização econômica. Efeitos da globalização. Direito Econômico.

Abstract: This article intends to analyze some of the adverse effects of economic globalization process and how it affects the Nation States, weakening the capacity to implement public policies aimed at solving the internal affairs and observing the characteristics of each territory. The main purpose is to demonstrate how the direct intervention of the state in the economy issues can contribute to alleviating the negative effects of economic globalization in the underdeveloped and developing countries, when this effort is directed to investments in public policies, that serve national interests, and not the interests of the global economy and the transnational conglomerates.

Keywords: Direct intervention. State intervention. The economic domain. Economic globalization. Effects of globalization. Economic Law.


 

1 INTRODUÇÃO

            O tema proposto por este artigo: “Intervenção direta do Estado no domínio econômico como forma de amenizar os efeitos negativos da globalização”, pode ser problematizado na questão atinente à verificação de alguns dos efeitos negativos decorrentes da globalização econômica e de que forma a intervenção direta do Estado no domínio econômico pode contribuir para amenizá-los, considerando que eles enfraquecem a soberania nacional, na medida em que limitam o poder de decisão dos governos locais, bem como violam os direitos humanos, posto que o Poder Público que deveria instrumentalizá-los é relativizado.

            Como isto, procura-se contribuir para a tentativa de observar e tornar efetivos os objetivos fundamentais traçados pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 4º, a fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

2 INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO COMO FORMA DE AMENIZAR OS EFEITOS NEGATIVOS DA GLOBALIZAÇÃO

2.1 Breve histórico da intervenção do Estado no domínio econômico

A intervenção do Estado no domínio econômico não é um fenômeno recente na história da humanidade. Desde o mercantilismo o Estado já atuava na esfera econômica, na medida em que determinava as regras de importação e exportação, os impostos incidentes sobre as atividades produtivas internas, etc.

O incremento do comércio contribuiu para a Revolução Industrial, que trouxe consigo uma nova classe, a burguesia, que detinha o poder econômico, mas não o político, centralizado nas mãos do rei. Surge, assim, o Estado liberal, anunciado pela Revolução Francesa de 1789, em oposição ao Estado mercantilista regulador absolutista, o qual propunha uma abstenção do Estado em matéria econômica, valendo-se das premissas básicas da liberdade de iniciativa e concorrência, primazia da propriedade privada e garantia dos direitos individuais do homem. De acordo com a concepção liberal, as necessidades dos homens ditariam o comportamento do mercado, estabelecendo o que, como e para quem produzir, além dos preços dos bens e serviços, a distribuição das riquezas e o consumo.

Evidentemente, os ideais vislumbrados pelo Estado liberal não foram concretizados, dada a concorrência imperfeita entre agentes econômicos tão desiguais, o que gerou monopólios, oligopólios, cartéis, trustes, dumpings e outras formas arriscadas de configuração de uma ditadura do poder econômico. Consequentemente, muitas empresas faliram, levando ao aumento do desemprego e a insatisfações políticas que deixaram o modelo vulnerável a transformações.

Outro fato que contribuiu para motivar a mudança do modelo vigente, sugerindo a intervenção do Estado no domínio econômico, foi a exploração sofrida pelos trabalhadores nas fábricas, os quais eram maltratados e desprovidos de quaisquer direitos

As insatisfações e revoltas geradas pelo modelo liberal, que não cumpriu as premissas básicas que o davam forma, levaram alguns povos à criação de um novo tipo de Estado, o socialista, inspirado nas obras de Karl Marx, Friedrich Engels e outros. Segundo as concepções desse modelo, o Estado deveria ser o grande proprietário dos meios de produção e comandante supremo da vida econômica, a fim de que não houvesse mais classes sociais, exploração humana pelo capital, mais-valia e propriedade privada.

Com o advento das duas Grandes Guerras e da Guerra Fria, o Direito Econômico foi confundido com o Direito de Guerra, prevalecendo, em tal época, o dirigismo econômico, retratando pelas intervenções econômicas realizadas pelos regimes fascista e nazista da Itália e Alemanha, os planos quinquenais soviéticos e o New Deal americano. O Estado Social, construído após a Segunda Guerra Mundial para salvar o capitalismo e minimizar suas chagas sociais, entra em crise nos últimos 30 anos do século XX, basicamente em razão das crises mundiais do petróleo na década de 70, e do fim da Guerra Fria, na década de 90, fenômenos estes que contribuíram com a globalização.

2.2 Formas de intervenção do Estado no domínio econômico

Citando Bernard Chenot, o professor Giovani Clark (2001) classifica a intervenção do Estado no domínio econômico em direta, indireta e mista. Com relação à primeira, ele informa que:

A intervenção direta é realizada quando o Estado cria as chamadas empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) para atuarem no domínio econômico, como agentes, concorrendo com os particulares ou detendo o monopólio; ou, ainda, quando o Estado cria as agências reguladoras para regularem e fiscalizarem serviços e atividades econômicas. Essa modalidade de intervenção pode ser também denominada Direito Institucional Econômico. (CLARK, 2001, p. 33)

A intervenção indireta, por sua vez, ocorre quando o Estado age na vida econômica por intermédio de normas jurídicas, regulando a atividade econômica mediante exercício de suas funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174, caput, CR/88).

Finalmente, a intervenção mista “[...] ocorre quando o Estado cria normas para regulamentar as medidas de política econômica de algum setor e, paralelamente, cria empresas estatais, que podem atuar em regime de monopólio, ou não.” (CLARK, 2001, p. 33).

2.3 Previsão da atuação direta do Estado no domínio econômico como medida excepcional em nossa Constituição Federal de 1988

Somente em casos excepcionais é que o Estado pode intervir na economia, a saber, quando haja relevante interesse coletivo ou por imperativos de segurança nacional, definidos em lei (art. 173, caput, CR/88). Ademais, a intervenção do Estado exige o atendimento de algumas regras, dentre as quais se destacam:

a)    não pode haver forma empresarial específica para o Estado, devendo-se observar aquelas previstas em lei (art. 173, § 1º, CR/88);

b)    as empresas estatais só podem assumir duas formas, a de empresa pública - que pode adotar qualquer forma societária prevista no Código Civil, exceto a Sociedade Anônima - ou a de sociedade de economia mista - que somente pode adotar a forma de Sociedade Anônima - sendo que, em ambos os casos, o Estatuto será criado por lei;

c)    o Estado, atuando como empresa pública ou sociedade de economia mista, não pode ter benefícios fiscais que não tenham sido concedidos ao setor privado concorrente (art. 173, § 2º, CR/88);

d)    como sociedade de economia mista, o Estado deve necessariamente abrir seu capital.

2.4 Poder econômico e globalização

Segundo Alberti e Siqueira (2004), “no plano econômico, a globalização caracteriza-se pela desnacionalização financeira com intensa mobilidade internacional do capital [...]”, enquanto no plano político, traduz a “[...] perda de autonomia do Estado nacional, uma vez que a globalização conduz a uma concentração significativa do poder econômico decorrente do poder de decisão”, poder este que se concentra nas mãos de um pequeno grupo de empresas transnacionais e de instituições econômicas mundiais.

Os agentes econômicos, promotores da globalização, pregam a prevalência da lei do mercado, em oposição à intervenção estatal em matéria econômica. As intervenções que forneçam lucros em longo prazo não são prioridade dos financiadores, que as deixam por conta do Estado, a fim de que este se endivide cada vez mais, o que contribui para a sua dependência frente aos mercados financeiros. Ademais, conforme informam Alberti e Siqueira (2004), esse endividamento “[...] monopoliza os recursos financeiros em detrimento do desenvolvimento econômico, pressionando assim as taxas de juros para cima, para maior benefício aos credores”.

Conforme acentua Clark:

Nos últimos dez anos do século XX sonhar ou discutir sobre a intervenção do Estado no domínio econômico tem sido praticamente uma heresia no mundo ocidental. O modelo de economia de mercado saiu vencedor, e o importante foi e ainda é a globalização e a formação dos blocos econômicos para possibilitar a integração econômica das nações, a fim de viabilizar a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais. A intervenção é imprestável à nova realidade. A dita globalização é uma via de mão única, onde os benefícios e as riquezas são acumulados apenas para as nações desenvolvidas à custa da exploração, da miséria e das mortes nas nações em desenvolvimento (CLARK, 2001, p. 33)

A redução da intervenção do Estado no domínio econômico fortaleceu a construção de uma ditadura global do poder econômico privado, cujo objetivo primordial é a obtenção de lucros, e implantou o caos socioeconômico nos países em desenvolvimento.

Continua Clark:

Modernamente, são inúmeras as causas que justificam a intervenção: a compatibilização do desenvolvimento econômico com a preservação dos bens da natureza; o desemprego estrutural; a evolução tecnológica; o incentivo ou o controle das concentrações econômicas por parte do capital nacional e/ou internacional; o combate às disparidades regionais; o incremento às pequenas e microempresas etc. (CLARK, 2001, p. 23)

Portanto, é imprescindível que haja intervenção direta do Estado no domínio econômico, e que esta intervenção tenha o intuito de amenizar os efeitos produzidos pela economia de mercado, mediante instituição de políticas públicas de investimento na educação, na saúde, bem como naquelas voltadas à dilatação da empregabilidade, posto que, em face da globalização, da concentração econômica e da máquina inteligente, o aumento da produção e do consumo não significa mais a expansão dos postos de trabalho.

Giovani Clark (2001, p. 30) ainda fala na realização de políticas públicas que visem ao estabelecimento do “[...] desenvolvimento econômico de forma compatível com a preservação da natureza; estabelecendo normas premiais para reduzir as desigualdades regionais ou para a produção de bens e serviços básicos destinados à população pobre; estimulando ações diretas para garantir os direitos humanos básicos para certas classes sociais.”

O fenômeno da globalização transmite a falsa ideia de que as soluções dos problemas econômicos e sociais são universais, globais, ditadas de cima para baixo pelos organismos internacionais, os quais seriam controlados pelas nações desenvolvidas e pelo poder econômico privado internacional. Com isso, tem-se a equivocada impressão de impotência e incapacidade dos Estados nacionais na resolução dos problemas internos. Esquecemo-nos, ainda, que cada território abarca suas próprias peculiaridades e que as soluções para os problemas das grandes nações desenvolvidas não seriam de modo algum aplicáveis aos assuntos locais, porque os contornos e a própria essência da problemática que envolve a Nação brasileira em nada se assemelha aos vivenciados pelas nações desenvolvidas. Desse modo, não temos que imitar modelos preestabelecidos por outras nações, de acordo com as suas realidades, absolutamente divergentes da nossa, mas sim criar os nossos próprios modelos de desenvolvimento sustentável, consoante as nossas condições econômicas, sociais, políticas, culturais, tecnológicas, religiosas, climáticas e geográficas.

A crescente transnacionalização da economia limita o poder de decisão do governo nacional, enfraquecendo a própria soberania da Nação (art. 170, I, CR/88), criando “sugestões” para a tomada de decisões, por meio de organizações multilaterais, dentre as quais se destacam o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Reforça Clark afirmando que:

[...] a paz mundial não está mais ameaçada por dois blocos econômicos antagônicos, como no passado, mas sim pela pobreza, pela destruição da natureza, pelas desigualdades sociais e a exclusão econômica das maiorias. Temos, no mundo, “ilhas de prosperidade” e oceanos de miséria, gerando insegurança e injustiças. Essas diferenças brutais somente podem ser remediadas ou “solucionadas” através de políticas econômicas voltadas para o desenvolvimento sustentável, sobretudo a dos Poderes Locais, logicamente, de acordo com as necessidades e peculiaridades da comunidade, deixando de lado as fórmulas mágicas dos colonizadores pós modernos. (CLARK, 2001, p. 172)

Segundo José Eduardo Faria (1997), a globalização econômica é uma instância privilegiada de regulação social que reduz as sociedades a meros conjuntos de grupos e mercados unidos em rede, levando ao esvaziamento do controle dos atores nacionais, cada vez mais condicionado por equilíbrios macroeconômicos que passaram a representar um efetivo princípio normativo responsável pelo estabelecimento de determinados limites às intervenções reguladoras e disciplinadoras dos governos.

Considerando que os direitos humanos são inseparáveis das garantias fundamentais, e que estas somente podem ser instrumentalizadas por meio do próprio Poder Público, não há possibilidade de os direitos humanos se efetivarem quando o Poder que os instrumentaliza é relativizado pelo fenômeno da globalização.

Apregoa Faria, acerca da globalização econômica:

Como o avanço desse fenômeno está aprofundando a desigualdade e a exclusão, uma vez que os ganhos de produtividade em grande parte têm sido obtidos às custas da degradação salarial, da informatização da produção e do subsequente fechamento dos postos de trabalho convencional, a simbiose entre marginalidade econômica e marginalidade social obriga as instituições jurídicas do Estado-nação a concentrar sua atuação na preservação da ordem, da segurança e da disciplina. Com a globalização econômica, em outras palavras, os excluídos dos mercados de trabalho e consumo perdem progressivamente as condições materiais para exercer os direitos humanos de primeira geração e para exigir o cumprimento dos direitos humanos de segunda e terceira geração; tornam-se supérfluos no âmbito do paradigma vigente, passando a viver sem leis protetoras efetivamente garantidas em sua universalidade. Condenados à marginalidade socioeconômica e, por consequência a condições hobbesianas de vida, eles não mais aparecem como portadores de direitos subjetivos públicos. Nem por isso, contudo, são dispensados das obrigações e deveres estabelecidos pela legislação. Com suas normas penais, o Estado os mantém vinculados ao sistema jurídico basicamente em suas feições marginais, ou seja, como transgressores de toda natureza. Diante da ampliação das desigualdades sociais, setoriais e regionais dos bolsões de miséria e guetos quarto-mundializados nos centros urbanos, da criminalidade e da propensão à desobediência coletiva, as instituições judiciais do Estado, antes voltadas ao desafio de proteger os direitos civis e políticos e de conferir eficácia aos direitos sociais e econômicos, acabam agora tendendo a assumir funções eminentemente punitivo-repressivas. (FARIA, 1997, p. 50)

Complementando a lição de Faria, Alberti e Siqueira afirmam que:

O mercado tornou-se a matriz estruturadora da vida social e política da humanidade, sobrepondo-se às fronteiras nacionais, e suas "virtudes" são recuperadas como valor universal, e não mais como identidade nacional. Quem comanda a economia global é cada vez mais o mercado financeiro, pois, em última análise, são as grandes corporações, e não os governos, que decidem sobre o câmbio, taxa de juros, rendimento da poupança, dos investimentos, preço das commodities. Dessa forma o que é decisivo para a autonomia das políticas nacionais é a forma e o grau de dependência em relação aos mercados financeiros sujeitos à instabilidade das expectativas (ALBERTI. SIQUEIRA. 2004)

Não se tem a intenção de defender a extinção da intervenção indireta do Estado no domínio econômico, nem tampouco de pregar a ditadura da intervenção direta, em uma postura comunista, mas sim de demonstrar que a intervenção direta, autorizada como medida excepcional pela Constituição Federal de 1988, deve ser direcionada no sentido de amenizar e, quiçá, neutralizar, os efeitos negativos causados pela globalização.

3 CONCLUSÃO

A globalização promove o enfraquecimento da soberania nacional, na medida em que limita o poder decisório dos governos locais, que ficam adstritos às sugestões impostas pelos conglomerados transnacionais, sem observar as peculiaridades dos seus territórios e não se dão conta de que as soluções não são e nem podem ser globais, dadas essas mesmas peculiaridades.

Ademais, a globalização prejudica a efetivação dos direitos humanos, vez que o Poder Público que os instrumentaliza é relativizado em razão desse fenômeno.

Desse modo, as desigualdades sociais são agravadas, aumentando-se o grau de marginalização socioeconômica, posto que os agentes econômicos que atuam no âmbito privado visam apenas à obtenção do lucro.

Uma intervenção direta do Estado no domínio econômico, direcionada para investimentos em saúde, educação e dilatação da empregabilidade, atendidos sempre os interesses nacionais, seria uma forma de combater os efeitos negativos decorrentes da globalização econômica.

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Raquel Lorensini. SIQUEIRA, Holgonsi Soares Gonçalves. A autonomia do Estado no processo de globalizaçãoIn Revista do CCEI - Centro de Ciências da Economia e Informática. Vol. 08 - N º 13 - Março de 2004 - URCAMP - Bagé – RS. Disponível em <www. angelfire.com/sk/holgonsi/raquel2.html> Acesso em 22 de maio de 2012.

CLARK, Giovani. O Município em face do Direito Econômico. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

FARIA, José Eduardo. Direitos humanos e globalização econômica: notas para uma discussão. P. 43 a 53. In: Estudos Avançados. Disponível em <www. scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a04.pdf> Acesso em 22 de maio de 2012. 1997.