INVESTIGAÇÃO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA - PARECER JURÍDICO


PorEulampio- Postado em 09 julho 2015

Autores: 
EULÂMPIO RODRIGUES FILHO

INVESTIGAÇÃO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA

Parecer Jurídico

 

 

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU

Doutor em Direito

Pós-Doutor em Direito

Advogado

 

 

 

Temática: Ação de Investigação de Maternidade com esteio em alegação de Socioafetividade. Falta de amparo jurídico para a propositura de ação com situação factual ainda no campo da pesquisa científica e dos debates inconclusivos. Essa inconcludência reclama uso do princípio da precaução no trato da «quaestio», tendo em conta o risco cuja amplitude ou conseqüências não têm sequer como ser quantificadas para sustentação de idéias, e sobretudo, de preceitos.

 

 

Síntese dos fatos

 

Em março de 2014 FX ajuizou contra parentes de MA, já falecida, maior, solteira, uma Ação de Reconhecimento de Maternidade Socioafetiva, combinada com Petição de Herança.

A «causa petendi» estancia em narrativa de fatos ditos começados quando a autora, com X anos de idade teria mudado sua residência para a fazenda de MA, tornando-se sua empregada doméstica.

Empós afirma que ao correr do tempo a patroa passou a tratá-la com o carinho de u’a mãe, exibindo fotos de família da investigada, que em verdade não revelam situação especial da requerente diante de seus sobrinhos e afilhados, que também apareceram nas fotos.

Dois anos antes de falecer, a investigada firmou testamento público legando bens exclusivamente a dois sobrinhos.

A autora imprime seu pensamento de molde a pretender assegurar que o Direito brasileiro vem se desenvolvendo no sentido de atender a anseios sociais, e que, atentando para o «ângulo imensamente social», deve-se, por isto, levar em conta, indiferentemente, para o reconhecimento da relação filial, o elo biológico «ou» o invocado «sentimento de amor» contido na relação entre pessoas estranhas.

Requer a citação dos requeridos e à causa atribui valor de R$ - 10.000,00.

Os parentes da investigada solicitam análise da questão e nosso pronunciamento apropositado.

 

Fundamentação

 

Não padece dúvida de que a mãe registral (biológica) da autora, viva ainda, é parte que deveria ter sido citada no presente caso.

De fato, essa é a posição do Egr. Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a condição de interessada à mãe registral:

 

«É litisconsorte passivo necessário o pai registral, cuja citação é de ser efetivada como interessado no desfecho da lide. Recurso especial conhecido, em parte, e provido parcialmente.» (REsp 402.859/SP, Rel. Min.Barros Monteiro, DJ de 28/03/2005).

 

Advento de lei nova, «em tese»

 

Nos países democráticos há normalmente exigência de comunicação e orientação popular quando um projeto de lei envolve relevantes interesses da nação, não estando as pessoas familiarizadas com a novel idéia.

O método mais eficaz para educação e informação envolve conscientização da sociedade sobre a hipotética lei nova, no caso, com apresentações públicas, conferências, palestras, debates, tudo relatado para os estudos a propósito.

Há de haver participação popular na tomada de consciência de mudanças de tal modo importantes.

A prudência sempre repeliu a inovação radical, em que a lei completamente nova, concebida, aprovada e publicada de modo a provocar, surpreendentemente ruptura com regimes legais até então existentes.

E, a pretensa forma de se quebrar paradigmas traz consigo grandes incertezas, e foge ao propósito dos povos civilizados contemporâneos.

De fato, as alterações a envolver mudanças culturais de um povo, i.e., nos valores, atitudes, normas, comportamento e crenças, não se processam sem que sejam submetidas ao profundo conhecimento, julgamento e crítica da sociedade.

De recordar, permite-se dizer, que há forte insatisfação geral no Brasil, em razão de se haver aprovado o novo Código de Processo Civil, sem que os Tribunais, as universidades e a população tomassem conhecimento suficiente do seu conteúdo, com tempo e vez para examiná-lo, apreciá-lo e colaborar com o aperfeiçoamento do projeto.

A aplicação desse Código de Processo irá revelar os efeitos da sofreguidão com que o produziram, pois, trata-se de obra inopiosa, equivocada e retrógrada, em certos pontos.

No que diz sobre a «filiação», a jurisprudência brasileira, em parte, e a doutrina inovadora vêm criando a socioafetiva decorrente de convivência entre pessoas, como razão para, à míngua de lei, reconhecê-la pela via de contemplação de artifícios imaginários.

Ao contrário do que se imagina correto para a Lei, como se viu supra, alguns pretórios e estudiosos vêm elaborando argumentos, lançando-os em julgamentos totalmente à margem do sistema jurídico do país, e isso vem fluindo à revelia da sociedade, ocorrendo amiúde, surpreendentes ajuizamentos de ações contra investigados e herdeiros absolutamente desarmados.

Ora, a propósito a Lei civil brasileira em vigor (Código Civil, art. 1.605), tal como a revogada (Código Civil de 1916) prevê, no caso de ausência ou de erro no assento de nascimento do cidadão, correção mediante apresentação de começo de prova escrita ou existência depresunções veementes.

Todavia, para as hipóteses de filiação diversa das previstas legalmente (biológica e por adoção) não há uma autorização legal para reconhecimento, e as chamadas presunções veementes carecem de normatização, «data venia».

Inexistindo Lei publicada, criadora de vínculo jurídico imutável de tal importância entre pessoas, como no caso «sub examine», sem haver consentimento, e sendo restrito o efeito da jurisprudência, esta não tem ainda poder de forçar acolhimento de semelhante desiderato, por não ser de caráter geral e de presumido conhecimento.

Daí por que a tese de que se há de dotar o tratamento do tema de flexibilidade tal, ao ponto de se emprestar aos fundamentos da teoria da filiação socioafetiva as regras da filiação biológica afigura-se aventuresca e improsperável.

De fato, a chamada verdade sociológica poderia sobrepor-se à verdade biológica e mesmo à jurídica, como se deseja, mas para isto ela haveria de existir pelo menos, como verdade sociológica para tanto, em nível de apotegma, ao contrário da situação atual.

A garantia constitucional da publicidade dos atos não admite, à evidência, mitigações que importem restrição ao direito de se conhecer do ato que «arbitrariamente» venha a ser vinculado o cidadão.

G. Glotz, «in» La Ciudad Grega, México, Uteha, 1957, pág, 196, trad. de Almoina, e também Cantarella & Biscardi lembram que para o procedimento que se atribuia às ações, já na Grécia antiga exigiam-se perfeito equilíbrio entre o poder público e a garantia individual.

Daí por que, historicamente é dado como irremediavelmente nulo o processo em que a própria parte tenha sido impedida de conhecer dos termos do que se quer opor arbitrariamente a seus descendentes ou sucessores.

O princípio da publicidade, regulado expressamente na Constituição Federal de 1988 (art. 93, IX) reflete o Direito da parte, de ter sempre ciência dos atos que lhe serão arrostados DE SURPRESA ou não, de modo a constituir uma política indispensável à administração, sobretudo para que se evite busca no futuro, de uma realidade que nunca existiu.

De fato, um dos princípios da Administração Pública é o da publicidade, contido no caput do art. 37 da CF:

 

«Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade.»

 

Evidente que a norma fundamental não se conforma com «publicidade qualquer», mas efetiva.

E, se a produção da lei requer amplo conhecimento de parte da sociedade, muito mais se diz com relação a situações de fato conhecidas por menos de 1% da população, como ocorre com pretensas relações decorrentes de socioafetividade.

Mas voltando ao caso concreto, tem-se que ao longo de sua vida a investigada jamais quis praticar atos de reconhecimento juridicamente considerados de última vontade, ou qualquer ato oficial visando a reconhecer pelas vias legais a autora como filha, vez que há cerca de um ano firmou testamento público contemplando seus sobrinhos, sem referir-se à requerente.

Se a vontade a ser aferida em pleito desta natureza é a da investigada, dos seus parentes, essa era de ter sido levada ao crivo do Judiciário enquanto viva, sendo ato desleal, levado a cabo de má-fé, o aguardo de sua morte para buscar a declaração judicial substitutiva somente empós de sua defunção, visivelmente para efeitos patrimoniais.

 

«APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA. Se a prova refletida nos autos evidencia que o de cujus jamais buscou a paternidade, ainda que adotiva, em relação ao autor, o que seria evidência inconteste da paternidade sócioafetiva, e, muito pelo contrário, demonstra a carga deveras belicosa da relação sob análise, deve ser mantida a sentença de improcedência». NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70026287029, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 15/01/2009).

 

«APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. HIPÓTESE TÍPICA DE ‘FILHO DE CRIAÇÃO’ NÃO ADOTADO QUANDO AINDA EM VIDA PELOS ‘PAIS DE CRIAÇÃO’. DECLARAÇÃO PARA FIM EXCLUSIVO AO DIREITO SUCESSÓRIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CARÊNCIA DA AÇÃO INTERPOSTA. Criança que, com pouco mais de um ano de idade foi dada para criação em outra família, desvinculando-se da família biológica. A condição de ‘filho de criação’ não gera qualquer efeito patrimonial, nem viabiliza o reconhecimento de adoção de fato. O vínculo afetivo só pode conferir efeito jurídico quando espontâneo e voluntariamente assumido. Hipótese não ocorrida no caso dos autos, em que autora busca ver reconhecida a filiação sócioafetiva em relação aos falecidos pais de criação com o intuito exclusivamente patrimonial. Recurso desprovido». (Apelação Cível Nº 70028442630, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 22/07/2009).

 

Doutra parte, a atuação para reconhecimento da filiação socioafetiva exigiria mais do(a) julgador(a) que meras presunções indicatórias de sentimento íntimo próprio de pai ou de mãe, ao ponto de não se contentar com menos que intuição ou mesmo capacidade para comandar a consciência do investigado, pois a prova meramente testemunhal seria totalmente inoperante em caso dessa natureza, porque isso dependeria da expressão subjetiva, divinatória, dos depoentes.

Diante do exposto, conclui-se que à falta de Lei para reger a «quaestio», e tendo a autora revelado à escâncaras que o propósito é absorver o patrimônio deixado pela investigada, ostenta-se evidente a carência de ação ou a improcedência do pedido.

Este o parecer, s. m. j.