A legalização da eutanásia no Brasil


Pormarina.cordeiro- Postado em 26 março 2012

Autores: 
LIMA NETO, Luiz Inácio de

I – DA EUTANÁSIA

1. Antecedentes Históricos

A discussão a cerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia apareceu, em primeiro plano, na Grécia Antiga, de modo que encontramos em Platão, Epicuro e Plínio os primeiros filósofos a abordarem o tema. Platão em sua República estabelece conceitos de caráter solucionador patrocinando o homicídio dos anciões, dos débeis e dos enfermos. Igualmente, Sócrates (1) e Epicuro defendiam a idéia de que o sofrimento resultante de uma dolorosa doença justificava o suicídio. Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates (2), ao contrário, condenavam o suicídio. Apesar da falta de unanimidade entre os filósofos, os antigos praticavam a eutanásia em larga escala.

Na Grécia Antiga, era freqüente a prática da eutanásia entre os cidadãos cansados da carga do Estado e da existência. Vinham até a um magistrado e expunham as razões que os levavam a desejar a morte e, se o juiz entendesse suficiente, autorizava.

Em Esparta, era comum, a fim de evitar qualquer sofrimento ou vir a tornar-se carga inútil, a precipitação do alto do Monte Taijeto de recém-nascidos malformados (para alguns autores, chegava até ser obrigatória) por serem imprestáveis para a comunidade. Na mentalidade, o espírito bélico se sobrepunha a qualquer sentimento ou laço familiar, "onde todo filho ´macho´ era visto sob o aspecto militar. Ao Estado era dispensado manter uma criança que não lhe fosse útil. Para a família era vergonhoso possuir um rebento incapacitado para as glórias da guerra" (3). Vale salientar que em Esparta o homicídio não era considerado crime, desde que praticado em honra de deuses e o assassinato dos velhos era uma obra de piedade filial quando muito pedido por eles mesmos.

Em Atenas, o Senado tinha poderes absolutos de facultar a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes bebida venenosa ("conium maculatum") em cerimônias e banquetes especiais.

As discussões não ficaram restritas apenas a Grécia. Cleópatra VII (69aC-30aC) criou no Egito uma "Academia" para estudar e realizar experiências sobre as formas de morte menos dolorosas.

Na Índia Antiga, os doentes incuráveis ("os inúteis" em geral) eram atirados publicamente ao Rio Ganges, depois de obstruídas a boca e as narinas com um pouco de barro, uma espécie de lama sagrada – sempre arrumavam um motivo justo para essas execuções, geralmente com o intuito de apaziguar a cólera divina. Os Brâmanes tinham por lei matar ou abandonar nas selvas os recém-nascidos que padeciam de má índole e velhos enfermos, sendo considerados inaproveitáveis para a sociedade, imprestáveis aos interesses do grupo (4).

Os Celtas, além de matarem as crianças deformadas, eliminavam também os idosos (seus próprios pais quando estes se encontravam velhos e doentes), uma vez que os julgavam desnecessários à sociedade, tendo em vista que os mesmos não contribuíam para o enriquecimento da nação (5).

Os Germanos matavam os enfermos. Na Birmânia, eram enterrados vivos os doentes incuráveis, enquanto que os Eslavos e Escandinavos apressavam a morte de seus pais que padeciam em enfermidade.

Em Roma, era comum lançarem-se ao mar os deficientes mentais. O Imperador romano Júlio César decretou que os gladiadores feridos de morte, depois do combate no circo romano, fossem mortos se os césares voltassem o polegar para baixo (pollice verso - o polegar para baixo dos césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos, que tardavam morrer, evitarem a agonia e o ultraje) para não prolongar a agonia, o que equivalia, segundo Giuseppe Del Vecchio, à prática eutanásica. Os gladiadores mortalmente feridos nos combates viam, portanto, abreviados os sofrimentos pela compaixão real.

Fustel de Coulanges observa que, em Roma, segundo Paulo Lúcio NOGUEIRA: "O Estado tinha o direito de não permitir cidadãos disformes ou monstruosos. Por conseqüência, ordenava ao pai a quem nascesse semelhante filho que o matasse" (6).

Ainda em Roma, os condenados à crucificação tomavam uma bebida que produzia um sono profundo, para que não sentissem as dores dos castigos e iam morrendo lentamente.

Referindo-se às passagens bíblicas, alguns teólogos atribuem à morte do Rei Saul, de Israel, como sendo a primeira prática de eutanásia da história. Ferido na batalha e a fim de não cair prisioneiro, Saul lançara-se sobre a sua espada e, já ferido, pedira a um amalecita (ou amalequita) que lhe tirasse a vida (7).

O supramencionado exemplo bíblico não serve de paradigma para a imposição da prática da eutanásia. No referente episódio bíblico, o rei Davi revela sua total repulsa à eutanásia, no instante em que sentenciou de morte o mesmo amalecita que por piedade matara o rei Saul, no monte Gelboe, por ter ousado tirar a vida do "ungido" de Deus, mesmo depois de ter entregado a coroa e o bracelete roubados. Os ungidos eram intocáveis e Davi os respeitava.

O próprio Cristo, o patriarca máximo da obediência e da submissão, no Calvário foi submetido aos suplícios da crucificação. Segundo Cícero, deram-lhe de beber vinagre e fel, chamado "vinho da morte", mas ele, provando a mistura, não a quis tomar. Apesar da denominação "vinho da morte", há quem afirme que o gesto dos guardas judeus de darem a Jesus uma esponja embebida de tal mistura, antes de constituir ato de zombaria e crueldade, teria sido uma maneira piedosa de amenizar seu sofrimento, numa atitude de extrema compaixão. Segundo Dioscorides, esta substância "produzia um sono profundo e prolongado, durante o qual o crucificado não sentia nem os mais cruentos castigos, e por fim caía em letargo passando à morte insensivelmente".

Na Idade Média, os guerreiros feridos em combates eram sacrificados – ato de "misericórdia" – mediante golpes de punhal muito afiado introduzido na articulação, por baixo do gorjal da armadura, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra.

As populações rurais norte-americanas, que, devido aos fatores ambientais, eram nômades, sacrificavam enfermos e anciãos para não os abandonar ao ataque de animais selvagens.

Até o ano de 1600, conta-nos Lombroso que na Suécia velhos e doentes incuráveis eram mortos por seus próprios familiares.

A discussão sobre o tema prosseguiu ao longo de toda a história da humanidade, com a participação de Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (Of suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia), Schopenhauer, Immanuel Kant, entre outros.

Segundo o mestre Afrânio Peixoto, "na Utopia, o país ideal de Thomas Morus, havia magistrados incumbidos de informarem a incuráveis e débeis, aleijados e inúteis, que se deviam eliminar ou serem eliminados: uns deixavam-se morrer de fome, outros eram mortos, no sono". Desta forma, todos os que se sentiam inúteis deveriam se autodestruir, como um meio de ajudar a sociedade a progredir economicamente. Por outro lado, para Immanuel Kant a vida não vale para si mesma, mas em função de um projeto de vida com liberdade e autonomia. A eutanásia está justificada se permitir a base material para uma vida merecedora.

É imperioso frisar o caso de Napoleão Bonaparte na campanha do Egito, onde o "gênio da guerra" pediu ao médico Desgenetes que matasse os 3 ou 4 soldados atacados pela peste, moribundos e irremediavelmente perdidos, tendo o cirurgião respondido: "Mon devoir a moi c’est de conserver" ("o médico não mata, sua função é curar").

A eutanásia atingiu o seu apogeu na Prússia em 1859 durante a discussão do seu plano nacional de saúde, quando foi proposto que o Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para solicitá-la.

Em 1884, Enrique Ferri imprimira um trabalho sugestivo, publicado no Arquivo de Lombroso, intitulado "L´omicidio-suicidio" em que aborda a responsabilidade jurídica daquele que dá a morte a outro com seu consentimento.

No Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, mas também no Rio de Janeiro e em São Paulo, inúmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935.

No século XX, durante as décadas de 30 e 40, a discussão sobre o tema eutanásia realizava-se de modo equivocado, como forma de eliminar deficientes, pacientes terminais e portadores de doenças consideradas indesejáveis. Nesses casos, o que se denominou de eutanásia, na realidade, era homicídio. A justificativa se amparava na associação, especialmente na Europa, da eutanásia com eugenia. (8)

Nessa esteira, durante a segunda guerra mundial (outubro de 1939), a Alemanha Nazista implantou, através de Hitler, a"Aktion T 4", que era um programa de eliminação de recém-nascidos e crianças pequenas, até 3 anos, com retardo mental, deformidades físicas e outras condições limitantes consistindo em um dever de médicos e parteiras notificar a autoridade sanitária a verificação de tais casos examinados por uma junta médica de três profissionais procedendo-se à eliminação somente quando houvesse unanimidade.

O programa repentinamente se estendeu para adultos e velhos portadores de esquizofrenia, epilepsia, desordens senis, paralisias que não respondiam a tratamento, sífilis, retardos mentais, encefalite, doença de Huntington e outras patologias neurológicas, incluindo-se também os pacientes internados a mais de 5 anos ou criminalmente insanos. Com o lema de "purificação da raça", foram acrescidos os critérios de não possuir cidadania alemã, ou ascendência alemã, discriminando especialmente negros, judeus e ciganos. Em 3 de agosto de 1941, um sermão do bispo católico Clemens von Galen denunciou contundentemente o extermínio, levando devido às repercussões deste sermão, Hitler, em 23 de agosto do mesmo ano, a suspender a Aktion T 4 (9).

A Igreja Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária à eutanásia por ser contra a "lei de Deus". No entanto, em 1957, o Papa Pio XII, numa alocução a médicos, aceitou a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito secundário à utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis. (10)

Admitida na Antiguidade através dos costumes, a eutanásia foi condenada incisivamente tão-somente a partir do judaísmo e do cristianismo, em cujos princípios à vida tinham o caráter sagrado. No entanto, foi a partir do sentimento que cerca o direito moderno que a eutanásia tomou caráter criminoso, como proteção irrecusável do mais valioso dos bens: a vida. Devido a esse caráter criminoso, diante do redimensionamento de valores e de ideais, é que a comunidade internacional se prostra em face da questão da legalização da eutanásia, que será desenvolvida no presente trabalho tendo como principal referência o ordenamento jurídico brasileiro.

2. Etimologia

O termo foi criado no século XVII (em 1623) pelo filósofo Francis Bacon, em sua obra "Historia vitae et mortis", como sendo o "tratamento adequado as doenças incuráveis", significando, portanto, eufemisticamente, uma "boa morte". A palavra eutanásia traz sua construção semântica dividida em "Eu" (que significa "boa" ou "bem") e "thanatos" ou "thanasia" (que significa morte). O vocábulo eutanásia deriva do grego "eu" + "thanatos" (duas palavras gregas na sua etimologia) que tem por sentido literal

Define-se como sendo uma teoria segundo a qual será lícito apressar a morte dos doentes incuráveis, para lhes evitar o sofrimento da agonia. Por eutanásia entende-se quando alguém causa deliberadamente a morte de outrem que está mais fraco, debilitado ou em sofrimento. Neste último caso, a eutanásia seria utilizada para evitar a distanásia, que, segundo Maria Celeste SANTOS, seria o seu antônimo, definida como morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento. (11)

O termo eutanásia é muito amplo e pode ter diferentes interpretações no instante em que designa toda a ação que vise deliberadamente provocar a morte de uma pessoa doente, revestindo-se tal definição de neutralidade, sendo ajustável a diferentes perspectivas, como a proposta no século XIX, pelos teólogos Larrag e Claret, em seu livro "Prontuários de Teologia Moral", publicado em 1866. Eles utilizavam eutanásia para caracterizar a "morte em estado de graça". Dentre inúmeras designações, destacamos: "a morte sem sofrimento e indolor" ou, ainda, "... morte fácil e sem dor", "morte boa e honrosa", "morte tranqüila", "alívio da dor", "golpe de graça", "morte apropriada", "homicídio por piedade", "morte direta e indolor", "morte suave", "morte harmoniosa", "morte sem angústia, feliz", revelando idéia de morte, piedosa, altruísta, caridosa.

Para Milton Schmitt tem um sentido mais amplo, abrangendo outras modalidades: "O termo Eutanásia, hodiernamente passou a ser utilizado para designar a morte deliberada de uma pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, sendo vista como meio para suprir a agonia demasiadamente longa e dolorosa do, então chamado, paciente terminal. Porém, seu sentido ampliou-se passando a abranger o suicídio, a ajuda em nome do Bom Morrer, ou Homicídio Piedoso" (12).

"Em Medicina legal e Direito Penal, assim denomina o homicídio, por motivos de piedade, contra doente desenganado ou portador de doença incurável". (13)

No vernáculo correto – e também na pronúncia – o termo correto é eutanasia, mas o costume e a prática têm ditado o contrário, ou seja, eutanásia, assim como necrópsia e necropsia, e tantos outros termos semelhantes.

3. Conceito

Segundo a medicina, a eutanásia consiste em minorar os sofrimentos de uma pessoa doente, de prognóstico fatal ou em estado de coma irreversível sem possibilidade de sobrevivência, apressando-lhe a morte ou proporcionando-lhe os meios para consegui-la. Este fato típico é realizado em virtude de relevante valor moral, que diz respeito aos interesses individuais do agente, entre eles os sentimentos de piedade e compaixão.

Ricardo Royo-Vilanova y Morales, conforme citado pela Enciclopédia Saraiva coordenada pelo Prof. R. Limongi França (14), assim define a eutanásia: "É a morte doce e tranqüila, sem dores físicas nem torturas morais, que pode sobrevir de um modo natural nas idades mais avançadas da vida, surgir de modo sobrenatural como graça divina, ser sugerida por uma exaltação das virtudes estóicas, ou ser provocada artificialmente, já por motivos eugênicos, ou com fins terapêuticos, para suprimir ou abreviar uma inevitável, larga e dolorosa agonia, mas sempre com prévio consentimento do paciente ou prévia regulamentação legal".

Na mesma Enciclopédia, Morache (Naissance et mort, Paris, 1904) restringe o sentido de eutanásia apenas à agonia boa ou suave: "A agonia que se desenrola sem dores na qual, na qual as funções sensoriais vão se extinguindo pouco a pouco, pode ser chamada de agonia tranqüila, de eutanásia, sendo distanásia as situações nas quais o agônico, em plena lucidez, sofre dores físicas e morais, considerando com libertadora a morte que se aproxima em passos lentíssimos" (15).

O Prof. Hélio Gomes nos traz conceitos de autores, através de José Náufel (16). Vejamos:

  1. MORSELLI (L’uccisione pietosa, 1933): "É aquela morte que alguém dá a outrem que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar agonia muito grande e dolorosa."
  2. PINAM define-a como "o ato pelo qual uma pessoa põe termo à vida da outra, que sofre de enfermidade incurável ou então a aleijados padecendo dores cruéis, atendendo às suas solicitações reiteradas, levada puramente pelo espírito de piedade e humanidade".

O autor citado não traz propriamente uma definição desta prática, apenas diz ser "o direito que se pretende conferir a uma junta médica de dar a morte suave aos doentes que sofram dores insuportáveis, estejam atacados de doença incurável e o desejem ou solicitem."

A eutanásia, como já vislumbramos nos conceitos citados, consiste na prática da morte visando atenuar os sofrimentos do enfermo - e de seus familiares - tendo em vista a sua inevitável morte, sua situação incurável do ponto de vista médico. Traço importante é a idéia de causar conscientemente a morte de alguém, por motivo de piedade ou compaixão, introduzindo outra causa, que por si só, seja suficiente para desencadear o óbito. A morte por eutanásia é considerada uma morte "não natural".

Segundo Edmundo de Oliveira, "a eutanásia alcança três níveis de manobras para lidar com a morte:

  1. Acabar com a vida indigna, na hipótese do autor proporcionar a morte da pessoa por entender que ela leva uma vida intolerável. É a hipótese do enfermo hostil e agressivo, afetado por uma esquizofrenia do tipo paranóide, caracterizada por idéias delirantes de perseguições e alucinações;
  2. Acabar com a vida de doente sem perspectiva médica de alívio para suas intensas dores físicas ou torturas morais. É o que ocorre com o portador de câncer inoperável e multimetástico;
  3. Acabar com a vida do paciente, antecipando-lhe a morte inevitável, que já estava em curso, na hipótese do prognóstico concluir que a pessoa está irremediavelmente chegando ao fim com cruciante agonia. É o caso do terrível acidente de trânsito que leva ao esmagamento da medula ou coluna raquiana da vítima". (17)

Dentro dos limites da conceituação jurídica, a eutanásia compreenderia o "direito de matar" ou o "direito de morrer", em virtude de razão que possa justificar semelhante morte, em regra, provocada para término de sofrimentos, ou por medida de seleção, ou de eugenia. Destarte, a eutanásia leva à discussão sobre o direito de uma pessoa por fim à própria vida, valendo-se de outra pessoa.

Podemos indagar se haveria apenas uma faculdade ou um direito juridicamente tutelado, isto é, que possa ser coercitivamente exigido. No mundo jurídico, se alguém tem um direito, pode socorrer-se do processo, para fazê-lo valer e, se este não consegue por seus próprios meios, outrem precisa ter o dever de realizá-lo.

Suscita-se a questão: a quem caberia realizar essa ação destinada a eliminar o sofrimento de um doente, causando sua morte? Na concepção de Bacon, que cunhou o termo eutanásia, seria dever do médico acalmar os sofrimentos e as dores, mesmo quando esse alívio sirva para trazer uma morte doce e tranqüila. (18)

A posição do filósofo inglês representa uma quebra na ética médica baseada na tradição hipocrática, que impõe ao médico o dever de proteger e preservar a vida humana. Ao se aceitar a eutanásia como ato médico, os médicos e outros profissionais terão também a tarefa de causar a morte.

Até hoje, os médicos juram abster-se de toda ação ou omissão, com intenção direta e deliberada de pôr fim a uma vida humana. A participação na eutanásia não somente alterará o objetivo da atenção à saúde, como poderá influenciar, negativamente, a confiança para com o profissional, por parte dos pacientes.

Modernamente, eutanásia é a morte consentida de uma pessoa em grande sofrimento sem perspectiva de melhora, produzida por médico. Nos países que a legalizaram ou a toleram, o consentimento do paciente exclui a ilicitude da intervenção, consagrando o princípio da vontade livre como garantia suprema do exercício e renúncia a direitos fundamentais. Eutanásia não é morte por piedade, mas é morte por vontade.

4. Classificação

Como o presente estudo centra-se na legalização da eutanásia passiva no Brasil, dentre inúmeras classificações encontradas na doutrina, é oportuna apenas a classificação da eutanásia em ativa e passiva.

  1. Eutanásia ativa – consiste no ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos. Considera-se o modus procedendi. É ativa quando o agente ministra substância capaz de provocar a morte instantânea e indolor;
  2. Eutanásia passiva ou indireta – dá-se quando a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária (p. ex.: não colocar ou retirar o paciente de um respirador); pode também ser chamada eutanásia por omissão, ortotanásia ou paraeutanásia; O médico deixa de prolongar, por meios artificiais e extraordinários, a vida irrefragavelmente condenada, haja vista que o tratamento para prolongar a vida traz sofrimento ao paciente terminal.

II – DA LEGALIZAÇÃO

Antes mesmo de tecermos nossas devidas considerações a respeito da legalização da eutanásia no Brasil e no mundo, é preciso nos situarmos no tempo para identificarmos as bases sólidas que incutiram o processo de legalização.

Em 1903, a Alemanha e, em 1912, o Parlamento dos Estados Unidos discutiram e rejeitaram projetos que versavam sobre homicídio caritativo.

O art.143 do Código Penal russo deu ensejo, em 1922, ao fuzilamento de 117 (cento e dezessete) crianças acometidas de doença tida como incurável à época, por terem ingerido carne de cavalo infecta.

Copiando o art.102 do projeto de Código Penal Suíço de 1918, em 1924, o Peru legalizou o homicídio piedoso (art.157), assim como cuidou da matéria o Projeto Tcheco-eslovaco de 1925 (art. 271, § 3º).

Em 1931, na Inglaterra, o Dr. Millard, propôs uma Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Essa sua proposta serviu de base para o modelo holandês. O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal, através da possibilidade do "homicídio piedoso". Esta legislação uruguaia possivelmente foi a primeira regulamentação nacional sobre o tema. Vale salientar que esta legislação continua em vigor até o presente.

Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução contrária a eutanásia.

Em 1973, na Holanda, uma médica, Dra. Postma, foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe. Foi condenada com uma pena de prisão, suspensa, de uma semana, e liberdade condicional por um ano. Em 1981, a Corte de Rotterdam estabeleceu critérios para o auxílio à morte. Em 1990, a Real Sociedade Médica Holandesa e o Ministério da Justiça estabeleceram uma rotina de notificação para os casos de eutanásia, sem torná-la legal, apenas isentado o profissional de procedimentos criminais. Em 1991, houve uma tentativa frustrada de introduzir a eutanásia no Código Civil da Califórnia/EEUU. Os Territórios do Norte da Austrália, em 1996, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia.

Nos territórios do Norte da Austrália, esteve em vigor de 1º de julho de 1996 a março de 1998, a prática da Eutanásia, ocasião que oportunizou a morte de quatro pessoas. Tal lei recebeu o nome de "Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais" (Carneiro, et al, 1999, In: http://www.jus. com.br/doutrina/biogm.html). A lei determinava três requisitos essenciais para que o interessado pudesse utilizar-se da Eutanásia: o estado de saúde do paciente deveria ser crítico e atestado por três médicos; os períodos de tempo devem ser extremamente respeitados; após esse período, o paciente teria acesso a um equipamento, operado por computador, que consiste em um tubo que é ligado à veia do paciente e uma tecla "SIM". Se o paciente pressionasse a tecla, recebia uma injeção letal. (Alves, 1999, p. 15).

Na Holanda, está legalizada a eutanásia, submetendo-se à limitação de um ato médico e a sete condições apontadas na lei de 10 de abril de 2001, entre elas destacamos o fato de a doença ser incurável que cause sofrimentos insuportáveis ao paciente, devendo o pedido deste ser voluntário e refletido.

À luz do Novo Código Penal da Espanha, consideram-se despenalizadas as práticas de eutanásia passiva (não prolongação artificial da vida) e de eutanásia ativa indireta. Na França, quaisquer das práticas são puníveis como homicídio voluntário.

O Uruguai foi o primeiro a ter legislação, inspirada na doutrina estabelecida pelo penalista espanhol Jiménez de Asúa, sobre a possibilidade da realização da Eutanásia, quando em 1º de agosto de 1934, na entrada do Código Penal Uruguaio foi caracterizado o "Homicídio Piedoso", no art. 37 do capítulo III, que abordou a questão da impunidade ao facultar ao juiz a exoneração do castigo a quem realizou este tipo, desde que preencha três condições básicas: ter antecedentes honráveis; ser realizado por motivo piedoso; a vítima ter feito reiteradas súplicas. Estas condições são, na verdade, uma possibilidade do indivíduo que for o agente do procedimento.

Nos Estados Unidos, recebem considerável apoio as idéias do movimento "Morte com dignidade" para paciente com doenças terminais, que provocam grande sofrimento físico. A Suprema Corte, ao examinar dois casos nos Estados de Washington (Costa Oeste) e Nova Iorque (Costa Leste) (19), em 1997, decidiu que a dificuldade para se definir "doença terminal" e o risco de o desejo do paciente morrer não ser voluntário, justificam e mantém a proibição do suicídio assistido. Em síntese, verificamos que a pretensão dos defensores da eutanásia nada mais é do que a disciplinação legal e racional de uma prática humanitária, cujas origens remotas se encontram na sabedoria institutiva, dos seres humanos primitivos da época tribal.

No entanto, a partir do sentimento que cerca o direito moderno, a eutanásia tomou caráter criminoso, como proteção ao mais valioso dos bens: a vida, não passando de autêntico homicídio, que nada tem de piedoso ou misericordioso, apesar das insistentes tentativas atuais da humanidade em consagrá-lo no ordenamento jurídico.

Decorridos tantos anos, apesar dos esforços, a institucionalização da eutanásia, não tem sido bem aceita na maioria dos países.

1. Código Penal Brasileiro

Em seu artigo Homicídio eutanásico: eutanásia e ortotanásia no anteprojeto de Código Penal (20), Renato Flávio Marcão, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, mestre em Direito Penal pela Universidade Mackenzie, especialista em Direito Constitucional, professor de Direito Penal e Processo Penal na Unirp e Unip, em São José do Rio Preto (SP), sucintamente descreve o plano histórico do tratamento do tema abordado no sistema jurídico brasileiro, assim dispondo:

"Entre nós, seguindo a linha do Código Criminal do Império (1830), o Código Penal Republicano, mandado executar pelo Dec. 847, de 11.10.1890, não contemplou qualquer disposição relacionada ao homicídio caritativo, e destacou em seu art. 26, c: "Não dirimem nem excluem a intenção criminosa, o consentimento do ofendido, menos nos casos em que a lei só a ele permite a ação criminal". Por sua vez, a Consolidação das Lei Penais, Código Penal brasileiro completado com as leis modificadoras então em vigor, obra de Vicente Piragibe (cf. Saraiva & Cia. Editores, Rio de Janeiro, 1933), aprovada e adaptada pelo Dec. 22.213, de 14.12.1932, em nada modificou o tratamento legal anteriormente dispensado ao tema, conforme seu Título X, que tratou "Dos crimes contra a segurança da pessoa e vida" (arts. 294/314). Também não estabeleceu atenuante genérica relacionada ao assunto, conforme se infere da leitura de seu art. 42, ou outro benefício qualquer.

Como escreveu Hungria (op. cit., p. 125), o Projeto Sá Pereira, no art.130, n. IV, incluía entre as atenuantes genéricas a circunstância de haver o delinqüente cedido "à piedade, provocada por situação irremediável de sofrimento em que estivesse a vítima, e às súplicas", e, no art. 189, dispunha que "àquele que matou alguém nas condições precisas do art. 130, n. IV, descontar-se-á por metade a pena de prisão em que incorrer, podendo o Juiz convertê-la em detenção". No Projeto da Subcomissão Legislativa (Sá Pereira, Evaristo de Morais, Bulhões Pedreira), já não se contemplava expressamente o homicídio compassivo como delictum exceptum, mantendo-se, entretanto, a atenuante genérica que figurava no inc. IV do art. 130 do Projeto anterior. Também o atual Código (Dec.-Lei 2.848/40) não cuida explicitamente do crime por piedade. As alterações introduzidas pelas Leis 6.416/77 e 7.209/84 não trataram do assunto em questão".

O Código Penal Brasileiro Atual não fala em eutanásia explicitamente, mas em "homicídio privilegiado". Os médicos dividem a prática da morte assistida em dois tipos: ativa (com o uso de medicamentos que induzam à morte) e passiva ou ortotanásia (a omissão ou a interrupção do tratamento). Hodiernamente, no caso de um médico realizar eutanásia, o profissional pode ser condenado por crime de homicídio – com pena de prisão de 12 a 30 anos – ou auxílio ao suicídio – prisão de dois a seis anos.

No mesmo diploma legal, a Eutanásia passiva, tema de nosso maior interesse, está atualmente tipificada como crime previsto no artigo 135, intitulado omissão de socorro.

"Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível faze-lo sem risco, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro da autoridade pública:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplica, se resulta a morte." (Grifo nosso)

Bem próximo da eutanásia está o suicídio assistido, mas não se confundem. Nem o suicídio assistido se confunde com a indução, instigação ou auxílio ao suicídio, crime tipificado no artigo 122 do Código Penal. Na eutanásia, o médico age ou omite-se. Dessa ação ou omissão surge diretamente a morte. No suicídio assistido, a morte não depende diretamente da ação de terceiro. Ela é conseqüência de uma ação do próprio paciente, que pode ter sido orientado ou auxiliado por esse terceiro.

2. Projeto de Lei nº 125/96

O projeto nº 125/96 foi o único projeto de lei sobre o assunto da legalização da eutanásia no Brasil tramitando no Congresso, que nunca foi colocado em votação, da autoria do senador Gilvam Borges, do PMDB do Amapá.

Ele propõe que a eutanásia seja permitida, desde que uma junta de cinco médicos ateste a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente. O próprio paciente teria que requisitar a eutanásia. Se não estiver consciente, a decisão caberia a seus parentes próximos. Nem o senador tem esperanças de que o projeto vingue.

O próprio Gilvam argumentou que "essa lei não tem nenhuma chance de ser aprovada". Segundo o deputado federal Marcos Rolim, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, "ninguém quer discutir a eutanásia porque isso traz prejuízos eleitorais". Rolim, que é do PT gaúcho, diz que, nos dois anos em que presidiu a comissão, jamais viu o assunto ser abordado.

3. Anteprojeto do Código Penal

O Anteprojeto do Código Penal altera dispositivos da Parte Especial do Código Penal também comina ao homicídio a pena de reclusão de 6 a 20 anos laborado pela Comissão de "Alto Nível" nomeada pelo Ministro Íris Rezende. O ilustre Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro assinala que o Anteprojeto distingue dois tipos de eutanásia – a ativa e a passiva – já apreciadas no presente estudo.

No projeto da Parte Especial do Código Penal, o § 4º do art. 121 aduz:

Art. 121.

§ 4º. "Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém, por meio artificial, se previamente atestada, por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão".

Tipificada está a eutanásia passiva, também chamada de eutanásia indireta, eutanásia por omissão, ortotanásia ou paraeutanásia. Neste dispositivo, há expressa exclusão de ilicitude. Não é crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Pessoa ligada por estreito vínculo de afeição à vítima não poderá suprir-lhe a anuência.

A eutanásia ativa, apesar de não ser foco de nossas ponderações, está estipulada no § 3º do mesmo artigo, dispondo :

Art. 121.

§ 3º. "Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena - reclusão, de dois a cinco anos".


III - DA PESQUISA DE CAMPO

A idéia de se realizar uma pesquisa de campo foi cogitada no nosso projeto de pesquisa. É que na elaboração deste inúmeras pesquisas foram feitas, o que nos levaram a defrontar com o seguinte trecho de um artigo da internet (encontra-se no seguinte site: http://www.ciberacores.net/correiodahorta/2002/Julho/Opiniao2838.shtml):

A eutanásia é uma derrota social

Maria Fernanda Barroca
Colaborador

São Paulo - A legalização da eutanásia foi amplamente aprovada pelos leitores que votaram na pesquisa promovida pelo estadao.com.br. O direito de o doente em estado terminal optar pela morte foi aprovado por 68% dos internautas. Vinte e oito por cento dos que votaram no Portal do Grupo Estado são contrários à medida.

Salta aos nossos olhos o fato de a própria população brasileira, que sempre tem se mostrado conservadora e profundamente religiosa, ter sido favorável a uma medida que a maioria dos países com culturas mais avançadas se recusam a adotar. Assim sendo, a realização de uma pesquisa de campo passou a ser muito mais uma necessidade do que meio de colher informações complementares.

A experiência foi satisfatória. Tivemos a oportunidade de analisar a questão sobre outros ângulos, entender a postura conservadora de alguns e a visão mais aberta de outros. Todavia, não foram poucas as pessoas que não tinham conhecimento aprofundado sobre o assunto a ponto de desconhecer a distinção entre eutanásia ativa da passiva.

Estes foram os entrevistados:

  1. 60 alunos de medicina da UFPB;
  2. 3 médicos (nos campos: cirurgia, anestesia, geriatria) do HU/UFPB;
  3. 2 juristas especializados (21);
  4. O Professor de Filosofia Jurídica do CCJ/UFPB (Eduardo Rabenhorst).

A pesquisa de campo nos possibilitou constatar que os brasileiros não abominam a eutanásia passiva. A maior parte a tolera e há, inclusive, adeptos. Percebemos que existem diferenças entre a eutanásia e a legalização da eutanásia, uma vez que maior parte dos entrevistados tolera a eutanásia passiva, mas é contrária à sua legalização.

A postura da Igreja Católica em ser tolerável à eutanásia passiva, segundo informações constatadas durante a pesquisa teórica, confirma os dados obtidos na pesquisa de campo, considerando o Brasil um país católico. Entretanto, da pesquisa dos posicionamentos das religiões é possível perceber que estas forneciam respostas à questão da eutanásia e não da sua própria legalização que, no plano pragmático, têm sentidos e repercussões diversas.

É preciso traçar uma linha divisória entre o plano da teoria e o da prática, pois pode não haver correspondência entre eles ao tratar de uma mesma questão. Apesar de maior parte dos entrevistados serem toleráveis e, até, favoráveis à eutanásia passiva, são contrários à legalização da eutanásia passiva, ou porque é desnecessária ou porque daria azo para a prática da eutanásia ativa, inclusive homicídios forjados, que continuariam sendo crimes com a Reforma proposta no Anteprojeto do Código Penal.

IV - CONCLUSÕES

Durante o nosso estudo, vimos que a eutanásia é tema antigo, praticada por povos antigos - espartanos, indianos, birmaneses, populações rurais sul-americanas, etc. Classificamos a eutanásia, oportunamente, tão-somente nas modalidades eutanásia passiva e ativa. Enfocamos a eutanásia sob o ponto de vista ético e penal, dispondo, neste último, que tratamento poderia a eutanásia receber sob a ótica penal. Ali constatamos que o tema é tratado no Direito Penal Brasileiro sob o arrimo de delito privilegiado (artigo 121, §1º - eutanásia ativa) ou do crime de omissão de socorro (artigo 135 – eutanásia passiva).

A exemplo de outras legislações estrangeiras, a tentativa de regulamentar legalmente a eutanásia no Brasil ocorreu no Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal (artigo 121, § 3º) e no projeto de lei nº 125/96, tendo este não logrado êxito. A medida pretende descriminalizar a prática de eutanásia passiva que hoje é punida como omissão de socorro. Há até quem afirme que em São Paulo, por meio da Lei nº 10.241/99, em seu inciso XXIII do art. 2º, já se admite a hipótese tipificadora da eutanásia passiva ao estabelecer que o cidadão de São Paulo pode recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida.

Ao contrário do que aconteceu em relação ao aborto, a questão da legalização da Eutanásia não tem sido muito debatida em virtude do atraso de percepção da dimensão do problema e de não serem muitos os grupos de pressão coesos que suscitem o debate e o levem adiante, grupos estes que se voltam mais a tomar posições, favoráveis ou desfavoráveis, do que fornecer horizontes para uma visão crítica acerca da legitimidade e viabilidade da legalização da eutanásia.

Alguns defensores da Eutanásia argumentam que é contraditório permitir aos pacientes o direito de recusar certos tratamentos e não se lhes permitir o direito de morrer suavemente e com dignidade. A sustentação para a eutanásia vem daqueles que se prendem à suposição do materialismo onde a morte é certamente a extremidade e que não há nenhuma conseqüência mais tarde subseqüente às decisões feitas antes.

A propositura da Eutanásia não visaria exterminar humanos, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial - Eutanásia Eugênica - onde quem não fosse da raça Ariana, não merecia viver, era impuro e inferior, mas visaria o respeito ao ser humano, evitando sofrimento e tortura ao seu término.

Muitas pessoas com doenças terminais são mantidas vivas contra a sua vontade, recorrendo, por vezes, a outros meios para tentarem prolongar a sua vida, causando mais sofrimento a si e a quem as rodeiam. A sociedade mergulhada nos arcaísmos do passado talvez devesse superá-los e reconhecer que, nos casos extremos, provados, se possível, cientificamente, os indivíduos com doenças terminais pudessem escolher como e quando morrer. Se não pode ser negado o respeito àquele que em agonia opta por adiar o momento da sua morte ao mesmo tempo deveria ser respeitado o direito que assiste ao médico de recusar tal prática mesmo em situações terminais.

A cultura brasileira não é mais avançada do que aquelas que ainda não ousaram legalizar a eutanásia. Plasma-se uma certa desconfiança em relação ao que estaria atrás dos panos, do "jeitinho brasileiro". É temível a adoção de uma legalização da eutanásia não porque somos, de certa forma, conservadores, mas também porque a eutanásia defendida pode ser desvirtuada de seus fins em uma sociedade onde dinheiro é sinônimo de poder.

A "tendência" de uma legalização da eutanásia seria, no Brasil, um movimento monopolizado pelos setores mais avançados da sociedade, como bem argumentou RABENHORST, e a mídia representa o pensamento destes setores e não da sociedade de um modo geral.

É preciso sacrificar algumas particularidades, exceções para que a regra não seja desrespeitada. É cediço que, mesmo ante a presença de impedimentos legais, a eutanásia já é praticada. Que estes impedimentos continuem sendo uma forma de controle de condutas que, embora não muito eficaz, expressa a vontade do Estado brasileiro de repudiar determinadas práticas, para que estas não sejam ainda mais inspiradas sob o escudo da Legalização da Eutanásia no Brasil.


NOTAS

  1. Platão e Sócrates já advogavam a tese da "morte serena", a eliminação da própria vida para evitar mais sofrimento da pessoa doente, enferma, que se encontre diante de um quadro clínico irreversível.
  2. No juramento de Hipócrates consta: "eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo".
  3. José Ildefonso BIZATTO. Eutanásia e Responsabilidade Médica. Porto Alegre: Sagra, 1990, p. 23.
  4. Hélio GOMES cita que o hábito de abandonar ou matar recém-nascidos "desgraçados" também era realizado pelos índios brasileiros.
  5. Atualmente, esse costume ainda é praticado por alguns povos como os batas e os neocaledônios.
  6. Paulo Lúcio NOGUEIRA, Op. cit., p. 43.
  7. Bíblia Sagrada, I Samuel, Capítulo 31, versículos 1 a 13. Todavia, segundo nota de rodapé, p. 437, da Bíblia SHEDD, em I Crônicas, Capítulo 10, versículos 4 e 5, que Saul se suicidara, tendo o amalequita violado o cadáver quando roubou-lhe a coroa e o bracelete.
  8. A eutanásia eugênica, também chamada de selecionadora, visa a eliminação de recém-nascidos degenerados e de enfermos portadores de doenças contagiosas, onde o objetivo é preservar a raça humana de graves problemas biológicos. Servia como um instrumento de "higienização social".
  9. Para o Prof. José Roberto GOLDIM (http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg.htm, Capturado em 26.07.2002), a designação eutanásia para esse tipo de procedimento é incorreta, pois "não havia o interesse de minorar o sofrimento de uma pessoa capaz e informada de sua condição de saúde".
  10. Destarte, adota o princípio do duplo efeito onde a intenção é diminuir a dor, porém o efeito, sem vínculo causal, pode ser a morte do paciente.
  11. Maria Celeste Cordeiro Leite SANTOS. Transplante de Órgãos e Eutanásia. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 209.
  12. Milton Schmitt COELHO, bacharel em Direito em Santa Cruz do Sul (RS). Eutanásia – Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. IN.: www.jus.com.br. Capturado em 18.10.2002.
  13. José NÁUFEL. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1998, p. 445.
  14. Prof. R. LIMONGI França (Coordenação). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, vol. 34, p. 245.
  15. Prof. R. LIMONGI França (Coordenação). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, vol. 34, p. 245.
  16. José NÁUFEL. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1998, p. 445.
  17. Revista Jurídica CONSULEX. Eutanásia no Direito Comparado. Ano V. nº 114, 15 de outubro de 2001, p. 16.
  18. Maria Celeste Cordeiro Leite SANTOS. Transplante de Órgãos e Eutanásia, São Paulo: Saraiva, 1992. p. 209.
  19. A Corte considerou constitucionais as leis que proíbem os médicos de ministrarem drogas a pacientes terminais em estado de lucidez, ao passo que deixou subentendido que não há barreiras constitucionais que proíbam a um Estado aprovar uma lei que permita o suicídio assistido por médico.
  20. Vide: www.jus.com.br.
  21. Sr. RenatoFlávioMarcão e Sr. Leon Frejda Szklarowsky. Por coincidência, ambos escreveram artigos jurídicos no site www.jus.com.br - Sr. RenatoFlávioMarcão escreveu "Homicídioeutanásico: eutanásiae ortotanásianoAnteprojetodeCódigoPenal" e Sr. Leon Frejda Szklarowsky escreveu "A eutanásia no Brasil". Os juristas responderam as perguntas por e-mail: as respostas encontram-se transcritas no Relatório Final de Monitoria, da mesma forma como as dos demais entrevistados. Neste artigo, nos adstringimos a condensar o entendimento majoritário, mas as aludidas respostas ainda se encontram à nossa disposição.

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS

  1. BARROCA, Maria Fernanda. A eutanásia é uma derrota social. IN: http://www.ciberacores.net/correiodahorta/2002/Julho/Opiniao2838.shtml. Capturado em: 16.07.2002.
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  5. COELHO, Milton Schmitt. Eutanásia – Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Santa Cruz do Sul (RS). IN.: www.jus.com.br. Capturado em 18.01.2003.
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  12. NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1998.
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  16. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Transplante de Órgãos e Eutanásia. São Paulo: Saraiva, 1992.
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  19. Sites (Capturados entre julho de 2002 a janeiro de 2003):
    1. www.tex.pro.br/wwwroot/assuntosdiversos/vaticanocriticalegalizacaodaeutanasianaholanda.htm
    2. noticias.clix.pt/sociedade/63/192563.html
    3. www.terra.com.br/mundo/2001/07/27/062.htm
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    13. http://www.estadao.com.br/agestado/internacional/2000/nov/29/337.htm
    14. http://www.google.com.br/search?q=cache:KeO5RZtl7LYC:www.sindifisp-rj.org.br/informativo/INFORMATIVO%2520SEMANAL%2520019%2520-%252017.05.2002.doc++%22legalizacao+da+eutanasia%22&hl=pt&ie=UTF-8
    15. http://www.google.com.br/search?q=cache:H0_M6gyd0DAC:www.unifran.br/daltro/site/juridico/textos/EUTANASIA.doc++%22legalizacao+da+eutanasia%22&hl=pt&ie=UTF-8
    16. http://wwwalu.por.ulusiada.pt/21548997/filosofia.htm
    17. http://www.unitau.br/prppg/inicient/iveic/resuhuma/huma03.htm
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    20. vitor.coutinho.bei.t-online.de/Eutanasia.html