A legitimidade constitucional do ativismo judicial e o princípio da separação de funções estatais


PorJeison- Postado em 10 dezembro 2012

Autores: 
ALMEIDA, Ramatis Vozniak de.

 

O ativismo judicial, também chamado de judicialização da política ou de criação judicial do direito[1], pode definido pela doutrina jurídica de diversas maneiras. Ele nasceu com o fim do constitucionalismo liberal e da política neo-liberal, o nascimento do constitucionalismo social (como exemplo, temos a Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar-Alemanha, de 1919) e o advento do pósconstitucionalismo, galgando espaço após a Segunda Grande Guerra, com a ascensão dos direitos fundamentais para patamares constitucionais, especialmente aqueles que dizem respeito à dignidade da pessoa humana, e dos princípios que regem as constituições sociais.

 

Tata-se de uma postura do exercente da atividade judicial de evitar uma postura oposta, a de auto-restrição judicial ou de moderação judicial. Pode ser conceituado como "uma postura a ser adotada pelo magistrado que o leve ao reconhecimento da sua atividade como elemento fundamental para o eficaz e efetivo exercício da atividade jurisdicional"[2]. Visa a tornar efetivo o projeto de Estado Democrático de Direito traçado pelas constituições sociais. Possui estreita relação com a participação ativa dos magistrados na proteção dos princípios constitucionais, através do controle da atividade dos demais poderes (especialmente sobre suas omissões e excessos), por meio do viés constitucional. Alguns autores comparam o ativismo judicial do Poder Judiciário ao Poder Moderador que existiu no Brasil Imperial. Pode possuir uma legitimidade político-constitucional baseada na democracia constitucional e há no Brasil tanto opositores quanto defensores.

 

O Ministro Celso de Mello, em entrevista à revista Consultor Jurídico no ano de 2006, elencou várias vantagens do ativismo judicial as quais seriam, principalmente, a atuação do judiciário como co-partícipe do processo de modernização do Estado brasileiro, e a possibilidade deste suprir as lacunas da legislação para que fizesse prevalecer o espírito da Carta de 88, uma vez que a formulação legislativa no Brasil, segundo ele, lamentavelmente, nem sempre se reveste da necessária qualidade jurídica, ... sendo esse déficit de qualidade jurídica algo preocupante porque afetaria a harmonia da Federação, romperia o necessário equilíbrio e comprometeria, direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.”[3] Em outras palavras, o Poder Judiciário não poderia desconsiderar as repercussões sociais e política de suas decisões. O déficit democrático é o grande obstáculo ao ativismo judicial, pois por mais qualificados que sejam os membros do Supremo Tribunal Federal-STF, os temas que são decididos por eles estão frequentemente afastados do povo, já que nenhum deles foi eleito democraticamente e não representam a vontade da maioria. O princípio da separação de funções estatais é basilar da República, e embora cada função seja específica, os atributos de administrar, legislar e julgar se encontram inseridos na atuação de cada uma delas, então pode haver uma certa sobreposição entre as funções. É um jogo político perigoso e que se avantaja com a inércia do Legislativo. É questionável se o STF, em razão desse mencionado déficit, poderia decidir, legislar, ou concentrar tais poderes em detrimento dos outros poderes ou até dos outros juízes tribunais que estão mais próximos dos jurisdicionados. A atuação do STF referente à edição da súmula vinculante n. 13, que trata do nepotismo, não se ateve somente a expor o entendimento da Corte, mas sua redação demonstrou o caráter legislativo da súmula, considerado por alguns como inadequado. Mesmo que tal súmula viesse ao encontro dos anseios da sociedade, seria muito poder concedido a não representantes do povo, e de fato representantes da elite econômica e cultural do País, e poderia ser um instrumento antidemocrático. São magistrados não eleitos, mas que galgaram politicamente suas posições. Entretanto, o judiciário atualmente é o poder em que o povo tem pretendido confiar, e o STF tem sido liderado por pessoas extremamente atuantes.

 

Nos Estados Unidos da América – EUA, o ativismo judicial, que iniciou com a revisão judicial e prosperou após a guerra civil, entre outras coisas, foi protagonista de ações como pôr fim à segregação racial em escolas públicas, porém negou efeito a reformas sociais propostas por Roosevelt durante a grande depressão, isto é, pode atender ou não aos anseios populares. Quiçá fosse melhor então elegermos os juízes, tal qual se dá na cultura norteamericana, e assim legitimá-los para tais ações, caso contrário poderiam aqui no Brasil estar exorbitando de suas funções ou usurpando as funções dos outros poderes. Mas o fato político é que atualmente grassa a expansão do poder judicial frente à expansão do poder executivo, e isso provavelmente chegará ao ponto de ser politicamente negociado, o que pode gerar de início um sentimento público antijudicial. Uma característica de nações em desenvolvimento, como por exemplo o Brasil e a Índia, é a dificuldade de equalizar a equação da distribuição do poder entre as funções estatais, controladas por um sistema de freios e contrapesos. Uma composição mista e fluída da distribuição do poder será inevitável, bem como as negociações políticas a que isso levará. O Egito atual pode ser candidato provável a essa política. As cortes supremas mundiais provavelmente não mais se aterão somente a questões constitucionais necessariamente, mas a um misto de querer julgar, legislar e executar decisões políticas, tal qual o STF nos casos “Cézare Battisti” e “mensalão”. O papel do juiz é de um cauteloso árbitro, e não deveria, em essência, extrapolar a decidir questões vitais da nação, se esse não é o seu papel político. Há sempre o risco do abuso e da inversão de valores. É uma opinião semelhante à de Abraham Lincoln. O risco no processo penal é significativo, que embora garantista, pode ensejar imparcialidade.[4]

 

Há teorias que podem embasar aspectos positivos do ativismo, como o procedimentalismo de Habermas, o perfeccionismo de Dworkin, e o minimalismo judicial de Sunstein, com sentidos de preencher lacunas de valores morais da sociedade, perante os quais os tribunais tem que se posicionar, quer num microssistema ou num todo, diminuindo a complexidade do discurso, complementando as chamadas cláusulas vagas constitucionais, como sendo uma resultante processual-discursiva, pois que a história anda. Dessa forma, é aceitável o ativismo judicial, pré-condicionando e superando antinomias, não maculando o princípio da separação de funções estatais, pois que estas não são estanques. Dá azo a soluções consensuadas, coletivas, a políticas públicas, mas deve ser feito com muita cautela.

 

Referências:

 

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em: 13 fev. 2011.

 

CARVALHO, Carlos Eduardo A Carvalho. Fundamentação Racional das Decisões Jurídicas. in TAVARES, Fernando Horta (coord.), , Et. Al. Constituição, direito e Processo: Princípios Constitucionais do Processo.Curitiba: Juruá, 2007, p.59-122.

 

DELGADO, José Augusto. Ativismo Judicial: o papel político do poder judiciário na sociedade contemporânea. In: Processo Civil Novas Tendências: homenagem ao Professor Humberto Theodoro Jr.

 

Notas:

[1] Os Constitucionalistas » Ativismo judicial ou criação judicial do direito.mht

[2] Delgado, José Augusto. Ativismo Judicial: o papel político do poder judiciário na sociedade contemporânea. In: Processo Civil Novas Tendências: homenagem ao Professor Humberto Theodoro Jr, p.319.

[4] Processo penal e ativismo judicial Supremo Tribunal Federal e a proteção à dignidade humana Arcos - Informações Jurídicas.mht

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.41008&seo=1>