Liberdade e vida


Pormarina.cordeiro- Postado em 09 abril 2012

Autores: 
TOKARSKI, Mariane Cristine

RESUMO

            O presente trabalho tem por objeto a recusa à transfusão de sangue manifestada pelos adeptos da religião Testemunha de Jeová, mediante análise dos direitos fundamentais à liberdade religiosa e à vida, garantidos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Tem por objetivo mostrar o campo conflituoso criado quando a recusa é feita perante iminente risco de vida ao paciente. Neste sentido, cabe ao intérprete-aplicador do direito analisar se está diante de um conflito real ou aparente de direitos fundamentais e, deste modo, apresentar uma solução ao caso concreto, uma vez que não existe lei que regule tal situação. O intérprete adotará critérios de solução de conflito utilizando-se de princípios e ponderação de valores. Longe de mostrarmos um consenso, trabalhamos justamente no sentido de apresentar a discussão e propor uma reflexão sobre a intervenção do Estado na esfera dos direitos individuais do cidadão. Abordamos a questão sob dois enfoques: a recusa manifestada por paciente maior e capaz e por representante legal de menor ou incapaz.Não conhecendo livros específicos sobre o assunto, a pesquisa foi realizada com base em bibliografia variada incluindo internet, artigos de revistas jurídicas e pareceres de juristas renomados. Respeitar os direitos fundamentais do cidadão é também uma obrigação do Estado, de modo que posturas intervencionistas devem ser revistas frente ao papel do Estado Democrático de Direito e os diversos grupos sociais que o compõem.

            Palavras –chaves: Direitos fundamentais – Liberdade e vida – Transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová – Conflito de direitos fundamentais


SUMÁRIO : INTRODUÇÃO, 1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, 1.1 Conceito e fundamentos, 1.2 Evolução histórica, 1.3 Gerações de direitos fundamentais, 1.4 Características, 2 DO DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E DO DIREITO À VIDA, 2.1 Do direito à liberdade,2.1.1 Do direito à liberdade religiosa, 2.1.1.1 Subdivisão da liberdade religiosa, 2.1.2 A religião Testemunha de Jeová, 2.2 Do direito à vida, 3 DA COLISÃO ENTRE O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E O DIREITO À VIDA, 3.1 A recusa ao tratamento com sangue, 3.2 A recusa ao tratamento e o conflito de valores, 3.3 Solução de conflitos de direitos fundamentais, 3.3.1A recusa à transfusão de sangue invocada por maior capaz, 33.2 A recusa à transfusão de sangue manifestada por representante legal de menor ou incapaz, CONSIDERAÇÕES FINAIS, REFERÊNCIAS.

 

INTRODUÇÃO

            Apresentados por vários autores como resultado de lutas e conquistas sociais em determinadas épocas, os direitos fundamentais sempre se vinculam a uma pretensão do cidadão em relação ao poder estatal. Essa pretensão gira em torno do não agir e do agir do Estado, no intuito de resguardar os direitos do seres humanos individualmente considerados. Desde épocas remotas já se falava em proteger direitos individuais - existem registros até mesmo antes de Cristo.

            A inserção de direitos fundamentais na ordem constitucional de um Estado demonstra sua projeção democrática. A nossa Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, traz no Título II os direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e dos partidos políticos.

            Neste trabalho abordaremos os direitos previstos no artigo 5º da nossa Constituição, especificamente os direitos à liberdade e à vida. Esses direitos merecem uma atenção especial por estarem intimamente ligados à recusa ao tratamento médico com transfusão de sangue, expressamente manifestada com base em convicções religiosas.

            A religião desempenha um papel muito importante ao ditar normas de valor moral contributivas para a organização social do Estado. Já chamada de ópio do povo, exerce sem dúvida um domínio sobre seus fiéis, fornecendo-lhes explicações para questões terrenas e sobrenaturais que, principalmente no ocidente, acalmam as angústias e pacificam o fiel para viver em sociedade.

            A liberdade religiosa é um dos pilares da democracia e uma extensão do direito de liberdade no sentido amplo. Ao abordarmos a negativa a tratamento hemoterápico, motivada por convicção religiosa, pretendemos demonstrar a invocação deste direito ante uma situação muito freqüente, mas, em geral, tratada com preconceito e um certo grau de intolerância pela sociedade.

            Não poderíamos dar outro enfoque ao tema, senão sob a luz dos direitos fundamentais. Sabemos que estamos trabalhando uma questão extremamente delicada, que envolve valores de grande importância no ordenamento jurídico, e causa uma profunda reflexão sobre conflito e eficácia dos direitos fundamentais no que se refere às convicções minoritárias dentro da sociedade democrática.


1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

            1.1 Conceito e fundamentos

            Conceituar direitos fundamentais pode ser considerada uma árdua tarefa, pois as diversas designações dadas ao tema causam, à primeira vista uma confusão conceitual.

            Entre as diversas expressões empregadas em relação ao tema, é possível destacar as seguintes: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, direitos humanos fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem e direitos fundamentais.

            No entanto, apesar das dissidências terminológicas, todas as expressões almejam apresentar e representar direitos que visam criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana.

            Afirma Sarlet que "os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoas humana" [01]. Desta forma também se posiciona a maioria dos autores que se dedica a estudar o apaixonante tema.

            Para Pinho:




            Direitos fundamentais são os indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao Estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes. [02]

            Alexandre de Moraes, apesar de utilizar a terminologia direitos humanos fundamentais, apresenta a seguinte conceituação:




            O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade da pessoa humana [...] [03]

            Do conceito apresentado por Perez Luño, sobre os direitos fundamentais do homem, colhe-se o seguinte:




            [...] considerando-os um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional. [04]

            Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizaremos a expressão direitos fundamentais pois, de acordo com Edílson Pereira de Farias [05], esta locução é utilizada para se referir aos direitos positivados na constituição de um determinado Estado.

            Usando como suporte os conceitos destacados, elaborados pelos autores citados, propomos o seguinte significado para a expressão doravante adotada:




            Conjunto institucionalizado de direitos e garantias, que visa à limitação do arbítrio do poder estatal, assegurando ao ser humano uma vida digna, livre e pautada na igualdade entre os homens, de acordo com um determinado momento histórico e os valores nele inseridos.

            Destacamos o fator histórico por acreditarmos que os direitos fundamentais não surgem ao acaso e nem a qualquer tempo. Desta forma, se posiciona Bobbio:




            Do ponto de vista teórico, sempre defendi – continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. [06]

            Salientamos, no entanto, que não há unanimidade teórica a respeito da justificativa dos direitos fundamentais, sendo possível encontrarmos uma variedade de correntes filosófico-jurídicas, abordadas por Paulo Gustavo Gonet Branco da seguinte forma:




            [...] para os jusnaturalistas, os direitos do homem são imperativos do direito natural, anteriores e superiores à vontade do Estado. Já para os positivistas, os direitos do homem são faculdades outorgadas pela lei e reguladas por ela. Para os idealistas, os direitos humanos são idéias, princípios abstratos que a realidade vai acolhendo ao longo do tempo, ao passo que, para os realistas, seriam o resultado direto de lutas sociais e políticas. [07]

            O que ocorre, segundo Bobbio, é uma crise dos fundamentos dos direitos do homem, sendo que "deve-se reconhecê-la, mas não tentar superá-la, buscando outro fundamento absoluto para o que se perdeu" [08], considerando que "o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los". [09]

            1.2 Evolução histórica

            Os direitos fundamentais, apresentados por vários autores como fruto de reivindicações sociais em determinadas épocas, sempre se vinculam à imposição de limites à arbitrariedade do poder governante e seus agentes, no intuito de resguardar os direitos do seres humanos individualmente considerados. No entanto, definir como nasceram os direitos humanos fundamentais é matéria que ainda hoje suscita controvérsias.

            Aduz José Afonso da Silva: "mais que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu quando a sociedade se dividira entre proprietários e não proprietários". [10]

            Desde épocas remotas, como no Antigo Egito e Mesopotâmia, já no terceiro milênio antes de Cristo se falava em proteger direitos individuais. Neste tocante, destaca-se o Código de Hammurabi (1690 a.C), como sendo talvez a primeira codificação a apresentar um rol de direitos direcionados a todos os homens. Este código, tal como ao atuais, consagrava o direito à vida, à propriedade, à honra, à dignidade, à família, ressaltando a supremacia das leis em relação aos governantes. [11]

            Influências filosófico-religiosas podem ser entendidas como alicerces na construção dos direitos individuais de igualdade e liberdade do homem, considerando-se a propagação da doutrina Budista (500 a.C) e posteriormente, os estudos desenvolvidos na Grécia. Os gregos já se preocupavam em garantir a participação política dos cidadãos, e a crença na existência de um direito natural anterior às leis escritas.

            Porém, para Alexandre Moraes,




            [...] foi o direito Romano que estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais". A lei das doze tábuas pode ser considerada a origem dos textos escritos consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do cidadão. [12]

            Segundo Moraes, "tais mecanismos de proteção individual em relação ao Estado podem ser apontadas como a origem dos direitos individuais do homem, apesar de apresentarem uma concepção muito diferente da atual sobre tais direitos". [13]

            Para Ingo Wolfgan Sarlet [14], não se consagrou a idéia de que foi na Antigüidade que surgiram os primeiros direitos fundamentais, porém, foi nesta época que apareceram algumas das idéias-chaves que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis.

            Com o surgimento do Cristianismo, os ideais de direitos individuais ganharam força pela propagação da mensagem de igualdade entre homens, independentemente de origem, raça, sexo ou credo, vindo contribuir diretamente para a formação de um entendimento sobre a dignidade da pessoa humana.

            Também, segundo Gonet Branco, "a concepção de que os homens, por serem criados à imagem e semelhança de Deus, possuem alto valor intrínseco e uma liberdade inerente à sua natureza anima a idéia de que eles dispõem de direitos que devem ser respeitados por todos e pela sociedade política". [15] Foi sobre este fundamento que se edificou a teoria do direito natural defendido pela doutrina de Santo Tomás de Aquino.

            Existem registros de que, na Idade Média, diversos documentos reconheceram direitos individuais, sempre com o escopo de limitar o poder do Estado, sendo que o forte desenvolvimento destes direitos se deu entre meados do século XIII e meados do século XX.

            Vários documentos ao longo da história podem ser destacados como antecedentes das declarações de direitos fundamentais. A Inglaterra foi pioneira neste sentido, com documentos como a Magna Charta Libertatum, em 1215, outorgada por João-sem-Terra, que assegurava alguns privilégios feudais ao nobres, mas não chegava a alcançar o conjunto da população. Mais tarde, renomadas declarações vieram consagrar direitos que reconheciam aos indivíduos uma esfera autônoma de atuação frente ao poder soberano, destacando-se a Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679, o Bill of Rights de 1689 e o Act of Seattlemente de 1701.

            Muitos dos direitos trazidos por estas declarações, como a proporcionalidade entre delito e sanção, a proibição de prisão arbitrária, o habeas corpus, o direito de petição, a previsão do devido processo legal, o livre acesso à justiça, e a liberdade de comunicação e livre entrada e saída do país, são direitos hodiernamente reconhecidos com fundamentais, fazendo parte da atual ordem constitucional em grande parte dos Estado democráticos.

            Cabe-nos, no entanto, destacar a importância da Revolução dos Estados Unidos como fato histórico de alto relevo na evolução dos direitos fundamentais, já que após esta revolução surgiram documentos de grande valor histórico e jurídico, tais como:

            - Declaração de Direitos da Virgínia (1776), que proclamava o direito à vida e à liberdade e à propriedade;

            - Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, também de 1776 e realizada basicamente por Thomas Jefferson, tendo como principal objetivo a limitação do poder estatal;

            - Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, que visou limitar o poder do Estado, estabelecendo a separação dos poderes estatais e também diversos direitos fundamentais.

            A importância dos documentos oriundos da Revolução dos Estados Unidos é tamanha que Gonet Branco faz a seguinte consideração:




            [...] situa-se o ponto fulcral do desenvolvimento dos direitos fundamentais na segunda metade do século XVIII, sobretudo com o Bill of Rigths de Virgínia (1776), quando se dá a positivação dos diretos tidos como inerentes ao homem, até ali mais afeiçoados a reivindicações políticas e filosóficas do que a normas jurídicas obrigatórias, exigíveis juridicamente [16].

            Contudo, para Alexandre de Moraes, foi com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que se consagraram normativamente os direitos fundamentais:




            A consagração normativa dos direitos fundamentais, porém, coube à França, quando, em 26-8-1789, a Assembléia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com 17 artigos. Dentre as inúmeras e importantíssimas previsões, podemos destacar os seguintes diretos humanos fundamentais: princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência á opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção de inocência; liberdade religiosa, livre manifestação de pensamento. [17]

            Paulo Bonavides, também acredita que foi com a Declaração dos Direitos dos Homens de 1789 que se manifestou pela primeira vez a universalidade inerente aos direitos à liberdade e à dignidade humana como ideal de todo ser humano.

            Destaca o autor:




            Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podia talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, portanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração Francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade. [18]

            Posteriormente, a Constituição Francesa de 1793 normatizou os direitos fundamentais consagrados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, incluindo os direitos ao devido processo legal, à ampla defesa, à proporcionalidade entre delitos e penas, à liberdade de profissão, ao direito de petição e aos direitos políticos.

            No decorrer da História, depois de firmados os primeiros passos na Inglaterra, Estados Unidos e França, houve um crescimento na efetivação dos direitos fundamentais, principalmente durante o constitucionalismo liberal do século XIX. A Constituição da Espanha, por exemplo, de 1812, conhecida como Constituição de Cadis, consagrou vários direitos fundamentais. Nesta, todavia, o direito à liberdade religiosa apresentava-se amputado, visto que estabelecia a religião católica como oficial e proibia o exercício de qualquer outra.

            No mesmo sentido, de grande expressão para a evolução dos direito fundamentais foram as constituições de Portugal, de 1822 e da Bélgica, de 1831, sendo que esta, além de reconhecer direitos também já declarados por outros países, estabelecia a liberdade de culto religioso, direito de reunião e associação.

            No entanto, foi a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de 1848 que ampliou os direitos fundamentais consagrando, além dos direitos humanos tradicionais, os direitos à liberdade do trabalho e da indústria, e à assistência aos desempregados, às crianças abandonadas, aos enfermos e aos velhos sem recursos, cujas famílias não pudessem socorrer.

            Ao adentrar o século XX, várias foram as constituições influenciadas pela Declaração de Direitos da Constituição Francesa de 1848, podendo-se citar: Constituição Mexicana de 1917, Constituição de Weimar de 1919, Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, seguida pela primeira Constituição Soviética, do mesmo ano, e a Carta do Trabalho, na Itália em 1927.

            Os direitos fundamentais, trazidos pelas declarações e gradualmente inseridos nas constituições, assumiram um sentido cada vez mais universalizante, passando a ser objeto de reconhecimento supra-estatal em documentos declaratórios.

            Com o intuito de redigir um documento declaratório que servisse de referência aos 21 países da América, criou-se, na ONU (Organização das Nações Unidas) uma Comissão dos Direitos do Homem. Essa comissão, após analisar questões referentes à defesa dos direitos individuais tradicionais e, ao mesmo tempo, destacar a importância dos novos direitos sociais, aprovou em 10 de dezembro de 1948, em assembléia da ONU em Paris, a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

            Destaca José Afonso da Silva:




            A Declaração Universal dos Direitos do Homem contém trinta artigos, precedidos de um Preâmbulo com sete considerandos, em que reconhece solenemente: a dignidade da pessoa humana, como base da liberdade da justiça e da paz; o ideal democrático com fulcro no progresso econômico, social e cultural; o direito de resistência à opressão; finalmente, a concepção comum desses diretos. Constitui o Preâmbulo com a proclamação, pela Assembléia Geral da ONU, da referida Declaração, "o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da Sociedade, tendo esta declaração constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensinamento e pela educação, a desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e assegurar-lhes, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o reconhecimento e a aplicação universais e efetivos [...]". [19]

            Ainda segundo J. A. da Silva, durante a elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem, surgiram várias questões teóricas, como por exemplo, se se deveria elaborar uma declaração ou uma convenção, o que faria grande diferença na eficácia dos direitos nela constantes. Quando se optou por uma declaração, surgiu a questão da não obrigatoriedade de cumprimento, motivo pelo qual a ONU tem procurado patrocinar vários pactos e convenções, no intuito de garantir a eficácia de direitos. [20]

            Destacam-se como de grande expressão o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovados pela Assembléia Geral da ONU em 16 de dezembro de 1966 na cidade de Nova York. O escopo de tais pactos era atribuir eficácia jurídica à Declaração de 1948, sendo que a adesão do Brasil só ocorreu em 1992, alguns anos após o período ditatorial.

            Para José Afonso da Silva [21], no que se refere à criação de instrumentos para assegurar a efetividade dos direitos do homem reconhecidos na Declaração Universal de 1948, a Europa deu passos largos e importantes através do Conselho da Europa, que elaborou vários documentos, culminando na Carta Social Européia, aprovada em 1961 em Turim. A Carta é composta por normas sobre os direitos e garantias econômicos e sociais do homem europeu.

            Todavia, ressalta o autor:




            Antes de todos estes documentos internacionais e multinacionais citados, o primeiro, em nível multinacional, destacando os direitos do homem foi a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, cujo texto agasalha a maiorias dos direitos individuais e sociais inscritos na Declaração Universal de 1948. Ela foi aprovada pela IX Conferencia Internacional Americana, reunida em Bogotá, de 30 de março a 2 de maio de 1948, antecedendo, assim, à da ONU cerca de 8 meses. Na mesma Conferência foi aprovada também a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, consubstanciando os direitos sociais do homem americano. Mais importante, no entanto, é a Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada Pacto de San José de Costa Rica, adotada nesta cidade em 22.11.69, e também institucionalizada, como meios de proteção daqueles direitos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, prevista na Resolução VIII, da V Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores (Santiago do Chile, agosto de 1959), e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que vigora desde 18.6.78, mas no Brasil, só entrou em vigor em 1992, por via de adesão, já que nem tinha sido assinada ainda por nós. [22]

            Foi a falta de eficácia jurídica de documentos que declaravam direitos humanos, que motivou a inserção destes direitos no texto das constituições, conferindo caráter concreto ao que, até então, se considerava abstrato. Com tal inserção, os direitos fundamentais elevaram-se de plano, sendo que atualmente são premissas para a aplicação de qualquer outra norma em um Estado democrático.

            Ressaltamos que, através deste caminho evolutivo pelo qual passaram os direitos fundamentais, aconteceu, ao mesmo tempo, um processo evolutivo de valores e conceitos, principalmente no que tange ao direito à liberdade e à dignidade humana. Por essa razão o estudo dos direitos fundamentais deve ser feito de forma contextualizada para que se garanta a estes direitos, plena eficácia.

            1.3.Gerações de direitos fundamentais

            A doutrina costuma classificar os direitos fundamentais em gerações ou, como querem alguns autores, dimensões.

            A divergência entre a expressão gerações e dimensões não passa da esfera terminológica, como afirma Ingo Wolfgang Sarlet. [23] Tal divergência ocorre, porque um número de autores acredita que o termo "gerações" faz subentender uma sobreposição de direitos fundamentais, sendo que o termo "dimensões" os coloca em situação de cumulatividade e não de alternância.

            SalientaSarlet:




            Num primeiro momento, é de se ressaltar as fundadas criticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo "gerações", por parte da doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão "gerações" pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo "dimensões" [...] [24]

            Atualmente se fala na existência de quatro gerações de direitos fundamentais, dentre as quais três já estão consolidadas, e a quarta está em fase de desenvolvimento e reconhecimento.

            Paulo Bonavides correlaciona os direitos da primeira, da segunda e da terceira gerações, com os direitos de liberdade, igualdade e fraternidade, conforme tem sido largamente assinalado, com inteira propriedade, por abalizados juristas". [25]

            Os direitos de primeira geração são recepcionados como direitos de liberdade, ou seja, direitos civis e políticos. Foram os primeiros a serem reconhecidos em instrumentos normativos constitucionais, tendo como titular o indivíduo e sendo oponíveis contra o Estado. Pedia-se, dessa forma, uma prestação negativa do poder estatal, no sentido de que este não interferisse na autonomia individual do cidadão. Segundo Bonavides, "já se consolidaram em sua projeção de universalidade formal, não havendo constituição digna desse nome que os não reconheça em toda extensão". [26]

            A segunda geração de direitos fundamentais é considerada a dos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades. A base dos direitos desta geração é o direito de igualdade. Esta geração, ao contrário da anterior, declara direitos que visam obter uma prestação positiva do Estado em favor dos que vivem à margem da ordem social e econômica. Tais direitos são oriundos de lutas de uma classe social nova, os trabalhadores.

            Os direitos de terceira geração são conhecidos como os de fraternidade e não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado, tendo como destinatário o gênero humano. Esses direitos, com afirma Bonavides, "emergiram da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à comunicação a ao patrimônio comum da humanidade". [27] Também são considerados direitos de terceira geração os relacionados com a proteção ao consumidor, à infância e à juventude, ao idoso, ao deficiente físico, à saúde e à educação pública.

            Quanto ao surgimento de uma quarta geração de direitos fundamentais, Paulo Bonavides apresenta o tema de forma profética, apostando no desenvolvimento de uma globalização política que venha a reconhecer universalmente, no campo institucional, o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. No entanto, para que esses direitos de quarta geração ganhem concretude jurídica, existe a necessidade do reconhecimento no direito positivo interno e internacional garantindo, assim, a almejada democracia positivada e globalizada.

            Para o autor,




            nessa democracia, a fiscalização de constitucionalidade daqueles direitos enunciados – direitos, conforme vimos, de quatro dimensões distintas – será obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional suprema, à propositura da ação de controle, sempre em moldes compatíveis com a índole e o exercício da democracia direta. [28]

            Cumpre ressaltar, que, tratando-se de evolução de direitos fundamentais, nunca há de se considerar o assunto esgotado, pois existe uma latente dialética social em torno dos anseios dos cidadãos e do conceito de dignidade humana, fazendo com que novas lutas sejam travadas a fim de se obter conquistas reais a serem inseridas concretamente no patrimônio jurídico da humanidade.

            1.4.Características

            Além de conceituar e apresentar os possíveis fundamentos para os direitos fundamentais, faz-se necessário destacar a importância de conhecermos as diversas características que estes apresentam, pois através delas é que será possível identificá-los como direitos de elevada posição no ordenamento jurídico.

            Contudo, Gonet Branco destaca que "se a tarefa de conceituar os direitos fundamentais enfrenta algumas dificuldades, fixar-lhes características que sejam sempre válidas em todo o lugar também é mister complexo, se é que possível". [29]

            Assim sendo, elencamos algumas características dos direitos fundamentais:

            - Historicidade – são criados em um contexto histórico e, posteriormente, ao serem colocados na Constituição, tornam-se Direitos Fundamentais positivados;

            - Imprescritibilidade - não prescrevem, ou seja, não se perdem com o passar do tempo;

            - Irrenunciabilidade - não podem ser objeto de renúncia. Sobre esta característica, aprofundaremos os estudos, pois ela está inserida na discussão central deste trabalho;

            - Inviolabilidade – não podem ser desrespeitados por normas infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, havendo as possibilidades de responsabilização civil, criminal e administrativa quando desrespeitados;

            - Indisponibilidade – São os direitos que visam resguardar a vida biológica ou intentem preservar as condições normais de saúde física e mental, bem como a liberdade de tomar decisões sem coerção externa. [30]

            - Universalidade - são dirigidos ao ser humano em geral, não podendo ficar restritos a um grupo, categoria ou classe de pessoas;

            - Efetividade – devem ser garantidos e plenamente efetivados pelo Poder Público, sendo utilizado mecanismos coercitivos para tanto, se for necessário;

            - Interdependência – são de alguma forma interligados entre si, apesar de autônomos;

            - Concorrência - podem ser exercidos vários Direitos Fundamentais ao mesmo tempo;

            - Complementaridade – devem ser interpretados de forma conjunta, de maneira a atingir os objetivos previstos na Constituição.

            Como já foi mencionado, a restrição religiosa à transfusão de sangue, enfocada à luz dos direitos fundamentais é o tema central da pesquisa. Assim sendo, será necessária uma analise destes sob o prisma da inviolabilidade e indisponibilidade, o que será feito oportunamente.

2 DO DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E DO DIREITO À VIDA

            2.1 Do direito à liberdade

            Antes de adentrarmos o estudo do direito à liberdade religiosa e do direito à vida, pontos chave deste trabalho, necessário se faz tecer algumas considerações sobre o direito à liberdade de maneira genérica, no intuito de situar teoricamente o tema.

            A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, elenca os direitos e deveres individuais e coletivos dos cidadãos, sendo que, no seu caput, apresenta de forma expressa o direito fundamental à liberdade na seguinte redação: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade[...](grifo nosso)"

            O termo liberdade deriva do latim libertas, de leber (livre), indicando genericamente a condição de livre ou estado de liberdade. Significa, no conceito jurídico, a faculdade ou o poder outorgado à pessoa para que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas, no entanto, as regras legais instituídas [31].

            Falar em liberdade sem invadir o campo filosófico é praticamente impossível, devido ao conteúdo imensamente profundo e importante que o termo representa para cada pessoa e para a humanidade como um todo.

            Difícil também, apresentar um conceito uno e abrangente para o termo "liberdade", uma vez que o termo assumiu diferentes nuances no decorrer da história até chegar ao dias de hoje.

            Não podemos ser ingênuos a ponto de achar que o conceito de liberdade é o mesmo desde que as primeiras bandeiras foram levantadas na luta para o reconhecimento deste direito, pois como ensina J. A. da Silva, "[...] a História mostra que o conteúdo da liberdade se amplia com a evolução da humanidade. Fortalece-se, estende-se, à medida que a atividade humana se alarga. Liberdade é conquista constante". [32] Nunca devemos pensar em um conceito pronto e acabado para o termo liberdade, pois, a história se constrói diariamente e com ela surgem novos contextos, novos questionamentos e novos valores sociais.

Paulo Gustavo Gonet Branco [33] lembra a distinção feita por Benjamim Constant, quanto à existência de duas classes relevantes na evolução dos conceitos de liberdade: o entendimento dos antigos e dos modernos.

            No entendimento antigo, a liberdade estava relacionada com a possibilidade do cidadão exercer seus direitos políticos, ao passo que, no entendimento moderno, a liberdade se vincula à realização da vida pessoal. A associação entre conceito de liberdade e resistência à opressão ou à coação do Estado, que por muito tempo foi difundida, colocava-a em sentido negativo à autoridade. O termo autoridade era entendido como autoritarismo, comportamento dotado de abusos e discricionariedades que cerceavam os direitos e garantias dos cidadãos. Percebe-se que o conceito era adaptado à realidade de um momento histórico.

            Foi preciso uma tomada de consciência por parte dos cidadãos de que a luta pela liberdade implicava bem mais do que serem considerados livres perante o Estado: era necessário que fossem considerados iguais uns aos outros para poderem buscar uma liberdade de forma ampliada.

            Ensina Perez Luño que "a liberdade sem igualdade não conduz a uma sociedade livre e pluralista, mas a uma oligarquia, vale dizer, à liberdade de alguns e à não liberdade de muitos" ainda que não se possa perder de mira que "a igualdade sem liberdade não conduz à democracia, mas ao despotismo, ou seja, à igual submissão da maioria à opressão de quem detêm o poder (situação que evoca a divisão do igualitarismo cínico do Animal Farm de George Orwell, a teor do qual ‘ todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros’)". [34]

            Hodiernamente, considerando a evolução dos direitos fundamentais e o fato de vivermos em um Estado Democrático de Direito, não cabe mais nos apegarmos ao conceito antigo de liberdade, pois o termo autoridade, que até então se resistia, assumiu nova postura, novo significado.

            Como explica J. A. da Silva, a autoridade




            provém do exercício da liberdade, mediante o consentimento popular.

            [...]

            Nesse sentido, autoridade e liberdade são situações que se completam. É que a autoridade é tão indispensável à ordem social – condição mesma da liberdade – como esta é necessária à expansão individual. Um mínimo de coação há sempre que existir. ‘O problema está em estabelecer, entre a liberdade e a autoridade, um equilíbrio tal que o cidadão médio possa sentir que dispõe de campo necessário à perfeita expressão de sua personalidade’. Portanto não é correta a definição de liberdade como ausência de coação. O que é válido afirmar é que a liberdade consiste na ausência de coação anormal, ilegal e imoral. Daí se conclui que toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe. [35]

            Quanto a questão da limitação da liberdade, Aldir Guedes Soriano, ao citar Immanuel Kant, acrescenta que, para este, "o conceito de liberdade é a chave da explicação da autonomia da vontade". [36]

            Atenta, porém, Soriano:




            O princípio de Autonomia da Vontade e o conceito de liberdade, para Kant, não ilidem a heteronomia. Esta vincula uma vontade impessoal, emanada do poder legiferante, e imposta, coercitivamente, aos indivíduos (verticalidade). Assim, a liberdade individual está subordinada à vontade estatal. Portanto, a liberdade não é um direito absoluto. Alguém já disse que ‘a liberdade termina, quando começa a liberdade de outrem’. Cabe à lei determinar esse limite à liberdade. [37]

            Dentro da visão moderna de liberdade, em que a realização pessoal é o objetivo maior, conceitua Silva: "Liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal". [38]

            No entanto, a democracia é fator imprescindível para que se possa coordenar os meios necessários à realização da felicidade pessoal, pois a liberdade encontra neste regime, campo para se expandir e, assim, quanto maior o grau de democratização, maior é a conquista de liberdade. [39]

            Essa expansão de direitos é um fenômeno atribuído à superação da fase em que os "direitos fundamentais buscavam proteger reivindicações comuns a todos os homens e passaram a, igualmente, proteger seres humanos que se singularizam pela influência de certas situações específicas em que apanhados". [40] Esta singularização do homem, ao nosso ver, nada mais é do que o reconhecimento das diversas formas de ser e viver em sociedade.

            A expansão ou multiplicação de direitos, devido a singularização do homem, ocorre dentro dos próprios direitos tradicionais. É o que observamos em relação ao direito à liberdade, quando dividido em varias espécies, recebendo da doutrina a seguinte separação:

            - Liberdade da pessoa física, compreendendo a liberdade de locomoção e circulação.

            - Liberdade de pensamento, compreendendo a liberdade de opinião, religião, informação, artística e comunicação do conhecimento;

            - Liberdade de expressão coletiva, manifestada pela liberdade de reunião e associação;

            - Liberdade de ação profissional através da livre escolha e de exercício de trabalho, ofício e profissão;

            - Liberdade de conteúdo econômico e social, compreendendo a liberdade econômica, a livre iniciativa, a liberdade de comércio, a liberdade ou autonomia contratual, a liberdade de ensino e a liberdade de trabalho.

            Ainda dentro da questão conceitual, existe a divisão do direito à liberdade em interna e externa. Tal separação apresenta um conteúdo um tanto filosófico, porém de grande relevância para identificar qual tipo de liberdade se está analisando e de que forma deverá ser interpretada.

            José Afonso da Silva trata a questão da seguinte maneira:




            Liberdade interna (chamada também de liberdade subjetiva, liberdade psicológica ou moral e especialmente liberdade de indiferença) é o livre-arbítrio, como simples manifestação da vontade no interior do homem. Por isso chamada igualmente liberdade do querer. Significa que a decisão entre duas possibilidades opostas pertence, exclusivamente, à vontade do indivíduo; vale dizer, é poder de escolha, de opção, entre fins contrários. È daí o nome que se lha dá: liberdade dos contrários (...) A questão fundamental, contudo, é saber se, feita a escolha, é possível determinar-se em função dela. Isto é, se se têm condições objetivas para atuar no sentido da escolha feita, e aí se põe a questão da liberdade externa. [41]

            Sobre a liberdade externa, continua o autor:




            Esta que é também denominada liberdade objetiva, consiste na expressão externa do querer individual, e implica o afastamento de obstáculo ou de coação, de modo que o homem possa agir livremente. Por isso é que também se fala em liberdade de fazer, "poder de fazer tudo o que se quer. Mas um tal poder [como observa R-M. Mossé-Bastide] se não tiver freio, importará no esmagamento dos fracos pelos fortes e na ausência de toda liberdade dos primeiros". É nesse sentido que se fala em liberdades no plural, liberdades públicas (sentido estrito) e liberdades políticas. [42]

            No que concerne ainda à classificação das liberdades, destacamos que existem outras modalidades, com conceitos e tratamentos distintos. A liberdade interna, tratada como de foro íntimo e também chamada de liberdade de pensamento, abriga, dentre outras, a liberdade de consciência e de crença, objetos do nosso estudo. Já a liberdade externa, também conhecida como liberdade de exteriorização de pensamento, abriga a liberdade de culto (também objeto deste estudo), liberdade de informação jornalística, liberdade de cátedra, liberdade científica e liberdade artística [43].

            Neste trabalho trazemos à baila o tema referente à liberdade e seu alcance, ou seja, até que ponto a liberdade interna do ser humano, ou o seu poder de escolha, pode determinar os acontecimentos sem entrar em conflito com a liberdade externa, conhecida como o poder de fazer.

            A questão levantada sobre o óbice à transfusão de sangue em adeptos da religião Testemunha de Jeová, merece uma analise sob o prisma das liberdades, especialmente no tocante à liberdade religiosa, o que será objeto de considerações aprofundadas mais adiante.

            2.1.1 Do direito à liberdade religiosa

            A necessidade de seguir referenciais sempre fez parte do comportamento humano e, dentro deste contexto, a religião sempre foi uma forma de unir pessoas em torno de valores e crenças que por fim acabam por influenciar os comportamentos sociais.

            A busca para explicações sobre a vida e seus fenômenos, inclusive a morte, é uma constante na sociedade. As religiões apresentam-se oferecendo respostas a estas indagações, de acordo uma doutrina pautada na crença e culto a uma divindade e nos seus dogmas.

            Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "a religião constitui um dos mais fortes componentes das diferentes civilizações. Não é por outra razão que os estudiosos das civilizações o mais das vezes as caracterizam em função desse elemento religioso: civilização cristã; civilização muçulmana etc". [44]

            Ao tratarmos sobre religião, corremos o risco de adentrarmos um campo nebuloso e controvertido. Em todo o mundo existem conflitos embalados por questões religiosas, cuja moral muitas vezes questionamos. A verdade é que cada cultura possui uma forma de manifestar seus valore. A religião é uma maneira de expressão espiritual, ideológica e cultural de um povo e, como tal, deve ser respeitada.

            De acordo com Derek H. Davis, levou séculos, até milênios, de guerras e perseguições religiosas para que a maior parte das nações-Estados modernas chegasse a uma posição de consenso sobre a necessidade da liberdade de religião. O princípio é agora amplamente aceito, especialmente no Ocidente.

            Segundo o autor,




            o princípio moderno de liberdade religiosa, através do qual os governos declaram sua neutralidade sobre questões religiosas, permitindo a cada cidadão individual, com base na sua própria dignidade humana, adotar suas crenças religiosas sem medo de represália, é conseqüência natural do esclarecimento. Ele recebeu reconhecimento universal na Declaração de 1948, sem dúvida o maior marco da evolução da liberdade religiosa internacional. [45]

            O autor destaca que, além da Declaração Universal de 1948, três outros documentos internacionais significativos foram desenvolvidos no século XX com o propósito de promover princípios de liberdade religiosa: a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com base na Religião ou Crença (1981); e o Documento Final de Viena (1989).

            No entanto, esses documentos internacionais estão comprometendo apenas as nações que tomem medidas para dar-lhes situação legal, ou seja, eles não são auto-executáveis. As proteções à liberdade religiosa contidas nos documentos internacionais não possuem efeito de lei: elas estão somente moldando a legislação de direitos humanos nas nações participantes e são característica fundamental de uma ordem mundial em desenvolvimento. [46]

            No âmbito nacional, podemos destacar a liberdade religiosa como um dos mais importantes direitos individuais previstos na Constituição da República. Para Alexandre de Moraes esta liberdade significa a demonstração da "verdadeira consagração de maturidade de um povo". [47]

            Este direito está gravado no art. 5º, inciso VI, de nossa atual Constituição, que textualmente diz: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". [48]

            Concebido como direito fundamental de primeira geração, impõe-se precipuamente ao Estado, como "um dever de não-fazer, de não-atuar, de abster-se, enfim, naquelas áreas reservadas ao indivíduo". [49] Para Moraes, "a abrangência do preceito constitucional é ampla, pois sendo a religião o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto". [50]

            Para Pontes de Miranda, a liberdade religiosa é uma especialidade da liberdade de pensamento, por ser vista somente no que concerne à religião. [51] Soriano, contudo, destaca a dificuldade de se reconhecer sua importância e alcance, sem que haja uma provocação direta e material. O autor utiliza as sábias palavras de Rui Barbosa para ilustrar tal consideração:




            A liberdade religiosa, como a liberdade de consciência, é um diâmetro de natureza tão elevada, tão difíceis de palpar são, em teoria, as suas relações com os interesses individuais e sociais do homem, que o povo não se pode apaixonar por ela, compreender-lhe o alcance, tentar-lhe a reivindicação enquanto o não despertam com uma provocação direta e material. [52]

            Soriano acrescenta também "que alguém já assinalou que a liberdade pode ser comparada ao ar que respiramos, de forma a só se reconhecer o valor, quando nos é subtraído". [53]

            2.1.1.1 Subdivisão da liberdade religiosa

             De acordo com José Afonso da Silva, a liberdade religiosa, se subdivide em três partes: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa [54].

            a) A liberdade de crença assegura a liberdade de escolha da religião que se deseja seguir, a liberdade para aderir a seita ou denominação qualquer, a liberdade para se alterar de religião e ainda a liberdade de não seguir religião alguma, optando pelo ateísmo. Tal liberdade é considerada de cunho interno, pois diz respeito ao poder de escolha do ser humano em conformidade às suas convicções pessoais.

            Na Constituição de 1967/1969, art. 153, §5º, o direito à liberdade de crença e de culto era enquadrado no direito à liberdade de consciência, sendo que aos crentes era assegurado o exercício dos cultos religiosos. A inserção da liberdade de crença e culto na liberdade de consciência não se repetiu na Constituição de 1988, que se expressa da seguinte forma no inciso VI do art. 5º: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos..."(grifo nosso) [55]

            Segundo Celso Ribeiro Bastos, a separação de liberdade de consciência e de crença, é uma forma de melhor proteger ambas:




            É esta sem dúvida a melhor técnica, pois a liberdade de consciência não se confunde com a de crença. Em primeiro lugar, porque uma consciência livre pode determinar-se no sentido de não ter crença alguma. Deflui, pois, da liberdade de consciência uma projeção jurídica que inclui os próprios ateus e o agnósticos. [56]

            b) A liberdade de culto compreende a de expressar-se em casa ou em público quanto às tradições religiosas, os ritos, os cerimoniais e todas as manifestações que integrem a doutrina da religião escolhida. É a exteriorização da escolha feita através da prática dos atos próprios de determinada religião.

            A liberdade de culto nem sempre foi tutelada constitucionalmente. A Constituição de 1824 adotava a religião católica como oficial do Império, sendo que outras religiões eram toleradas apenas em culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, que não podiam ter forma exterior de templo. Com isso, podia-se falar em liberdade de crença, porém, não de culto.

            Nas Constituições posteriores o tratamento à liberdade religiosa se deu de forma diferente, passando a ser assegurado o direito de liberdade de crença e de culto. Entretanto, o exercício dos cultos era condicionado à observância da ordem pública e dos bons costumes.

            A atual Constituição assegura o direito à liberdade de culto, mas não o condiciona mais à observância da ordem pública e dos bons costumes, como acontecia nas anteriores. No entender de José Afonso Silva, "esses conceitos que importavam em regra de contenção, de limitação dos cultos já não mais o são. É que, de fato, parece impensável uma religião cujo culto, por si, seja contrário aos bons costumes e à ordem pública." [57]

            Segundo Bastos, "embora a atual Constituição não faça referência expressa à observância da ordem pública e dos bons costumes como fazia a anterior, estes são valores estruturantes de toda ordem normativa". [58]

            Da lição de Cretella Junior absorvemos o seguinte:




            A liberdade religiosa, pela própria natureza que se reveste, apresenta modalidades diversas; intimamente qualquer um pode adotar o culto ou a fé que mais lhe convier, sem que o Estado possa penetrar ou violar os sentimentos individuais.O mesmo não ocorrerá, porém, quanto às exteriorizações desses sentimentos religiosos, manifestações que se acham vinculadas aos interesses da ordem pública, dos bons costumes, dos direitos da coletividade. Determinadas práticas religiosas, ofensivas à moral e a ordem pública, são necessariamente proibidas porque podem provocar tumultuo que tragam danos ao particular ou à coletividade. [59]

            De fato, não podemos conceber que as religiões ou seitas, ao estipularem seu culto, ignorem os valores norteadores da sociedade, pois, se assim for, estaremos legitimando práticas que colocam em risco a própria estrutura social.

            c) A liberdade de organização religiosa é entendida como sendo a que diz respeito à faculdade que se dá aos que confessam uma determinada religião, de organizarem-se sob a forma de pessoa jurídica para a realização de atos de natureza civil em nome da fé professada. De acordo com J. A. da Silva, "essa liberdade diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado" [60], relação esta que, como destaca o autor, observa três formas de manifestação: a confusão, a união e a separação.

            Na confusão, o Estado se confunde com determinada religião; é o Estado teocrático, como o Vaticano e os Estados Islâmicos. Na hipótese da união, verificam-se relações jurídicas entre o Estado e determinada Igreja no concernente à sua organização e funcionamento, como, por exemplo, a participação daquele na designação dos ministros religiosos e sua remuneração. Foi o sistema do Brasil Império. [61]

            A separação, segundo Celso Ribeiro Bastos, é o sistema no qual o Brasil está enquadrado desde que se tornou República. Formou-se, assim, um Estado laico ou não-confessional, indiferente às diversas igrejas que podem livremente constituir-se, adquirindo personalidade jurídica. [62]

            A norma constitucional hoje esculpida no art. 19 da Carta Maior demonstra esta separação:

            É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:




            I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.[...] [63]

            Destacamos também, no que se refere à liberdade religiosa, suas decorrências:

            - Direito de assistência religiosa, assegurado em entidades civis e militares de internação coletiva, como quartéis, internatos, estabelecimentos penais e manicômios, garantido constitucionalmente pelo art. 5º, VII da CF.

            - Objeção ou escusa de consciência, que vem a ser o direito de não prestar serviço militar ou qualquer outra obrigação legal a todos imposta por motivo de crença religiosa, filosófica ou política. Tal faculdade remete o objetor a cumprir prestação de serviço social alternativo, como forma de não perder seus direitos políticos (arts. 5º, VIII e 15, IV da CF). É a situação que se enquadram principalmente os adeptos da religião Testemunha de Jeová.

            - Ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino fundamental, o que significa que o aluno não é obrigado a matricular-se na disciplina se assim não quiser.(art. 210, § 1º da CF)

            - Reconhecimento do casamento religioso para efeitos civis. (art. 226, §§ 1º e 2º da CF).

            Apesar de reconhecermos a pertinência da divisão doutrinária sobre a liberdade de religião, neste trabalho trataremos as liberdades de crença e de culto como, simplesmente, liberdade religiosa. Estamos cientes de que a liberdade de crença refere-se a um direito de foro intimo, enquanto a liberdade de culto está relacionada a um direito de exteriorização das crenças. Contudo, consideramos que estes direitos complementam-se e assumem um conteúdo semântico amplo, melhor representado pela terminologia liberdade religiosa.

            2.1.2 A religião Testemunha de Jeová

            Com a possibilidade de uma pluralidade de religiões, graças à expansão dos conceitos da sociedade e da garantia jurídica à liberdade religiosa, novas religiões surgem. Assim surge também a necessidade de uma assimilação jurídica das situações a elas intrínsecas, no sentido de haver uma inclusão social.

            É sob este contexto que apresentamos a Religião Testemunhas de Jeová, elemento do nosso estudo. Esta religião é classificada como "cristã de fronteira", por ser um grupo religioso independente do catolicismo e do protestantismo, que atribui sua doutrina a uma revelação divina especial. [64]

            Fruto do pluralismo religioso já mencionado, a religião Testemunha de Jeová surgiu no começo da década de 1870, através de um pequeno grupo de estudo bíblico coordenado por Charles Taze Russell em Allegheny, Pensilvânia, EUA.

            Russell tinha grande dificuldade de aceitar a doutrina da condenação eterna ao inferno e, em seus estudos, veio a anular não apenas a punição eterna, mas também a Trindade, a deidade de Cristo e o Espírito Santo [65].

            Em 1879, Russell publicou o primeiro volume da revista conhecida atualmente como "A Sentinela" e, por volta de 1880, já se haviam formado inúmeras congregações nos estados vizinhos, a partir daquele pequeno grupo de estudo bíblico.

            Em 1881, formou-se nos Estados Unidos a Sociedade de Tratados da Torre de Vigia de Sião, estatuída em 1884, tendo Russell como presidente. Mais tarde a sociedade passou a se chamar Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, nome pelo qual, é conhecida até hoje.

            Essa sociedade é responsável por difundir mundialmente a doutrina religiosa, fundamentada nos textos bíblicos, dos quais retira as diretrizes a serem seguidas pelas Testemunhas de Jeová.

            No Brasil, esta religião foi introduzida no Rio de Janeiro em 1923 por um grupo de marinheiros norte-americanos. Sua sede nacional se localiza em Cesário Lange, em São Paulo. [66]

            Atualmente o grupo é composto por cerca de seis milhões de adeptos em mais de 230 países e é considerada uma das religiões que mais cresce no Brasil. Em número de adeptos, nosso país só perde para os Estados Unidos, de acordo com a página eletrônica oficial da Sociedade Torre de Vigia. [67]

            Assim como em todas as religiões, vários dogmas fazem parte da doutrina das Testemunhas de Jeová, sendo que o fato de não aceitarem tratamento médico com transfusão de sangue é de conhecimento público e causador de grande polêmica no meio médico e jurídico.

            As Testemunhas de Jeová crêem tão intensamente em seus dogmas, que o recebimento de transfusão de sangue é negado sob qualquer circunstância, inclusive em emergências que conferem ao paciente iminente risco de vida, criando, então, uma celeuma jurídica.

            2.2 Do direito à vida

            Antes de abordarmos o aspecto jurídico que envolve o direito à vida, cumpre-nos ao menos tentar conceituar este presente-mistério chamado vida, classificado por José Afonso da Silva, como "ser que é objeto de direito fundamental" [68].

            Ao abordar a questão do direito à vida, o autor reconhece a dificuldade de apresentar uma definição para o vocábulo vida, tecendo a seguinte consideração: "Não intentaremos dar uma definição disto que se chama vida, porque é aqui que se corre o risco de ingressar no campo da metafísica supra-real, que não nos levará a nada". [69]

            No entanto, apesar do receio de iniciar uma divagação filosófica sobre o assunto, o autor acaba por apresentar a seguinte definição:




            Vida, no texto constitucional (art. 5o, caput) não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando então de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida. [70]

            Ao discorrermos sobre a vida humana, devemos sempre ter em mente que tudo o que o direito tutela está diretamente ligado à sua organização e manutenção. Uma vez, existindo vida, automaticamente existirá a necessidade de regulá-la e protegê-la. É sob este enfoque que J. A. da Silva afirma que a vida é a "fonte primária de todos os outros bens jurídicos". [71]

            O direito à vida é contemplado na Constituição Federal, no título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, art. 5º caput: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]" [72] (grifo nosso)

            Dentro da teoria dos direitos naturais, o direito à vida é passível apenas de reconhecimento pelo Estado, vez que, é inerente á própria vida. Ives Gandra da Silva Martins assim defende: "Em verdade o direito fundamental do ser humano à vida, é lei não criada pelo Estado, mas pelo Estado apenas reconhecida, é que pertence ao ser humano pelo simples fato de ter sido concebido. É-lhe inerente, e não concedida." [73]

            Se o direito à vida for considerado como o mais fundamental dos direitos, por dele derivarem todos os demais direitos, este, então, é regido pelas premissas constitucionais da inviolabilidade e irrenunciabilidade. Isso significa que o direito à vida não pode ser desrespeitado por terceiros, tampouco pelo Estado, não podendo dispor dele o indivíduo almejando sua morte.

            É função do Estado assegurar o direito à vida – não apenas no sentido de estar vivo – mas também no sentido de garantir ao cidadão uma vida digna quanto à sua subsistência. Neste sentido, afirma Moraes: "o Estado deverá garantir esse direito a um nível adequado com a condição humana, respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa". [74]

            Grande parcela da doutrina defende que o direito à vida é o primeiro e mais importante de todos os direitos, pois, se assim não fosse, de nada adiantaria assegurar os outros direito fundamentais. É esse o entendimento de Pinho: "O direito à vida é o principal direito individual, o bem jurídico de maior relevância tutelado pela ordem constitucional, pois o exercício dos demais direitos depende de sua existência". [75]

            A tarefa de consubstanciar juridicamente o direito à vida cumpre ao Direito Constitucional, viga mestra de todas as ramificações do ordenamento pátrio. No entanto, há de ser situado o direito à vida, sob o enfoque do direito civil, nos chamados direitos de personalidade como, também, no direito penal, quanto às sanções previstas aos atentados contra a vida.

            Pontes de Miranda, em obra sobre direitos de personalidade, afirma:




            O direito á vida é inato, quem nasce com vida tem direito a ela. (...) Com o nascimento da personalidade (= entrada do nascimento do ser humano no mundo jurídico), nasce o direito à vida como irradiação de eficácia do fato jurídico stricto sensu do nascimento do ser humano com vida (art. 4º, 1º parte). Nas leis penais e policiais, muitas são as regras jurídicas que protegem a vida. Antes do nascimento, resguarda-se. [76]

            Ao considerarmos o direito à vida um direito inato, acreditamos que cabe ao Estado oferecer condições para seu pleno exercício, agindo através de medidas legais, por meio do seu poder de polícia, ou através da não intervenção na seara dos direitos individuais.

3 DA COLISÃO ENTRE O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E O DIREITO À VIDA

            3.1 A recusa ao tratamento com sangue

            A recusa à terapia transfusional por motivação religiosa, manifestada por pacientes em perigo de vida ou não, de acordo com o Professor José Roberto Goldim [77], é mais freqüente do que se imagina.

            Essa recusa desencadeia uma série de conseqüências que fazem deste estudo merecedor de atenção no meio jurídico, sob o aspecto dos Direitos Fundamentais, por se tratar de situação diretamente ligada ao ser humano, envolvendo sua liberdade, vida e dignidade.

            O fundamento para a proibição do recebimento de transfusão está na natureza sacra conferida ao sangue através da interpretação feita pelas Testemunhas de Jeová, dos seguintes textos bíblicos:




            Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento: eu vos dou tudo isto, como vos dei a erva verde. Somente não comereis carne com a sua alma, com seu sangue [78]. (Gênesis 9: 3-4.)

            A todo israelita ou a todo estrangeiro, que habita no meio deles, e que comer qualquer espécie de sangue, voltarei minha face contra ele, e exterminá-lo-ei do meio de meu povo [79] (Livro Levítico 17:10)

            Portanto, partindo da interpretação feita do texto acima transcrito, as Testemunhas de Jeová crêem que Deus os proibiu de receber sangue alheio. Quem o receber será considerado impuro aos olhos do Senhor, sendo este o pior castigo que lhes poderia acometer.

            Julio de Queiroz [80], ao tratar sobre o ato médico e as convicções religiosas, apresenta um motivo para o entendimento de que é proibido receber sangue alheio.

            Segundo Queiroz, a bíblia na Idade Média era escrita exclusivamente em latim, sendo que somente o clero católico a podia ler. Quando houve a Reforma iniciada por Marinho Lutero (1483-1546), na Alemanha, a bíblia foi traduzida para as línguas nacionais. Uma das conseqüências foi a tradução literal de seus textos, os quais foram lidos por pessoas semi-alfabetizadas, filosófica e teologicamente despreparadas, que deram origem a vários grupos religiosos, autodenominados evangélicos. [81]

O autor destaca ainda:




            tais interpretações fizeram com que alguns de seus membros, como aqueles que não aceitam a transfusão de sangue para doentes, voltassem a conceitos pré-cristãos, baseados na proibição feita ao povo hebreu, de "não tomar sangue alheio", pois alguns dos povos vizinhos de Israel, ritualmente, bebiam o sangue das vitimas sacrificadas aos seus deuses. [82]

            No entanto, em que pese a versão apresentada pelo autor citado, preferimos não entrar na seara da discussão sobre a interpretação realizada pela religião de que tratamos. Partimos do ponto de que essa interpretação é a base de um dogma religioso e como tal deve ser admitido, respeitado e analisado, pela ótica jurídica.

            É neste sentido que Aldir Guedes Soriano levanta a questão da ocorrência de um "conflito entre dois valores ou direitos tutelados pela CF/88, verbi gratia, a liberdade religiosa e o direito à vida". [83]

            Com efeito, argumenta-se que as Testemunhas de Jeová não têm a intenção de renunciar à vida quando negam a terapia transfusional. Apenas manifestam a vontade de serem submetidas a tratamento alternativo ao sangue, como ilustra Soriano:




            Não obstante, os que professam a orientação das Testemunhas de Jeová não pretendem renunciar à vida, porquanto almejam continuar vivos. Assim sendo não recusam tratamento médico. Argumentam, entretanto, que se poderiam utilizar tratamentos alternativos para se evitarem as transfusões sangüíneas, que, por sinal podem acarretar inúmeras infecções, inclusive a temível AIDS". [84]

            Atualmente, é visível a evolução da ciência médica quanto ao desenvolvimento de tratamentos e cirurgias sem a utilização de sangue, de sorte que a transfusão já não é considerada com a única terapêutica capaz de salvar a vida do paciente que dela necessite, como afirma Celso Ribeiro Bastos:




            Há sim outros tratamentos alternativos – desenvolvidos e utilizados por médicos alopatas, e não por sectários de uma religião específica – que atingem o mesmo resultado. São eles: os expansores do volume do plasma, os fatores de crescimento hematopoéticos, a recuperação intra-operatória do sangue no campo cirúrgico, a hemostadia meticulosa etc. O fato de se ter mais de um tratamento em substituição à transfusão de sangue já nos leva logo a concluir que este não é o único modo de salvar a vida do paciente. Pode-se, portanto, prescindir dele por outras formas alternativas de tratamento. [85]

            O Código de Ética Médica, em seu art. 5º dispõe que,




            "O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente". [86] Assim sendo, segundo o professor de ética médica da USP, Dr. Marco Segre, em palestra ministrada sobre o assunto em tela, em abril de 1996, na cidade de Ribeirão Preto, "[...] o fato de existir uma crença religiosa que impede a aceitação de sangue está contribuindo enormemente para o desenvolvimento científico". [87] Expõe também o raciocínio de que existe a possibilidade de, no futuro, não se falar mais em transfusões de sangue, já que será mais seguro utilizar tratamentos que não ofereçam riscos de contaminação ao paciente.

            É inquestionável que o surgimento de alternativas médicas para a transfusão de sangue é uma solução para o problema ético e jurídico, causado pela recusa expressa do paciente. É, também, uma forma de se evitar que a liberdade religiosa e a vida sofram algum prejuízo. Porém, segundo Soriano, ainda não há alternativa para todos os caso que necessitam transfusão de sangue, remanescendo o problema, "especialmente nos casos em que há uma grande perda de sangue, e o tratamento, chamado alternativo, não é suficiente, para se manter a vida do paciente". [88]

            Baseando-se em autores da área médica, Soriano salienta que apesar da evolução da ciência, o tratamento hemoterápico ainda é imprescindível nos casos de hemorragia aguda em que há grande perda de hemácias. Responsáveis pelo transporte de oxigênio, as hemácias somente são substituíveis por outras hemácias. [89]

            Portanto, as terapias sem a utilização de sangue não podem ser ministradas em todos os casos, havendo situações nas quais surgirá inevitavelmente o conflito entre a liberdade religiosa e o direito à vida.

            No que condiz às situações em que o paciente não corre risco de vida, e havendo a possibilidade de serem utilizadas outras formas de tratamento, sem ministrar sangue, a doutrina inclina-se para o entendimento de que a vontade do paciente, com sustentação no direito fundamental à liberdade religiosa, deve ser respeitada.

            Neste sentido, Soriano posiciona-se: "Nos casos em que é possível o tratamento alternativo e é desnecessária a transfusão sangüínea, é evidente que a liberdade religiosa do paciente deverá ser, sempre, respeitada. Nesse particular não há dúvida alguma." [90]

            É este também o posicionamento do Conselho Federal de Medicina com base no Parecer nº 21/80 que deu origem à Resolução de número 1.021/80 [91] com o seguinte teor:




            A transfusão de sangue teria precisa indicação e seria a terapêutica mais segura para a melhora ou cura do paciente.

            Não haveria, contudo, qualquer perigo imediato para a vida do paciente se ela deixasse de ser praticada.




            Nessas condições, deveria o médico atender o pedido de seu paciente, abstendo-se de realizar a transfusão de sangue. (grifo nosso)

            No entanto, quando a situação envolve risco de vida do paciente, a orientação do Conselho Federal de Medicina, com base na mesma resolução acima citada, é de que o médico deve transfundir o paciente, mesmo diante de oposição, in verbis: "O paciente se encontra em iminente perigo de vida e a transfusão é a terapêutica indispensável para salvá-lo. Em tais condições, não deverá o médico deixar de praticá-la apesar da oposição do paciente ou de seus responsáveis em permití-la." [92]

            3.2 A recusa ao tratamento e o conflito de valores

            Ao tratarmos sobre a recusa à transfusão de sangue, temos que destacar previamente que a questão é considerada complexa do ponto de vista jurídico, por envolver elementos de natureza distinta e que coexistem em uma mesma situação, como, por exemplo: as obrigações médicas de caráter legal, a liberdade de consciência do paciente e o direito ao seu próprio corpo, a intimidade pessoal e familiar, a responsabilidade legal dos pais sobre seus filhos e o interesse do Estado em preservar a vida dos seus cidadãos.

            É indubitável a existência de um campo de conflito entre os distintos e diversos direitos, sendo que, ao se tratar de liberdade, um mesmo ponto assume variados aspectos, motivo pelo qual os estudiosos do direito devem estar atentos e conscientes, como ressaltam Acuña, Moral, Ravina e Sánchez:




            La via de conflicto creada entre los distintos y diversos derechos y liberdades es, ciertamente, un campo comprometido en el que el jurista tiene que andar com extremo cuidado, ya que es confuso determinar si estamos ante el exercicio de un derecho fundamental que exigiria del ordenamente jurídico una especial proteccion, o por el contrario, un uso-abuso del mismo susceptible de represión jurídica, en el que es aún más comprometido e peligroso debido a lo trascendental del tema donde entra en juego la vida de una persona. [93]

            O problema, então, consiste na dificuldade de harmonizar a situação jurídica através de soluções corretas e concretas, como ilustram os autores acima citados:




            La práctica demuestra que la variada casuística es difícil de encasillar en un conjunto legal que aporte a priori las soluciones correctas y definitivas, se trataría pues de realizar una tarea de equilibrio para fijar cuando debe prevalecer la opción assumida em conciencia por el enfermo y cuando otros intereses sociales que resultem afectados en esa concreta situación. [94]

            A grande dificuldade de se fixar uma orientação jurídica dá-se pelo fato de que não existe, para a questão da terapia transfusional, nenhuma previsão legal. Segundo Gilmar Ferreira Mendes, "os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria constituição (restrição mediata)". [95]

            Assim sendo, surge a necessidade da prestação jurisdicional para fazer uma interpretação dos elementos e valores envolvidos nessa questão, para que possam ser aplicados ao caso concreto, a fim de solucionar o conflito existente.

            Ferreira Filho defende que, ao tratarmos da recusa à transfusão de sangue, estamos diante de uma "concorrência" de direitos fundamentais, não de uma colisão. Esta última aconteceria quando direitos fundamentais de diferentes titulares se confrontassem. O autor acredita tratar-se de concorrência, por ser caso de sujeição de "uma conduta ao regime de dois (ou mais) direitos fundamentais de um só e mesmo titular". Sendo assim, considera que "descabe aí impor comando heterônomo àquilo que é de escolha livre do animal racional que é o homem." [96]

            Para Ferreira Filho, ao surgir dentro desta concorrência "um conflito, por exemplo, entre o direito à vida e o direito à liberdade, o titular de ambos é que há de escolher o que há de prevalecer". [97] Segundo o autor, "este registro não teoriza senão o que na história é freqüente: para manter a liberdade o indivíduo corre o risco inexorável de morrer". [98]

            No entanto, a posição de Ferreira Filho não é adotada de forma pacífica pela doutrina, principalmente porque, um dos valores envolvidos na questão é a vida.

            Soriano, por exemplo, ao analisar os valores envolvidos no problema, declara haver "sem dúvida alguma, uma colisão de dois direitos fundamentais, ou seja, o direito à vida com o direito à liberdade religiosa". [99]

            Percebe-se que a recusa à transfusão de sangue mediante risco de vida é questão de interesse muito abrangente, vez que se trata de um bem de altíssimo valor no ordenamento jurídico, alvo de incansáveis discussões, travadas também nas questões referentes ao aborto, à pena de morte e à eutanásia.

            3.3 Solução de conflitos de direitos fundamentais

            Edílson Pereira de Farias, ao abordar a solução para colisão de princípios, faz a seguinte consideração:




            [...] não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em favor do outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou importância relativa de cada princípio, a fim de escolher qual deles no caso concreto prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro." [100]

            Para o autor, "como os direitos fundamentais são outorgados por normas jurídicas que possuem essencialmente as características de princípios, o que foi dito sobre colisão de princípios se aplica, em regra, ao caso de colisão entre direitos fundamentais." [101]

            Assim sendo, Farias acredita que para a solução da colisão, o aplicador do direito, deverá utilizar os passos metodológicos que a doutrina propõe:




            Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, caberia inicialmente ao interprete-aplicado, determinar o tatbestand (âmbito de proteção) dos direitos envolvidos, isto é, aquelas situações de fato protegidas pela norma constitucional, com o escopo de verificar a existência ou não de uma verdadeira colisão, porquanto esta primeira etapa poderia excluir desde logo a hipótese de colisão, sendo esta apenas aparente. [102]

            Para Farias, não se trata de verdadeira colisão, mas sim de colisão aparente de direitos fundamentais, quando a norma constitucional não protege algumas formas de exercício de direitos, isto é, alguns tipos de situações estão excluídos da esfera normativa enunciada pela constituição. [103]

            Nesse sentido, Farias exemplifica com as seguintes indagações de Vieira de Andrade:




            Poder-se-á invocar a liberdade religiosa para efectuar sacrifícios humanos ou para casar mais de uma vez? Ou invocar a liberdade artística para legitimar a morte de actor no palco, para pintar no meio da rua, ou para furtar o material necessário à execução de uma obra de arte? Ou invocar o direito de propriedade para não pagar impostos, ou o direito de sair do país para não cumprir o serviço militar, ou o direito de educar os filhos para os espancar violentamente? [...] [104]

            Explica o autor, utilizando a consideração proposta por Andrade, que, nos casos de colisão aparente, como os acima citados, "a solução do problema não tem que levar em conta o direito invocado, porque ele não existe naquela situação". [105]

            E finaliza sua abordagem sobre a colisão aparente de direitos fundamentais com a seguinte afirmação:

            Portanto a importante conseqüência prática do exposto é que, constatando o intérprete de que no caso concreto, o âmbito de proteção do direito ou o limite imanente do direito excluem a forma e o tipo de exercício do direito invocado, não havendo a preservação deste, por meio do processo de ponderação, conforme sucede nos verdadeiros casos de colisão de direitos fundamentais. [106]

            Ultrapassada a fase de verificação de conflito aparente e verificada a existência de uma autêntica colisão de direitos fundamentais, cabe ao intérprete aplicador, segundo Farias, solucionar o conflito através da realização de uma ponderação dos bens envolvidos, visando o mínimo sacrifício dos interesses em jogo. [107]

            Para tanto, o autor destaca a necessidade da utilização de dois princípios de hermenêutica, quais sejam, o princípio da unidade da Constituição e o princípio da concordância prática ou da harmonização.

            O primeiro princípio requer a contemplação da Constituição como um todo, a compreensão do texto constitucional como um sistema que necessita compatibilizar preceitos discrepantes. Já o princípio da concordância prática ou da harmonização seria consectário lógico do princípio da unidade constitucional. [108]

            Utilizando o princípio da concordância prática, extrai-se que os direitos fundamentais e valores constitucionais deverão ser harmonizados, no caso sub examine, por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionalmente protegidos. [109]

            Neste contexto de análise da colisão, Farias destaca a máxima da "proporcionalidade" que segundo ele, é a realização do princípio da concordância prática no caso concreto. Isto é, significa aquela distribuição necessária dos custos de forma a salvaguardar direitos fundamentais e/ou valores constitucionais colidentes. [110]

            Afirma o autor:




            Conquanto o princípio da concordância pratica não exija uma ponderação entre os direitos colidentes "em termos matemáticos" ou "quantitativamente mensuráveis", todavia, o processo da ponderação é racional, isto é, podem ser fundamentados os enunciados que estabelecem as condições de harmonização e, se for necessário, a preferência de um direito sobre outro oposto num caso concreto de direitos fundamentais. Uma fundamentação consiste, segundo R. Alexy, na ponderação, a saber: "a afetação de um direito só é justificável pelo grau de importância de satisfação de outro direito oposto". [111]

            Soriano, ao considerar a existência de colisão de direitos fundamentais na manifestação de recusa à transfusão de sangue, faz a seguinte indagação:

            "Como, então, harmonizar esses direitos conflitantes sem o total sacrifício de um deles? Impende ainda indagar se a vida pode ser renunciada, em detrimento da liberdade religiosa". [112] E desenvolve o seguinte raciocínio:




            Se a resposta for fundamentada, simplesmente, na irrenunciabilidade dos direitos humanos, não se chega a solução alguma, posto que tais direitos são igualmente irrenunciáveis. A escolha de um implica, obrigatoriamente, na renúncia do outro. Não há como harmonizar ou conciliar os dois direitos conflitantes, sem o sacrifício integral de um dos direitos. [113]

            Por outro lado, continua Soriano:




            Se a resposta fosse fundamentada na tese da renunciabilidade dos direitos humanos, duas soluções seriam possíveis, dependendo da visão axiológica do julgador.

            Há quem sustente que o direito à vida é preponderante. Para estes, a vida é protegida, em prejuízo da liberdade religiosa, e a transfusão de sangue deve ser realizada, autorizada ou recomendada. Essa solução é amparada pela idéia de que os direitos ou valores Constitucionais obedecem a uma rígida e formal ordem hierárquica, tal como aparece na cabeça do art. 5º da CF/88. A vida, repita-se sob este prisma, é o bem jurídico preponderante. Carlos Ernani Constantino propugna que o direito à liberdade religiosa não é ilimitado, podendo sofrer restrições quando tiver ferindo os preceitos da ordem pública. Para ele, o caso sob comento, recusa do tratamento, estaria comprometendo a ordem pública, uma vez que haveria sacrifício desnecessário de vidas humanas. Desse modo, a liberdade religiosa não pode ferir o direito à vida, que é de ordem pública". [114]

            Neste sentido, Soriano registra que "decisões judiciais têm sido favoráveis à vida, determinando que a transfusão de sangue seja realizada. Os juízes que assim decidem argumentam que a vida é o direito preponderante." [115]

            Tal afirmação de Soriano pode ser conferida na seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:




            Cautelar. Transfusão de sangue. Testemunhas de Jeová. Não cabe ao Poder Judiciário, no sistema jurídico brasileiro, autorizar ou ordenar tratamento medico-cirurgicos e/ou hospitalares, salvo casos excepcionalíssimos e salvo quando envolvidos os interesses de menores. Se iminente o perigo de vida, e direito e dever do medico empregar todos os tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade deste, e de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada por motivos religiosos. Importa ao medico e ao hospital e demonstrar que utilizaram a ciência e a técnica apoiadas em seria literatura medica, mesmo que haja divergências quanto ao melhor tratamento. O judiciário não serve para diminuir os riscos da profissão medica ou da atividade hospitalar. Se transfusão de sangue for tida como imprescindível, conforme sólida literatura medico-cientifica (não importando naturais divergências), deve ser concretizada, se para salvar a vida do paciente, mesmo contra a vontade das Testemunhas de Jeová, mas desde que haja urgência e perigo iminente de vida (art-146, par-3, inc-i, do Código Penal). Caso concreto em que não se verificava tal urgência. O direito a vida antecede o direito a liberdade, aqui incluída a liberdade de religião. É falácia argumentar com os que morrem pela liberdade, pois, ai se trata de contexto fático totalmente diverso. Não consta que morto possa ser livre ou lutar por sua liberdade. Há princípios gerais de ética e de direito, que alias norteiam a carta das Nações Unidas, que precisam se sobrepor às especificidades culturais e religiosas; sob pena de se homologarem as maiores brutalidades; entre eles estão os princípios que resguardam os direitos fundamentais relacionados com a vida e a dignidade humanas. Religiões devem preservar a vida e não extermina-la. [116] (grifo nosso)

            Também no sentido da supremacia do direito à vida e sua não renunciabilidade, é que Pontes de Miranda se posiciona:




            Pensou-se que o direito à vida implicava direito à morte. O homem, se tem direito de viver, tem direito de morrer. A sociedade não teria interesse a pregar à vida que não na quer. O suicídio seria saída voluntária do circulo social. [...] Não há como se tirar do direito do viver o direito de morrer. Se houvesse tal direito, não se puniria a ajuda ao suicídio, nem se daria a algumas pessoas, e.g., a quem tem a guarda do incapaz, o dever de impedi-lo. [117]

            Alexandre de Moraes corrobora da mesma posição de Miranda: "O direito à vida tem um conteúdo de proteção positiva que impede configurá-lo como o direito de liberdade que inclua o direito à própria morte". [118]

            Com base na constatação de Soriano e na jurisprudência apresentada, é possível notar que o Estado, ao apreciar o caso, tende a colocar-se como maior interessado na vida do paciente, autorizando a transfusão de sangue contra sua própria vontade.

            Na Espanha, segundo Acuña, Moral, Ravina e Sánchez, quando se submete este conflito ao judiciário, surge a figura da responsabilidade do juiz, por decidir de forma incorreta. Também neste país a maioria das decisões judiciais tem sido no sentido de se assegurar a vida e, com isso, muitas querelas têm sido levadas ao Tribunal Supremo que por fim, exonera a responsabilidade do juiz quando este decide pela supremacia do direito à vida:




            Ya que se entiende que el supuesto se produce un choque o conflicto entre liberdad religiosa y la vida del paciente, ante lo cual el juez que autoriza opta por valorar como interés preponderante el segundo de los bienes citados. Opcion correcta según el Tribunal Supremo y por ello se exonera de responsabilidad al juez mismo. [119]

            Percebemos assim, que tanto no Brasil quanto na Espanha é visível a importância conferida à vida como interesse preponderante pela sociedade. O ordenamento Pátrio ao elencar o direito à vida entre os direitos fundamentais, e ao colocá-la sob os auspícios da legislação penal, demonstra a carga valorativa conferida a esse bem.

            O Código Penal, no art. 146, § 3.º, ao tratar dos crimes contra a liberdade individual, admite uma violação desta liberdade, a fim de preservar a vida, mesmo que a vontade da pessoa seja morrer, como no caso do suicídio, in verbis:




            Art. 146. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

            (...)

            § 3º Não se compreendem na disposição deste artigo:

            I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

            II – a coação exercida para impedir suicídio. (grifo nosso) [120]

            Quanto à questão da transfusão de sangue resistida, Cezar Roberto Bitencourt faz a seguinte consideração sobre o assunto:




            A transfusão determinada pelo médico, quando não houver outra forma de salvar o paciente, está, igualmente amparada pelo disposto no art. 146, § 3º, do CP. Eventual violação da liberdade de consciência ou da liberdade religiosa cede ante um bem jurídico superior que é a vida, na inevitável relação de proporcionalidade entre os bens jurídicos tutelados. [121]

            O Código Penal também traz a figura da omissão de socorro no art. 135, colocando a vida sob a responsabilidade de qualquer um que a possa salvar:




            Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível faze-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo e em grave e iminente perigo; ou não pedir nesses casos, o socorro da autoridade pública.

            [...]

            Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se a omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada se resulta a morte.(grifo nosso) [122]

            Voltando ao raciocínio iniciado por Soriano,




            [...] outros atribuem à liberdade um valor mais elevado do que a própria vida. Nesse grupo estão inclusas, sem embargos, as Testemunhas de Jeová, que preferem morrer a renunciar à liberdade de consciência e a fé. Para essa corrente de pensamento, a solução consiste na recusa ou na desautorização da terapia transfusional. [123]

            Não obstante a renunciabilidade à vida, admitiria o ordenamento jurídico tamanho sacrifício? A resposta a esta pergunta é extremamente complexa. Há que se considerar duas linhas de raciocínio, segundo Soriano:




            Na primeira, ressalta que a Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, não fala em irrenunciabilidade do direito à vida, lembrando que, não há punição para a auto-lesão e a tentativa de suicídio, de sorte que, o cidadão poderia renunciar a sua vida. Contudo a questão se complica, quando a decisão recai sobre um absolutamente incapaz, uma criança, por exemplo, ou sobre um paciente em coma. Na hipótese de uma criança, a solução pode estar no pátrio poder, pois os pais ou tutores têm, em tese, o direito de decisão. [124]

            Porém, na segunda linha de raciocínio, o autor lembra que "o ordenamento jurídico pátrio não autoriza a eutanásia. Destarte, sob este aspecto, não seria admissível a renúncia à vida." [125]

            Todavia, para uma melhor análise do caso concreto, acreditamos que se deve levar em conta duas situações distintas, quais sejam, a transfusão de sangue em maior capaz e em menor ou incapaz, como passaremos a tratar.

            3.3 A recusa à transfusão de sangue quando invocada por maior capaz

            A recusa à transfusão de sangue em situações de iminente risco de vida, quando manifestada expressamente por pessoa maior e capaz, com fundamento em convicções religiosas, pode ser considerada um exercício do direito de liberdade, assegurado pelo Estado Democrático de Direito.

            No caso das Testemunhas de Jeová, quando recusam o tratamento hemoterápico, há de se convir que estamos diante da convicção de uma minoria que, no entanto, não pode ser simplesmente esmagada pela pressão social da maioria. Segundo Mário Sergio Leite, o "Estado Democrático de Direito existe para respeitar os diversos grupos sociais que o compõem." [126]

            Ferreira Filho, ao abordar a influência das religiões na vida privada do indivíduo, cita Jean Rivero, nos seguintes termos:




            Enfim, a religião, notadamente as grandes religiões monoteístas, como as seitas que delas derivam, exercem sobre o crente uma possessão (emprise) total. Na medida que elas lhe fornecem uma explicação global de seu destino, elas ditam seus comportamentos individuais e sociais, modelam o seu pensamento e sua ação. Porque afirmam a prioridade da ordem sobrenatural sobre a ordem humana, conduzem cada crente conseqüente consigo mesmo a preferir, em cada caso de conflito entre o poder do Estado e os imperativos de sua fé, a obediência à regra mais alta. [127]

            E é com o fundamento na regra "mais alta" mencionada acima que o adepto da religião Testemunha de Jeová recusa-se conscientemente em receber transfusão de sangue, mesmo sabendo de que isso pode acarretar sua morte.

            A liberdade religiosa, como já abordamos anteriormente, é uma modalidade dentre as liberdades previstas no ordenamento constitucional, sendo reconhecida em diversos documentos e tratados internacionais como um direito da humanidade e, nos ordenamentos jurídicos de Estados democráticos, como um direito fundamental.

            Manoel Gonçalves Ferreira Filho vai mais longe quando afirma:




            [...] é ela para todos os que aceitam um direito superior ao positivo, um direito natural. É o mais alto dentre todos os direitos naturais. Realmente, é ela a principal especificação da natureza humana, que se distingue dos demais seres animais pela capacidade de autodeterminação consciente de sua vontade. [128]

            E acrescenta:




            Se cabe uma hierarquia entre os direitos fundamentais, esta, pela importância dos valores que tutelam, a liberdade é o primeiro dentre todos. Com efeito, de quanto vale a vida, a segurança, a igualdade, a propriedade, sem a liberdade? Talvez esta colocação peque por estar vinculada a uma cultura, ou eivada de subjetivismo, mas é a cultura greco-romana-cristã, a que o Brasil incontestavelmente pertence. [129]

            As Testemunhas de Jeová, ao expressarem sua recusa ao recebimento de sangue, estão exercendo a liberdade religiosa que lhes é assegurada na Constituição Federal, uma vez que essa recusa é uma ordem de imenso valor divino e moral para o adepto.

            O direito de recusar a transfusão de sangue, para Ferreira Filho, é perfeitamente possível, embasando sua posição da seguinte forma:




            Tem o doente a liberdade de aceitar ou recusar um tratamento qualquer, inclusive transfusão de sangue. Isto reflete o direito seu, fundamental, à liberdade, consagrada pela Constituição Brasileira no art. 5º, caput, inclusive nas projeções de liberdade religiosa (inciso IV) e direito à privacidade (inciso X). [130]

            Celso Ribeiro Bastos, no entanto, fundamenta sua posição favorável ao direito de recusa à transfusão de sangue, no art, 5º, II da CF, como segue:




            [...] o paciente tem direito de recusar determinado tratamento médico, inclusive a transfusão de sangue, com fundamento no art. 5º, II, da CF. Por este dispositivo, fica certo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (princípio da legalidade). Como não há lei obrigando o médico a fazer transfusão de sangue no paciente, todos aqueles que sejam adeptos da religião "Testemunhas de Jeová", e que se encontrarem nesta situação, certamente poderão recusar-se a receber o referido tratamento, não podendo por vontade médica, ser constrangidos a sofrerem determinada intervenção. O seu consentimento, nesta hipótese é fundamental. Seria mesmo desarrazoado ter um mandamento legal obrigando a certo tratamento, até porque podem existir ou surgir meios alternativos para chegar a resultados idênticos.

            Ao abordar o direito à vida, Bastos considera que esse traz consigo ancorados todos os outros direitos existentes, sendo que seu conteúdo orienta-se por assegurar a inviolabilidade desta como um bem jurídico de maior grandeza. Entretanto, em sua opinião, isso não quer dizer que a vida seja indisponível:




            Insista-se, neste ponto, que a Constituição acaba por assegurar, tecnicamente falando, a inviolabilidade do direito à vida, assim como o faz quanto à liberdade, intimidade, vida privada, e outros tantos valores albergados constitucionalmente. Não se trata, propriamente de indisponibilidade destes direitos.(...) Por inviolabilidade deve compreender-se a proteção de certos valores constitucionais contra terceiros. Já a indisponibilidade alcança a própria pessoa envolvida, que se vê constrangida já que não se lhe reconhece qualquer discricionariedade em desprender-se de determinados direitos. No caso presente, não se fala em indisponibilidade, mas sim de inviolabilidade. O que a Constituição assegura, pois, é a "inviolabilidade do direito á vida" (art. 5.º, caput). [131]

            Desta forma, Bastos e Ferreira Filho consideram possível que a vida seja disponível através da manifestação de vontade do seu próprio detentor. Para estes autores a vida é disponível com fundamento no exercício de uma liberdade individual.

            Ao assumir tal posicionamento, Bastos faz uma ligação do direito à vida com o princípio da dignidade da pessoa humana, destacando que o valor distinto da pessoa humana repercute na afirmação de direitos específicos de cada homem e no reconhecimento de que o homem, na vida social, não se confunde com a vida do Estado, havendo um deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo. [132]

            Rizzato Nunes, em obra específica sobre a dignidade da pessoa humana, cita Miguel Ekmekdjian, concordando com sua posição no que se refere a uma abordagem ética sobre a impossibilidade de existir vida sem dignidade:




            Se realizarmos uma enquete sobre a relação hierárquica entre o direito à dignidade e o direito à vida, possivelmente grande parte das respostas apontaria em primeiro lugar o direito à vida e abaixo deste o direito à dignidade. O argumento que aparenta ser decisivo é que sem a vida não é possível a dignidade. Essa afirmação pode aparecer de grande impacto, contudo é errônea. Implica uma transposição de lugares. De um ponto de vista biológico, é certo que não é concebível a dignidade em um ser inerte, em uma pedra, ou em um vegetal. Assim como se afirma que sem vida não há dignidade (o que aceitamos somente de um enfoque biológico), nos perguntamos se existe vida sem dignidade. Que vida é esta? Era a vida dos escravos tratados como animais que servem para trabalhar e reproduzir-se? Biologicamente sim, mas eticamente não. [133]

            Portanto, baseando-se na convicção de que a vida não se limita à esfera biológica, devendo estar firmada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, Bastos considera que a intervenção judicial, muitas vezes solicitada por médicos diante da recusa à transfusão de sangue, viola frontalmente a liberdade individual e a dignidade da pessoa. O autor acredita que a intervenção, com o propósito de autorizar o médico a realizar o procedimento transfusional, estaria garantindo a vida do paciente no aspecto biológico, mas estaria se retirando sua dignidade. [134]

            Também sobre a intervenção estatal na esfera individual, Mário Sergio Leite remete-se à uma famosa citação de Stuart Mill:




            O único propósito para que o poder possa legitimamente exercer-se em uma comunidade civilizada, sobre um indivíduo e contra a sua vontade, é o de prevenir danos a outros. Seu próprio bem, seja físico ou moral, não constitui suficiente justificação. Não se pode obrigar alguém a suportar algo em virtude de que seria melhor para si, porque ele seria mais feliz ou porque, pela opinião dos outros, o atuar desta maneira seria mais inteligente e mais justo. [135]

            Soriano acrescenta:




            É razoável admitir-se que a hierarquia dos direitos humanos depende de um juízo de valor. Dessa forma, esses direitos jamais poderiam ser formalmente elencados, segundo uma ordem decrescente de valores, que fosse válida para todos. Cada ser humano, com efeito, tem sua escala de valores, que é dependente da cultura, da genética e também da experiência de vida. Nessa esteira, seria razoável, em tese, a possibilidade de se renunciar à vida sob determinadas circunstâncias, como forma de resistência. Esta sempre foi a decisão dos mártires do cristianismo, incluindo o próprio Cristo. [136]

            E complementa com as seguintes palavras de Ramón Soriano:




            Es claro que la respuesta a la pregunta sobre los critérios de jerarquización de los valores dependem del plano de la situación del discurso : las libertades más urgentes non suelen coincidir com las más valiosas, aunque la complicación de unas y otras es a todas luces relevantes. Sin la vida – podría argüirse – los otros derechos y liberdades no puedem materialmente existir; sin la libertad, la vida no vale nada, mejor quizás la muerte. Por ello, la correlación entre las diversas formas de libertad debe ser situada en la historia personal o coletiva, y serán éstas las que determinen un ordem de preferencia [137].

            É mister também destacar a determinação do art. 5º, inciso II da Constituição Federal, que prevê que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei"

            Celso Ribeiro Bastos faz a seguinte consideração sobre o assunto:




            O princípio da legalidade não é sena outro caminho tomado pela liberdade, com o que está, simultaneamente, assegurado um campo de autonomia. Mas este campo não é pré-fixado com precisão pela Carta Magna, ou melhor, a Lei Suprema dita um requisito para que exista à restrição à liberdade. Esta restrição consiste na necessidade de lei, com o que fica implícito que a restrição à liberdade pode existir. É dizer, as leis dotadas de caráter genérico e abstrato definem diversas situações, deixando uma margem de liberdade, ou melhor, um espaço para fazer ou não fazer alguma coisa. [138]

            Neste caso, há de se concordar que não existe lei alguma que obrigue as Testemunhas de Jeová submeterem-se à transfusão de sangue, assim como não existe lei que obrigue qualquer pessoa a se submeter a qualquer tratamento médico ou cirúrgico.

            Neste sentido Bastos acrescenta, que "ninguém pode ser constrangido a consultar um médico ou a submeter-se a um tratamento terapêutico específico contra a vontade livre e conscientemente manifestada". O autor, em um raciocínio simplista, ilustra o direito de recusa a tratamento médico com o exemplo de uma pessoa que, ao apresentar problemas visuais, fosse obrigada a procurar um oftalmologista e a usar os óculos por ele prescritos ou, ao passar por problemas econômicos, fosse compelida a consultar um economista e a seguir suas orientações.

            Soriano, sobre o direito de recusa ao tratamento, também pondera o seguinte:




            [...] ninguém é questionado por não se submeter a um tratamento de quimioterapia, ou de radioterapia, prescrito como forma de combater a neoplasia maligna, por exemplo. É cediço que a escolha do tratamento depende do paciente. É evidente a inexistência de lei que obrigue alguém a fazer esse ou aquele tratamento, incluindo, também, a transfusão de sangue. [139]

            Acrescenta Bastos: "Em suma, aqueles que aderem à orientação das Testemunhas de Jeová também pretendem, como todas as pessoas, continuar vivos. Apenas ocorre que também objetivam uma vida em paz consigo mesmo, sem que a sua posição religiosa reste maculada." [140]

            Christine Santini Muriel, juíza de direito em São Paulo, ao escrever um artigo sobre o tema, considera que "se o ato for absolutamente necessário para a manutenção da vida do paciente, deve ser ele realizado mesmo no caso de recusa. Se o ato for tão somente útil ou conveniente, deve a vontade do paciente ser respeitada, não se realizando a transfusão." [141]

            No entanto, pondera:




            Ainda é preciso que se diga que, no caso específico dos seguidores da Seita Testemunhas de Jeová, a jurisprudência internacional tem evoluído no sentido de que se respeite a vontade do paciente independente dos riscos dela decorrentes. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, alguns hospitais e Cortes adotam a teoria de que qualquer paciente adulto que não seja declarado incapaz tem o direito de recusar um tratamento, não importa quão prejudicial tal recusa possa ser para sua saúde. Adota-se em regra geral naquele país a teoria da necessidade do consentimento esclarecido do paciente para a prática da intervenção médica. O assunto é relativamente novo no Brasil, devendo haver maior discussão do tema em face dos direitos constitucionais à vida e à liberdade religiosa, aparentemente incompatíveis nesse caso. A prevalência de um direito sobre o outro não pode ser simplista, merecendo análise eventuais conseqüências nefastas à saúde mental do paciente, criadas pela transfusão não consentida por motivos religiosos. [142]

            Podemos notar que a autora ao comentar sobre a jurisprudência estrangeira, considera uma evolução o fato de ser respeitada a vontade do paciente por hospitais e pelos tribunais. Demonstra também uma preocupação com a saúde mental do paciente forçosamente transfundido, contemplando assim, a questão da dignidade da pessoa.

            3.4 A recusa à transfusão de sangue manifestada por representante legal de menor ou incapaz.

            Quando o paciente é menor de idade ou incapaz, surge maior dificuldade de administrar o problema do ponto de vista médico e jurídico. O caso acaba por ser submetido à apreciação do poder do judiciário, através de medidas cautelares, no intuito de se obter ordem judicial permissiva à intervenção médica, primando pela preservação da vida do paciente.

            A questão da decisão pautada na renunciabilidade da vida é abalada quando a decisão envolve menor ou incapaz. No caso de paciente menor, Soriano considera que "a solução pode estar no pátrio poder, pois os pais ou tutores têm, em tese, o direito de decisão". [143]

            Nos casos que envolvem menores, há a situação em que os pais manifestam sua vontade em nome do filho. Essa responsabilidade parental é abordada por Ferreira Filho da seguinte forma:




            Não se pode esquecer que a criança e o adolescente gozam, como é obvio, dos mesmos direitos fundamentais que o adulto. Assim, da liberdade, da liberdade religiosa e da privacidade. O chamado Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, reconhece-o expressamente na primeira parte do seu art. 3º. Mas, não tendo a maioridade, a vontade da criança e do adolescente não basta para a determinação de sua própria conduta. [144]

            Prossegue o autor:




            Sempre foi reconhecido que, entre os poderes dos pais ou representantes legais do menor, se inscreve a matéria religiosa, como também a eles cabe a responsabilidade por sua saúde, etc.

            Assim, em princípio, é aos pais ou representantes legais do menor que cabe a decisão a respeito da assistência médica que deve ou não ser a eles dada.

            Corrobora essa tese o fato de que, nos preceitos constitucionais sobre a prestação de assistência religiosa, com a redação anterior a esta Constituição, era expresso que sobre isto se deveria atender à vontade dos representantes legais do menor. E, na verdade, se a redação ora vigente assim não o diz, essa mesma solução resulta do sistema. [145]

            No entanto, a posição de que os pais podem decidir pela desautorização da transfusão de sangue, é amplamente contestada. Trata-se do único ponto da celeuma a ficar próximo de um consenso: acredita-se que a vida do menor ou incapaz deverá ser sempre preservada.

            A Constituição Federal de 1988 preceitua:




            Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, á educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e á convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

            [...]

            Assim sendo, ao ocorrer um caso de imprescindível necessidade de tratamento hemoterápico, cabe ao médico levar a recusa dos pais ou responsáveis ao conhecimento do judiciário.

            Nesse sentido, Milena Elvira Vieira Lopes,




            [...] quando a situação envolve menores de idade ou outros pacientes tidos como incapazes, como por exemplo, uma pessoa acidentada inconsciente, a questão ganha outras conotações, pois o papel de proteger o paciente, apesar da vontade expressa de seus responsáveis legais pode ser ampliada. [146]

            Decisões de Tribunais estrangeiros e nacionais têm sempre salvaguardado a vida do paciente, ainda que contra a vontade dos pais ou representantes legais.

            Até nos Estados Unidos, onde as decisões têm sido em favor da autonomia do paciente, mesmo mediante risco de vida, entende-se que " tratando-se de paciente menor ou incapaz, eventual recusa dos pais ou responsáveis leva ao imediato suprimento do consentimento pela autoridades judiciárias". [147]

            Paulo Sergio Leite Fernandes destaca:




            Nos Estados Unidos, hoje, baseiam-se os Tribunais, para outorga de tal autorização, no conceito de que o tratamento médico é necessidade básica da vida. Na medida em que o Estado tem atribuição para garantir à criança a satisfação das necessidades básicas, e sendo os cuidados médicos de fundamental necessidade, conclui-se que o juiz pode determinar que o menor seja tratado. [148]

            No Brasil, o entendimento quanto ao dever do Estado de garantir ao menor suas necessidades básicas não é diferente, como pode ser visto no art. 227 da Constituição Federal. A Carta Maior coloca expressamente o menor e, por analogia, o incapaz sob a responsabilidade solidária da família, sociedade e Estado. Assim sendo, quando a família manifestar vontade contrária à vida ou ao bem-estar do menor, é dever da sociedade e do Estado intervir.

            Acreditamos que a recusa à transfusão de sangue, manifestada por responsáveis legais de menor ou incapaz, em situação de perigo de vida, é caso de colisão aparente de direitos fundamentais. A norma constitucional não protege a renúncia à vida fundada no poder familiar ou de representação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Encerrando o trabalho, uma grande inquietação surge: conseguimos de alguma forma provocar uma reflexão construtiva ao leitor?

            Ao iniciar este breve ensaio sabíamos da complexidade que envolvia o assunto. Contudo, julgamos, necessário seguir em frente, na busca de novos horizontes.

            Acreditamos que o direito não se restringe à lei e ao formalismo. Entendemos que, antes de tudo o direito é uma ciência social e, como tal, deve ser estudado e contextualizado.

            Demonstramos nesta monografia que o cerne da discussão, envolvendo a recusa ao tratamento hemoterápico, está na existência de dois direitos fundamentais que se chocam quando a vida do paciente está em perigo. Esse atrito assume grande proporção na medida em que o paciente, embalado por convicção religiosa, atribui ao valor "liberdade" primazia sobre o valor "vida".

            Reconhecemos a dificuldade (que acreditamos não seja somente nossa) de apresentar soluções prontas, capazes de abranger todos os casos. Tratando-se de conflito de valores, cada pessoa tem para si uma escala valorativa plenamente justificável, filosófica e juridicamente.

            Assim sendo, nossa pesquisa mostrou que não existe uma regra definitiva para ser aplicada à questão, pois a discussão já se inicia ao tentarmos definir se há ou não uma verdadeira colisão de direitos fundamentais.

            Quem considerar que não existe um conflito e sim uma concorrência de direitos fundamentais, defenderá que cabe somente ao paciente decidir sobre o que é melhor para si. Dessa forma, o adepto da religião Testemunha de Jeová, poderá optar por morrer, em vez de viver em constante conflito moral. Este já é o entendimento da jurisprudência norte-americana e pode ser ilustrado com as palavras de John Stuart Mill:

            "O único propósito para que o poder possa legitimamente exercer-se em uma comunidade civilizada, sobre um indivíduo e contra a sua vontade, é o de prevenir danos a outros. Seu próprio bem, seja físico ou moral, não constitui suficiente justificação. Não se pode obrigar alguém a suportar algo em virtude de que seria melhor para si, porque ele seria mais feliz ou porque, pela opinião dos outros, o atuar desta maneira seria mais inteligente e mais justo. [149]

Desta forma, o caso concreto nem chegaria à análise do judiciário. O médico, em respeito ao direito individual do paciente, seguiria a vontade por ele manifestada conscientemente.

            Entretanto, se considerada a existência de um conflito aparente de direitos fundamentais, um dos direitos invocados seria imediatamente afastado do âmbito de proteção constitucional. Ao nosso ver isso poderia acontecer de duas formas: para os mais conservadores, nem caberia seguir a análise do caso concreto, pois o direito de viver não contempla o direito de morrer. Para os mais liberais, sendo o direito à liberdade religiosa diretamente ligado à vida digna, nem se cogitaria continuar vivo após sua violação. Desta forma, o deslinde do caso dependeria da escala valorativa do aplicador do direito e haveria a possibilidade de intervenção do Estado.

            E, finalmente, se considerado um verdadeiro conflito de direitos fundamentais, o julgador deverá valorar o caso concreto e analisar os direitos em jogo. A orientação da doutrina é no sentido de não sacrificar totalmente um direito em virtude do outro. Neste caso, a única forma de isso não acontecer seria preservar a vida do paciente, pois assim estaria se garantindo o exercício posterior da liberdade religiosa, mesmo que sacrificada em determinado momento. A jurisprudência do Tribunal do Rio Grande do Sul demonstra esse entendimento, ao lançar o argumento de que "não consta que morto possa ser livre ou lutar por sua liberdade". [150]

            De toda a discussão travada, consideramos o caso envolvendo menor e incapaz o único em que certamente cabe a intervenção do Estado. Quando a recusa ao tratamento hemoterápico é manifestada por pais ou representantes legais (tutores ou curadores), e existe risco de vida ao paciente, acreditamos existir uma colisão aparente de direitos fundamentais.

            O fato do menor ou incapaz não ter condição de manifestar conscientemente sua vontade – seja por falta de maturidade ou estar momentaneamente fora de suas condições normais para decidir – não enseja que outra pessoa manifeste por ele o desejo de não receber sangue, e em conseqüência disto, morrer. Portanto, o conflito é aparente, pois a norma constitucional não protege a renúncia à vida, fundada no poder familiar ou de representação.

            A vida do menor e do incapaz deverá ser sempre primada e garantida até o momento em que ele possa, conscientemente, usufruir os seus direitos individuais, incluindo seu direito à liberdade religiosa.

            Sem dúvida as discussões ainda vão longe. O assunto é multifacetado e complexo. Talvez esteja nas mãos da ciência médica a solução para o problema, uma vez que a ciência jurídica costuma ficar à mercê de uma lenta evolução.

            Ademais, não podemos esquecer que um dos objetivos do Estado Democrático de Direito é respeitar a posição dos diferentes grupos sociais que o compõem. Dessa forma, os direitos fundamentais precisam ser analisados com vistas à evolução histórica e cultural, devendo o Estado intervir somente quando não existir outra forma de se resolver um problema.

            Caso tenhamos, com as digressões efetuadas, contribuído para uma reflexão sobre o assunto e conseguido chamar a atenção para as possibilidades e dificuldades que envolvem caso, já nos damos por satisfeitos. O que acreditamos com firmeza é que, antes de analisarmos uma situação, devemos tirar as lentes do preconceito.

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            Acesso em: 28 abr. 2003

Notas

            01 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 109.

            02 PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica: teoria geral da Constituição e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 17, p. 60.

            03 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentário aos arts. 1º a 5º da Constituição a República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 39.

            04 LUÑO apud MORAES, op. cit., p. 25

            05 FARIAS, Edílson Pereira. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada, a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2 ed. Atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000. p. 72.

            06 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.

            07 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral de direitos fundamentais. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires;____. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 2002, p. 113.

            08 BOBBIO, op. cit., p. 24.

            09 Ibidem, p. 24.

            10 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. rev. e atual nos termos da Reforma Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 153.

            11 MORAES. Direitos humanos fundamentais. Op. cit., p. 24/25.

            12 Ibidem, p. 25.

            13 Ibidem, p. 24/25.

            14 SARLET, op. cit., p. 38.

            15 BRANCO, In: MENDES, COELHO e ____, op. cit., p. 123.

            16 BRANCO, In: MENDES, COELHO e ____, op. cit., p. 106.

            17 MORAES. Direitos humanos fundamentais. Op. cit., p. 28.

            18 BONAVIDES, Paulo. Curso de direto constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 516.

            19 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 167.

            20 Ibidem, p. 167.

            21 Ibidem, p. 170.

            22 SILVA, José Afonso da. Op. cit,. p. 170.

            23 SARLET, op. cit., p. 47.

            24 SARLET, op. cit., p. 47.

            25 BONAVIDES, op. cit., p.517.

            26 Ibidem, p. 517.

            27 BONAVIDES, op. cit,. p. 523.

            28 Ibidem, p. 526.

            29 BRANCO, In: MENDES, COELHO e ____, op. cit., p. 118.

            30 Ibidem, p. 123-124.

            31 SILVA, Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1963, v. 3, p. 941.

            32 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 235.

            33 BRANCO, In: MENDES, COELHO e ____, op. cit., p. 104-105.

            34 LUÑO apud BRANCO, In: MENDES, COELHO e ____, op. cit., p. 111.

            35 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 234-235.

            36 KANT apud SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no direito constitucional e internacional. São Paulo: J. de Oliveira, 2002. p. 1-2.

            37 SORIANO, op. cit., p. 2.

            38 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 236.

            39 Ibidem, p. 237.

            40 BRANCO, In: MENDES, COELHO e ____, op. cit., p. 138.

            41 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 234.

            42 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 234-235.

            43 PINHO, op. cit., p. 78.

            44 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Religião, Estado e Direito. Revista Direito Mackenzie, São Paulo, ano 3, n. 2, p. 83-89, jan/jun. 2002.

            45 DAVIS, Derek H. A Evolução da Liberdade Religiosa como Direito Humano Universal. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2002

            46 DAVIS, op. cit.

            47 MORAES. Direitos humanos fundamentais Op. Cit., p. 125.

            48 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:Texto Constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 35/2001 e pelas Emendas constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94. Brasília, DF: Senado Federal, 2002, p. 15.

            49 BASTOS apud SORIANO, op. cit., p. 6.

            50 MORAES. Direitos humanos fundamentais. Op. cit., p. 125.

            51 MIRANDA, Pontes de. Apud SORIANO, op cit., p. 8.

            52 BARBOSA, Rui. Apud SORIANO, op. cit., p. 9.

            53 SORIANO, op. cit., p. 9.

            54 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 251.

            55 BRASIL, op. cit., p. 15.

            56 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18 ed., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1997. p.190.

            57 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 252-253.

            58 BASTOS. Curso de Direito Constitucional. Op. cit., 191.

            59 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de liberdades públicas. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 91.

            60 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 253.

            61 Ibidem, p. 253.

            62 BASTOS. Curso de direito constitucional. Op. cit., p.191.

            63 BRASIL, op. cit., p. 27.

            64 ANIBAL. Bruno. Religiões: cristianismo de Fronteira. Portal Brasil. Disponível em: . Acesso em: 8 maio 2003.

            65 A HISTÓRIA das Testemunhas de Jeová. Crisitan apologetics & research ministry. Disponível em: < http://www.carm.org/Portugues?testemunhas_historia.htm >. Acesso em: 08 maio 2003.

            66 ANIBAL, op. cit.

            67 TESTEMUNHAS de Jeová – quem são? Em que crêem? Sua organização e Obra em todo mundo. Disponível em: <http://www.watchtower.org/languages/portuguese/library/jt/index.htm>. Acesso em: 28 abr. 2003

            68 SILVA, Jose Afonso da. Op. cit., p. 200.

            69 Ibidem, p. 200.

            70 Ibidem, p. 201.

            71 Ibidem, p. 201.

            72 BRASIL. Op. cit., p. 15.

            73 SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Apud. LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplante de órgãos e tecidos e direito da personalidade. São Paulo: J. de Oliveira, 2000, p. 50.

            74 MORAES. Direito constitucional. Op cit., p. 804.

            75 PINHO, op. cit., p. 72.

            76 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, p. 40.

            77 GOLDIM, Jose Roberto. Transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová. Disponível em: <www.ufrgs.br/HCPA/trasfus.htm>. Acesso em: 15 maio 2001.

            78 BIBLIA Sagrada. 73 ed. São Paulo: Ave Maria. 1993, p. 56.

            79 Ibidem, p. 161.

            80 QUEIROZ, Júlio de. O ato médico e as convicções religiosas. In: LUZ, N. W. da; OLIVEIRA, F. J. R. de; THOMAZ, J. B. O ato médico: aspectos éticos e legais. Rio de Janeiro: Rúbio, 2002, cap. 6, p. 73.

            81 Ibidem, p. 73.

            82 Ibidem, p. 73-74.

            83 SORIANO, op. cit,. p. 118.

            84 SORIANO, op. cit., p. 118.

            85 BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico ás transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493-507, maio 2001.

            86 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de ética médica. Disponível em:

            < http://www.cfm. org.br > Acesso em: 27 maio 2003.

            87 ASPECTOS éticos e legais do tratamento sem transfusão de sangue. In: Seminário sobre tratamento médico sem transfusão de sangue. 1996, Ribeirão Preto. Produzida e distribuída pela S/C Ltda. Ribeirão Preto. [1996]. 1 fita de vídeo (120 min.) VHS, son., color., fita 6.

            88 SORIANO, op. cit., p. 118.

            89 Ibidem, p. 118.

            90 Ibidem, p. 119.

            91 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.021/80 de 26 de setembro de 1980. Dispões sobre casos de pacientes que, por motivos diversos, inclusive os de ordem religiosa, recusam a transfusão de sangue. Legislação. Disponível em: <http://www.cfm.org.br/resoluca/1021-80.html>. Acesso em: 11 maio 2001.

            92 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.021/80 de 26 de setembro de 1980. Op. cit.

            93 ACUÑA, S. G.; MORAL, R. M. del; RAVINA, J. R. M. ; SANCHEZ, F. R. La objecion de conciencia de los tratamientos médicos. In: V CONGRESSO UNIVERSITÁRIO DE DERECHO ECLESIASTICO PARA ESTUDIANTES, 1996, Alcalá de Henares. Acta... Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá servicio de publicaciones, 1996, p. 109.

            94 ACUÑA, S. G. et al. Op. cit., p. 109.

            95 MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitações: breves considerações. In: ____, COELHO, BRANCO, op. cit., p. 227.

            96 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Parecer: questões constitucionais e legais referentes a tratamento médico sem transfusão de sangue. São Paulo: Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. 1994, p. 21.

            97 Ibidem, p. 21.

            98 FERREIRA FILHO. Parecer. Op. cit,. p. 21.

            99 SORIANO, op. cit., p. 119-120.

            100 FARIAS, op. cit., p. 208

            101 Ibidem, p. 121.

            102 Ibidem, p. 121.

            103 Ibidem, p. 122.

            104 ANDRADE apud FARIAS, op. cit., p. 121.

            105 Ibidem, p. 122.

            106 FARIAS, op. cit., p. 122.

            107 Ibidem, p. 122.

            108 Ibidem, p. 122-123.

            109 FARIAS, op. cit., p. 123.

            110 Ibidem, p. 123-124.

            111 Ibidem, p. 124.

            112 SORIANO, op. cit., p. 120.

            113 Ibidem, p. 120.

            114 CONSTANTINO, Carlos Ernani. Apud SORIANO, op. cit. P. 120.

            115 SORIANO, op. cit., p. 120.

            116 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça.Apelação cível nº 595000373. Relator: Des. Sérgio Gischkow Pereira. Porto Alegre, 28 de março de 1995. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud/result.php?reg=5> Acesso em: 27 maio 2003.

            117 MIRANDA, op. cit., p. 41/42.

            118 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Op. cit., p. 320.

            119 ACUÑA, S. G. et al. Op. cit. p. 112.

            120 JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1997. p.450.

            121 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2001, p. 134.

            122 JESUS, op. cit., p. 408.

            123 SORIANO, op, cit., p. 120.

            124 Ibidem, p. 121.

            125 SORIANO, p. 121.

            126 LEITE, Mário Sergio. Medicina Moderna e direito penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 63, v. 679, nov. 1993. p. 418.

            127 RIVERO apud FERREIRA FILHO, op. cit., p. 10.

            128 FERREIRA FILHO, Parecer. Op. cit., p. 20.

            129 Ibidem, op. cit., p. 20.

            130 Ibidem,.op. cit,. p. 22.

            131 BASTOS, Parecer penal. Op. cit, p. 496.

            132 Ibidem, p. 495--496.

            133 Ekmekdjian, apud NUNES. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 52.

            134 BASTOS. Parecer Penal. op. cit., p. 496.

            135 LEITE, Mario Sergio. Op. cit., p. 418.

            136 SORIANO, op. cit,. 121.

            137 SORIANO, Ramón. Apud SORIANO. Op. cit., p. 121.

            138 BASTOS, Parecer penal, op.c it., 502.

            139 SORIANO, op. cit., p. 122.

            140 BASTOS, Parecer penal. Op. cit. P?

            141 MURIEL, Chritine Santini. Aspectos jurídicos das transfusões de sangue. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 83, v. 706, Ago. 1994. p. 32.

            142 MURIEL, op cit., p. 32.

            143 SORIANO, op. cit., p. 121.

            144 FERREIRA FILHO. Parecer. Op. cit., p. 28-29.

            145 FERREIRA FILHO. Op. cit., p. 29.

            146 LOPES, Milena Elvira Vieira,Transfusão de Sangue em crianças e adolescentes testemunhas de Jeová. Revista da ESMESC, Florianópolis, v. 13, p. 91-101, 2002.

            147 MURIEL, op. cit., p. 32.

            148 FERNANDES, Paulo Sergio Leite. Consulta. São Paulo, [199-]. Parecer feito pelo autor para a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados.

            149 MILL, John Stuart. Apud LEITE, op. cit. P. 418.

            150 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça.Apelação cível nº 595000373. Op. cit.