A Manifestação da Vontade no Contrato Eletrônico


Porwilliammoura- Postado em 22 novembro 2012

Abstract: 
O nascimento do contrato decorre de um acordo de vontades em celebrar um negócio jurídico, apresentando-se como requisito primordial à sua existência a manifestação da vontade. Com a sedimentação da internet como o meio de realização de negócios na sociedade da informação, surgem diversas indagações de ordem jurídica em decorrência das características da plataforma eletrônica. O presente estudo aborda o aperfeiçoamento da manifestação da vontade a partir do Código Civil, analisando as vertentes da declaração da vontade por meio eletrônico.

1. INTRODUÇÃO

Norberto Bobbio em sua obra "A Era dos Direitos" classifica o Direito em três gerações: civis e políticos; sociais, econômicos e culturais e meta individuais, coletivos e difusos.  Posteriormente, a doutrina acresceu a quarta geração representada pela biotecnologia e bioética e a quinta geração, entendida como aquela afeta as relações na sociedade informatizada.

As operações realizadas no ambiente digital se traduzem como evolução da forma tradicional de conclusão de negócios. Em decorrência das características específicas do instrumento tecnológico como meio para realização de transações comerciais, operou-se uma transformação no aperfeiçoamento da manifestação da vontade.

Os negócios jurídicos realizados através da plataforma digital encontram novas aplicações no molde de concretização, dispensando a presença física das partes, a fixação e registro em suporte físico, firmando-se documentos assinados e arquivados digitalmente.

Para o direito, a insegurança jurídica dessa modalidade de contratação decorre da marcante característica do ambiente eletrônico - a imaterialidade -, a ausência de fronteiras geográficas e a vulnerabilidade da arquitetura da rede da rede pública de dados, conhecida por internet.

O ecossistema digital revela para o Direito uma fragilidade intrínseca que requer aplicações diferenciadas para garantia de segurança jurídica as partes contraentes.

  1. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

No universo da teoria contratual, destaca-se o princípio da autonomia da vontade como requisito para nascimento do ato jurídico.

Funda-se na liberdade de contratar, exercida em razão e nos limites da função social do contrato[1], denominada consentimento nos negócios jurídicos bilaterais.

Cabe ressaltar que a vontade, enquanto aprisionada ao universo íntimo e puramente mental, não produz qualquer efeito jurídico ou mesmo prático. Daí decorre o princípio da reserva mental, onde os pensamentos que não se exteriorizam não ganham qualquer existência perante o mundo jurídico[2].

Segundo Arnold Wald, "a autonomia da vontade se apresenta sob duas formas distintas, na lição dos dogmatistas modernos, podendo revestir o aspecto de liberdade de contratar e de liberdade contratual. Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira se refere à possibilidade de realizar ou não um negócio, enquanto a segunda importa na fixação das modalidades de sua realização" [3].

Em sentido estrito a manifestação da vontade do agente conjuga-se ao ordenamento jurídico que atribui efeitos jurídicos a tais atos. Em sentido amplo, subdivide-se em ato jurídico em sentido estrito, negócios jurídicos e atos ilícitos[4].

Enquanto elemento essencial à existência do ato, a forma de exteriorização da vontade mostra-se relevante tão somente nos casos expressamente exigidos por lei (CC, art. 107). Para que o ato se consubstancie - revelando o comportamento externo para estabelecimento do negócio jurídico - a vontade se manifesta e se instrumentaliza através da declaração (CC, arts. 265 e 347).

A modalidade indireta de manifestação da vontade se exprime tacitamente, através do comportamento do agente (CC, arts. 1292, 1805, 1263). Também o silêncio importa em anuência quando as circunstâncias ou usos a autorizem, desde que não necessária a manifestação expressa (CC, art. 111) e nas hipóteses previstas no art. 1807 do CC e art. 319 do CPC.

  1. CONTRATO NA SOCIEDADE ANÁLOGICA

Não se localiza no ordenamento legal uma definição de contrato, cabendo a doutrina a tarefa conceitual:

"Negócio jurídico dependente do acordo de vontades - elemento essencial - tem por objetivo a aquisição, o resguardo, a transferência, a conservação, a modificação ou a extinção de direitos, recebendo o amparo do ordenamento legal" [5].

"Negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, auto-disciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo autonomia das suas próprias vontades" [6].

Como requisito de existência e validade, condiciona-se ao cumprimento dos pressupostos elencados pelo art. 104 do Código Civil: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei. No âmbito do presente estudo, o elemento da verificação da capacidade do agente adquire peculiar importância, como se demonstrará adiante.

A formação do contrato resulta de duas manifestações da vontade: a proposta e a aceitação[7]. Superada a fase das negociações preliminares, a proposta como negócio jurídico unilateral, dirige-se ao destinatário da oferta, condicionando sua conclusão à declaração de vontade do oblato.

Salvo disposição expressa, ou em razão da natureza do negócio, a oferta possui força vinculante obrigando o proponente a manter o negócio jurídico sob as cláusulas pactuadas (CC, art. 427), transmitida a obrigação a herdeiros e sucessores.

A ausência de força vinculante da proposta relaciona-se à contratação entre presentes e ausentes, diferenciadas em razão da instantaneidade da aceitação, capituladas no art. 428 do CC.

Reside na celebração contratual da sociedade analógica a materialidade. O acordo de vontades é assinado de próprio punho pelas partes, se fixa e se registra em suporte tangível - papel -, disponível para acesso e leitura independente da utilização de qualquer ferramenta ou equipamento.

  1. AMBIENTE DIGITAL

Algumas peculiaridades do ambiente digital apontam as dificuldades encontradas na simples equiparação da contratação presencial.

A infovia de comunicação viabilizada pelo protocolo da internet, tem por característica a imaterialidade, pois a informação desprovida de um suporte tangível, não se prende ao meio físico.  O conhecido termo "virtual" é registrado por Pierre Lévy como significado da ausência de realidade, exemplificando que a presença de uma empresa virtual decorre de sua participação numa rede de comunicação eletrônica, indica um elemento que não se deve negligenciar: "o virtual, com muita freqüência, não está presente" [8].

A transmissão por meios eletrônicos define-se como aquela efetuada por meio de sinais elétricos ou ópticos, que codificam a informação em bits, representando voz, dados e imagens através do protocolo de comunicação para internet [9], dispensável a transmissão de voz para que a comunicação se realize.   

O Ministério das Comunicações conceitua a internet como o nome genérico que designa o conjunto de rede, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o software e os dados contidos nestes computadores[10]. 

Entendida como uma rede pública de zona de dados dotada de estrutura aberta, atua como um veículo de comunicação de idéias e troca de informações. Buscando localizar a natureza jurídica da internet, contata-se a inviabilidade de equiparação à correspondência, tendo em vista não se enquadrar nas definições constantes da Lei de Serviços Postais [11]. Por outro lado não se assemelha a comunicação telefônica devido à prescindibilidade da comunicação de voz. Sua configuração como transmissão de dados não se mostra adequada, devido à dependência intrínseca de programas de computador. Igualmente, não se assemelha juridicamente a um meio de informação e divulgação, pois não se acomoda nas previsões contidas na Lei de Imprensa.

O Código Civil reputa celebrado o contrato no lugar onde foi proposto[12], consumada a contratação entre presentes no local onde as partes se encontram.

A norma substantiva (CC, art. 428, I), reputa como presente a pessoa que contrata por telefone, ou meio de comunicação semelhante.  Do ponto de vista técnico não se mostra cabível comparar a transmissão eletrônica à comunicação telefônica, basicamente definida como um processo de telecomunicação destinado à transmissão da palavra falada ou de sons[13], viabilizada através da rede pública de telecomunicações e operada pelas concessionárias do serviço de telefone fixo comutado.

Portanto, observadas as hipóteses elencadas no Código Civil, equiparando-se a internet a um meio de comunicação, tem-se a celebração contratual entre presentes. Sob outro norte, entendida como um lugar tem-se como realizada uma negociação entre ausentes.

Aplica-se à contratação internacional a norma pela qual se reputa constituída a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente[14].

5. CONTRATO NA SOCIEDADE DIGITAL

O que se convencionou denominar "documento eletrônico", origina-se de uma descrição, representada por arquivo formado por uma seqüência de bits[15], armazenado de forma codificada e dependente de um programa de computador para ser interpretada. A tradicional distinção da sociedade analógica entre original e cópia do documento inexiste no sistema digital, posto que a reprodução da cadeia de bits que compõe o arquivo resulta na duplicação deste arquivo, sempre em formato original.

Márcia Aguiar Areno e Max Zuffo afirmam que "enquanto nos documentos tradicionais que se utilizam o papel como registro fixo de um fato ou ato, é possível compreender, pela simples leitura gráfica, representante da linguagem verbal, a natureza do documento, a intenção dos seres emitentes da vontade e o alcance do ato consignado no papel, nos documentos eletrônicos ou em meios magnéticos é necessária à conversão da linguagem binária para nossa linguagem corrente" [16].

A doutrina assim aponta a definição de contrato eletrônico:

"O negócio jurídico bilateral que tem no meio virtual o suporte básico para sua celebração" [17]. 

"Aquele celebrado por meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas. Dispensam assinatura ou exigem assinatura codificada ou senha. A segurança de tais contratos vem sendo desenvolvida por processos de codificação secreta, chamados de criptologia ou encriptação" [18].

"O contrato de comércio eletrônico pode definir-se como o encontro de uma oferta de bens ou serviços que se exprime de modo audiovisual através de uma rede internacional de telecomunicações e de uma aceitação suscetível de manifestar-se por meio da interatividade" [19].

A diversidade em relação aos contratos tradicionais relaciona-se ao meio utilizado, o eletrônico. Deve, porém, revestir-se dos requisitos de validade legal, acrescido de outros relacionados ao ambiente em foi gerado.

O diploma civil admite que as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se à parte, contra quem for exibido, não lhes impugnar a exatidão [20].

Em termos conceituais não se localiza em nosso ordenamento jurídico impedimento pela utilização do meio eletrônico para manifestação da vontade, excetuando-se os casos em que a lei exige forma especial para validade da declaração. 

Maria Helena Diniz afirma: "Não vislumbramos em nosso Código Civil qualquer vedação legal à formação do contrato via eletrônica, salvo nas hipóteses legais em que se requer forma solene para a validade do ato negocial. As ofertas nas home pages seguem as normas dos arts. 417 e 428 do C. Civil, e, uma vez demonstrada a proposta e a aceitação, por exemplo, pela remessa do número de cartão de crédito ao policitante, o negócio virtual terá existência, validade e eficácia" [21].

A IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, recentemente aprovou os seguintes enunciados:

297 - Art. 212. O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada.

298 - Arts. 212 e 225. Os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de "reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas", do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental [22].

A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional sobre Comércio Eletrônico elaborou a Lei Modelo UNCITRAL sobre Comércio Eletrônico[23], acompanhada de um guia para incorporação ao ordenamento jurídico interno dos Estados, com a finalidade de oferecer um conjunto de regras internacionalmente aceitas e conceder validade e eficácia jurídica as mensagens eletrônicas:

 

Artigo 2º. Definições. Entende-se por "mensagem eletrônica" a informação gerada, enviada, recebida ou arquivada eletronicamente, por meio óptico ou por meios similares incluindo, entre outros, "intercambio eletrônico de dados" (EDI), correio eletrônico, telegrama, telex e fax;

Entende-se por "intercambio eletrônico de dados" (EDI), a transferência eletrônica de computador para computador de informações estruturadas de acordo com um padrão estabelecido para tal fim.

Artigo 11. Formação e Validade dos Contratos - Salvo disposição em contrário das partes, na formação de um contrato, a oferta e sua aceitação podem ser expressas por mensagens eletrônicas. Não se negará validade ou eficácia a um contrato pela simples razão de que se utilizaram mensagens eletrônicas para sua formação.

6. MANIFESTAÇÃO DA VONTADE POR MEIO ELETRÔNICO 

A doutrina esposa entendimento pelo qual a manifestação de vontade não depende de formalidades extrínsecas. Sendo assim, pode se operar eletronicamente desde que se permita identificar o agente para que o documento eletrônico seja apto a instrumentalizar uma relação jurídica[24].

Focalizando o meio empregado para o fechamento do negócio, Arnold Wald indica o contrato eletrônico como "o encontro de uma oferta de bens e serviços que se exprime de modo audiovisual através de uma rede de telecomunicações e de uma aceitação suscetível de manifestar-se por meio de interatividade" [25].

Os contratos firmados por equipamentos informáticos ou em ambiente eletrônico se operam por distintas modalidades, diferenciadas em razão do nível de interferência do sistema tecnológico no aperfeiçoamento da manifestação da vontade, formatado por contratação interpessoal e automática.

 

Naqueles formados pelo computador, as partes se utilizam do equipamento para transcrever as condições pactuadas para formação do negócio jurídico. Classificam-se como contratos intersistêmicos, não necessitando os contraentes fazer uso de transmissão eletrônica para se comunicarem. 

 

Nos contratos interpessoais reside a interação - direta ou indireta - das partes, através de uma comunicação realizada por transmissão eletrônica, que viabiliza o conhecimento da declaração de vontade. Nessa modalidade, subdividem-se nas categorias de simultâneos e não-simultâneos, em razão da imediatividade da manifestação.

 

Na formação dos contratos simultâneos as partes expressam suas vontades direta e concomitantemente: a oferta enviada pelo proponente é recebida pelo oblato e manifestada por este em tempo real. Nessa modalidade, aperfeiçoam-se através de salas de conversação, por videoconferência ou por comunicação via VoIP [26].

 

Portanto, em virtude da simultaneidade, incluem-se na espécie de contratação entre presentes.

 

Nos chamados contratos interpessoais não-simultâneos, decorre um lapso temporal entre a expedição da oferta e a manifestação do aceite pelo oblato. A declaração de vontade aperfeiçoa-se no momento em que o aceitante enviar a mensagem manifestando sua concordância. Compreendem-se nessa hipótese aqueles efetivados via correio eletrônico, que, por analogia, se comparam aos antigos contratos epistolares.

 

Nesse caso, a ausência de instantaneidade decorre em função do tempo transcorrido entre a remessa e o recebimento da mensagem, tendo em vista a necessidade da presença de intermediários para que ocorra a comunicação: a mensagem enviada pela caixa postal do proponente, primeiramente dirige-se a seu próprio servidor de correio, que a remete ao servidor de correio da parte receptora, para ser finalmente encaminhada ao seu endereço eletrônico.

 

Pelos contratos interativos as partes se aproximam indiretamente, através de um sistema de processamento automatizado que intervém determinantemente na formação do vínculo contratual. Nessa modalidade de contratação à distância, a operação se inicia e se conclui no ambiente eletrônico. Registra-se nessa classe as transações realizadas diretamente nas páginas eletrônicas, cabendo ao oblato manifestar seu aceite através de um clique em campo pré-estabelecido.

As distinções apontadas tornam-se relevantes para determinar o momento e o local de formação do vínculo contratual. Em razão da instantaneidade da comunicação entre as partes, o ordenamento jurídico estabelece a classificação entre os negócios jurídicos realizados entre presentes e ausentes.

O Código Civil adota a teoria da expedição para fixar o momento da conclusão contratual entre presentes e ausentes, sendo certo que apenas a última modalidade foi expressamente disciplinada.

A contratação se aperfeiçoa pela expedição da concordância do oblato, sendo irrelevante determinar-se o momento em se opera o conhecimento pelo ofertante da concordância da proposta, como disposto no art. 434 do Código Civil.

Verifica-se que as exceções capituladas no mesmo diploma negam vigência à teoria da expedição. Em realidade, adotou-se a teoria da recepção ao definir que a conclusão se dará no momento em que o proponente receba a comunicação da aceitação.

Segundo lição de Eurípedes Brito Cunha Júnior:

"Para Cesar Viterbo, o Direito brasileiro adotou sistema misto, com a aplicação da teoria da cognição em relação ao proponente e da teoria da expedição quanto ao aceitante, com prevalência para esse último. Partindo do fato de que, em se tratando de comunicações eletrônicas, a transmissão é uma certeza e a recepção é uma dúvida, a imposição de envio pelo proponente de uma confirmação do recebimento da aceitação, conforme prevê o Projeto de Lei do Comércio Eletrônico, é aplicável a todas as categorias contratuais eletrônicas, não tendo o condão de equiparar todos os contratos eletrônicos a contratos entre ausentes, e visa ao estabelecimento de uma segurança para as partes quanto à eficácia do negócio, não quanto ao momento de formação contratual [27]".

Os contratos interpessoais simultâneos reputam-se concluídos entre presentes, convergindo o momento da aceitação pelo oblato e do conhecimento instantâneo do proponente.

Os interpessoais não-simultâneos consideram-se como celebrados entre ausentes, formados a partir da expedição da aceitação, independentemente do conhecimento do proponente, aplicando-se a subteoria da expedição, espécie da teoria da agnição [28]. 

A contratação interativa se considera realizada entre presentes, quando o sistema computacional apresentar capacidade para processar a oferta de imediato e emitir automaticamente uma resposta, entendida como a aceitação. Visualiza-se esta hipótese quando o computador estiver programado para aceitar certo tipo de proposta pré-definida pelo interessado[29].

No Brasil, o projeto de lei que institui normas para as transações de comércio eletrônico, ainda em tramitação no Congresso Nacional, assim dispõe sobre o momento da conclusão[30]:

Art. 2º, I - Considera-se documento eletrônico a informação gerada, enviada, recebida, armazenada ou comunicada por meios eletrônicos, ópticos, opto-eletrônicos ou similares;

Art. 26 - Sem prejuízo das disposições do Código Civil, a manifestação de vontade das partes contratantes, nos contratos celebrados por meio eletrônico, dar-se-á no momento em que o destinatário da oferta enviar documento eletrônico manifestando, de forma inequívoca, a sua aceitação das condições ofertadas.

§ 1º - A proposta de contrato por meio eletrônico obriga o proponente quando enviada por ele próprio ou por sistema de informação por ele programado para operar automaticamente

§ 2º - A manifestação da vontade a que se refere o caput deste artigo será processada mediante troca de documentos eletrônicos, observado o disposto nos arts. 27 a 29 desta Lei.

Art. 27 - O documento eletrônico considera-se enviado pelo remetente e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrônico definido por acordo das partes e neste for recebido.

Art. 28 - A expedição do documento eletrônico equivale: I - à remessa por via postal registrada, se assinado de acordo com os requisitos desta lei, por meio que assegura sua efetiva recepção; e II - à remessa por via postal registrada e com aviso de recebimento, se a recepção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente e por este recebida.

 

7. CERTIFICAÇÃO DIGITAL

 

Como visto, a contratação eletrônica depara-se com empecilhos em recepcionar a eficácia concedida aos contratos tradicionais, pois quando utilizados os meios digitais para a manifestação da vontade, dispensando-se a representação material, é necessário enfrentar o aspecto da segurança da contratação.

Os maiores questionamentos relacionam-se à necessidade de identificação das partes e a aposição de assinatura.

No que tange à capacidade do agente deve-se ressaltar que sua autenticação é pressuposto de validade do ato. Conforme acentuado por Marco Aurélio Greco, "se não é possível identificar com segurança o agente, não será possível aferir sua capacidade jurídica. Em suma, a autenticidade é um elemento crítico no mundo informatizado, pois, numa comunicação através de computador, temos contato com a mensagem pura e com algo virtual, que é a "representação" da pessoa e não a própria pessoa" [31].

Em relação à exigência de assinatura aposta no documento, o Código Civil prescreve que apenas o instrumento particular assinado prova as obrigações convencionais de qualquer valor[32] e que somente as declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação ao signatário[33].  O Código de Processo Civil insere textualmente as seguintes expressões: escrito e assinado, art. 368; reconhecimento da firma do signatário pelo tabelião, art. 369; documento assinado pelo autor, art. 371, documento original assinado pelo remetente, art. 374, parágrafo único; referindo-se especificamente a assinatura nos arts. 164, 169, 417, 449, 458, 715, 764, 765, 825 e 843.  

Por outro lado, a preservação da integridade do conteúdo informacional - configuração da seqüência de bits - prescinde da garantia de não corrompimento do arquivo e da impossibilidade de adulteração das informações contidas no documento.

Na sociedade digital, o usuário se autentica na rede através de um endereço lógico e pelo correio eletrônico, podendo ser cooptados por um usuário mal intencionado, fazendo-se passar por outra pessoa. 

Logo, para que os documentos produzidos em meio eletrônico se revistam de inquestionável eficácia, devem ser cumpridos requisitos próprios ao meio onde foi gerado, voltados à utilização de arquivos digitais: autenticação, integridade, confidencialidade, disponibilidade e impedimento de rejeição. A identificação consiste na verificação da identidade do agente; pela autenticação, a assinatura do signatário é validada por autoridade certificadora; na integridade garante-se a preservação do conteúdo do arquivo; a confidencialidade preserva o sigilo das informações constantes do arquivo, impedindo que terceiros estranhos à relação tenham acesso ao conteúdo informacional e a disponibilidade assegura o acesso ao arquivo pelo usuário autorizado a qualquer tempo. O impedimento de rejeição visa impossibilitar negação de eficácia do documento em virtude da utilização do meio eletrônico para sua formação.

 

A assinatura digital surge como uma ferramenta tecnológica de autenticação de autoria e validação da manifestação da vontade, associando um indivíduo a uma declaração de vontade veiculada eletronicamente[34].

 

Segundo o professor Carlos Alberto Rorhmann a assinatura digital é um substituto eletrônico da assinatura manual, cuja implementação técnica se dá por meio do par de chaves criptográficas, cuja segurança matemática proporcionada pela criptografia assimétrica pode ser medida por sua adoção em diversos países, inclusive o Brasil[35].  

 

A citada Lei Modelo da UNCITRAL baseia-se no reconhecimento das funções que se atribuem a uma assinatura nas comunicações consignadas em papel, tomando em consideração as seguintes funções: certeza da participação pessoal do usuário no ato de firmar e a associação deste ao conteúdo do documento. O artigo 7º se auto-apresenta como uma fórmula abrangente de aceitação:

 

"1) Quando a Lei requeira a assinatura de uma pessoa, este requisito        considerar-se-á preenchido por uma mensagem eletrônica quando:

a)      For utilizado algum método para identificar a pessoa e indicar sua aprovação para a informação contida na mensagem eletrônica; e

b)      Tal método seja tão confiável quanto seja apropriado para os propósitos para os quais a mensagem foi gerada e comunicada, levando-se em consideração todas as circunstâncias do caso, incluindo qualquer acordo das partes a respeito.

2. Aplica-se ao parágrafo 1) tanto se o requisito nele mencionado esteja expresso na forma de uma obrigação, quanto se a Lei simplesmente preveja conseqüências para a ausência de assinatura" [36].

 

O supra mencionado projeto de lei brasileiro prevê a adoção de sistema de assinatura baseado em criptografia assimétrica:

 

"Art. 2º, II - Assinatura Digital: resultado de um processamento eletrônico de dados, baseado em sistema criptográfico assimétrico, que permite comprovar a autoria e integridade de um documento eletrônico cifrado pelo autor com o uso da chave privada".

 

O Brasil implantou uma espécie de sistema nacional de certificação digital, resultante de um conjunto de técnicas, práticas e procedimentos por organizações governamentais e privadas[37], com o objetivo de garantir a autenticidade, integridade e validade jurídica de documentos produzidos em forma eletrônica[38].

 

A chamada equivalência funcional à assinatura manuscrita, atribui presunção de veracidade às declarações de vontade realizadas em ambiente virtual diante da utilização de assinatura digital obtida perante uma das certificadoras credenciadas pela Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil[39].

 

Prescreve o § 1º do artigo 10 da Medida Provisória que apenas as declarações de vontade que se utilizam do processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários.

 

Apesar do § 2º do texto legal conceder liberdade às partes para empregar outro meio de comprovação de autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive aqueles que façam uso de certificados não emitidos pela ICP-Brasil, condicionam sua eficácia à admissão pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for aposto o documento.

 

8. CONCLUSÕES     

 

Os argumentos expostos encaminham às seguintes conclusões:

A certificação digital é requisito indispensável à segurança dos negócios formatados na plataforma eletrônica, propiciando a equiparação do documento eletrônico ao escrito e assinado, garantindo a identificação e responsabilização das partes contraentes e protegendo os usuários contra a fraude.

O modelo de certificação adotado no Brasil aplica o modelo hierárquico de raiz única, exercido pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, autarquia federal vinculada a Casa Civil da Presidência da República.

O governo federal avocou a si a responsabilidade pela implementação, regulamentação e fiscalização da prestação dos serviços de certificação digital no país, aplicando um sistema dual de eficácia ao certificado qualificado e ao certificado privado.

Em vista do mandamento legal, o único processo de certificação apto a atender os ditames impostos pelo art. 219 do Código Civil e consectários do diploma civil adjetivo, se dirige a certificação qualificada disponibilizada pela ICP-Brasil, em razão do critério de equivalência funcional a assinatura manuscrita, além dos requisitos de segurança a que se obrigam a cumprir as autoridades nela credenciadas.



[1] Art. 421 do CC

[2] DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no ambiente virtual. Curitiba: Juruá, 2006

[3] Obrigações e contratos. 12. ed., São Paulo: RT, 1995, p. 162

[4] FIUZA, Cesar. Novo direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 109

[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. v. III, p. 1-4

[6] GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. Tomo 1, vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 11

[7] Gonçalves, Paulo Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004

[8] O que é virtual ?  trad. Paulo Neves. São Paulo : Editora 34, 2005

9 TCP - Transmission Control Protocol (Protocolo de Controle de Transmissão) - e o IP - Internet Protocol (Protocolo Internet. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/TCPIP> Acesso em 24.11.2006

[10] Norma 04/95 aprovada Portaria MC 148/95

[11] Lei 6.538/78

[12] Art. 435

[14] LICC, art. 9º, § 2º

[15] Código binário

[16] ROVER, Aires José. Direito e informática. Baueri, SPaulo, Manole, 2004, p. 423, Delitos fiscais: Validade da prova obtida em meio eletrônico

[17] ROHRMANN, Carlos Alberto. Curso de direito virtual. Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 58

[18] GLANZ, Semy. Internet e contrato eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, vol. 757, p. 72

[19] ITEANU, Olivier. Internet et lê droit, 1966, p. 23-27, apud GLANZ, Semy.  Contratos eletrônicos. Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem - 7, p. 16

[20] CC, art. 225

[21] Tratado Teórico e Prático dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 5º volume, 2002, pág. 656

[23] 1996

[24] SANTOS, Manoel J. Pereira. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/resumo_Manoel_Pereira_dos_Santos_Contratos_eletronicos.htm  Acesso em 28.11.2006

[25] Citando Olivier Iteanu, Internet e le droit. Paris, Eyrolles, 1996, p. 23 apud GRECO, Marco Aurélio. MARTINS, Ives Gandra da Silva. coord. Direito e internet , São Paulo: Revista dos Tribunais, 200, p. 18

[26] Tecnologia que torna possível estabelecer conversações telefônicas em uma rede IP - incluindo a internet - tornando a transmissão de voz mais um dos serviços suportados pela rede de dados. <Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Voz_sobre_IP  Acesso em 05/12.2006

[27] Revista de Direito das Novas Tecnologias. V. 1. n. 1. São Paulo:IOB-IBDI,2006

[28] CC, art. 434

[29] LIMA, Rogerio Montai. Disponível em: http:// Acesso em  13.12.06www2.unopar.br/pesq_arq/revista/JURIDICA/00000240.pdf

[30] Substitutivo ao PL 4.906/2001

[31] Internet e direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 31

[32] CC, art. 221

[33] CC, art. 219

[34] MENKE, Fabiano. Assinatura eletrônica no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 42

[35]  Id .ib., p. 69 e 71

[36] Publicação sem data Associação das Nações Unidas - Brasil. Org. Ministério das Relações Exteriores

[37] MARTINI, Renato. Certificação e identidade digital: ICP-Brasil. Disponível em  <http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=20&id=210> Acesso em 13.12.06

[38] Medida Provisória 2.200/01 - Institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras - ICP-Brasil

[39] Assinatura eletrônica no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 136 

 

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