Meio ambiente x propagandas eleitorais: as mudanças inseridas na Lei 9.504/1997 pelas Leis 11.300/2006 e 12.034/2009 sob a ótica ambiental


Porbarbara_montibeller- Postado em 08 maio 2012

Autores: 
ALMEIDA, Aline Sorprezo de

Resumo: O objeto do presente estudo é a análise, sob o enfoque ambiental, das modificações implementadas nos últimos anos pelas Leis nº 11.300/2006 e 12.034/2009 na legislação eleitoral, o que resultou na reflexão sobre os instrumentos de coação x conscientização para promover as mudanças no pensar e no agir da sociedade.

Palavras-chave: Meio ambiente. Propaganda eleitoral. Legislação. Cidadania. Educação.

Sumário: 1. Introdução; 2. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 3. As campanhas eleitorais e a propaganda. 4. A propaganda eleitoral poluidora: os avanços da legislação. 5. Cidadania, educação e responsabilidade social: a conscientização para a ação responsável. 6. Considerações Finais. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A questão ambiental é indubitavelmente o foco de muitas discussões e debates acerca da criação e implementação de meios para a proteção, para a conscientização sobre a necessidade de preservação, e para a reparação dos danos impingidos ao meio ambiente.

Nesta senda, recorrente é a preocupação em anos eleitorais, com a poluição provocada pela propaganda eleitoral abusiva levada a efeito por candidatos e partidos políticos.

Em que pese o direito destes de expor as bases de sua candidatura e proposta de gestão, sobressai o direito da coletividade, muitas vezes sucumbidos nas ações daqueles que descumprem a legislação e promovem verdadeira agressão ao meio ambiente por meio da propagação de poluição estética e sonora.

Nos últimos anos a legislação eleitoral sofreu significativas mudanças e, diante da constante preocupação ambiental e da poluição provocada pelo abuso da propaganda em períodos de eleição, propõe-se a análise das alterações dispositivas sobre o tema, visando concatená-las com a questão ambiental.

Muitos se pronunciaram no tocante às alterações legislativas enfocando o aspecto econômico e político, mas entende-se que vale a pena analisá-las à luz do enfoque ambiental.

Para tanto, faz-se importante observar alguns aspectos ligados às necessidades prementes surgidas a partir da ação do homem junto ao meio ambiente.

Em seguida, insere-se a propaganda no âmbito das campanhas eleitorais, culminando na análise das principais modificações introduzidas na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) a partir das Leis nº 11.300/2006 e nº 12.034/2009.

Por derradeiro, emerge a reflexão sobre os instrumentos de que se dispõe para enfrentar a questão do meio ambiente x propaganda eleitoral poluidora.

A lei como instrumento de coação e objeto do papel do legislador assim como a cidadania, a educação e a responsabilidade social como instrumentos comuns à sociedade em geral, “objetos” de conscientização, para promover a mudança de maior abrangência: no pensar e no agir.

2 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

O Estado representa a forma máxima de organização humana desde que o homem abriu mão da lei do mais forte e se deu conta de que “não possui autoridade natural sobre seu semelhante, e que a força não produz nenhum direito” restando, pois, “as convenções como base de toda autoridade legítima entre os homens” (ROUSSEAU, 2006, p. 14).

Ao afastar-se do estado primitivo o homem percebe a necessidade de criação de normas impostas a todos, sobrepondo-se a vontade geral à vontade individual a fim de criar condições para uma convivência pacífica.

Surge a necessidade social de regulamentação da conduta do homem e do próprio Estado. No seio da sociedade nasce o fato e “do fato origina-se o direito”. Eis a máxima do Direito Romano “ex facto oitur jus” que expressa verdadeira dialética existente entre o fato e a norma, pois, a sociedade está em constante transformação, gerando o fato a partir do qual cria-se e recria-se o direito.

Neste contexto, também se inserem as questões ambientais. A conduta livre do homem têm sido ao longo dos séculos prejudicial ao meio ambiente o que coloca em risco a sua própria sobrevivência.

A respeito da ação do homem assim se manifesta Frei Betto (1998) apud Milaré (2009, p. 7):

Querido Jesus, precisas ver o que temos feito com esta Terra, na qual teu Pai criou vida – e vida intelegente!

Nossa ambição de lucro polui rios e mares, queima florestas, exaure o solo, resseca mananciais, extingue espécies marítimas, aéreas e terrestres, altera os ciclos das estações e envenena a atmosfera.

Gaia se vinga, cancerizando-nos, reduzindo as defesas do nosso organismo, castigando-nos com a fúria de seus tornados, tufões, furacões, terremotos, com frio e calor intensos.”

Logo, deste fato, surge a necessidade de regular-se o comportamento humano para tutelar um bem muito maior e mais precioso do que qualquer patrimônio que o homem possa angariar para si: o meio ambiente, bem da coletividade.

Dessa herança a ser preservada dependem todos os seres viventes em gerações presentes e futuras.

Mas qual seria o conceito de meio ambiente?

Milaré (2009, p. 112) afirma que não há consenso entre os especialistas sobre a expressão “meio ambiente” e deduz tratar-se de uma noção “‘camaleão’, que exprime, queiramos ou não, as paixões, as expectativas  e  as  incompreensões daqueles que dele cuidam.” E alerta que “o jurista, por mais próximo que esteja dos sentimentos que o informam como ser humano, necessita precisar as noções que se relacionam com a sua tarefa de formular e aplicar normas jurídicas.”

No conceito jurídico trazido pelo autor, existem duas visões, uma estrita e outra ampla.

A visão estrita delimita e restringe o conceito apenas àquilo que diz respeito aos recursos naturais, o patrimônio natural e suas relações com os seres vivos.

A visão ampla é abrangente e refere-se ao meio ambiente natural ou físico, abrangido pelos recursos naturais como o solo, a água, o ar, a fauna e a flora; o meio ambiente artificial, construído ou alterado pelo homem; o meio ambiente cultural, constituído pelo patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico; e o meio ambiente do trabalho, conjunto de fatores que se relacionam às condições do ambiente laboral.

Neste sentido, a Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) traz o conceito legal com o intuito de mensurar o alcance da expressão meio ambiente, assim definido em seu artigo 3º:

“I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;”

A definição supra, demonstra a amplitude do termo e a dimensão dos bens a serem protegidos.

“Proteger significa, em outras palavras: determinar as condutas que preservam o equilíbrio do meio ambiente, em detrimento de outras, consideradas ilícitas ou proibidas, e portanto, acompanhadas de uma sanção caso sejam praticadas”. (SOARES, 2003, p. 20)

Nesta senda, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado erigiu à condição de princípio constitucional que assegura à coletividade a sadia qualidade de vida:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Assim caracterizado, não se pode olvidar que a preocupação com as questões ambientais é compartilhada por toda a comunidade internacional, que assume, principalmente após a 2ª Grande Guerra, o papel de zelar pelos valores prioritários, interesse este que se sobrepõe à própria soberania dos Estados-membros.

Soares (2003, p. 24) explica:

Seria inútil buscar em épocas anteriores à segunda metade do século XX qualquer manifestação do fenômeno da regulamentação internacional global do meio ambiente, dado o fato de que a deteriorização deste, no âmbito das relações internacionais, somente a partir de 1960, passou a constar das preocupações dos Estados, isoladamente, e, em momentos posteriores, reunidos nas grandes organizações intergovernamentais.”

Na seqüência, o autor salienta que a preocupação emergida a partir da década de 60 do século passado, relativa ao meio ambiente, levou à realização da reunião da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em 1972, em Estocolmo, “fato que selou o definitivo ‘nascimento do Direito Internacional do Meio Ambiente’ ”.

Ainda no plano das relações intergovernamentais, Soares (2003, p. 25) cita como fato marcante a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o desenvolvimento, a ECO/92, no Rio de Janeiro, em junho de 1992.

“Considerada a maior reunião internacional até hoje realizada pelas Nações Unidas e um marco significativo de ter sido uma conferência internacional repleta de significados políticos, acontecida logo após a queda do muro de Berlim”. (SOARES, 2003, p. 25)

Sendo assim, a questão ambiental revela-se como uma preocupação constante tanto na ordem nacional como na ordem internacional, pois a falta de proteção pode afetar toda a espécie de vida na terra.

3 AS CAMPANHAS ELEITORAIS E A PROPAGANDA

As propagandas eleitorais podem oferecer sérios riscos ao meio ambiente e à sadia qualidade de vida da coletividade quando utilizadas de forma abusiva ou mediante infringência à legislação.

Para Ribeiro (1996, p. 379):

“A propaganda é um conjunto de técnicas empregadas para sugestionar pessoas na tomada de decisões. [...] Para que se possa caracterizar a propaganda é de mister que haja o propósito deliberado de influir na opinião ou na conduta alheia. Em não havendo esse elemento intencional, não se poderá cogitar de propaganda.”

Coneglian (2000, p. 11) assim explica a propaganda eleitoral e sua necessidade:

Uma campanha político-partidária se constrói com inúmeras peças. [...] Mas entre essas inúmeras e díspares peças, há uma que se sobressai: a propaganda eleitoral.[...]

A propaganda eleitoral, símbolo pleno da democracia, é a arena onde ele (o candidato) vai travar a luta com os adversários, e o campo onde ele vai semear suas esperanças para colher votos.”

Isto demonstra a importância da propaganda eleitoral para o candidato e denota a necessidade de regulamentação para que, na ânsia pela busca de destaque na disputa eleitoral, o candidato não cometa abusos contra a sociedade na qual se insere, seja sob o aspecto político, econômico ou ambiental.

Neste diapasão, as leis eleitorais vêm sendo constantemente modificadas com vistas a delimitar de que forma os candidatos e/ou partidos podem lançar mão da propaganda sem causar prejuízos na esfera de direitos de terceiros ou de forma mais ampla, da coletividade.

Importante ressaltar que, conforme Art. 36 da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), “a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição”.

Ao mesmo tempo em que prevê a propaganda eleitoral, favorecendo a liberdade de expressão dos candidatos e a informação que propicia aos eleitores a escolha consciente, a Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral) revela a preocupação e o cuidado com o meio ambiente em seu Art. 243 que assim dispõe:

Art. 243. Não será tolerada propaganda:

VI - que perturbe o sossego público, com algazarra ou abusos de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; [...]

VIII - que prejudique a higiene e a estética urbana ou contravenha a posturas municiais ou a outra qualquer restrição de direito;”

A redação dos incisos supra remete a dois tipos de poluição provocadas pela propaganda eleitoral quando utilizada de forma abusiva, a poluição sonora e a poluição estética ou visual.

O Art. 3º da Lei 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente) encontra-se a seguinte definição para poluição:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;”

Eis aqui o ponto de convergência entre o meio ambiente e as campanhas eleitorais, senão veja-se a observação de Farias (2006):

“Fica patente que existe uma pauta comum entre o Direito Ambiental e o Direito Eleitoral, na medida em que os citados abusos que ocorrem durante as eleições dizem respeito diretamente ao objeto de ambos os ramos da Ciência Jurídica. O problema é que na maioria das vezes esse fenômeno tem sido estudado e enquadrado apenas sob a ótica da legislação eleitoral, o que impede uma compreensão mais correta e adequada no que diz respeito aos aspectos ambientais propriamente ditos.”

Não é difícil vislumbrar o desequilíbrio ambiental que as campanhas eleitorais podem provocar quando a propaganda é utilizada de forma excessiva ou abusiva, promovendo a degradação da qualidade ambiental, principalmente no tocante à poluição estética e à poluição sonora.

“Com efeito, é durante o período eleitoral que normalmente as cidades são invadidas por tais práticas abusivas, como carros de som em lugares e em horários indevidos, paredes pichadas, produção de poluição sonora, muros pintados, vias públicas saturadas de placas de propaganda, camadas de cartazes se sobrepondo umas às outras, faixas nos postes, excesso de cartazes e santinhos jogados pelas calçadas e ruas, realização de passeatas e outras manifestações políticas em locais ambientalmente frágeis etc. É claro que não se pode imputar essas condutas a todos os candidatos, já que uma grande deles parte consegue fazer propaganda eleitoral dentro dos limites da legalidade”. (FARIAS, 2006)

Nesta senda, necessário se faz demonstrar que a legislação eleitoral sofreu, nos últimos anos, alterações essenciais, de caráter inibitório e também punitivo, mesmo que com punições brandas se observadas sob a ótica ambiental, visando combater o abuso do poder econômico e político.

Contudo é inegável que as modificações promovidas refletem diretamente em questões de caráter ambiental uma vez que, restringindo as formas amplas e indefinidas de utilização da propaganda pelo candidato e/ou partido, ocorre conseqüentemente a diminuição da poluição estética e sonora em época de campanhas eleitorais, conforme será visto a seguir.

4 A PROPAGANDA ELEITORAL POLUIDORA: OS AVANÇOS DA LEGISLAÇÃO

As Leis 11.300/2006 e 12.034/2009 promoveram modificações significativas na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) no que tange à propaganda política, principal fonte de poluição sonora e estética nestes períodos.

Tais formas de poluição devem ser combatidas, eis que prejudiciais ao bem-estar coletivo, senão veja-se a lição de Faria (2006):

“Combater a poluição eleitoral estético ou visual implica em algo mais profundo do que tratar de questões meramente paisagísticas, tendo em vista que o direito à paisagem está diretamente relacionado à auto-estima e às condições psicológicas da coletividade. É evidente que as pessoas que vivem em um meio ambiente esteticamente degradado e desarmônico tendem a sofrer mais de doenças psicossomáticas do que as que vivem em condições melhores.”

No que tange à poluição estética, com as alterações introduzidas pelas leis supra o artigo 37 da Lei nº 9.504/97 passou a vigorar de forma a proibir, além da pichação e inscrição a tinta já antes proibida, a fixação de placas, estandartes, faixas, banners e assemelhados nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público ou que a ele pertençam e nos de uso comum.

“Nesses bens e em todos que sejam públicos, é proibida a pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados (a proscrição é absoluta, independentemente do formato da propaganda, mas o elenco é exemplificativo, por conta da utilização do termo “assemelhados”).” (PORTO, 2009, p. 72)

Segundo Porto (2009, p. 72), “o novo art. 37, caput, com a redação conferida pela Lei n. 11.300/2006, tornou-se bem mais restrito do que o anterior (que não detalhava tanto os locais de veiculação de propaganda)”.

Lembrando que o §4º acrescido ao dispositivo em questão amplia a definição dada pelo Código Civil aos bens de uso comum:

Art. 37...

§ 4º Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada.”

Notável a nova redação, pois a proibição alcança também como se depreende da transcrição, os estabelecimentos comerciais de propriedade privada o que reduziu em proporções consideráveis a poluição estética ocasionada pela afixação de faixas placas, cartazes e banners.

As formas de publicidade acima, agora só podem ser vistas em bens particulares (não alcançados pela restrição do §4º) e em tamanhos limitados a 4 m2, e independem de obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral, conforme prevê o parágrafo 2º do Art. 37 da Lei 9.504/97.

“A lei afirma que no caso do uso do bem particular não será necessária licença municipal ou da Justiça Eleitoral (§2º). E já se decidiu que a permissão de propaganda através de faixas, placas, cartazes, pinturas ou inscrições em bens particulares, inclusive na sua face externa, apenas encontra óbice em preceitos de higiene e estética urbana constantes de legislação pertinente. Obviamente, não seria admissível, em quaisquer desses bens, móveis ou imóveis, o escrito obsceno” (RJDTACrim-SP, v. 7, p. 164, relator Juiz Fábio de Araújo). (PORTO, 2009, p. 73)

Da mesma forma, foram introduzidas modificações no Art. 38, de forma a individualizar o responsável pela veiculação de propaganda eleitoral por meio de panfletos e impressos com o intuito de que os gastos sejam apresentados na prestação de contas do candidato e/ou partido.

O parágrafo primeiro foi acrescido ao referido dispositivo, para determinar a obrigatoriedade de identificação do responsável pela confecção dos impressos, por meio de seu CPF ou CNPJ bem como do responsável pela contratação.

Além de constituir-se de meio de controle sobre o poder aquisitivo e tornar mais justa e igualitária a disputa eleitoral, a nova imposição facilita a identificação do responsável por eventual propaganda irregular (se o candidato ou o partido).

Neste sentido, ação altamente prejudicial ao meio ambiente, propiciada pela propaganda de que trata o Art. 38, pode ser vista no dia da eleição, quando é comum que as cidades amanheçam com as vias públicas, no ápice da poluição estética: forradas de panfletos, provavelmente espalhados durante a madrugada.

Uma ação “anônima”, altamente degradante ao meio ambiente que constitui ainda, crime eleitoral nos termos do inciso III do §5º, Art. 39 da Lei 9.504/97, por caracterizar a divulgação de candidato e/ou partido, o que é proibido no dia da eleição.

Especificamente em relação à poluição sonora Sirvinskas (2005, p. 185) explica:

“a poluição sonora é a emissão de ruídos indesejáveis de forma continuada e em desrespeito aos níveis legais que, dentro de um determinado período de tempo, ameaçam a saúde humana e o bem-estar da coletividade.”

Machado (2005, p. 636/637), assinala sobre os efeitos do ruído segundo estudo publicado pela Organização Mundial de Saúde: “perda da audição; interferência com a comunicação; dor; interferência no sono; efeitos clínicos sobre a saúde; efeitos sobre a execução de tarefas; incômodo”.

“O incômodo ou perturbação é geralmente relacionado aos efeitos diretamente exercidos pelo ruído sobre certas atividades, por exemplo: perturbação da conversação, da concentração mental, do repouso e dos lazeres. A existência e a dimensão do incômodo são determinadas pelo grau de exposição física e por variáveis conexas de ordem psicossocial.” (MACHADO, 2005, p. 637).

No tocante à poluição sonora, foi introduzida modificação (§§ 7º e 10º do Art. 39 da Lei nº 9.504/97) que contribui diretamente para a sua inibição, vez que foi proibida a realização de showmícios e eventos assemelhados com a apresentação de artistas, a utilização de trio elétrico como também a retransmissão de shows artísticos.

Logo, é permitida apenas a realização dos comícios sem animação, onde os candidatos poderão apresentar ao público eleitor suas plataformas políticas, durante o período compreendido entre as oito e vinte e quatro horas, (Art. 39-A, §4º).

Veja que sem ferir a liberdade de expressão dos candidatos, tampouco o direito à informação do eleitor, a modificação propugnada pela legislação criou um entrave para os detentores do poderio econômico, resultando em mais uma forma de proteção e promoção do meio ambiente sadio.

A respeito dos carros de som utilizados pelos candidatos para divulgação por meio de jingles, mantiveram-se as disposições já previstas no Art. 39, § 3º, sendo permitida a utilização deste recurso entre as oito e as vinte e duas horas, com a seguinte proibição:

“É vedada a instalação e o uso dos alto-falantes ou amplificadores de som em distância inferior a duzentos metros das sedes dos poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das sedes dos Tribunais Judiciais, e dos quartéis e outros estabelecimentos militares; dos hospitais e casas de saúde; das escolas, bibliotecas públicas, igrejas e teatros, quando em funcionamento.” (PAULA; JOST, 2000, p. 173)

Por derradeiro, depreende-se que as mudanças propugnadas pelas alterações legislativas (Leis 11.300/2006 e 12.034/2009) atingiram um escopo muito mais abrangente do que se propuseram, pois vão ao encontro dos princípios e garantias constitucionais priorizando o bem-estar da coletividade, ao restringir práticas que culminam na degradação do meio ambiente como a poluição estética e sonora tão evidentes em épocas de campanha eleitoral.

5 CIDADANIA, EDUCAÇÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL: A CONSCIENTIZAÇÃO PARA A AÇÃO RESPONSÁVEL

Diante do que foi exposto, vislumbra-se que as duas ciências, Direito Ambiental e Direito Eleitoral, estão intimamente ligadas quando o tema é propaganda eleitoral.

Resta evidente a relevância do papel do legislador ao editar normas de forma a regulamentar as condutas dos candidatos e partidos em prol da coletividade, seja para evitar o abuso do poder econômico e tornar as disputas eleitorais mais equânimes, seja para primar pela sadia qualidade de vida dos cidadãos

Quanto às mudanças implementadas pelas últimas alterações legislativas sobre o tema, sobressalta o caráter primordialmente eleitoral e econômico, mas é inegável a transcendência à esfera ambiental, quando as limitações impostas contribuem para o combate à poluição estética e sonora, comuns em períodos de campanhas eleitorais.

Por óbvio que os abusos não deixam de existir, mas tendem a diminuir sensivelmente à medida que se cria e viabiliza instrumentos jurídicos apropriados a delimitar a ação nociva do homem com leis coercitivas e sanções que desestimulem tal comportamento, sobretudo diante do choque entre o interesse social e os interesses econômicos dos grandes e poderosos.

“A civilização tem isto de terrível: o poder indiscriminado do homem abafando os valores da natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (e, no fundo, essa é a razão do Direito Natural), assistimos hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre”. (REALE, 1987, p. 297 apud MILARÉ, 2009, p. 51)

Telles Júnior (1986, p. 19) bem descreve: “onde há fortes e fracos, a liberdade escraviza, a lei é que liberta.”

Destaca-se aqui também o papel da Justiça Eleitoral no tocante a aplicação das sanções pelo descumprimento da legislação.

Segundo Coneglian (2000, p. 47/48), no tocante à postura frente à propaganda eleitoral encontra-se, basicamente, cinco tipo de Juízes Eleitorais, a saber:

1º - o deixa estar – é aquele Juiz que coloca a propaganda de lado, não se preocupara com ela, não interfere, como se ela estivesse fora de sua alçada, longe de suas atribuições. Teórico do direito, declara que a Justiça é inerte. Só age quando aparece uma representação, ou denúncia do Ministério Público.

2º - o Juiz panos-quentes – é aquele que conversa com os partidos, com os candidatos e com os cabos eleitorais, sempre no sentido de abrandar as atitudes, de contemporizar e de apaziguar incêndios.

3º - o Juiz incendiário ou maquiavélico – joga uns contra os outros. Vê uma propaganda irregular e manda recado para o candidato adversário entrar com representação.

4º - o Juiz prendo-e-arrebento – é aquele Juiz intransigente, que não permite nada, que legisla por portarias e que se coloca acima da própria lei.

5º - o Juiz realista – procura se informar sobre as leis, estuda a melhor e mais dominante interpretação, percebe a deficiência dos recursos que terá à disposição, sabe que a batalha da propaganda eleitoral é difícil e reconhece que a lei é rigorosa e que por isso mesmo os abusos são constantes, mas mesmo assim se propõe a combatê-los com as armas à sua disposição.”

Contudo, resta trabalhar melhor a questão da conscientização para a ação responsável. Se o homem por si só não tomou consciência da sua responsabilidade na preservação do meio ambiente e no legado das futuras gerações, precisa aprender a respeitar as normas criadas para alcançar este fim.

Paralelo ao plano da coerção (lei) que influencia diretamente no agir está o plano da conscientização que modifica a forma de pensar e agir da sociedade, onde a Educação (em sentido lato) exerce papel fundamental.

Sob este prisma, profundas mudanças devem ocorrer na compreensão e conduta humanas, em busca da superação desse quadro de degradação e descaso com o meio ambiente, neste caso as palavras de ordem seriam cidadania, educação e responsabilidade social.

Segundo Milaré (2009, p. 67) esta transformação pode ser alcançada por meio da educação ambiental dentro ou fora das escolas.

Portugal & Almeida (2004, p. 261) ensinam:

“A proposta de um trabalho educacional que alie a responsabilidade social à cidadania exige clareza a respeito dos objetivos sócio-políticos que a norteiam, da visão de mundo e dos conceitos de educação, cidadania, homem, mundo, conhecimento, cultura, entre outros. Ou seja, que tipo de sociedade quer-se construir? Qual o homem que se quer educar? Educar para quê? Como isso se reflete na proposta político-pedagógica de uma instituição? Quanto tais institutos são reflexos de política econômica capitalista?”

Na mesma linha, Milaré (2009, p. 137) destaca a capacidade de escolha do homem e a prevalência da sua falta de consciência em longos períodos da História:

“O homem precisa selecionar melhor e assumir devidamente os seus epítetos – são tantos os surgidos no desenrolar da História. O homo faber, o homo sapiens, o animal politicum, o homo oeconomicus, o animal religiosum, o homo praedator e, nobilíssima classificação aristotélica, o animal rationale, que o insere plenamente na biosfera e na noosfera (esfera da mente ou do espírito). Parece que o homo praedator tem prevalecido em longos períodos da nossa civilização e das anteriores”. (MILARÉ, 2009, p. 137)

Assim, como a legislação eleitoral precisa de novas modificações com foco na questão ambiental, de forma a criar sanções mais severas para viabilizar a coerção, a educação deve ser orientada para a conscientização e a maior crítica não está direcionada para “o que” se ensina, mas para “como” se ensina:

“A meta principal, da Educação, da escola e do educador, deve ser investida no preparo do futuro adulto para pensar sistematicamente com responsabilidade crítica. Exatamente o oposto da Educação atual, que apesar de suas modificações através dos Parâmetros Curriculares, ainda está sendo aplicado na prática, para formar os alunos baseando-se em fatos históricos e científicos potencialmente úteis no futuro, mas aplicáveis apenas no exame vestibular para entrada numa universidade”. (PORTUGAL; ALMEIDA; 2004, p. 274).

Resta cristalino que existe um problema social de cunho mais profundo, e que precisa ser superado, seja por meio da coerção exercida pelas sanções legais, seja pela conscientização do homem em seu meio (ambiente), de forma a fazê-lo pensar e agir para a preservação em detrimento da degradação – que hoje se vê operar pelas suas próprias mãos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após todas estas considerações e, ciente de que o assunto está longe de se esgotar, pelo contrário, a proposta é fomentar o debate em torno da criação e aplicação de instrumentos jurídicos e/ou sociais capazes de promover a preservação e a recuperação do meio ambiente em todas as suas formas de expressão: natural, artificial, cultural ou do trabalho.

O meio ambiente, sob uma ótica mais ampla, merece proteção e deve sim estar em pauta nas discussões no âmbito dos Estados ou nas pautas intergovernamentais.

Verte cristalina a idéia de que as mudanças legislativas propostas em sede de Direito Eleitoral são também fundamentais para equilibrar a liberdade dos partidos políticos e candidatos no tocante à propaganda eleitoral x o direito da coletividade à sadia qualidade de vida.

Tendo em vista que do fato origina-se a norma, importante que outras alterações sejam promovidas para restringir abusos e aplicar sanções, pois a sociedade está em constante transformação e o descumprimento da legislação emerge após determinados períodos que se pode chamar de “período de acomodação” aos ditames da nova norma.

Ademais, afora o trabalho do legislador, resta lutar incessantemente por uma mudança de maior abrangência, que se daria pela conscientização da sociedade acerca da cidadania, educação e responsabilidade social.

Compete a cada cidadão ser ativo na luta pelo exercício pleno da cidadania, de modo a resgatar valores coletivos em alguns momentos tão sucumbidos, passando-os adiante, promovendo a educação para a responsabilidade sócio-ambiental.

 

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 03 mar. 2012.
______. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm>. Acesso em 15 mar. 2012.
______. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>. Acesso em: 03 mar. 2012.
______. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral-anotado/legislacao-eleitoral-e-partidaria>. Acesso em: 03 mar. 2012.
CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral: de acordo com o Código Eleitoral e com a Lei 9.504/97. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2000.
FARIAS, Talden. A poluição eleitoral e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1184, 28 set. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8981>. Acesso em: 3 mar. 2012.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
PAULA, Dídimo Inocêncio de; JOST, Cláudia Campos Brasil. Manual prático das eleições. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.
PORTO. Roberto. Lei Eleitoral Anotada: Lei 9.504, de 30-9-1997. São Paulo: Saraiva, 2009.
PORTUGAL, Heloisa Helena de Almeida; ALMEIDA, Mark Sandro Sorprezo de. Cidadania, Educação e Responsabilidade Social: falácias gastas em um discurso retórico? In: Scientia Iuris: revista do curso de mestrado em direito negocial da UEL. vol. 5/6, n.1 (2001-2002), Londrina: Editora UEL, 2004.
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. CL Edjur: Leme/SP, 2006.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 185.
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
TELLES JÚNIOR, Goffredo. A Constituição, a Assembléia Constituinte e o Congresso Nacional. São Paulo: Saraiva, 1986.