A Monitoração Eletrônica na saída temporária em regime semiaberto: custos e eficácia da medida


PorJeison- Postado em 18 março 2013

Autores: 
FALCONERY, Pollyanna Quintela.

 

SUMÁRIO: Introdução - 1. Teoria dos Custos dos Direitos - 2. Os custos e o Direito Penal - 2.1. A função do Direito Penal – 2.2. Elementos Econômicos no Direito Penal – 2.3. Os custos e o Direito Penal - 3. O custo benefício da Monitoração Eletrônica – 3.1. A chegada da Monitoração Eletrônica no Brasil – 3.2. A Monitoração Eletrônica na saída temporária - Conclusão – Referências Bibliográficas 

 

RESUMO: A proposta nuclear do presente trabalho reside na verificação da possibilidade da inserção da teoria dos custos na análise do Direito Penal. Se todo direito pressupõe custos e os recursos são escassos, então os custos das medias penais devem também ser uma preocupação nas escolhas das ações de política criminal. Entretanto o que se verifica no Brasil é uma tendência contrária a esta lógica, ou seja, o aumento dos gastos com o sistema de execução penal. Dentre as medidas que se encaixam nessa tendência está a Monitoração Eletrônica de infratores, que paradoxalmente foi pensada no Brasil também sob o argumento da redução dos custos. Contudo, a depender da hipótese de utilização da medida ela pode implicar em aumento considerado de gastos para o Estado, como é o caso da Monitoração Eletrônica como condição para a saída temporária em regime semiaberto. Concluiu-se que, neste caso, a utilização da Monitoração Eletrônica implica no aumento considerável dos custos com a execução penal e sua finalidade é unicamente aumentar o rigor penal da medida executada, circunstâncias que contrariam a própria funcionalidade do Direito Penal.

 

PALAVRAS-CHAVE: Teoria dos Custos. Direito Penal. Monitoração Eletrônica de Infratores. Saída Temporária em Regime Semiaberto

 

ABSTRACT: The proposed core of this work lies in the examination of the possbility of insertion of The cost rights theory in the analyzsis of Penal Law. If each right presuppose cost and the wherewithal are scarces, so the penal measures costs shoulde be a preocuppation in the selection of the criminal politic actions. However, what occured in Brazil is a opposite tendency, it means, the increase into the costs of execution criminal system. One of the measures that inclues into this tendency is the Electronic Monitoring of Offenders, that paradoxically was thought in Brazil because it also reduce costs. However, depending on the hyphotesis of using Electronic Monitoring, it can draw in increase the Government expenses, this is the case of using monitoring system in the temporary departure for prisoners. It was conclued that, in this case, utilize the Eletrocnic Monitoring system implies in a considerable increase of costs whit the criminal execution and its objective is only increase the penal rigor, circumstancies that counter the Penal Law funcion logic.

 

KEY-WORDS: Cost Theory. Penal Law. Electronic Monitoring of Offenders.Temporary Departure For Prisoners. 


 

INTRODUÇÃO

 

O reconhecimento ao longo da história de direitos do indivíduo perante o Estado inverteu radicalmente a posição de um perante o outro.

 

Enquanto na Idade Antiga, Média e Moderna os indivíduos trabalhavam para fortalecer e manter a instituição estatal[1], a partir da Revolução Francesa, com a defesa das ideias de liberdade, igualdade e fraternidade, o Estado ficou com a posição de facilitador[2] dos direitos individuais.  E posteriormente, com o reconhecimento dos direitos sociais, o Estado passou a servir o indivíduo, tendo como finalidade a promoção do bem–estar social.

 

Com o passar do tempo, esse rol de direitos perante o Estado só vem aumentando e junto com ele a quantidade de seus titulares.

 

Uma análise mais racional dos direitos públicos subjetivos leva à conclusão que todos eles demandam custos para sua implementação.

 

Baseando-se na ideia de necessidade de avaliação dos direitos em face de seus custos e da consequente inserção de elementos econômicos na análise dos direitos, é possível também a análise do direito penal baseada em tais elementos, com vista à eficiência das medidas nele adotadas.

 

A monitoração eletrônica, como uma medida de execução penal, veio justificada também pela redução dos custos com o sistema prisional. O que se busca no presente trabalho é analisar se a justificativa dessa redução é compatível com implementação da monitoração na hipótese de saída temporária em regime semiaberto.

 

1. TOERIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS

 

A Teoria dos Custos parte do reconhecimento que todo direito que demanda uma prestação positiva do Estado para a sua implementação reclama custos.

 

Embora pareça óbvia a ideia aqui exposta, ela não é levada em consideração quando se estuda e aplica o direito sob o prisma unicamente jurídico. Normalmente, quando se analisa uma situação jurídica, o operador busca a sua previsão normativa, faz a sua interpretação, extrai o direito nela previsto, e posteriormente, o aplica. Ocorre que reconhecer que A tem direito a B, na teoria, não implica necessariamente na efetivação de B. Foi justamente o problema da efetivação dos direitos, sobretudo dos fundamentais, que tornou necessária a consideração dos custos na análise jurídica dos fenômenos.

 

A aproximação entre Direito e Economia não é ideia recente.

 

Segundo Cento Veljanovisky, as relações entre direito e economia remontam a origem da própria economia, mas essa ideia foi negligenciada em prejuízo das duas disciplinas. (1994, p. 25)

 

O referido autor reconhece que enquanto nos Estados Unidos a interação entre as disciplinas continuou, pois neste país o direito tem objetivos e/ou efeitos econômicos, na Europa, especificamente no Reino Unido, pouco se fez nesse sentido (VELJANOVIKSY, 1994, p. 26)

 

Ele aponta dois fatores para isso. O primeiro deve-se ao fato de que os estudos de muitos economistas norte-americanos associavam o estudo do direito a autores institucionalistas, cujos trabalhos eram considerados legalísticos e de carente rigor. (VELJANOVIKSY, 1994, p. 26)

 

Já o segundo motivo deve-se à transformação da ciência econômica em ciência empírica, com o aumento da influência positivista no estudo econômico, com uso maior da matemática e da análise estatística. (VELJANOVIKSY, 1994, p. 27)

 

Além destes fatores apontados pelo autor em um estudo mais restrito do fenômeno (envolvendo o direito norte-americano e o inglês), é possível observar outras razões de cunho mais generalizadas, pois o que se verifica em outros países ocidentais, como o Brasil, é o estudo, em regra, separado das disciplinas.

 

Dentre estas razões, pode-se expor algumas, tanto de cunho científico metodológico quanto histórico-político.

 

A razão científico-metodológica encontra-se na busca pela autonomia científica de cada ramo do conhecimento orientada pelo ideal do positivo oitocentista surgido no século XVI e expandido até o início do XIX. Havia a necessidade de delimitação do campo de estudo de cada ciência de modo a lhe conferir autonomia. Logo, um ramo do conhecimento não utilizava institutos de outro.

 

No campo histórico-político, a euforia crescente em torno do reconhecimento de diversos direitos humanos ao longo da história gerou a sensação de que a mera previsão normativa destes direitos teria o condão de alterar a realidade dos fatos e de que a ciência jurídica por si só “salvaria o mundo” das mazelas sociais, e serviu para afastar o conhecimento jurídico dos demais campos científicos. Contudo, o grande descompasso entre mundo positivado e a realidade reclamou uma releitura dos institutos jurídicos à luz de outros conhecimentos, dentre eles, a economia.

 

A desconsideração de fatores políticos e econômicos na análise dos direitos e de sua efetividade gerou diversos problemas quando as Constituições mais recentes passaram a reconhecer diversos direitos como fundamentais, e o movimento neoconstitucionalista, da segunda metade do século XX, introduziu na ciência jurídica a ideia de força normativa da Constituição. Logo, uma vez positivados estes direitos, qualquer indivíduo passa a poder exigi-los, inclusive através da via judicial.

 

Assim, os Estados passaram a lidar com o crescente reconhecimento e positivação constitucional de direitos fundamentais, o aumento do número de seus titulares (crescimento populacional) e a ausência de recursos para atender a estas demandas.

 

O enfrentamento desta questão fez surgir a necessidade de se avaliar a prestação de direitos, sobretudo os sociais, sob o prisma da viabilidade econômica.

 

O ressurgimento do interesse na economia do direito deveu-se aos estudos da Escola de Chicago, com seu programa de direito e economia, nos anos de 1940. Em 1958, o programa entrou em uma nova fase com a inauguração da Revista de Direito e Economia. A partir de então, análise econômica do direito pôde ser dividida em três fases coincidentes respectivamente com as décadas de 60, 70 e 80. (VELJANOVIKSY, 1994, p. 28/29)

 

Nos anos 60, destacou-se o interesse na busca regulamentação dos serviços de utilidade pública; a teoria de Calabresi sobre a responsabilidade por acidentes, que analisava os custos dos acidentes frente aos custos de prevenção destes; o teorema de Coase, que pregava que quando os custos com negociação ou transação são nulos, os direitos de propriedade podem ser transmitidos ao agente que mais lhe atribua valor; e abordagens econômicas de comportamento extra mercado, como a tese de doutorado de Gary Becker, que aplicou institutos de economia a problemas como crimes, política, educação, família, saúde e caridade. (VELJANOVIKSY, 1994, p. 30/32)

 

Os anos 70 ficaram conhecidos como a década do crescimento do movimento da economia do direito. Cada vez mais, os acadêmicos norte-americanos começaram a utilizar a economia para dar sentido racional à avaliação das leis, com destaque para o trabalho do professor Richard Posner, que buscou demonstrar que os juízes decidiam de maneira a estimular uma utilização mais eficiente de recursos. Já os anos 80 foram a década de amadurecimento e consolidação dos estudos econômicos do direito. (VELJANOVIKSY, 1994, p. 34)

 

No fim da década de 90, o problema econômico do direito foi analisado na seara dos direitos fundamentais. Em 1999, dois professores norte-americanos, CassSunstein e Stephen Holmes, lançaram o livro The costofrights, cujo objetivo era analisar a relação que existe entre o custo de implementação de um direito e a sua significação social. (GALDINO, 2005, p. 199)

 

Neste livro, os autores primeiramente desconstroem a classificação entre direitos positivos e negativos, afirmando que todos os direitos são positivos, logo, demandam algum tipo de prestação pública para sua efetivação. (GALDINO, 2005, p. 200)

 

Afirmam que todos os direitos públicos subjetivos reclamam algum tipo de prestação pública constatando que os direitos fundamentais tradicionalmente analisados como negativos, caso, de fato, demandassem apenas abstenções do Estado, a mera positivação seria suficiente para garantir o seu exercício. Contudo, como é possível pensar na proteção do direito à propriedade e à liberdade sem se pensar em custos com a segurança pública? Como é possível pensar no direito ao voto sem correlacionar os custos da implementação dos recursos materiais e humanos para a sua implementação? Ao fazerem estes e outros questionamentos, os autores concluem que todos os direitos públicos subjetivos, por dependerem de prestações estatais, demandam custos. E nada que custe dinheiro pode ser absoluto. (AMARAL, 2010, p. 40/42)

 

Analisando a ideia proposta pelos autores americanos, Flávio Galdino entende que ao se discutir os custos:

 

(...) não se deve falar em diminuição dos direitos ou de suas garantias, mas sim em redimensionamento da extensão da proteção devotada aos direitos, tendo como parâmetro as condições econômicas da sociedade. A aferição dos custos permite trazer maior qualidade às trágicas escolhas públicas em relação aos direitos. Ou seja, permite escolher melhor onde gastar os insuficientes recursos públicos. (2005, p. 205)

 

Se os direitos custam ao Estado, e os seus recursos financeiros são inferiores à demanda, como enfrentar o problema da escassez e das consequentes escolhas trágicas. Se não é possível atender a todas as demandas, como deve ser feita a escolha?

 

Segundo CassSunstein e Stephen Holmes as escolhas trágicas impostas pela escassez revelam o valor que uma sociedade atribui a cada direito. (GALDINO, 2005, p. 211)

 

Assim, é através das decisões políticas que tais escolhas são feitas, e por óbvio, devem ser orientadas pelos fundamentos valorativos constitucionais.

 

Não é uma tarefa fácil, e nem exclusiva de uma esfera de Poder. Tanto o Legislativo, quanto o Executivo e o Judiciário tem participação na realização de escolhas trágicas, cada um na sua esfera de competência. O Legislativo com a positivação de direitos e aprovação de leis orçamentárias. O Executivo no gerenciamento de recursos e implementação e execução de políticas públicas. O Judiciário no controle destas políticas.

 

A necessidade de fazer estas escolhas reclama a introdução de elementos de estudos da economia na análise dos direitos.

 

Para Sunstein e Holmes, a conscientização de que os direitos custam implica na constatação de que as pessoas só possuem direitos na medida em que estes possam ser efetivados pelo Estado. O que para tanto devem alocar responsavelmente os recursos disponíveis (GALDINO, 2005, p. 214)

 

Desta breve exposição da teoria dos custos do direito, é possível inferir que, não obstante a teoria aqui sintetizada tenha sido desenvolvida para lidar com escolhas trágicas na seara de direitos fundamentais, seus pressupostos podem ser estendidos a outros campos da análise jurídica. Se todo direito demanda custos, então todos os direitos podem ser analisados com a consideração de fatores econômicos, dentre eles, o direito penal. É justamente este ponto de análise que será desenvolvido ao longo do presente estudo.

 

2. OS CUSTOS E O DIREITO PENAL

 

Se todo direito tem em custo, e os recursos escassos implicam em escolhas trágicas, é possível discutir a implementação de medidas penais em face dos seus custos e benefícios.

 

A análise do direito penal face aos seus custos envolve antes discutir sua função no ordenamento jurídico, de que modo os elementos econômicos já foram utilizados na seara penal e por fim compreender suas influências na aplicação desse direito.

 

2.1 A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL

 

Como já se viu, a alocação de recursos escassos implica em escolhas trágicas que revelam valores sociais. Assim, para a compreensão da teoria dos custos face ao direito penal é necessário entender qual função ele desempenha no ordenamento jurídico.

 

O modelo de Direito Penal adotado pela grande maioria dos Estados ocidentais tem suas origens no movimento Iluminista, do século XVIII. A teoria que justifica o Direito Penal o delega a função de assegurar a existência livre e pacífica dos cidadãos. Parte da ideia que o Estado deve ser compreendido como um modelo ideal de contrato. Neste todos os indivíduos acordaram em delegar parte de sua liberdade a uma entidade governamental capaz de garantir a sobrevivência e convivência pacífica entre eles. Tal ente detém o poder de emitir e executar leis, dentre elas as penais. (ROXIN, 2006, p. 32-33).

 

Para Wezel, a missão do direito penal é a proteção dos bens jurídicos mediante a tutela dos elementares valores de ação ético-sociais (2001, passim).

 

Assim, cabe ao Direito Penal a função de proteção subsidiária de bens jurídicos. Bens jurídicos são todos aqueles que pressupõe um convívio pacífico entre as pessoas. Só seriam dignos de tutela penal aquelas situações de ofensa que não pudessem ser solucionadas por outros meios jurídicos (ROXIN, 2006, p.35).

 

Logo, conclui-se que, ao menos em tese, a função do direito penal é a tutela subsidiária de bens jurídicos.

 

2.2 ELEMENTOS ECONÔMICOS NO DIREITO PENAL

 

A ideia de analisar o Direito Penal com elementos econômicos não é recente. Desde o século XVIII, já é feita tal análise com o utilitarismo de Jeremy Bentham, inspirado nos estudos de Beccaria.

 

O utilitarismo partia do princípio da maior “felicidade” ou utilidade, que consistia na promoção da maior felicidade para o maior número de pessoas como fator determinante para atestar a solidez de qualquer política pública. (POSNER, 2010, p. 40)

 

Bentham lançou as bases da moderna análise econômica do crime e das penas. Para ele, a pena é uma forma de impor custos à atividade criminal, desestimulando sua prática. Superestimava a possibilidade de amplas reformas sociais através das leis, com a inserção nas pessoas de um espírito de apreço pela coisa pública, o potencial de reabilitação dos criminosos, os efeitos humanizadores da educação e a perfeição da administração pública. (POSNER, 2010, p. 51)

 

Mas, o pensamento econômico do Direito só começou a ganhar efetiva expressão em 1960, a exemplo das teorias utilitaristas das penas.

 

Na década de 60, a escola de Chicago, como já visto no primeiro capítulo diversas noções de economia foram inseridas no estudo do direito, a exemplo dos estudos de Becker.

 

Mais precisamente no campo da criminologia de cunho etiológico é possível notar a presença de diversos elementos econômicos no estudo do fenômeno criminal, com a utilização de pesquisas quantitativas, taxas e estatísticas procuravam encontrar as causas e o controle da criminalidade.

 

Todos estes exemplos introduziram noções econômicas ao estudo do crime, também objeto do direito penal, mas não o avaliaram sob a perspectiva de custos e prestações estatais para a sua efetividade. É o que se passa a discutir.

 

2.3 OS CUSTOS E O DIREITO PENAL

 

Se a função do direito penal é a tutela subsidiária de bens jurídicos penalmente relevantes, de que forma o faz?

 

A estrutura do Direito Penal envolve basicamente a criação de tipos e a cominação de pena. Logo a tutela de direitos, nessa seara, é feita através da coação. A princípio, a sua função está completa com a simples previsão normativa, sem prestações estatais e sem custos.

 

Contudo, a situação se transforma quando a norma é violada e a ação estatal passa a ser compulsória em busca da punição de seu infrator. Entra nessa seara a discussão sobre a finalidade da pena e as orientações de cunho político-criminal.

 

Dentre as diversas teorias existentes que justificam a pena, a Legislação Penal pátria transita entre estas sem adotar uma em específico. Ora assume caráter retributivo, ora de prevenção geral, ora de prevenção especial. Defende-se aqui que, na prática, a pena desempenha todas essas funções, mas a indefinição na opção de uma delas como meio de orientação de uma política pública criminal, gera a consequente indefinição dos gastos públicos neste campo.

 

Para que punir? Quanto custa punir? Estas são questões de extrema relevância quando se lida com recursos escassos.

 

Quando se fala em aplicar direito penal, a lesão ao bem jurídico já ocorreu. Não se discute os custos com a prevenção. Esta é competência das definições em âmbito de política de segurança pública.

 

Assim, em que pese a função declarada de tutela de bem jurídico, a utilização da legislação penal não envolve a proteção destes bens, mas a repressão da conduta que o lesou. Tal constatação tem relevância quando se analisa os custos-benefícios de uma punição.

 

Se um ordenamento não sabe ao certo porque está punindo, como avaliar a relação de custo-benefício? Ora, quando a norma penal é violada, há um titular de bem jurídico que teve seu direito lesionado, os custos com a punição do agressor, sem uma justificativa dessa punição pode levar a situações esdrúxulas, como o gasto com processo penal e execução penal ser muito superior ao valor do bem tutelado. Pode-se citar como exemplo crimes contra o patrimônio, furtos e estelionatos de pequenas quantias.

 

Comumente o que se nota é uma utilização do direito penal como uma fonte inesgotável de recursos. É possível aumentar penas, aumentar os tipos penais sem a mínima discussão da repercussão de seus custos e consequentemente de sua viabilidade. Primeiro faz-se a previsão normativa, depois é que se estuda a viabilidade de implementação. Tal situação origina um paradoxo.

 

Se a tutela de bens é feita através de coação, do temor de uma sanção, mas se uma vez violada a norma, não é feita a devida coerção no seu agressor, ela passa a ser desacreditada e compromete a própria eficácia simbólica do direito penal. Logo, de nada adianta prever tipos penais que não serão punidos ou medidas penais diversas que não são implementadas.

 

Diversos exemplos podem ser observados na legislação pátria, como algumas medidas alternativas, sistema de execução de pena em regime semiaberto e aberto trabalho externo de apenados em regime fechado, dentre outros.

 

Preocupar-se com os custos é uma forma de salvaguardar a própria função coativa da legislação penal, evitando sua excessiva simbolização e consequente ineficácia.

 

Falar em custos penais envolve ainda falar em custos com a execução penal, e quando os recursos são escassos, a discussão torna-se de extrema relevância. Vale mais gastar por mês R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) para manter uma pessoa presa ou gastar esse mesmo valor para manter um tratamento de saúde de outrem?

 

Os dados divulgados pelo Ministério da Justiça do relatório da FUNPEN informou a previsão orçamentária para 2012 com o sistema prisional, R$ 311.000.000,00 (trezentos e onze milhões), prevendo gastos,dentre outras coisas, com a modernização e aparelhamento do sistema penitenciário, construção da quinta penitenciária federal de segurança máxima. A mesma previsão orçamentária para 2011 foi de R$ 98.368.450,54 (noventa e oito milhões trezentos e sessenta e oito mil quatrocentos e cinquenta reais e cinquenta e quatro centavos). Nota-se um aumento de mais de trezentos por cento no gastos com o sistema penal.

 

Paralelamente, outros sistemas sociais reclamam mais investimentos, como o sistema previdenciário e de saúde, que vem reclamando custos com a sua manutenção face ao envelhecimento da população.

 

Sabe-se que o custo da execução penal é alto e parece que a sociedade está sempre disposta a arcá-lo, mas isto é feito quando se desconsidera a receita estatal como um todo.

 

Repensar a utilização do direito penal face aos seus custos é uma exigência prudente de sua própria efetivação e deve ser feito em todas as esferas de Poder. Seja pelo Legislativo na tipificação de condutas e previsão de medidas, seja pelo Executivo na execução de políticas de segurança pública e de execução penal, seja pelo judiciário na observância de fatores recursais na aplicação da lei.

 

Nos últimos tempos, passou-se a pensar em soluções alternativas ao custoso sistema prisional mais como uma forma de garantir eficiência ao cumprimento da lei penal ou como política de descaracterização do que de fato uma preocupação com os custos. Mas, dentre elas, em 2010, com a Lei 12.258, é introduzido no Brasil o sistema de monitoração eletrônica, e entre as justificativas do Projeto de Lei que o originou estava a redução dos custos com o sistema carcerário, o que sinaliza uma introdução da preocupação com custos na seara penal. 

 

3. O CUSTO BENEFÍCIO DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NA SAÍDA TEMPORÁRIA

 

O sistema de monitoração eletrônica foi introduzido no Brasil em 2010, com a Lei 12.258, mas desde 2007, havia projetos de lei que discutiam o tema. Em todos eles, sobretudo o PL nº 1288/2007, do Senador Magno Malta, as justificativas envolvem a redução da população carcerária e dos custos com a execução penal.

 

O Brasil parte de uma longa tradição em que a discussão dos custos não é feita em nenhuma seara do direito, sobretudo na penal, em que chovem leis puramente simbólicas.

 

Embora uma das justificativas para a adoção da monitoração eletrônica seja redução de custos, a chegada das discussões acerca de sua implantação foi no âmbito da tendência de hipertrofia penal.

 

3.1 A CHEGADA DA MONTIORAÇÃO ELETRÔNICA NO BRASIL

 

As origens do sistema de monitoração eletrônica de infratores na justiça criminal remonta a década de 1970, com a iniciativa do juiz norte-americano Jack Love, de Albuquerque (OLIVEIRA, 2007, p. 40)

 

O Instituto de Justiça Norte Americano avaliou em seu relatório e concluiu que, dentre outras conclusões, que o dispositivo representava uma economia substancial para o sistema prisional. (DOHERTY, 1994, p. 05)

 

De fato, já foi visto neste trabalho que, a década de 70, foi o momento de consolidação dos estudos econômicos do direito nos Estados Unidos. Assim, a expansão da infraestrutura tecnológica aliada à necessidade de busca por meios alternativos à prisão, somada à redução dos custos do sistema prisional, tornou-se terreno fértil para a expansão do monitoramento eletrônico neste país.

 

Na década de 90, diversos países, sobretudo europeus, passam a adotar a medida (GARIBALDI, 2008, p. 56)

 

Mas, só em 2007, o Brasil se interessa pelo instituto. Por quê?

 

Em 2006, houve um ataque da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, que sitiaram a capital paulistana, exigindo a não transferência de alguns presos de presídios paulistas. Frente a esta situação constrangedora que expôs a fragilidade do sistema de segurança pública e carcerário, iniciaram, em 2007, os Projetos de Lei em busca de alternativas para o sistema prisional, dentre eles o já citado, PL nº 1288/2007, que deu origem a Lei 12.258/2010, prevendo a monitoração eletrônica no Brasil.

 

A referida Lei prevê o uso de monitoração eletrônica em duas hipóteses: prisão domiciliar e saída temporária em regime semiaberto. Posteriormente a Lei nº 12.403/2011, passou a prever o uso da monitoração eletrônica em caso de prisão preventiva (art. 319, XI, do CPP).

 

A monitoração eletrônica chegou ao país, como tantas outras medidas penais, sem previsão orçamentária de sua implementação e sem a definição de sua finalidade.

 

Dentre as três hipóteses hoje possível de utilização, passo a analisar a relação do custo-benefício no caso de saída temporária em regime semiaberto, pois foi esta a hipótese escolhida para a implementação dos projetos pilotos.

 

3.2 A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NA SAÍDA TEMPORÁRIA

 

Em abril de 2011, saiu na fonte de notícias do site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a seguinte informação:

 

O Presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, anunciou a suspensão do uso das tornozeleiras eletrônicas nos 1.500 presos que estão no regime semiaberto. O sistema, segundo ele, não conseguiu impedir as fugas, sendo que 58 equipamentos foram rompidos desde a adoção do monitoramento, em fevereiro deste ano. A ideia do Judiciário fluminense é usar o aparelho apenas nos dois mil detentos do regime aberto.

 

“Há presos no regime semiaberto com penas muito altas. Na primeira oportunidade de sair, eles rompem a tornozeleira e fogem. A nossa idéia é adotar o mecanismo apenas no regime aberto, colocando todas as pessoas desse regime no recolhimento domiciliar. Isso trará um benefício econômico ao Estado, que poderá desativar as duas casas do albergado hoje existentes (uma no Rio e outra em Niterói)”, explicou o presidente do TJRJ[3].

 

A notícia leva a uma indagação: por que utilizar monitoração eletrônica na saída temporária?

 

A imposição do uso de tornozeleiras sem o consentimento do apenado implica na não efetividade da medida. De certa forma, o monitorado deve aderir, ainda que tacitamente ao programa de monitoração, do contrário, ocorre a evasão acima referida.

 

Não foi à toa que o uso da monitoração eletrônica foi escolhida para os casos de saída temporária. Há uma massiva campanha midiática em sentido contrário à medida. Recentemente, o portal de notícia da globo (G1), reunindo dados da Secretaria de Segurança Pública de vinte e seis Estados e do Distrito Federal, lançou a seguinte Manchete em 22/01/2013:  “Mais de 2,4 mil presos não voltam às celas após festas de fim de ano[4]”. Logo, abaixo vem a explicação da notícia “Número representa 5,1% dos 47.531 que receberam o benefício no Brasil. SE, MA e GO tiveram maior taxa de evasão; CE não autorizou saída”.

 

Frequentemente em épocas de concessão desse benefício, os jornais de grande audiência nacional divulgam o número dos apenados que evadem no gozo da medida. Ocorre que, em termos percentuais, eles representam pequena proporção dos beneficiados. É o que se conclui tanto da notícia divulgada pela globo quanto, da veiculada no sitio oficial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (de mil e quinhentos presos, cinquenta e oito evadiram, ou seja, menos de cinco por cento). Assim, conclui-se que o receio de evasão não justificaria o uso dessa medida, e mesmo vai de encontro a ela, já que a tornozeleira não a impede.

 

 Já que não impede a evasão, o uso da pulseira reduz custos? Não precisa sequer de dados estatísticos para se chegar à óbvia conclusão de que a monitoração eletrônica, nestes casos, implica no aumento significativo de gastos do poder público. A concessão do benefício que tinha custo zero para o
Estado agora implica na despesa com o dispositivo eletrônico, a central de monitoramento, e o pagamento de funcionários durante vinte quatro horas nessa monitoração. E tudo isso para executar uma medida sem finalidade.

 

A única razão que resta para a adoção da medida é o aumento rigor na execução de medidas penais. Rigor este, diga-se, sem o menor sentido ou propósito, pois o dispositivo não impede fugas e nem o cometimento de outros crimes. Ele apenas informa a localização física do apenado. No tocante ao argumento da fiscalização de obrigações impostas com a saída temporária pela Lei 12.403/2011 (como retornar à residência em horário fixado). Qual seria ao sentido de aumentar o rigor penal de uma medida para reclamar vigilância estatal. Antes de evocar a Monitoração Eletrônica nestes casos, seria prudente questionar o sentido da imposição destas novas obrigações. O controle pelo controle, faz sentido?

 

A conclusão a que chegou o Presidente do Tribunal de Justiça do Ria do Janeiro, “ o equipamento não impediu fugas”, é previamente óbvia.

 

Tal fato que releva a despreocupação dos poderes públicos nas discussões acerca das medidas implementadas.

 

Em que pese a justificativa da implantação do monitoramento eletrônico também se fundamentar na redução de custos, o que se vislumbra paradoxalmente é uma hipótese de aumento excessivo e desnecessário dos gastos com a execução penal. E quando se confronta com recursos escassos na própria seara penal, que demanda reforma de penitenciárias, melhores remunerações aos funcionários públicos, maiores recurso materiais e humanos, como conformar essa situação frente à realidade enfrentada?

 

O informativo da DEPEN[5] indica que no orçamento de 2012, R$ 3.800.450,00 (três milhões, oitocentos mil, quatrocentos e cinquenta reais) estão reservados para a implementação da monitoração eletrônica. Em 2013, esse número subiu um pouco mais chegando à casa dos R$ 4 milhões. A hipótese de estudo de viabilidade, os projetos-pilotos, é a saída temporária em regime semiaberto. Pergunta-se que valores sociais revelam uma sociedade que escolhe tragicamente gastar em média quatro milhões de reais anuais para uma medida penal cuja finalidade é o puro controle do apenado, e que já vinha antes sendo executada com o êxito, já que 95% (noventa e cinco por cento) em média dos beneficiários retornam às colônias agrícolas ou industriais ou a penitenciarias, em lugares que não possuem aqueles estabelecimentos.

 

É necessário pensar o direito penal sob o prisma da eficiência, pois o desperdício de recursos leva ao descrédito nas instituições públicas e a disfuncionalidade do próprio direito penal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Se todo direito tem em custo, e os recursos sendo escassos implicam em escolhas trágicas que revelam valores sociais, qual análise se pode fazer dos custos estatais com o direito penal?

 

Os dados orçamentários anuais relevam que o direito penal é uma seara em que os recursos aparentam não ser escassos, sobretudo quando se considera um aumento de trezentos por cento na previsão orçamentária de um ano para o outro.

 

O que se nota, portanto, é que a sociedade brasileira vem privilegiando a execução penal em detrimento de outros setores sociais. Mas o que isso significa? É mais importante punir do que educar, ter acesso à saúde e moradia dignas?

 

Para o governo parece ser confortável a destinação de fartos recursos na seara penal, afinal o direito penal reafirma a legitimidade do Estado, o seu império.

 

Mas a necessidade de pensar de modo responsável a destinação dos recursos na esfera penal envolve sua própria legitimação. Além do que os recursos em geral são escassos e o desperdício envolve o sacrifício de outros direitos.

 

Partindo dessa ideia, e analisando a função do uso do monitoramento eletrônico na saída temporária em regime semiaberto, concluiu-se pela sua ineficácia e despropósito.

 

Uma vez constatada a ineficiência da medida, cabe a cada Poder, dentro de sua esfera de competência tomar as providências necessárias para a sua inutilização, seja o Legislativo revogando a hipótese normativa, seja o Executivo capitalizando os recursos para medidas alternativas a esta hipótese, seja o judicário não aplicando a monitoração eletrônica em saídas temporárias.

 

O gasto racional dos recursos públicos implica pensar na eficiência da prestação estatal em todas as suas esferas, viabilizando a efetivação dos direitos e consequentemente na sua validade e existência.

 

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AMARAL, Gustavo. Direito, Escasssez e Escolha. 2ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2010.

 

DOHERTY, Diana Louise. Electronic monitoring of offenders in British Columbia: couples’ perceptions of the impact on the home environment and the Family. British Columbia, 1994. Disponível em: http://ir.lib.sfu.ca/handle/1892/7885. Acessado em: 08, jul, 2012, às 14:06 horas.

 

GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos. 1ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2005.

 

GARIBALDI, Gustavo E.L. Prisão domiciliar controlada mediante monitoramento eletrônico. Aplicação prática. In: Monitoração 2008

 

OLIVEIRA, Edmundo. Direito Penal do Futuro – A prisão virtual. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

 

ROXIN, Claus. Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco – Rio de Janeiro: EditoraRenovar, 2006.

 

VELJANOVIKSY, Cento. A Economia do Direito e da Lei: Uma introdução.1ª edição. São Paulo, SP: Instituto Liberal, 1994.

 

POSNER, Richard A. A Economia da Justiça. 1ª edição. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2012.

 

Notas:

[1]Embora só se possa falar efetivamente em Estado, com seus elementos definidores (povo, território, soberania e finalidade) a partir da Idade Moderna, o termo aqui utilizado, “instituição estatal”, remete genericamente a toda organização social institucionalizada.

[2] Entende-se este Estado Moderno como facilitador de direitos individuais na medida em que o absteísmo estatal exigido relegava a esta instituição o papel de viabilizador do convívio em sociedade, um modo de convivência que facilita o exercício desses direitos.

[5] Disponível em www.mj.gov.br, acessado em 15.10.2012, às 18:00hs

 

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