As mulheres como força na história


Porcandia- Postado em 03 maio 2011

 

 

Neste parte do livro O Cálice e a Espada, Riane Eisler busca explicitar por quê a dinâmica dos sistemas androcrático/gilânico recebeu tão pouco estudo formal.

De acordo com a autora, até o fim dos anos 80 nenhuma universidade americana oferecia pelo menos um programa de estudos feminino. Tais programas, onde há, recebem inexpressivos orçamentos, possuem baixo status e até menor prioridade na hierarquia da escola/universidade.

Não é de surpreender que a maioria das pessoas "cultas" ainda ache difícil acreditar na existência de qualquer mulher importante na história ou que as mulheres e os valores "femininos" possa ter representado uma força primordial não só em nosso passado mas também em nossas perspectivas em relação a um futuro melhor.

No início do séc. XX, Mary Beard, em As Mulheres como Força na História, analisa "as atividades amplas e influentes das mulheres italianas na promoção do saber humanista" durante o Renascimento. Observa ter sido essa uma época em que as mulheres — junto com os valores "afeminados" como a expressão artística e a indagação — começaram a se libertar do controle medieval da Igreja. Durante esse período germinaram pela primeira vez as idéias do que posteriormente se tornariam as ideologias modernas mais humanistas ou, em nossos termos, mais gilânicas.

Essa visão também é fundamental em outro trabalho que enfoca o papel das mulheres na história: O Primeiro Sexo de Elizabeth Davis. Seu trabalho recoloca as mulheres nos lugares de onde foram apagadas pelos historiadores androcráticos e permite perceber a conexão, em momentos históricos, entre a eliminação das mulheres e a eliminação de valores femininos.

Mas, de acordo com Eisler, é nas obras atuais de historiadores e cientistas sociais de visão feminista mais severa que encontram-se os dados necessários ao desenvolvimento de uma nova teoria holística de transformação e alternância gilânico-androcrática.

As mulheres exerceram um grande impacto na melhoria da sociedade. Em épocas e locais em que as mulheres não são estritamente confinadas ao mundo particular do lar — períodos em que podem se movimentar com mais liberdade no mundo público —, elas injetam uma visão de vida mais gilânica na sociedade. Mas talvez o mais notável seja o movimento social humanizador dos tempos modernos. Foi através do impacto do "ethos feminino" personificado por mulheres como Florence Nightingale, Jane Addams, e Dorothea Dix que surgiram profissões novas como a enfermagem organizada e a assistência social e que o tratamento de deficientes mentais e loucos se tomou mais humano.

Tudo isso leva a uma questão fundamental. A despeito de algum enfraquecimento periódico na infra-estrutura androcrática durante períodos de ascensão gilânica, até bem pouco tempo a condição submissa das mulheres continuava basicamente a mesma.O mesmo ocorria com a condição de subordinação de valores como a associação, a solicitude e a não-violência, estereotipicamente vinculados às mulheres.

Ao longo da história registrada a primeira linha de "defesa" do sistema androcrático tem sido a reafirmação do controle masculino. Uma regressão à supressão mais intensificada da mulher profetiza um período da história em geral repressor e sanguinário.

Em termos ideológicos, nos encontramos no paroxismo de regressão aos dogmas contra a mulher, defendidos pelos fundamentalismos cristão e islâmico. Na literatura e no cinema há uma corrente de violência contra as mulheres, representações gráficas do assassinato e estupro femininos, além da proliferação de pornografia do mais baixo nível, trazendo a mensagem de que o prazer sexual está na violência, na brutalidade, escravidão, tortura, mutilação, degradação e humilhação do sexo feminino.

E se esta violência está aumentando em todo o mundo, isto se deve ao fato de a dominação masculina nunca ter sido antes tão vigorosamente desafiada através de um movimento feminino de auxílio recíproco e sinérgico em prol da libertação humana. Nunca, em toda a história registrada, as mulheres de todas as nações da Terra se haviam reunido para trabalhar em prol de um futuro de igualdade sexual, desenvolvimento e paz

No passado, o pêndulo sempre oscilava da paz para a guerra. Sempre que os valores mais "femininos" ascendiam, uma androcracia temerosa e agitada os rechaçava.

Mas será que a corrente retrógrada deve inevitavelmente trazer cada vez mais violência nacional e internacional e, com ela, maior supressão das liberdades e direitos civis?

Será que não há, de fato, outra saída fora da guerra — hoje, nuclear? Será este o fim da evolução cultural iniciada com tanta esperança na era da Deusa, quando o poder proporcionador de vida do Cálice ainda era supremo? Ou estamos hoje suficientemente próximos da obtenção de nossa liberdade, evitando esse fim?

 

 

Referências: EISLER, R. O Cálice e a Espada: A nossa história, o nosso Futuro. Ed. Palas Athena, 2008.