A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do NCPC e a revogação do enunciado n. 105 do FONAJE: uma interpretação sistemática


Portiagomodena- Postado em 20 maio 2019

Autores: 
Olavo Soares Bastos

1. INTRODUÇÃO 

Desde o advento e entrada em vigor do novo Código de Processo Civil pode-se verificar que algumas mudanças de procedimento também estão sendo levadas a efeito nos juizados especiais.

Tema ainda latente e que tem despertado dúvidas em advogados, juízes e partes que atuam nos juizados é o momento da incidência da multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do NCPC, sobre o valor devido pelo vencido que deixa de depositar voluntariamente em juízo a quantia líquida que foi instado a pagar.

No pretérito esta discussão estava de certa forma pacificada em decorrência da existência do enunciado n.º 105 proveniente do FONAJE – Fórum Nacional de Juizados Especiais – que orientava no sentido de que a incidência da citada multa se daria na hipótese em que o devedor não pagar no prazo de quinze dias contados do trânsito em julgado da condenação.

Esta era a redação do mencionado enunciado FONAJE n.º 105:

"Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10%."

Com a revogação do enunciado 105 pelo FONAJE, o debate se reacendeu nos ciclos jurídicos e acadêmicos, de tal sorte que na atualidade vem se desdobrando em opiniões divergentes sobre o tema.

Diante dessa realidade, o presente artigo se propõe a realizar uma hermenêutica sistemática e lógica da Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995 em conjunto com a Lei 13.105 de 16 de março de 2015, a fim de encontrar a solução jurídica que melhor se amolde aos ditames do todo unitário que é o ordenamento jurídico pátrio.


2. ANÁLISE SISTEMÁTICA DA MULTA INCIDENTE POR NÃO CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DE CONDENAÇÃO A PAGAR QUANTIA CERTA EM JUIZADOS ESPECIAIS.

É cediço que o procedimento do juizado especial é regido pela Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995 e supletivamente pelos dispositivos do Código de Processo Civil. 

No que tange o processo de execução, há menção expressa sobre a complementariedade dos dispositivos processuais do CPC nos Juizados, desde que obviamente não contrários ao disposto na Lei dos Juizados Especiais. 

Uma vez que o presente artigo analisa especificamente a fase executória dos processos em juizado, de pronto se faz necessário dar destaque ao artigo 52 da Lei 9.099/95, que disciplina a execução da sentença nos juizados especiais cíveis do Brasil, que assim dispõe in verbis: 

"Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:

I - as sentenças serão necessariamente líquidas, contendo a conversão em Bônus do Tesouro Nacional - BTN ou índice equivalente;

II - os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial;

III - a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento;

IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação;"

Ora, a aplicação suplementar da Carta Processual se deve à priorização da celeridade processual e efetividade que se objetiva ter nos processos em Juizados Especiais, conforme literalidade do art. 2º da Lei 9.099/95 “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”

 

É certo que muitas vezes a celeridade é obtida através da simplificação e economia de atos processuais. Não por menos, no inciso I do artigo 52 acima transcrito, há menção expressa acerca da necessidade de se prolatar sentença líquida, simplificando o processo ao cortar a necessidade de posterior incidente de liquidação de sentença.

De igual modo, no inciso IV do mencionado artigo, há menção expressa sobre a desnecessidade de publicação de nova intimação/citação ao vencido para o cumprimento da sentença, de maneira que desde a intimação acerca do conteúdo da sentença está o vencido instado, também, a cumpri-la tão logo ocorra seu trânsito em julgado, bem como advertido dos efeitos do seu descumprimento.

Uma vez que o novel Código Processual aplica-se, no que couber, ao rito especial dos juizados, os efeitos do descumprimento da sentença são então complementados pela legislação que disciplina o rito ordinário. E assim está definido no art. 523, § 1º, do NCPC:

"Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento."

Portanto, uma vez que a intimação sobre o conteúdo da sentença nos processos em juizado especial além de servir de elemento cientificador, também detém função de intimação para cumprimento de sentença; e que o trânsito em julgado é o marco temporal para que o vencido inicie o pagamento voluntário (tudo conforme dicção do art. 52, III da Lei 9.099/95)– em uma interpretação sistemática com o disposto no § 1º do art. 523 do novo Código de Processo Civil, o pagamento do débito deve ser efetuado no prazo de 15 (quinze) dias contados do trânsito em julgado, e, em não o sendo, deverá ser acrescido de multa de dez por cento. 

Note-se, neste ponto, que os honorários advocatícios mencionados no mesmo § 1º não se aplicam justamente porque inconsistentes com a sistemática definida pelo art. 55 da Lei 9.099/95, tendo em vista que não incidem honorários na primeira instância em juizados especiais, exceto nos casos de litigância de má-fé.

Entender de forma diferente seria sacrificar os princípios e vetores que norteam a própria origem dos juizados especiais, favorecendo complicação e lentidão processual em detrimento da simplicidade, economia e celeridade processual. 


3. CONCLUSÃO

Com vistas à intepretação sistemática acima exposta e sobretudo em consonância com os princípios que regem os Juizados Especiais, fica claro que a intimação da sentença judicial proferida em sede de Juizado detém – independentemente de novo procedimento cientificatório – o efeito de intimação para cumprimento de sentença, nos termos do art. 52, III e IV, da Lei 9.099/95. 

Assim, após o decurso do prazo de 15 (quinze) dias contados do trânsito em julgado de sentença judicial líquida nos termos da Lei 9.099/99, deve ser acrescido ao valor da condenação a multa de 10% (dez por cento) prevista no § 1º do art. 523 do novo Código de Processo Civil, bem como os juros de mora e correção monetária devidos em decorrência do tempo que levou para cumprir voluntariamente a obrigação de pagar que havia sido instada a parte vencida desde a intimação da sentença. 

Para tanto, basta que a parte vencedora, ao constatar a negligência processual da parte vencida, apresente requerimento de cumprimento de sentença, que pode inclusive ser verbal, iniciando-se a execução do quantum debeatur acrescido da multa sem que seja necessária nova citação.

Por todo o exposto, identifica-se que, apesar de o FONAJE ter revogado as orientações contidas no enunciado n.º 105, a interpretação que se extrai da leitura sistemática do ordenamento jurídico pátrio continua a mesma: em sede de juizado especial a intimação do conteúdo da sentença tem o condão de cientificar o vencido que a partir do trânsito em julgado ele deve voluntariamente dar cumprimento ao determinado em até quinze dias, sob pena de incidência da multa de dez por cento prevista no Código de Processo Civil de 2015.