Norma-princípio x norma-dipositivo


Porwilliammoura- Postado em 13 setembro 2012

Autores: 
ALELUIA, Marcelo Teixeira de

 

Norma-princípio x norma-dipositivo

 

I – INTRODUÇÃO

Se procurarmos o étimo da palavra princípio, verificaremos que vem do latim, originária da expressão principiuque significa momento ou local que algo tem origem.

O significado do que se diz princípio geral, dentro de um prisma jurídico, não se afasta muito do significado original e vulgar da palavra.

Com autoridade máxima, o eminente jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, nos diz, de forma concisa e eficaz, que princípio de direito é o

"mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico".

Do brilhante ensinamento do professor, podemos entender que os princípios são pontos de partida para interpretação de todas as normas dentro de um mesmo sistema jurídico.

Comumente ouvimos que tais normas têm que ser interpretadas de acordo com tais princípios, tal assertiva pode nos levar a erronia impressão de que princípios não são normas, muitas das vezes até por não precisarem estar expressos.

Na verdade a norma é gênero do qual são espécies os princípios e as regras.

Os princípios protegem valores, são cláusulas gerais, v.g., o princípio da dignidade da pessoa humana, constante no artigo 1º, III, da Constituição Federal; o princípio da função social do contrato, consignado no artigo 421 do Código Civil, dentre outros.

Do outro lado temos as regras, que são normas-dispositivo, posto que regulam situações específicas.

Façamos distinções entre as duas espécies normativas para que possamos visualizar melhor o que temos a expor.

II - DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO E REGRA

Observamos que os princípios servem como alicerces e as regras são verdadeiros paradigmas de conduta, contudo, devemos fazer algumas considerações para que fique mais clara à distinção entre as duas espécies normativas.

a)      Hierarquia

O olhar científico da doutrina jurídica no mundo inteiro nos faz entender que os princípios guardam superioridade hierárquica sobre as regras, pois as regras têm que ser vistas e interpretadas à luz dos princípios, que são orientadores de todo o sistema jurídico. Caso não fosse assim, seria inócua essa função exercida pelos princípios.

b)      Forma

Os princípios descrevem e protegem valores, enquanto as regras descrevem uma situação jurídica. 

 

c)      Conteúdo

O conteúdo da norma-princípio é o direito somado a justiça, pois deixa espaço para uma hermenêutica aberta, onde sempre será possível um sopesar de valores. Já a norma-dipositivo trás um conteúdo meramente formal, nos remetendo sempre a uma interpretação mais fechada, não dando margem a outras possibilidades de sua aplicação, mesmo que injustas, no caso concreto.

d)      Finalidade

A finalidade dos princípios é a mais ampla possível, pelo seu conteúdo, podem ser lançados nas mais variadas situações. Ao contrário, a finalidade da norma-dispositivo é restrita, não se pode ampliá-la posto que só cabe a determinada situação que esteja sob a matéria albergada pela regra.

e)      Disposição

Os princípios não precisam ser expressos, podem ser extraídos do ordenamento jurídico, ou mesmo de próprios dispositivos expressos, já a regra tem que ser expressa.

f)        Hermenêutica

A norma-princípio contém um maior grau de abstração, exige uma interpretação com maiores recursos técnicos, já a norma-dispositivo tem um menor grau de abstração, se dá o que comumente os juristas chamam de subsunção, ou seja, o fato concreto é absorvido pela norma, tendo uma tipicidade jurídica detectável de pronto.

g)      Harmonização

Os princípios coexistem dentro do ordenamento jurídico é podem ser harmonizados. As regras, por versarem sobre situações e condutas específicas, não podem coexistir sobre uma mesma situação fática, ao passo que se geraria um conflito de normas, o que não é juridicamente possível.

h)      Valor

A norma-princípio trás questões de validade e peso, ou seja, além de resguardar juridicamente um bem, ela ainda nos remete ao sopesar de valores albergados por todo o sistema normativo a que o principio corresponde. A norma-dispositivo trás apenas sua validade, o que se traduz apenas na obrigação de cumpri-la.

i)        Campo de atuação

Os princípios estão sempre presentes no caso concreto, enquanto as regras podem ou não ser aplicadas.

III – CONCLUSÃO

Podemos aferir do que expusemos, que o ordenamento jurídico não é constituído apenas de regras, e que as mesmas têm que ser olhadas sob princípios que as regem.

Nesse sentido, observamos que os princípios coexistem é por mais que possam proteger as mais variadas situações, jamais são colidentes, o que há, na verdade, é um conflito que se resolve no plano axiológico, ou seja, como já frisamos, com o sopesar de valores, onde será verificado o que terá prevalência no caso concreto.

Nossa maior referência principiológica é, sem dúvida, a Constituição Federal, que já inicia sob o princípio da supremacia e, em seu corpo, nos trás os princípios da finalidade, resultante social, prorporcionalidade, razoabilidade, dentre outros.

Os diplomas infraconstitucionais seguem o mesmo exemplo, tendo seus próprios princípios, v.g., o novo Código Civil, que alberga princípios, até mesmo, de ordem pública, não obstante ser o diploma maior das relações privadas.

Com a abertura do Código Civil, por meio das "cláusulas gerais", como condutoras para aplicação de princípios, sejam do próprio Código ou mesmo de caráter Constitucional, tivemos um grande avanço no sentido da efetivação da boa técnica jurídica, como bem ressalta o professor Laerson Mauro acerca do Código Civil, in verbis:

"A formidável virtude das "cláusulas gerais" é fazer do juiz um elemento de interação da norma, propiciando-lhe, então, invocar os princípios gerais e construir o direito aplicável àquele caso concreto submetido à sua jurisdição, numa construção intelectual muito à semelhança do que se passa no sistema do "common law" e sem a escravização do positivismo absoluto".[1]

Destarte, podemos chegar à conclusão que não somente os princípios constitucionais devem induzir a exegese das normas infraconstitucionais, mas como também, os próprios princípios delas surgidos por força de uma análise sistêmica.

No que toca a Constituição Federal, é sabido que ela invadirá a qualquer espaço em prol de soluções eqüitativas nos casos concretos, não deixando a ausência de norma-dispositivo, com sua possível solução injusta, imperar. 

[1] O Novo Código Civil comentado, Organizadores: Cleyson de Moraes Mello e Thelma Araújo Esteves Fraga, 2003, p. 22.