O “princípio-conciliador” da proporcionalidade


Pormathiasfoletto- Postado em 23 maio 2013

Autores: 
DELGADO, Thiago Chacon

 

 

Sumário: 1. Introdução 2. Desenvolvimento 2.1 Normas: Regras e Princípios 2.2 Princípio da Proporcionalidade: ângulos de observação (requisitos)  2.3. Ponderação de Valores. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.
 

1.Introdução:

Na realidade vivenciada pelo mundo atual torna-se cada vez mais necessário um sistema jurídico capaz de dinamizar-se na velocidade exigida para acompanhar a sociedade. A mudança de pensamento e até mesmo dos valores é constante e coloca o Direito muitas vezes aquém da própria comunidade que o fundamenta.

O principio da proporcionalidade fundamenta-se justamente diante deste contexto, seja na aplicação penal, civil, administrativa ou até mesmo constitucional.

Com sua correta utilização podemos chegar a uma interpretação mais coerente com o ideal de justiça utilizando aquilo que a doutrina denomina de “ponderação de valores”, onde diante de um aparente conflito de mandamentos normativos principiológicos, mormente na Constituição, o aplicador pode optar pela via que analisada sob o prisma proporcional seja mais adequada a atingir os fins visados pela Ciência Jurídica.
 

2.Desenvolvimento:

2.1. Normas: Regras e Princípios

O sistema normativo é composto de regras e princípios. Para diferenciá-los, já que ambos compõem o gênero norma, são diversos os critérios utilizados, variando de acordo com o doutrinador.

Na visão do mestre Canotilho, a primeira forma de diferenciação seria quanto ao nível de abstração, posto que os princípios são normas com alto grau de abstração, nos quais, indeterminados são os casos práticos que podem se encaixar no seu texto normativo. São vagos, necessitam de intervenção para que se apliquem.

Já as regras, por sua própria natureza são certas, determinadas. Diante da sua precisão são aplicadas de forma direta, sem intervenções, ou amplo subjetivismo. Os princípios estabelecem padrões juridicamente vinculantes, estabelecidos em função da justiça ou da própria idéia de direito; as regras podem ser normas vinculativas com conteúdo apenas funcional (CANOTILHO, 1998, p. 1124).

Os princípios, em suma, são normas que têm papel fundamental no direito, servindo como alicerce ou razão de ser das próprias regras jurídicas.

Por fim, observando a aplicabilidade, temos que os princípios são compatíveis com vários graus de concretização. Já as regras impõem, ditam comportamentos que devem ser seguidos. Aquele, pois, no caso de conflitos, podem ser harmonizados, “conciliados” com os demais princípios, já que estão no plano da utilização ou inutilização dependente do caso em análise.

As regras, por sua vez, estão no plano da validade, ou seja, são válidas e portanto, devem ser seguidas a todo custo, ou são inválidas e, por conseguinte, não aceitas pelo nosso ordenamento. Em outras palavras são antinômicas, excluem-se, enquanto os princípios coexistem.

Vale ressaltar que se nosso modelo jurídico utilizasse apenas regras, estaríamos diante de um fracassado sistema fechado, onde o legislador teria que, a todo custo, prever todas as situações possíveis de ocorrer, algo impossível, sobretudo na sociedade moderna que, a todo momento, muda seus conceitos e costumes.

Por outro lado, a existência só dos princípios em um sistema também o levaria ao desastre. Sem a precisão das regras a tão almejada segurança jurídica jamais existiria e a sociedade ficaria a mercê das interpretações jurisprudenciais que nem sempre são as mais justas e possíveis de serem realizadas. O sistema ideal concilia ambos, utilizando cada qual no momento oportuno para a efetivação da paz social.
 

2.2.Princípio da Proporcionalidade: ângulos de observação (requisitos).

Passemos, pois, a analisar o princípio da proporcionalidade, observando as doutrinas alemã e norte-americana.

A priori, mister se faz colocar que a proporcionalidade, no dizer de André Ramos, é a exigência de racionalidade, a imposição de que os atos estatais não sejam desprovidos de um mínimo de sustentabilidade.

Surge junto à filosofia do direito na defesa dos direitos humanos, ganhando força na passagem do Estado apenas de Polícia, para o Estado de Direito, com objetivo inicial de controlar os super poderes do Monarca. Nasce, pois, do ideal de que até o próprio Estado está sujeito às leis, em garantia aos direitos individuais da sociedade que o compõe.

Na modernidade, podemos destacar a obra de Beccaria “Dos delitos e das penas”, que embora se restrinja ao campo penal, nos dá uma idéia já bem aproximada da que temos hoje em dia, quando trata da proporcionalidade e racionalidade na aplicação das penas.

Todavia, só teremos uma aplicabilidade mais direta no período pós-guerra, quando os ordenamentos jurídicos europeus elevaram-no até a Constituição, aumentando consideravelmente sua importância, se tornando parâmetro para os demais ramos jurídicos. 

Seguindo a doutrina alemã, tal princípio é considerado como derivado do próprio Estado Democrático de Direito, mesmo não estando expressamente exposto na Constituição, sendo, portanto, uma norma constitucional não escrita. Fazendo essa ligação com o Estado Democrático de Direito garante-se o núcleo essencial dos direitos fundamentais do cidadão através da acomodação dos diversos interesses existentes em dada sociedade.

Já a doutrina norte-americana, observando o mesmo objeto em ângulo diverso, considera que o princípio da proporcionalidade deriva de outro princípio constitucionalmente declarado, o do devido processo legal. Com este, há uma limitação dos poderes do Estado em favorecimento dos essenciais direitos individuais, como vida, liberdade e a propriedade.  

Ainda há autores que situam a proporcionalidade como derivada da isonomia, pois esta nos traduz a idéia aristotélica de “igualdade proporcional”, própria da justiça distributiva.

No Brasil, não obstante o princípio da proporcionalidade não ter sido expresso diretamente na Constituição Federal de 1988, deve ser invocado em todos os ordenamentos consagradores de direitos e garantias fundamentais e do Estado de Direito, sendo esses dois elementos apontados como substanciais para aplicação deste principio.

Deve-se, contudo, atentar bem para a sua aplicabilidade, posto que possuímos outras formas interpretativas, bem como demais princípios dispostos na Constituição como o do devido processo legal, igualdade, etc., devendo sempre perquirir a técnica mais apropriada diante do caso concreto.   

Entretanto, no caso de conflitos entre os mandamentos nucleares de um sistema, conceituação do douto professor Celso A. B. de Mello, dá-se preferência ao “princípio-conciliador” da proporcionalidade, tendo em vista que o equilíbrio desta disputa é sua finalidade, servindo como instrumento de controle de excessos, harmonizando juridicamente os interesses envolvidos.   

Para tanto, o aplicador do direito assenta-se em três ângulos complementares e cumulativos de observação que servem como requisitos obrigatórios para o ajustamento de princípios (ponderação de valores), a saber:

a) Necessidade: a preferência momentânea por um dos princípios em detrimento de outro não menos fundamental, pela própria natureza normativa que possui este tipo de mandamento normativo, tem que ser efetivamente necessária para uma justa resolução do caso apreciado.     

b) Adequação: por parte do Judiciário deve haver um nexo de pertinência fundamentada entre o problema gerador da controvérsia e os meios (ações ou omissões que minimamente interfiram na liberdade individual) utilizados para se atingir o resultado desejado.

c) Proporcionalidade “strictu sensu”: assim como na adequação aqui também se analisa a efetiva proporcionalidade entre a medida tomada e o objetivo perquirido.  Ao contrário estaríamos sacrificando exageradamente outros bens jurídicos não menos relevantes à sociedade.
 

2.3. Ponderação de Valores

Visando superar o puro positivismo e seus métodos de certa forma arcaicos de interpretação do direito, o Tribunal Supremo do nosso país já vem há alguma data utilizando este mecanismo, aplicando a ponderação de valores que, por conseguinte, vem sendo utilizada pelos juizes e tribunais inferiores. 

Exemplo bastante ilustrativo e esclarecedor da forma como vem sendo utilizada a ponderação de valores no Brasil é o caso da famosa cantora mexicana Glória Treviño Ruiz.

Em 2002, o STF conheceu de uma reclamação formulada contra uma decisão do juízo federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. A decisão do juízo ordinário autorizava a coleta da placenta da extraditanda grávida, a cantora Glória Treviño Ruiz, que se encontrava recolhida em uma carceragem da Polícia Federal. A coleta serviria para a realização de um exame de DNA num inquérito policial que investigava os fatos relacionados à gravidez da cantora, uma vez que esta teve início dentro da carceragem. A cantora acusava funcionários daquele órgão público. No mérito da decisão, o Supremo Tribunal Federal autorizou a realização do exame de DNA, asseverando expressamente, como se pode constatar no Informativo do STF de nº 257, que o Tribunal fazia uma ponderação de valores constitucionais contrapostos: o direito à intimidade e à vida da extraditanda “versus” o direito à honra e à imagem dos servidores e da Polícia Federal como instituição.

Desta forma, observamos que qualquer tipo de colisão entre princípios constitucionais demandaria a complexa avaliação sobre os valores intrinsecamente existentes nestes próprios princípios, de modo a ser feito um ajustamento entre eles através do processo interpretativo.

Por meio deste tipo de ajustamento ponderativo de valores, o intérprete não estaria diminuindo a força de um ou de outro mandamento principiológico, mas acima disso, irá avaliar as várias possibilidades de adaptação na sua aplicação diante do caso concreto, inclinando-se assim à posição de aplicar a que melhor se amolde, posto que, como já salientado acima, ao contrário das regras jurídicas, naqueles não é necessário a invalidade de um para a conseqüente aplicação de outro. Após a decisão em um ou noutro sentido, ambos os mandamentos saem com a sua força normativa intocável. 

Neste sentido é que temos evidenciado toda a importância prática-jurídica da correta (razoável, adequada e necessária) aplicação de uma ponderação de valores fundamentais, através de uma específica utilização de um terceiro princípio, consubstanciado nas entrelinhas da própria Constituição – principio da proporcionalidade – onde se percebe uma certa existência pluralista de métodos de interpretação constitucional, tendo em vista que a adoção de um ou outro princípio dependerá de circunstâncias não apenas formais, mas também substanciais, relacionados à realidade dos fatos que nos cercam. 
 

3. Conclusão:

Com efeito, podemos concluir, em face de todo o conteúdo anteriormente exposto, que os princípios constitucionais representam elementos fundamentais ou até fundantes do nosso ordenamento constitucional e jurídico como um todo. E para isso, não precisam nem estar diretamente expressados na Constituição, não obstante necessitem obrigatoriamente estarem crivados na consciência da sociedade a que se destinam.     

Em alguns momentos, diante da complexidade da realidade a qual somos submetidos, nos vemos na situação de conflitos interpretativos de princípios. É neste ponto que nasce toda a força jurídica do instrumento de “ponderação de valores”, determinando a prevalência casuística entre princípios de mesma natureza axiológica, em busca da aplicação com equidade da justiça ao caso concreto, sendo cada dia mais imprescindível para atingirmos um pleno Estado Democrático de Direito.   

 

Referências Bibliográficas:

- BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

- TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2003.

- ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

- MEYER, Emílio Peluso Neder. O caráter normativo dos princípios jurídicos . Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 994, 22 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8126>. Acesso em: 22 abr. 2006.

- LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2005.

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3027/O-principio-conciliador...