O Concubinato adulterino sob o prisma do Código Civil de 2002


Porbarbara_montibeller- Postado em 07 março 2012

Autores: 
JALES, Camilla Fittipaldi Duarte

1. INTRODUÇÂO

O concubinato não é um fenômeno recente. A História registra que, já em Roma, no período imperial, a convivência livre entre pessoas não ligadas pelo vínculo do casamento era comum, inobstante reprimida e censurada pela legislação vigente. Na Idade Média, também se faziam presentes tais vínculos, de início, tolerados pela Igreja, mas, que, em período posterior, foram severamente condenados, uma vez que o freqüente relacionamento dos padres com as mulheres passou a constituir uma ameaça à integridade do patrimônio clerical.

Em que pese tenha a sociedade progredido, subsistiu o concubinato como forma de convívio, assumindo novos contornos, tendo em vista a própria evolução histórica, fundamentada em novos valores sociais, os quais se refletiram na formação da família. Particularmente no Brasil, as uniões concubinárias sempre se manifestaram de maneira acentuada; nos séculos passados, em razão da burocracia e formalismos excessivos exigidos para o casamento, bem como em decorrência da inadmissibilidade do divórcio, surgindo, até o advento da Lei 6.515/77, como única alternativa para aqueles que já eram casados e constituíam nova entidade familiar. A despeito do surgimento da Lei de Divórcio, o concubinato manteve-se presente na sociedade.

As uniões concubinárias entre pessoas não impedidas de casar, denominadas uniões "puras" pela doutrina, passaram a receber tutela pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, sob a denominação "união estável", denotando uma incipiente distinção terminológica em relação ao concubinato, que pode compreender relações incestuosas e adulterinas. Desde a edição do Código Civil de 1916, a legislação nunca tratou especificamente do "concubinato". No entanto, a jurisprudência sempre assumiu uma postura enrijecida, limitando-se a atribuir efeitos obrigacionais às uniões concubinárias impuras (adulterinas), aplicando a Súmula nº 380 do Supremo Tribunal Federal (STF) a qual consagrou a teoria da sociedade de fato, com a partilha dos bens adquiridos em comum, desde que provado esforço conjunto na aquisição do acervo patrimonial, ou nessa impossibilidade, concedia-se indenização por serviços prestados à concubina, como forma de recompensar o lapso temporal durante o qual ela permaneceu convivendo com o homem casado.

As Leis n° 8.971/94 e nº 9.278/96 conferiram alguns direitos de índole familiar aos integrantes dos vínculos concubinários puros entitulados "uniões estáveis", ditos "conviventes" ou "companheiros", tais como alimentos, disposições a respeito da partilha dos bens adquiridos durante a união, usufruto, direito real de habitação e alguns aspectos sucessórios, passando a serem aplicadas pelos Tribunais, em que pese estes ainda utilizassem dubiamente o termo "concubinato" para designarem a união estável.

O Código Civil de 2002, revogando a legislação anterior, disciplinou a união estável, conferindo-lhe tratamento específico ao estabelecer os deveres e direitos recíprocos entre os companheiros, e, pela primeira vez, no âmbito legislativo, fez a distinção terminológica entre a união estável e o concubinato, ao explicitar a definição deste como sendo "as relações não eventuais entre pessoas impedidas de casar", demonstrando a necessidade de uma elucidação distintiva entre os institutos, anteriormente tratados de modo indiferenciado pela doutrina e jurisprudência.

Ocorre que, inobstante tenha o legislador procedido à distinção terminológica entre os mencionados institutos, não regulamentou explicitamente os efeitos que adviriam do concubinato, restringindo-se apenas a defini-lo, o que evidencia a existência de uma lacuna normativa, hábil a fomentar grandes controvérsias, deixando ao talante dos julgadores a atribuição dos efeitos jurídicos que entendam pertinentes.

Logo, apesar de as uniões concubinárias, em especial, as adulterinas, representarem uma realidade incontestável na sociedade moderna, balizada por novos valores e princípios éticos e a qual o Direito não pode ignorar, persiste a ausência de um regramento próprio a estabelecer os efeitos jurídicos que seriam atribuíveis aos concubinos e o questionamento de se é possível enquadrar o concubinato como instituto de Direito de Família ou como mera sociedade de fato, restrita ao âmbito obrigacional, como assim entenderam os Tribunais até a edição do Diploma Civil vigente.

2. O CONCUBINATO SOB O PRISMA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

2.1. Referência conceitual e classificação doutrinária

O vocábulo concubinato deriva etimologicamente do latim concubinatus, us, que significava mancebia, amasiamento, proveniente do verbo concumbo, is, ubui, ubitum, ere ou concubo, as, bui, itum, are, ambos cujo sentido é o de dormir com outra pessoa, copular, deitar-se com, repousar, descansar, ter relação carnal, estar na cama. Modernamente, não há um conceito preciso e definitivamente delineado sobre o concubinato.

Bittencourt (1969, p.148-149) ressalta a possibilidade de se conceituar concubinato em dois sentidos: lato e estrito. Em sentido lato, concubinato seria "a união estável, no mesmo teto ou em teto diferente, de homem e mulher, que não são ligados entre si por matrimônio legal". Já em sentido estrito seria, segundo ele, "a convivência more uxorio, ou seja, o convívio como se fossem marido e mulher".

Outro jurista que também define o concubinato em dois sentidos é Azevedo (2002, p.186), vislumbrando-o, em acepção ampla, como "toda e qualquer união sexual livre", e num sentido estrito como "união duradoura, a formar a sociedade doméstica de fato, na qual são importantes o ânimo societário (affectio societatis) e a lealdade concubinária". Tendo em vista os sentidos amplo e estrito da palavra concubinato apontados pelo grande jurista citado, há duas espécies de concubinato: o puro e o impuro.

Doutrinariamente, considera-se puro o concubinato como uma união duradoura entre homem e mulher livres e desimpedidos, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária, constituindo-se uma família de fato. Desta forma, somente as pessoas solteiras, viúvas, separadas judicialmente ou divorciadas podem constituir este tipo de união livre.

Em contrapartida, o concubinato impuro caracteriza-se pela existência de algum comprometimento ou impedimento legal para o casamento por parte de ambos ou de um dos envolvidos na relação concubinária, subdividindo-se, ainda, em três modalidades, quais sejam: o concubinato adulterino, incestuoso e o desleal.

O concubinato é adulterino, se um ou ambos os concubinos já são casados e mantêm uma relação concubinária simultânea à família maritalmente estabelecida; já o incestuoso se constitui se houver parentesco próximo entre os concubinos e, por fim, recebe a denominação de desleal nos casos em que o indivíduo concubinado com alguém mantém, paralelamente ao seu lar, outro de fato.

É de ver-se que a primeira espécie, ou seja, o concubinato puro, assumiu a denominação de união estável com o advento da Carta Magna de 1988, recebendo tutela constitucional explícita e regulamentação pelas Leis n° 8.971/94, garantidora de alimentos e direito sucessório aos companheiros, e n° 9.278/96, sendo disciplinado, hodiernamente, pelo Código Civil de 2002, o qual atribuiu inúmeros direitos aos "conviventes" ou "companheiros" a partir de seu artigo 1.723.

Por outro lado, o concubinato impuro sempre esteve à margem de todas as legislações, tanto é que a Constituição Federal de 1988 fez expressa referência à união estável, mencionando que o legislador deve facilitar sua conversão em casamento, além do que a Lei n° 8.971/94 fala em "companheiros" e não em concubinos, e a Lei n° 9.278/96, suscitou a utilização da expressão "conviventes", demonstrando clara intenção legislativa em fazer a distinção entre os citados institutos.

2.2. O artigo 1.727 do Código Civil de 2002: expressa distinção terminológica em relação à união estável

Apesar de até a edição do Código Civil de 2002 não ter havido tratamento legal expresso diferenciando as expressões "concubinato" e "união estável", conforme as lições de Valdemar Rodrigues Pereira (2004, p.22), sempre existiu a diferenciação entre os citados termos. A concubina é [...] a amante, a mulher dos encontros velados, freqüentada pelo homem casado, que convive ao mesmo tempo com sua esposa legítima, [...] é a que reparte, com a esposa legítima, as atenções e assistência material do marido, ou seria a mulher do lar clandestino, oculto, velado aos olhos da sociedade, como prática de bigamia e que o homem freqüenta simultaneamente ao lar legítimo e constituído segundo as leis. Já a companheira é [...] a mulher que se une ao homem já separado da esposa e que se apresenta à sociedade como se legitimamente casados fossem, [...] a mulher que une seu destino ao homem solteiro, viúvo, desquitado ou simplesmente separado de fato da mulher legítima. Sua característica está na convivência de fato, como se casados fossem aos olhos de quantos se relacionem com os companheiros de tal união. Pesam no conceito as exigências de exclusividade, fidelidade, vida em comum sob o mesmo teto com durabilidade. O vínculo entre os companheiros imita o casamento, ou, no dizer tradicional, é more uxorio. Todo o relacionamento se faz às claras, sem ocultação. Os dois freqüentam a sociedade, onde, reciprocamente, se tratam como marido e mulher. (grifo nosso)

O artigo 1.727 do Código de 2002, ao referir-se ao concubinato como "relações não eventuais entre pessoas de sexos diferentes, impedidas de se casar", fez clara distinção entre aquele e a união estável, sendo esta materializada pela união entre pessoas que abraçam o relacionamento de fato livremente, por opção, a despeito de poderem contrair matrimônio se quiserem, enquanto o concubinato se caracteriza pela união de pessoas impedidas de casar, optantes pelo relacionamento de fato diante da impossibilidade de convolarem núpcias.

Assim, o Novo Código Civil, ao estabelecer o concubinato em um único preceptivo legal, sob tal denominação, se refere às relações incestuosas e adulterinas, já que, como ressalvou o §1º do artigo 1.723 do citado Diploma, as pessoas que estão impedidas de casar, por estarem separadas judicialmente ou de fato (mas não divorciadas), estarão excluídas dessa situação concubinária impura, por se presumir que não violam o instituto do casamento, uma vez que não haverá qualquer relacionamento coabitacional do "convivente" com seu cônjuge. Logo, estarão vivendo em concubinato, se for o caso, as pessoas que apresentem os impedimentos do artigo 1.521, ressalvada a hipótese do inciso VI nos apontados casos de separação judicial ou de fato.

A comentada diferenciação é de considerável importância, pois, ao definir o concubinato em preceptivo específico, a legislação ratificou o enquadramento do concubinato puro, tutelado sob a expressão "união estável", como instituto de Direito de Família, digno de toda proteção legal conferida pelo ordenamento, ao mesmo tempo em que, reportando-se ao "concubinato", simplesmente, fez alusão ao concubinato impuro, já previamente definido e classificado, cujos efeitos parecem estar fora da esfera do Direito Familiar, incidindo sobre tal espécie de relação a teoria da sociedade de fato e a da indenização por serviços prestados, fortes no princípio que veda o enriquecimento ilícito.

Tal postura legislativa é reflexo dos valores socialmente consagrados dos costumes da população brasileira, os quais se projetaram na legislação que disciplina os institutos, desde o Código de 1916 até o Código de 2002, e que servem de balizamento aos aplicadores do Direito.

Por conseguinte, a diferenciação legal apenas referendou um fenômeno já verificado quando da edição de diplomas legais anteriores, qual seja, a marginalização das uniões concubinárias impuras, com efeitos limitados ao âmbito do Direito Obrigacional.

Decerto, o primeiro questionamento que se apresenta aos estudiosos, diante da clara distinção instituída pelo Novo Código Civil, é de como será tratado o concubinato, para o qual não houve nenhuma previsão normativa, o que, sem dúvidas, pelo menos, por enquanto, ficará por conta da Jurisprudência.

3. A CONCEPÇÃO DA DOUTRINA DIANTE DO CÓDIGO DE 2002: MANIFESTO REPÚDIO AO FENÓMENO CONCUBINÁRIO

A doutrina não apresenta grandes inovações no que se refere ao seu posicionamento em relação ao concubinato. É fato que, apesar da nítida distinção legislativa, hábil a fomentar grandes debates e discussões a respeito das uniões concubinárias e das conseqüências jurídicas delas oriundas; o concubinato impuro tem sido suscitado pelos autores, por via indireta, quando dissertam sobre a união estável, sem uma clareza de entendimento, demonstrando o evidente repúdio à sua configuração, ratificando somente a diferenciação terminológica trazida pelo legislador de 2002.

Em que pese a evolução da sociedade, a doutrina, que, aliada à Jurisprudência desempenha importante papel na produção legislativa, prossegue, no decorrer do tempo, censurando o concubinato, a ponto de excluí-lo da proteção que se confere às entidades familiares constitucionalizadas, quais sejam as famílias advindas do casamento, da união estável e da comunidade monoparental, negando efeitos jurídicos aos mencionados vínculos, os quais, apesar de condenáveis, representam, atualmente, uma realidade inexorável.

Pereira, R. (2001, p. 84) afirma a propriedade com que agiu o legislador de 2002 ao estabelecer expressamente a distinção entre os institutos, condenando as uniões concubinárias impuras, principalmente os relacionamentos envolvendo pessoas casadas, uma vez que tal entendimento se revela como exigência do primado da monogamia. Destaca o autor que ou é abolida a monogamia ou se deve negar eficácia aos relacionamentos adulterinos ou paralelos, sob pena de se instalar a insegurança jurídica, que deve a todo custo ser evitada. Aduz, ainda que seria um paradoxo para o Direito proteger as duas situações concomitantemente. Isto poderia destruir toda a lógica do nosso ordenamento jurídico, o qual gira em torno da monogamia, mas, ao mesmo tempo, não significa uma defesa moralista da fidelidade conjugal. Trata-se de invocar um princípio jurídico ordenador, sob pena de se desinstalar a monogamia. Em síntese, a proteção jurídica às relações concubinárias como entidades familiares seria somente aplicável àquelas não adulterinas.

Bencke (2002, p. 26-27), citando ensinamentos de Pinto Ferreira, reconhece a primazia do princípio monogâmico no ordenamento jurídico pátrio, mas não olvida da existência de uniões de fato merecedoras de tutela jurídica ao dissertar que a família monogâmica [...] tem evidentemente diversas vantagens sobre a poligâmica. Entre outras, caberia mostrar que a monogamia permite uma melhor criação da prole, um superior desvelo pela velhice, uma profunda estabilidade do grupo social e corresponde à necessidade biológica da divisão numérica eqüitativa, existente na natureza entre o sexo masculino e o feminino, sem levar em conta, ainda, que ela permite uma vida espiritual mais aperfeiçoada nas relações domésticas. Ao mesmo tempo, todavia, há situações de fato que justificam considerar-se que alguém possua duas famílias constituídas. São relações de afeto, apesar de consideradas adulterinas, e podem gerar conseqüências jurídicas. Essas situações revelam antes de relações espúrias, convivência de boa-fé. (grifo nosso)  Garcia (2003, p. 32-44), seguindo o raciocínio de Rodrigo Pereira da Cunha, alega que houve um tempo em que se justificava a proteção das relações adulterinas, diante da dificuldade na dissolução do casamento, seja do ponto de vista da moral social (resistência e preconceito), seja do ponto de vista jurídico (acesso restrito, de início, só à separação, e apenas posteriormente ao divórcio), de modo que muitas pessoas só encontravam a felicidade e realização pessoal através das relações adulterinas, não voluntariamente, mas por questões de imposição legal e social. No entanto, nos tempos atuais, segundo o citado autor, não procede mais, sob nenhum prisma, a permissibilidade dessas relações clandestinas, pois além da sociedade encontrar-se muito mais tolerante, a Constituição de 1988 consagrou enorme abertura à separação e ao divórcio, não se justificando qualquer tutela jurídica a relacionamentos clandestinos. Entende o autor que tudo é uma questão de liberdade e autodeterminação, de maneira que se o indivíduo escolheu contrair casamento, e ao mesmo tempo mantém relacionamento de fato com outrem, não seria legítima a intenção de que se extraíssem efeitos jurídicos desta relação, sobretudo em detrimento do cônjuge, quase sempre ignorante quanto à existência do concubinato adulterino.

Nessa visão, segundo a doutrina quase unânime, não se poderia admitir, tanto do ponto de vista do cônjuge ignorante (que, na maioria dos casos, desconhece o relacionamento paralelo), como de terceiros que celebram contratos e realizam transações negociais com qualquer dos partícipes desses vínculos concubinários, o questionamento ou afetação desses aludidos negócios por uma demanda de índole patrimonial entre os concubinos, na qual se discutisse a alienação de bens imóveis adquiridos na constância da relação concubinária e mediante o esforço conjunto, do mesmo modo que, não seria correto obrigar o cônjuge alheio ao relacionamento de fato impuro, a dividir o seu patrimônio ou o benefício previdenciário com o concubino supérstite.

Ressalte-se que, a despeito da nítida reprovabilidade às uniões concubinárias manifestada pela doutrina, suscita-se ser possível a partilha do acervo patrimonial do cônjuge com o concubino bem como o pensionamento previdenciário, caso reste comprovado que um dos  cônjuges tinha conhecimento do concubinato do outro e se quedou inerte, sem requerer a separação, denotando que admitira a situação, ainda que indiretamente.

De modo semelhante, tem-se conferido proteção, até mesmo sob os auspícios da união estável (principalmente, em relação à partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum, com contribuição direta ou indireta do concubino) ao concubino de boa-fé, ou seja, aquele que vive uma relação paralela ignorando o estado de casado do outro, aplicando-se, analogamente, a teoria do casamento putativo, a qual socorre o cônjuge ignorante de vício capaz de implicar a nulidade ou anulação do casamento, em prol da boa-fé e a fim de evitar locupletamento ilícito.

Registre-se que esse parco, mas ao menos presente abrandamento dos rigores da doutrina contra as uniões concubinárias, de certa forma, representa um avanço no sentido de tutelar o concubino de boa-fé, atribuindo-lhe alguns direitos, em princípio, apenas aplicáveis à união estável. No entanto, não soluciona o problema concernente à ausência de disciplinamento legislativo, uma vez que a falta de uma tutela específica, deixa ao arbítrio da jurisprudência a concessão ou não de efeitos jurídicos a essas relações, guiada, muitas vezes por valores já culturalmente ultrapassados, levando ao desamparo muitas situações fáticas consolidadas no tempo, e até já aceitas, coniventemente, pela sociedade.

Pondere-se, ainda, a importante ressalva feita pelo Novo Código, já acolhida há tempo pela doutrina e jurisprudência, no sentido de que a separação de fato e a separação judicial de um dos partícipes da união estável, apesar de constituírem impedimento formal exposto na lei para o casamento, não ilidem o aperfeiçoamento da união convivencial, descaracterizando-se como concubinato.

A doutrina majoritária entende que, como o Código de 2002 possibilitou a configuração da união estável pela separação de fato sem, no entanto, ter estabelecido prazo específico, essa separação deve ocorrer por um lapso temporal de dois anos, após o qual, legalmente, seria possível se pleitear o divórcio direto, aduzindo que apesar de estar o convivente formalmente casado e, conseqüentemente impedido de casar com outrem, o referido decurso de tempo de separação de fato, por si só, já produz efeitos tão densos quanto à separação judicial, não se justificando que um casamento já relegado à mera reminiscência cartorial, possa obstaculizar a formação de uma união estável. Todavia, não se pode olvidar que esse lapso temporal representa dilação probatória a ser perquirida em juízo e no caso concreto, o que nos leva a crer, que, na verdade, há uma linha muito tênue que distingue a união estável da qual participa convivente separado de fato de seu respectivo cônjuge, do concubinato adulterino, formado por liames duradouros e simultâneos.

Na prática, resolvem-se as indagações na esfera probatória, o que pode ensejar, inclusive inúmeras fraudes, como forma de permitir a atribuição de efeitos jurídicos no âmbito do Direito de Família às uniões impuras. Isso demonstra que se equivocou o legislador, ao manter a lacuna legislativa sobre a matéria, e evidencia a anacrônica postura da doutrina que permanece apenas criticando as referidas relações sem estabelecer propostas de soluções jurídicas concretas, provocando uma distorção no instituto da união estável, que acaba sendo indevidamente "invocado" em juízo como forma de suprir os problemas trazidos pela falta de regramento específico às uniões concubinárias.

Interessante salientar que há posicionamentos doutrinários, entre os quais se destaca a opinião do já citado Garcia (2003, p.33), para quem, a despeito de, peremptoriamente, contestar a atribuição de direitos no âmbito familiar às uniões adulterinas, pugna pela eficácia de uniões incestuosas, equiparando-as aos relacionamentos homoafetivos, como se estes e aqueles trouxessem menos reprovabilidade social em relação às uniões adulterinas, o que, na verdade, revela um total contra-senso.

Tratando, ainda, do concubinato formado pela união entre parentes, chegou-se a questionar a respeito do casamento entre colaterais de terceiro grau (tio com sobrinha e vice-versa), o que constitui impedimento estabelecido no inciso IV do artigo 1.521 do Novo Código. No entanto, já está pacificado que os casamentos eivados, em tese, de nulidade por incidirem nesse impedimento legal, são plenamente válidos, não se configurando uma relação concubinária impura, já que o Decreto - Lei n° 3.200, de 19 de abril de 1941, que estabeleceu a permissibilidade do matrimônio entre colaterais em seus artigos 1°, 2° e 3°, foi, segundo a doutrina mais abalizada, recepcionado pelo ordenamento em vigor, sendo possível o casamento entre colaterais de terceiro grau, isto é, entre tios e sobrinhos, se apresentado atestado de sanidade que afirme não existir inconveniente para o matrimônio sob o ponto de vista da saúde dos cônjuges e da prole. Sem esse documento, todavia, o casamento será nulo, ou se o laudo médico concluir pela inconveniência do casamento, prevalecerá o impedimento, de maneira que, eventuais uniões constituídas nessas condições, serão consideradas como concubinárias.

Destarte, após elucidar o pensamento da doutrina a respeito do concubinato sob os moldes do Código Civil de 2002, interessa uma análise acurada em relação à jurisprudência desde a entrada em vigor do Novo Diploma Civil, com o objetivo de se avaliar a postura dos Tribunais diante da inovação legislativa.

4. AS UNIÕES CONCUBINÁRIAS E A JURISPRUDÊNCIA

  

4.1. Considerações gerais

  

O presente tópico se destina a traçar o posicionamento da jurisprudência brasileira diante das relações concubinárias sob o prisma do Código Civil de 2002. Foram colhidos diversos julgados, os quais, em sua quase maioria, não inovaram quanto à postura anterior à entrada em vigor do Novo Código, o que nos faz concluir que ainda há um grande caminho a ser percorrido, a fim de que seja dado um tratamento isonômico a essas uniões.

Reconhece-se que alguns parcos direitos têm sido concedidos, todavia, as manifestações nesse sentido são incipientes, revelando a visão conservadora e arcaica assumida pela doutrina e, por conseguinte, adotada pelo Poder Judiciário.

  

4.2. Indenização por serviços prestados

  

Antes mesmo do advento do Novo Código Civil, a jurisprudência vinha concedendo indenização por serviços prestados ao concubino, quando não provada a contribuição direta ou indireta para obtenção ou acréscimo do patrimônio adquirido pelos concubinos, bem como diante da inexistência de formação desse acervo patrimonial.

Como expõe Pereira, V. (2004, p. 212), a reivindicação de tal direito será feita através de ação ordinária de indenização a ser intentada contra o concubino, ou, sendo o caso, seu espólio. Por cuidar de direito personalíssimo, deverá ser proposta pela própria concubina e não por seus herdeiros, que não terão legitimidade ativa ad causam para tanto, salvo se, ajuizada a ação, a concubina falecer no curso da mesma, operando-se a respectiva substituição processual.

Ressalte-se que, em julgado datado de 23.06.2003, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de Recurso Especial, concedeu à concubina, sob o título de "pensão", o direito à indenização por serviços prestados ao "companheiro" durante o período de relacionamento até o óbito do concubino, não sendo esse direito desnaturado pela circunstância de ser o concubino casado com dupla vida em comum por lapso temporal superior a trinta anos (STJ, 2003, p.374).

Destaque-se que, no mencionado aresto, foi utilizada a terminologia "concubina" e "companheira", dando margem a incertezas, uma vez que a ementa do citado acórdão registra que, na hipótese, houve dupla vida em comum do cônjuge com a esposa e companheira. Logo, ocorrida tal situação, depreende-se que o termo mais adequado seria concubina, já que, se configurou uma relação concubinária adulterina.

Assim, o acórdão denota que, a despeito da distinção terminológica feita pelo legislador de 2002, a jurisprudência ainda vacila quanto ao uso adequado das expressões.

Apesar desse entendimento do STJ, os Tribunais Estaduais não adotaram uma uniformidade de posicionamentos quanto ao deferimento da aludida indenização. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), em julgado proferido em 10.03.2004 pela 7ª Câmara Cível, indeferiu o pleito de indenização por serviços prestados pela concubina, por entender não ser possível monetarizar as relações amorosas, dispondo que os cuidados dispensados pela concubina decorrem do vínculo de solidariedade, não tendo expressão econômica (TJRS, 2004a).

Por outro lado, o mesmo Tribunal, em acórdão do 4º Grupo de Câmaras Cíveis, publicado em 13.01.2006, concedeu indenização por serviços prestados à concubina, explicitando a ausência de respaldo legal do concubinato (TJRS, 2006a).

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), por sua vez, não adotou posicionamento unânime. A 16ª Câmara Cível do mencionado Tribunal, em acórdão proferido na data de 09.12.2003 em sede de embargos infringentes, concedeu o direito à indenização por serviços domésticos prestados pela concubina de homem casado durante a vida em comum, uma vez que não foi provada a formação de patrimônio comum pelos concubinos (TJRJ, 2003a). Em contrapartida, a 5ª Câmara do referido Tribunal, por unanimidade, denegou o pedido de indenização em sede de apelação, em aresto datado de 18.10.2005, por entender que o relacionamento entre os concubinos, inobstante tenha durado dezessete anos, nunca ostentou convivência more uxorio e permanente, apesar dos filhos em comum (TJRJ, 2005).

  

4.3. Reconhecimento e dissolução de sociedade de fato. Partilha de bens

  

A jurisprudência não tem mitigado o rigorismo quanto à atribuição de efeitos jurídicos no âmbito do Direito de Família às uniões concubinárias, tanto é assim que não se configurando união estável, os Tribunais têm mantido a aplicação da Súmula nº 380 do STF, a qual aduz: "comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".

O STJ, seguido pelos demais Tribunais de Justiça dos Estados, em aresto publicado em 2004, evidencia que continua admitindo a partilha de bens adquiridos pelo esforço comum entre concubinos quando constituída uma sociedade de fato em aplicação à Súmula nº 380, não havendo substancial modificação de entendimento jurisprudencial desde o advento do Código Civil de 2002 (STJ, 2004, p.302).

Ressalte-se que o direito à partilha dos bens adquiridos na constância do concubinato não dispensa a demonstração de aquisição comum do patrimônio, como bem evidencia acórdão em sede de apelação cível do TJRJ, proferido em 08.09.2004, que excluiu da partilha o único bem adquirido pelo concubino casado sob o regime de comunhão de bens, uma vez que este provou ter a aquisição ocorrido com recursos exclusivos de sua indenização trabalhista (TJRJ, 2004a).

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) também se posicionou no mesmo sentido, em julgado recente publicado em 02.02.2007, oriundo da 6ª Câmara Cível, negando, por decisão unânime, o reconhecimento da sociedade de fato entre concubinos por faltar a comprovação da concubina para a formação do patrimônio material com o falecido (TJPE, 2007).

  

4.4. O concubinato como entidade familiar

  

Mais uma demonstração de repúdio às uniões concubinárias se depreende do entendimento dos Tribunais no sentido de não reconhecerem o concubinato como entidade familiar. Reitere-se que tal postura representa um contra-senso à conjuntura atual, na qual o concubinato adulterino é freqüente e socialmente aceito, não se justificando a tentativa da doutrina e da jurisprudência em negar efeitos a essas relações.

O STJ, no julgamento de Recurso Especial em 2005, expressa a postura anacrônica da jurisprudência, demonstrando censurabilidade ao concubinato, ao negar a possibilidade de partilha de bens entre os concubinos, mesmo tendo o concubinato "se convertido" posteriormente em união estável com a dissolução da sociedade conjugal, por entender que os bens, sob o prisma do Direito de Família, não poderiam ser partilhados já que a aquisição teria se dado na constância da relação concubinária, não constituindo esta, uma entidade familiar (STJ, 2005, p.359).

É pacífica a compreensão do tema. Nesse sentido, os Tribunais estaduais, de maneira unânime têm manifestado repulsa à concepção do concubinato como entidade familiar. Como exemplo, acórdão do TJRJ, em pronunciamento recente, deixa clara a nítida distinção terminológica entre o concubinato e a união estável, ao mencionar a nova conceituação legal do concubinato no Código de 2002, afastando a aplicação do Direito de Família à espécie (TJRJ, 2007a).

Do mesmo modo, decidiu o TJRS, demonstrando explicitamente o repúdio às uniões concubinárias, por sua 7ª Câmara Cível, em sede de apelação cível, cuja decisão, por unanimidade, foi publicada em 13.03.2007, invocando a monogamia como princípio informador do direito matrimonial (TJRS, 2007). Equivocadamente, o mesmo Tribunal, em acórdão da 7ª Câmara Cível, em sede de apelação datado de 30.06.2004, utilizou a expressão concubinato, dando margem à sua compreensão como sendo uniões esporádicas, sem ânimo de constituição familiar, o que não se coaduna com a significação legal do vocábulo (TJRS, 2004b).

4.5. Pensão previdenciária, alimentos, seguro de vida e danos morais

  

Dos arestos coletados, restou evidente que poucos foram os direitos concedidos aos concubinos, e, em sua maioria, restritos ao âmbito do Direito Obrigacional.

Como inovação na jurisprudência, observou-se apenas a concessão de benefício previdenciário pelo TJPE à concubina do de cujus, reconhecendo, inclusive, a relação concubinária com prole fora do casamento como "entidade familiar protegida pela Constituição", muito embora não fosse uma relação pura de concubinato, como bem explicitou a ementa do acórdão, conferindo o direito ao recebimento da pensão desde que existente a dependência econômica (TJPE, 2003).Todavia, registre-se que esse posicionamento não é adotado pelos demais Tribunais de Justiça dos Estados; tendo o TJRJ, recentemente, denegado o direito de pensionamento à concubina, referida no julgado como "amante", sob o fundamento de inexistir o intuito familiar na relação havida entre o ex-segurado e a autora, não sendo o concubinato impuro acolhido pelo ordenamento jurídico, que veda a bigamia (TJRJ, 2007b). O mencionado Tribunal, que, em julgado recente, denegou o direito à percepção de pensão previdenciária pela concubina, em sede de apelação cível, preteritamente julgada pela 5ª Câmara Cível na data de 02.09.2003, por unanimidade, concedeu indenização por danos morais à concubina de homem casado com o qual teve filhos, em decorrência de colisão entre veículos que ensejou o óbito do concubino (TJRJ, 2003b).

Em relação ao seguro de vida, o TJRJ tem considerado inválida a estipulação de seguro de vida em favor da concubina. Todavia, inobstante tal entendimento, o referido Tribunal inovou ao conferir à concubina o direito ao ressarcimento pelos prejuízos oriundos da invalidade da apólice de seguro, por ter havido má-fé da empresa seguradora em proceder à estipulação do seguro em favor de concubina de homem casado (TJRJ, 2004b).

Destaque-se que, na presente análise jurisprudencial, conforme já dito em oportunidade anterior, não se visualizaram quaisquer direitos atribuídos ao concubinato na esfera familiar. Ratificando a visão retrógrada dos aplicadores do Direito, os Tribunais de Justiça tem, em arestos recentes, peremptoriamente negado o direito a alimentos entre concubinos, evidenciando a tendência atual de excluir o instituto do âmbito do Direito Familiar (TJRJ, 2006; TJPE, 2005, p.185; TJRS, 2006b).

5. CONCLUSÃO: A NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO LEGAL ESPECÍFICA COMO FORMA DE CORRIGIR INJUSTIÇAS NO CASO CONCRETO

É incontestável que o ordenamento jurídico progrediu ao reconhecer e tratar, em capítulo específico do Código Civil, das entidades familiares constituídas sob os moldes da união estável; entre solteiros, separados judicialmente ou de fato; mas, simultaneamente, retrocedeu ao permanecer silente a respeito das uniões concubinárias, em especial as adulterinas, as quais, destaque-se, cada dia mais freqüentes no cotidiano, portando-se o legislador como se tais vínculos não existissem ou como se a carência de tutela legal, inevitavelmente, desestimulasse a constituição dessas famílias de fato, se é que se pode, pela doutrina majoritária, falar-se em entidade familiar nessas situações.

Ao avaliar a postura doutrinária sobre as uniões concubinárias após a entrada em vigor do Código de 2002, percebeu-se que os autores, em sua grande maioria, mal se pronunciam sobre o tema, e quando assim procedem, sempre o fazem indiretamente, ao esmiuçarem o tratamento da união estável, condenando as uniões constituídas em paralelo ao casamento, sob o argumento de que representariam ofensa ao princípio monogâmico, acolhido pelo Direito Civil pátrio, e à segurança das relações jurídicas, tornando o cônjuge não atrelado ao liame concubinário (geralmente, ainda, a mulher) vulnerável, uma vez que, muitas vezes, desconhece o concubinato do cônjuge desleal. Ressalte-se, contudo, que a doutrina, embora repudie, veementemente, o concubinato, reconheceu efeitos jurídicos ao concubino de boa-fé, em analogia ao casamento putativo e à vedação do enriquecimento indevido, o que, de certa forma, já é um avanço em favor das uniões concubinárias, mas medida, ainda, insatisfatória.

A jurisprudência, em arestos recentes também manteve a mesma visão conservadora em relação ao concubinato, negando-lhe efeitos no âmbito do Direito Familiar. Demonstrou-se, ainda, em que pese a clareza da definição legal do concubinato pelo Código Civil de 2002, certa confusão terminológica pelos Tribunais quanto ao uso adequado da expressão; já que, ora se reportaram ao concubinato como deve ser entendido atualmente, ora se referiram à união estável, e equivocadamente chegou-se até mesmo a utilizar o vocábulo suscitando estar relacionado a relações eventuais, ocasionais, o que destoa de qualquer significação plausível do termo.

No que é pertinente à concessão de direitos, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu indenização por serviços prestados ao concubino, quando não provada a sociedade de fato com aquisição patrimonial conjunta, o que não foi uniformemente seguido pelos Tribunais de Justiça estaduais; e permanece aplicando a Súmula nº380 do STF quanto à partilha de bens, em nada inovando, nesse aspecto, o entendimento jurisprudencial atual quando comparado com o da época em que vigorava o Código de 1916, até antes mesmo do advento da CF/88.

Ainda, dissertando acerca da postura jurisprudencial manifestada a partir da vigência do Código Civil de 2002, vários julgados se mostraram contrários ao reconhecimento do concubinato como entidade familiar constitucionalizada, conferindo uma interpretação restritiva ao artigo 226 da CF/88, e denegaram qualquer direito a alimentos entre concubinos, deliberando, também, pela impossibilidade de instituição de seguro de vida em favor da concubina.

Em contrapartida, a pesquisa jurisprudencial realizada evidenciou apenas dois arestos que concederam algum benefício aos concubinos, ambos, alheios à esfera do Direito de Família, sendo um proferido pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco que concedeu pensão previdenciária à concubina, desde que presente a dependência econômica e outro, atinente à responsabilidade civil que reconheceu o direito da concubina para que recebesse indenização por danos morais em face da morte do concubino, com o qual teve filhos, causada por colisão entre veículos, proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Acentue-se que não houve qualquer pronunciamento dos Tribunais a respeito do concubinato incestuoso, tendo todos os acórdãos se referido ao concubinato adulterino.

Retornando aos fundamentos utilizados pela doutrina majoritária, que, rigidamente, censura as uniões concubinárias adulterinas; absurdamente há autores os quais alegam que as uniões incestuosas mereceriam tutela jurídica, equiparando-as às uniões homossexuais, sob o argumento de que ambas as espécies seriam dotadas de menor repúdio social se cotejadas com as relações concubinárias adulterinas, pugnando pela possibilidade de atribuição de alguns efeitos jurídicos no âmbito familiar a esses relacionamentos incestuosos.

Em que pese esse entendimento doutrinário e o fato de a História revelar que, na Antigüidade, o incesto já foi prática comum, é totalmente incongruente a afirmação no sentido de que as uniões incestuosas atentam menos à moral e aos bons costumes se comparadas às uniões adulterinas. Admitir a atribuição de efeitos jurídicos no âmbito familiar ao incesto é que agride qualquer forma de constituição de família e os princípios éticos que devem matizar a formação de uma entidade familiar. Por outro lado, as uniões adulterinas são até mais comumente visualizadas no convívio social moderno, e aceitas, passivamente, pela sociedade, como uma realidade social insofismável, necessitando de tutela jurídica específica, a fim de evitar que injustiças perpetuem, o que, reiteradamente, vem ocorrendo.

Também não seria correto equiparar a sociedade concubinária literalmente a uma sociedade de fato comum, haja vista que esta última refere-se a negócios restritos ao âmbito puramente obrigacional, enquanto a primeira objetiva, primordialmente, a constituição de uma família de fato, demandando maior proteção no tratamento dos direitos e deveres de ordem pessoal e patrimonial oriundos das relações entre seus membros. Logo, será deveras limitada uma visão que apenas reconheça direitos obrigacionais ou no âmbito contratual a uniões informadas pela afetividade e por laços de solidariedade, que são, muitas vezes, ausentes numa relação matrimonial surgida sob a égide do casamento.

É demasiadamente tênue a linha que distingue a união estável formada por um convivente, separado de fato, do concubinato adulterino em que são mantidas famílias simultâneas. A diferenciação se perfaz através de dilação probatória, mas pode ensejar o cometimento de fraudes, forjando-se a existência de lapso temporal de separação a fim de que se reconheça a existência de uma união estável, quando, na verdade, o caso se revela como concubinato. Isso ocorre em face da denegação de efeitos jurídicos a este último, desvirtuando-se o instituto da união estável, o que não aconteceria, caso se reconhecesse tutela estatal às uniões concubinárias adulterinas.

Não se pode ignorar o concubinato como uma realidade fática, e, repita-se, a carência de um regramento legal, bem como a postura conservadora da jurisprudência não cessarão tal fenômeno. Desse modo, faz-se imprescindível que os operadores do Direito façam uma reflexão no sentido de reavaliarem o propósito de seus papéis na sociedade, principalmente os doutrinadores, os quais desempenham uma importante função na elaboração das leis, e, mais ainda, os magistrados, responsáveis pela aplicação das normas aos casos concretos, assumindo, muitas vezes, o papel do poder legiferante, ao disciplinarem situações não reguladas pela lei, como é caso das uniões concubinárias.

Logo, não há aqui a pretensão de que se proclame a poligamia institucionalizada, mas que se reconheça o concubinato adulterino como entidade familiar constitucionalizada, e, que, tendo em vista a repersonalização das relações familiares, haja uma mudança na postura enrijecida da jurisprudência, contemplando o concubinato como um instituto de Direito de Família, digno de toda proteção que, por questão de justiça, lhe deve ser atribuída.

REFERÊNCIAS

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