O cooperativismo e a Moral Hazard


PorThais Silveira- Postado em 29 maio 2012

Autores: 
Daniel Costa

 

Resumo:  O breve trabalho tem intuito de trazer mais informações a respeito do cooperativismo e relacioná-lo com a interessantíssima teoria da Moral Hazard em suas linhas gerais, não tendo qualquer pretensão de esgotar o tema aqui proposto. Primeiramente se faz uma pequena análise da origem do cooperativismo em Rochdale, Inglaterra, passando pelo seu início no Brasil e mundo, com uma tentativa posterior de correlação dos dois temas propostos, quais sejam, o cooperativismo e a Moral Hazard.

Palavras-Chave: Cooperativismo; Moral Hazard; Início das cooperativas no Brasil e no mundo;

Sumário: 1 Introdução. 2 Histórico. 2.1 O que é e quando surgiu a Moral Hazard (risco moral). 2.2 O início das cooperativas. 2.3 Cooperativas no Brasil. 3 Cooperativas na atualidade. 4 A Moral Hazard nas cooperativas. 5 Conclusão.


 

 1 Introdução

Aproveitando o ensejo da escolha pela ONU de 2012 como o ano das cooperativas e a oportunidade de estudo deste sistema inovador de trabalho em conjunto, tem o presente artigo o objetivo de relacionar o cooperativismo com a teoria da Moral Hazard, a ser explicada e correlacionada ao longo do breve trabalho.

2 Histórico

Antes de adentrar propriamente no tema proposto, façamos um esboço das principais ideias.

2.1 O que é a Moral Hazard (risco moral)

Antes de iniciarmos a análise é importante ressaltar que a abordagem do tema nessa dissertação se dá em linhas gerais, sendo o tema bastante complexo e com muitos desdobramentos, ensejando, no caso de interesse, um estudo mais aprofundado e demorado.

O termo Moral Hazard remete ao século XVII e foi amplamente utilizado pelas companhias de seguros inglesas no final do século XIX. O uso primevo do termo tinha conotações negativas, e era utilizado para apontar algo fraudulento ou imoral. O conceito Moral Hazard foi novamente estudado por economistas na década de 1960, o que lhe retirou o sentido pejorativo. Passou-se a utilizá-lo então para descrever as ineficiências que podem ocorrer quando os riscos são deslocados, e não a ética ou a moral das partes envolvidas.

De forma sucinta, a chamada Moral Hazard ocorre quando determinado indivíduo ou grupo de indivíduos passa a arriscar-se de forma tal que não o faria caso o que estivesse em risco ou as consequências do risco devessem ser suportadas por ele. O exemplo mais utilizado para demonstrar a ocorrência do fenômeno e de mais fácil compreensão se dá pela possibilidade de menor cuidado de um proprietário de veículo após a contratação de um seguro, porque a partir dali, o ônus a ser suportado em caso de danos, furto ou roubo do mesmo não será mais seu (ao menos não de forma integral) e sim da seguradora. Dessa forma, o proprietário do veículo estaria mais propenso a deixar o carro na rua ou então esquecer as janelas abertas. Um indivíduo (ou grupo deles) toma decisões sobre risco enquanto outro suportará os custos caso algo dê errado. A parte que deverá arcar com as possíveis consequências negativas dessas decisões terá atitudes distintas daqueles que não estarão completamente expostos a elas. Outro exemplo que se pode utilizar ainda é o caso de um trabalhador que não produz o que seria esperado porque está protegido por um contrato de trabalho ou lei que não penaliza o seu desempenho fraco. No final do período de trabalho seus rendimentos serão idênticos em tese, ainda que tivesse se esforçado ao máximo e ocorresse, ao contrário, um rendimento acima do comum. Confirmando, Davi Rogério de Moura Costa em seu artigo “Moral Hazard na relação contratual entre cooperativa e cooperado” assenta que para Varian (1999) a Moral Hazard é decorrente da falta de incentivos no contrato. Esse é o viés que mais se relacionará com o tema do presente trabalho.

2.2 O início das cooperativas

O cooperativismo remonta à época da Revolução Industrial (séc. XVIII), quando então, devido a uma série de fatores, surgiram os problemas sociais mais evidentes (pobreza, desigualdade social, surgimento de novas doenças em razão da exposição excessiva dos trabalhadores, etc.) e que ainda se fazem sentir atualmente. Em novembro de 1843, operários tecelões da cidade de Rochdale, na Inglaterra, reuniram-se com o fim de tentar descobrir um meio de fuga da ameaça iminente da miséria que iria lhes atingir. Vinte e oito homens (posteriormente denominados “os probos pioneiros”) fundaram após o encontro, a primeira cooperativa, mais especificamente de consumo (a proposta do grupo ao criar a primeira cooperativa consistia em formar capital financeiro suficiente para fazer compras conjuntas e, posteriormente, distribuir os bens de consumo entre os membros a um preço mais adequado), que recebeu o nome de Rochdale Equitable Pioneers/ Society Lim, tornando-se a sementeira do sistema econômico do cooperativismo, e influenciando outras iniciativas semelhantes até o momento presente. Esse foi o marco da origem do cooperativismo, com as mesmas características e princípios hoje adotados. No fim de 1849 a quantidade de cooperados já contava 392 membros. Dez anos depois do início das atividades da cooperativa, já eram 1400.

Fato importante é a criação da Aliança Cooperativa internacional (ACI) em 1895. Órgão independente e não governamental que tem como função básica preservar e defender os princípios cooperativistas, tem sede em Genebra, Suíça, e se organiza através de quatro sedes continentais: América, Europa, Ásia e África. Atualmente tem 267 membros de 96 países em todos os setores da economia e representa algo em torno de um bilhão de indivíduos em todo o mundo. Davi Rogério de Moura Costa lembra que, segundo Pinho (2001), Schneider (2001), Bialoskorski Neto (1994 e 1998), Amodeo (1999), Menegário (2000) e Silva (2000) a criação da Cooperativa de Rochdale se deu num momento de contestações do liberalismo econômico e surgiu do pensamento econômico dos socialistas utópicos, que se caracterizavam, entre outras coisas, por defender a propriedade coletiva e rejeitar os métodos violentos de cisão social.

2.3 Cooperativas no Brasil

Os primeiros dados sobre trabalho em cooperação, no âmbito brasileiro, datam do período colonial, nas missões jesuítas. No fim do século XIX, surgiram as primeiras cooperativas formalizadas, principalmente no sul e sudeste. Nessa época, observava-se maior atuação no setor de consumo e nos ramos agrícola e de crédito rural, principalmente entre imigrantes europeus e asiáticos, que se reuniam com fim de ajuda mútua para superar as dificuldades na chegada a um país estrangeiro. Na década de 30, o governo de Getúlio Vargas procurou estimular as cooperativas e criou-se a primeira lei para regulamentá-las e fiscalizá-las em razão dos reflexos da queda da bolsa de Nova Iorque. Com o golpe militar em 64, o cooperativismo em geral sofreu uma série de limitações. No inicio dos anos de 1969, foi criada a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Em 71, é promulgada a Lei 5.764 que, com intuito de tornar mais organizada as cooperativas existentes e as que iriam ser criadas, tornando-se obrigatório o prévio registro no Conselho Nacional do Cooperativismo.

3 Cooperativas na atualidade

No ano de 1995, terceiro encontro da ACI (anteriores em 1937 e 1966), somou-se um século de existência da Aliança Cooperativa Internacional. Nas comemorações os conceitos e princípios discutidos, não se diferenciaram muito daqueles de Rochdale, quando então surgiam as cooperativas. O conceito atual de cooperativa para os cooperativistas é como uma forma de organização que busca promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. É união de pessoas, que prima pela participação democrática, independência, autonomia e solidariedade. Importante relembrar que os cooperativistas são representados a nível mundial pela Aliança Cooperativa Internacional.

No encontro da ACI de 1995, também foram aprovados alguns princípios, diretrizes, deveres e responsabilidades que, como em toda forma de associação, devem sempre ser buscados.  Para melhor ilustração do tema proposto, explicitaremos alguns princípios[1]:

- Adesão livre e voluntária: como organização voluntária, é aberta a todos que necessitem de seus serviços ou queiram se tornar associadas, sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito;

- Gestão democrática: são organizações democráticas, controladas pelos próprios cooperados, que participam ativamente na formulação das suas políticas e nas tomadas de decisão. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais, são responsáveis perante estes;

- Participação econômica dos sócios: cooperados contribuem de forma igual para o capital das suas cooperativas;

- Autonomia e independência: como organizações autônomas, controladas por seus membros, podem firmar acordos com outras organizações, inclusive públicas;

- Educação, formação e informação: as cooperativas devem proporcionar educação e treinamento para os cooperados, além de informar ao público em geral sobre os benefícios da cooperação;

- Intercooperação: fortalecimento das cooperativas, que devem trabalhar juntas;

- Preocupação com a comunidade: as cooperativas devem trabalhar pelo desenvolvimento sustentável nas regiões das comunidades que atuam.

Com intuito de melhor ilustrar, seguem alguns dos direitos, deveres e responsabilidades dos cooperados[2]:

Direitos

a)      Votar e ser votado;

b)      Participar de todas as operações da cooperativa;

c)      Receber retorno de sobras apuradas no fim do ano;

d)      Examinar os livros e documentos;

e)      Convocar assembléia, caso seja necessário;

f)       Pedir esclarecimento aos Conselhos de Administração e Fiscal;

g)      Opinar e defender suas idéias;

h)      Propor ao Conselho de Administração, ou à Assembléia Geral, medidas de interesse da Cooperativa.

Deveres

a)      Operar com a Cooperativa;

b)      Participar das Assembléias Gerais;

c)      Pagar suas quotas-partes em dia;

d)     Aumentar o seu capital na Cooperativa;

e)      Acatar as decisões da maioria;

f)       Votar nas eleições da Cooperativa;

g)      Cumprir seus compromissos com a Cooperativa;

h)      Zelar pela imagem da Cooperativa.

Responsabilidades

            Além de individual, numa cooperativa a responsabilidade também é coletiva. As decisões dos diretores têm que ser ratificadas pela Assembléia Geral dos cooperados (ex.: aprovação de distribuição de sobras; aumento de capital da Cooperativa; reforma do Estatuto;

fusão, incorporação ou desmembramento da Cooperativa, etc.).

4 A Moral Hazard nas cooperativas

 Os proprietários da cooperativa são os próprios membros a ela associados. Portanto, trata-se de um direito de propriedade a um bem coletivo. Porém, diferentemente de outras formas empresariais, não há, ao menos diretamente, vínculo algum (pelo menos de forma predominante) a determinado montante de capital relativo à cooperativa, mas sim em relação aos valores, princípios, leis e estatutos (dentre eles os direitos, deveres e responsabilidades já listados) que acabam por reger o funcionamento dessas sociedades.  Outro fato relevante se dá em razão de que o sucesso ou insucesso das cooperativas dependem das ações de todos os seus membros. Por conseguinte, o resultado final dependerá do grau de esforço de cada um de seus membros. O indivíduo em verdade toma a decisão de cooperar somente se houver uma maior satisfação de suas necessidades, em detrimento de outras possibilidades de ação que não a cooperação. Já que o “cooperado é seu chefe” as consequências positivas (ou negativas) de sua atuação se voltaram para ele próprio. Sendo assim, a rejeição à Moral Hazard seria o efeito mais lógico. 

O economista norte-americano Oliver Williamson[3] assinala que o instituto da cooperação vem ao mundo para trazer alguns benefícios para os envolvidos, como por exemplo, a mitigação da Moral Hazard e o aumento da produtividade devido ao senso de responsabilidade e preocupação de seus membros para com o próprio prejuízo. Pelo exposto e já mencionado, o que se espera do membro cooperado é que ele proceda com o máximo de diligência possível, visto que o maior prejudicado será o próprio em caso de atuação inconseqüente ou desidiosa. Ademais, em razão da proximidade dos membros/donos da forma associativa, é mais provável que esse membro seja excluído da associação antes de trazer efetivamente algum prejuízo à cooperativa ou causar seu encerramento.                                             Contudo, não é sempre esse caminho que seguem os cooperados. Davi Rogério de Moura Costa em seu artigo lembra alguns mecanismos passíveis de serem adotados para combater a Moral Hazard nas cooperativas, o que significa que é efeito recorrente (ainda que em minoria) e previsto pelo legislador:

“Como pode ser averiguado no anexo A, a lei 5764/71 possibilita que os gestores das cooperativas adotem mecanismos de incentivo, monitoramento, enforcement e punição aos cooperados que pratiquem Moral Hazard. Os incentivos encontrados na Lei podem ser caracterizados por estabelecer: o retorno das sobras proporcional à transação econômica com a cooperativa; limitação do quadro de associados à área de atuação da cooperativa; prestação de serviços de assistência técnica; possibilidade de remuneração do capital social do cooperado; possibilidade de todos os cooperados pertencerem ao conselho de administração ou fiscal”.

E continua:

“Os mecanismos de enforcement não são tão claros na Lei. O que se tem claramente é a punição dos cooperados que infringirem o Estatuto com a exclusão do quadro social. De forma geral a leitura do Estatuto e da Lei permite ao gestor da cooperativa criar mecanismos de incentivo às transações exclusivas entre cooperado e cooperativa; incentivo para o cooperado produzir produtos de qualidade estabelecida pela cooperativa; monitoramento das atividades desenvolvidas pelos cooperados; enforcement para o cooperado adotar determinadas práticas na sua atividade e penalidades caso descumpram os acordos”.

5 Conclusão

Em teoria, se determinado indivíduo opta por se tornar membro de uma cooperativa ele o faz considerando que o custo de aderir é menor que o retorno a obter com o resultado da cooperativa. No interstício que é membro, o cooperado não deveria praticar a Moral Hazard vez que aufere os benefícios diretos da sua lealdade. Destarte, os problemas de Moral Hazard têm ocorrido segundo alguns estudos[4], nas cooperativas brasileiras. A legislação brasileira e os estatutos das cooperativas possibilitam que sejam adotados mecanismos de incentivo e punição aos cooperados que não seguem uma postura compatível com o interesse do grupo associado. É tema interessante que comporta estudos aprofundados até mesmo para tentar solucionar as problemáticas da matéria. É essencial, no entanto, que seja dado maior valor e destaque a esse importante instituto que são as cooperativas. Parabéns aos “pioneiros probos” e a todos aqueles que seguiram, seguem ou vão seguir os ideais cooperativistas. 2012 é o ano de vocês.

REFERÊNCIAS

AMODEO, N. B. P. As cooperativas agroindustriais e os desafios da competitividade. Seropédica, 1999. 317p. Tese (Doutorado) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio Janeiro.       

BIALOSKORSKI NETO, S. Agribusiness cooperativo: economia, doutrina e estratégias de gestão. Piracicaba, 1994. 135p. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.

COSTA, Davi Rogério de Moura Costa, MORAL HAZARD NA RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE COOPERATIVA E COOPERADO. Disponível em:<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rco/v2n4/04.pdfm>. Acesso: 10:23 horas, 14/05/2012

DEMBE, Allard E. e BODEN, Leslie I., "MORAL HAZARD: a question of morality?" Ed. New Solutions 2000 10(3). 257-279

HOLYOAKE, George Jacob. Os 28 tecelões de Rochdale. 5. ed. Porto Alegre: WS, 2001. 95p. (Saber/Fazer Unimed-RS)

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 13. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 116p. (Coleção antropologia social).

MENEGÁRIO, A. H. Emprego de indicadores sócio-econômico na avaliação financeira de cooperativas agropecuárias. Piracicaba, 2000. 121p. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.

PINHO, D. B. Tendência da educação cooperativa no início do século XXI. In: NUNES, C.; COSTA, D. R. M.; PINHO, D. B.; SCHNEIDER, J. O.; et al. Coleção estudo e pesquisa: educação cooperativista. São Paulo, n. 3, 2001. cap.4, p.72-102.

SCHNEIDER, J. O. As origens do cooperativismo moderno a cooperação e o cooperativismo In: NUNES, C.; COSTA, D. R. M.; PINHO, D. B.; SCHNEIDER, J. O.; et al. Coleção estudo e pesquisa: educação cooperativista. São Paulo, n. 3, 2001. cap.5, p.103-116.

SILVA, M. da S. Cooperativismo agropecuário nordestino: diagnóstico e tipologia. Piracicaba, 2000. 245p. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.

VARIAN, H. R. Intermediate Microeconomics. 5.ed. New York: W.W. Norton, 1999.

<http://www.ica.coop/al-ica/>. Acesso: 10:23 horas, 14/05/2012.

<http://www.ano2012.coop.br/>. Acesso: 10:23 horas, 14/05/2012.

<http://www.ocesp.org.br/default.php>. Acesso: 10:23 horas, 14/05/2012.

 <http://www.cooperativismodecredito.com.br/ACI.html>. Acesso: 10:23 horas, 14/05/2012.

WILLIAMSON, O. E. The Economic institutions of capitalism: firms, markets, relational

contracting. New York: The free Press. 1985.

Notas:

[3] http://en.wikipedia.org/wiki/Oliver_E._Williamson

[4] http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rco/v2n4/04.pdf