O delineamento da Defensoria Pública no ordenamento jurídico brasileiro


PorJeison- Postado em 01 abril 2013

Autores: 
ARAUJO, Thais Maria Oliveira de.

 

1. Introdução

 

            Pelo presente trabalho, objetiva-se tratar os principais aspectos de um órgão público tão importante para garantir acesso ao Judiciário àqueles que não possuem condições financeiras de arcar com os custos de um advogado para atuar em um processo judicial que é a Defensoria Pública.

 

            Para tanto, será feita uma contextualização sobre o surgimento deste órgão, bem como relatado um histórico sobre o direito a assistência jurídica. Em seguida será delineado o conceito da Defensoria Pública e esmiuçada a assistência jurídica integral, para então arrematar o trabalho tratando das suas funções, princípios institucionais e estrutura.

 

            Dessa forma, busca-se proporcionar amplo conhecimento ao leitor sobre a temática, através de um amplo aparato doutrinário.

 

2. Desenvolvimento

 

2.1. Breve Histórico do Direito à Assistência Jurídica e das Defensorias Públicas.

 

            A visão da Defensoria Pública como uma instituição organizada é recente, todavia a idéia de garantir o acesso à Justiça e o direito de igualdade, apesar da sua atual pertinência, apresenta origens históricas que remontam a Idade Antiga. Como bem ponderam MORAES e SILVA (1995), desde a longínqua antiguidade, a proteção igualitária dos direitos da pessoa humana, sem distinção pelo poder aquisitivo, foi e continua sendo preocupação de todas as épocas.

 

            Os detentores de poder daquela época, observando que a desigualdade existente entre os mais e os menos afortunados geraria diferença de oportunidades de acesso aos órgãos solucionadores dos litígios, procuraram inserir princípios de ordem pública em seus ordenamentos legais, cujos escopos eram possibilitar aos pobres a mesma oportunidade de invocar jurisdição, a qual era possível de ser exercitada, por suas próprias expensas, pelos detentores de vasto poder aquisitivo.

 

            Encontra-se no Código de Hamurabi, notadamente em seu artigo 48, XIV, os primeiros vestígios da tutela dos interesses dos menos favorecidos, apesar de nesse não abordar de forma específica a idéia de defesa e acesso à Justiça. No mencionado diploma se admitia um tratamento especial e um limite às cobranças por empréstimos dados a quem tivesse insuficiência de recursos.

 

            Mais adiante no tempo, assemelhando-se aos atuais institutos de defesa dos necessitados, percebe-se, na Grécia e em Roma, a concretização da igualdade e, em decorrência dessa, os institutos jurídicos começaram a dispor de mecanismos de acesso ao Judiciário aos menos favorecidos, tais como nomeação de advogados para atuarem em seu favor.

 

            Sobre essas citadas civilizações, Humberto Peña de Moraes e José Fontenelle Teixeira da Silva dispõe:

 

Em Atenas, encontramos os vestígios mais distantes da cristalização normativa da assistência judiciária aos necessitados, respaldada no princípio de que 'todo o direito ofendido deve encontrar defensor e meios de defesa'.  Efetivamente, no centro da grande civilização helênica, eram nomeados, anualmente, dez advogados para defenderem os pobres perante os tribunais civis e criminais.

 

Em Roma, as idéias de igualdade perante a lei, a de humanidade e altruísmo, intimamente ligadas à profissão do advogado, contribuíram para acimentar o patrocínio gratuito deferido aos necessitados.  Atribui-se a Constantino (288-337) a primeira iniciativa de ordem legal que veio a se incorporar na legislação de Justiniano (483-565), de dar advogado a quem não possuísse meios de fortuna para constituir patrono.  Não obstante, outras leis romanas concediam, ainda, gratuidade aos litigantes pobres, dispensando-lhes garantias e certos privilégios.[1]

 

O cristianismo trouxe o dogma da caridade a ser observada por todos os cristãos e, em conseqüência disso, se tornou o motivo de proteção aos pobres. Nesse contexto, impuseram aos advogados o dever da defesa, sem cobrar honorários, e aos juízes a obrigação de julgar, renunciando às custas. Todavia na Idade Média, por influência do feudalismo impregnado pelos pensamentos da nobreza, os costumes e a idéia do patrocínio profissional aos indigentes foram sendo deixados de lado.

 

Após transcorrido esse período denominado Idade das Trevas, ocorreu, então, em 1789, a Revolução Francesa, que pregava os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade.  Assim, o Estado viu-se impulsionado a organizar instituições oficiais de prestação de assistência judiciária aos pobres, a qual desempenhava suas funções para garantir a igualdade formal.

 

Insta frisar que o direito a assistência jurídica aos necessitados permaneceu, por muito tempo, nos mesmos moldes travados pela revolução. No entanto, modificando essa visão, percebe-se que o primeiro grande impulso dado à questão acesso à justiça ocorreu na década de 70, através do “Movimento de Acesso à Justiça”. Porém, o reconhecimento da necessidade de propiciar aos desprivilegiados do sistema condições de acesso à Justiça e o direito à igualdade vem de longa data, pois as sociedades antigas já se preocupavam com tal problema.

 

A propósito, observam os renomados autores aludidos:

 

'Só modernamente, e depois da proclamação do princípio da igualdade perante a lei e de gratuidade de justiça pela Revolução Francesa, de 1789, é que o Estado começou a intervir na assistência judiciária dos pobres, e as nações civilizadas organizaram instituições oficiais. Então, a assistência judiciária torna-se em incidente do processo, com regras e fórmulas preestabelecidas".[2]

 

Dessa forma, verifica-se que desde os primórdios da civilização organizada humana busca-se implantar meios para garantir o acesso ao Judiciário aos necessitados como corolário da igualdade de tratamento e de oportunidades diante das diferenças individuais ocasionadas pela falta de recursos financeiros. Dito isto, passa-se a analisar a evolução histórica das instituições defensórias em nosso país.

 

No Brasil, a mais nova instituição jurídica é a Defensoria Pública. Pode-se asseverar que essa existe há cerca de 18 anos, quando então, apesar da expressa previsão constitucional, foi regulamentada no ano de 1994 pela Lei Complementar 80/94. Contudo, ocorreram várias iniciativas e normas, no decorrer da nossa história, as quais buscaram a igualdade e acesso à justiça, função essa hodiernamente desempenhada pelo sobredito órgão.

 

Salienta-se a existência de divergências doutrinárias acerca do aparecimento da assistência jurídica aos pobres. Para PINTO FERREIRA o citado auxílio teria surgido com as Ordenações Afonsinas a qual amparava os miseráveis, especificamente nos Livro 3º, Título 5º.

 

Já para SILVA as origens históricas da Defensoria Pública estão nas Ordenações Filipinas, que, em seu art. 84, § 10º, prescreviam o que denomina-se de afirmação de pobreza.

 

Posteriormente, diante da falta de iniciativa do Estado, em 1780, Nabuco de Araújo, presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros na época, deu uma significativa contribuição para defesa dos necessitados, a qual consistia em nomear-se dez advogados para defender os pobres diante dos tribunais cíveis e penais. Devido a essa iniciativa, em 1897, publicou-se um Decreto que instituiu a Assistência Judiciária no Distrito Federal.

 

Ressalta-se que em um primeiro momento, as leis disciplinavam assistência exclusivamente em processos penais. Entretanto, outras normas vieram lhe dar um caráter mais abrangente compreendendo o processo civil.

 

Em sede constitucional, a primeira Constituição Brasileira que tratou da matéria foi a Carta de 1934, garantindo o direito de acesso gratuito à Justiça. Esse diploma legal acarretou na criação do primeiro serviço governamental de Assistência Judiciária do Brasilno município de São Paulo em 1935. Em seguida, surgiu essa espécie de serviço no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. Todavia, na Constituição do Estado Novo, provavelmente por ser fruto de um período ditatorial, não havia a mesma previsão. Mas na Carta Política de 1946 a assistência judiciária volta ao texto constitucional, em seu artigo141.

 

Nesse sentido, colaciona-se doutrina de Pedro Lenza:

 

No Brasil, a assistência judiciária só adquiriu status de garantia constitucional expressa a partir do advento da Constituição de 1943, art. 113 (n.32), nos seguintes termos: “a União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais, e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos.” Esse direito e garantia individual foi retirado do texto de 1937, reaparecendo na Constituição de 1946, em seu art. 141, § 35: “o poder público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”, bem como na de 1967 (art. 150, § 32) e na EC n. 1/69 (art. 153, § 32): “será concedida assistência judiciária aos necessitados, na forma da lei.”[3]

 

No tocante a legislação infraconstitucional, o Código de Processo Civil de 1939 contemplou regras básicas da Justiça Gratuita em um capítulo próprio de seu texto. Essas normas, posteriormente, foram consubstanciadas na Lei n° 1.060, de 05 de fevereiro de 1950.

 

A temática sofreu importantes modificações com o Digesto Processual Civil de 1973, no entanto esse diploma remete toda matéria a retro mencionada Lei da assistência judiciária aos necessitados. Ressalta-se que essa foi recepcionada pela Carta de 1988. Segundo SILVA, esta lei é o vetor pré-processual que assegura aos pobres o acesso à jurisdição, uma vez que torna gratuito o processo e dispensa o pagamento de honorários do Advogado e de peritos.

 

A instituição da Defensoria Pública propriamente dita deve-se ao Estado do Rio de Janeiro, que, em 1954, criou seis cargos de defensores, porém não eram autônomos, sendo vinculados à Procuradoria Geral de Justiça.

 

Nos anos setenta, o direito de acesso dos pobres à Justiça foi objeto de vários debates entre os estudiosos, pois concluíram que a experiência vivenciada na supracitada unidade da Federação era vitoriosa e, portanto, era necessário que uma nova Constituição criasse expressamente a Defensoria Pública, cuja finalidade primordial seria uma garantia estatal de assistência aos juridicamente necessitados no patrocínio de suas causas em juízo.

 

Diante da imprescindibilidade de amparar-se os necessitados na defesa jurisdicional e na assistência em relação a matéria jurídica perante outros órgãos, bem como de instituir-se um ente capaz de garantir a igualdade entre os menos e mais afortunados, e de garantir o princípio do amplo acesso ao judiciário, a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 134, criou a Defensoria Pública e a carreira de Defensor Público, com o fito de garantir o acesso a Justiça a população de baixa renda. Vale salientar que se atribuiu a esse órgão o status de função essencial à Justiça ao lado do Ministério Público e da Advocacia Pública.

 

Nesse diapasão, enfatiza José Fontenelle Ferreira da Silva:

 

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, o direito de acesso dos desprovidos de recursos à Justiça teve o seu conceito alargado, no seu art. 5°, inciso LXXIV, e incluído entre os Direitos e Garantias Fundamentais, nos seguintes termos: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. A Defensoria Pública, por sua vez, foi criada, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, no art. 134, juntamente com a carreira de DEFENSOR PÚBLICO, prescrita em seu parágrafo único, no qual o ingresso se dá mediante concurso público de provas e títulos. Com tais parâmetros institucionais a DEFENSORIA PÚBLICA, no Brasil, está tratada, constitucionalmente, no mesmo plano de importância que a Magistratura e o Ministério Público.[4]

 

Ora, da análise comparativa entre os ordenamentos anteriores e a Carta Magna de 1988, percebe-se uma nítida distinção nas terminologias adotadas. Outrora, empregava-se a nomenclatura de assistência judiciária, a qual englobava apenas a atuação dos defensores só perante a Justiça. Com o advento da nova constituição, passou-se a designar como assistência jurídica, integral e gratuita, restando evidente seu caráter mais englobante, visto que a prestação dos serviços não se dá apenas em esfera judicial, mas para todos os atos jurídicos.

 

Barbosa Moreira traz brilhante lição relacionado a ampliação da esfera de atuação da Defensoria Pública, senão veja-se:

 

A grande novidade trazida pela Carta de 1988 consiste em que, para ambas as ordens de providências, o campo de atuação já não se delimita em função do atributo judiciário, mas passa a compreender tudo que seja jurídico. A mudança do adjetivo qualificador da assistência, reforçada pelo acréscimo de integral, importa notável ampliação do universo que se quer cobrir. Os necessitados fazem jus agora à dispensa de pagamentos e à prestação de serviços não apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-se também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos, perante quaisquer órgãos público, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer outro de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de informação e aconselhamento em assuntos jurídicos.[5]

 

Por fim, atendendo ao comando constitucional, promulgou-se a Lei Complementar 80 em 12 de janeiro de 2004, a qual organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, como também dá outras providências.

 

2.2. Conceito de Defensoria Pública

 

É de se notar que a própria Constituição Federal encarregou-se de fixar o conceito de Defensoria Pública no seu art. 134, elencando-a no rol de instituição essencial a justiça. Consoante o mencionado artigo, “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”

 

Pondera, também, o art. 1º da Lei Complementar 80/94, com a redação dada pela Lei Complementar 132/09: “Art. 1º  A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. ”

 

Da análise dos dispositivos citados, conclui-se que a Defensoria Pública é o órgão público incumbido da orientação jurídica e representação judicial dos economicamente necessitados. É, pois, verdadeiro instrumento de acesso ao Judiciário aos desprovidos de recursos financeiros, pois esses não podem custear os serviços prestados por um advogado particular em busca da aplicação de seus direitos, que oneraria sobremaneira sua sobrevivência.

 

Como bem observam Cleber Francisco Alves e Marilia Gonçalves Pimenta:

 

A Defensoria Pública é a instituição estatal que abrange todas estas definições, propiciando além da Assistência jurídica Integral, o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa, mesmo aqueles economicamente suficientes, quando a causa verse sobre direitos indisponíveis, como é o caso dos réus na Justiça Criminal, ou em casos de relevante interesse público, na curadoria ao vínculo.[6]

 

E ainda para José Augusto Garcia de Sousa:

 

Afinal, caracteriza-se a Defensoria Pública, assim como o sistema processual, pela meta de atuar dinamicamente o ordenamento jurídico-constitucional, a este conferindo efetividade. Em outras palavras, a Defensoria, tanto quanto o processo, é um verdadeiro instrumento da Constituição, da ordem jurídica.[7]

 

É de bom alvitre ressaltar que a instituição defensória representa o meio pelo qual o Estado Democrático de Direito promove a ação afirmativa, cujo intuito é promover a inclusão jurídica daqueles econômica e culturalmente hipossuficientes, como forma de solidificar o disposto no artigo 5º, LXXIV, da Carta Magna, o qual prevê o direito fundamental à assistência jurídica aos que comprovarem insuficiência de recursos.

 

Como instrumento de ação afirmativa, percebe-se que o órgão defensório vislumbra a concretização do princípio da isonomia, pois o Estado por meio dele trata desigualmente os necessitados que são desiguais, os quais almejam a igualdade de condições.  

 

                No entanto, não se pode restringir o conceito de Defensoria Pública a um órgão patrocinador de causas jurídicas, pois é uma instituição democrática que, além da citada função, promove a inclusão social, cultural e jurídica das classes historicamente marginalizadas visando à concretização e a efetivação dos direitos humanos, no âmbito nacional e internacional, à prevenção dos conflitos, em busca de uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, com a erradicação da pobreza e da marginalização, em atendimento aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 3º [8] da Constituição Federal.

 

            Salienta-se que a atuação de uma Defensoria Pública se torna ainda mais relevante em um Estado como o Brasil, que possui uma Carta Magna de caráter social, mas que carece de efetividade e concretude.  

 

Portanto, a Defensoria Pública apresenta-se como a Instituição garantidora do acesso à Justiça, não apenas no âmbito jurídico, mas também no social e cultural. Destarte, a Defensoria Pública objetiva garantir aos necessitados, na feliz expressão da moderna doutrina processualista, o acesso à ordem jurídica justa.

 

2.3 Assistência Jurídica Integral e Gratuita

 

            Não se pode discorrer sobre Defensorias Públicas sem tratar do direito constitucional a assistência jurídica integral, o qual, por sua vez, decorre do princípio maior do amplo acesso à Justiça, versado pelo art. 5º, inciso XXXV[9], uma vez que o conceito desses órgãos defensórios está intrinsecamente ligado ao instituto ora estudado.

 

            Vale salientar que o conceito de assistência jurídica integral não se confunde, como também, engloba os de justiça gratuita e assistência judiciária. Por esse, entende-se a atuação de uma organização estatal ou paraestatal perante o poder judiciário. Marcini diz que “A assistência judiciária envolve o patrocínio gratuito da causa por advogado. A assistência judiciária é, pois, um serviço público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades não estatais, conveniadas ou não com o Poder Público.[10]” Já aquela é a gratuidade de todos os encargos processuais, tais como custas e despesas relativas a atos necessários ao desenvolvimento do processo, mostrando-se, pois como uma benesse processual.

 

            A assistência jurídica, a seu turno, possui conceito mais amplo. Para Ana Paula Barcelos esse instituto, uma vez compreendido como um direito fundamental inerente a pessoa humana, faz parte do princípio do mínimo existencial. Ela envolve, além da representação em juízo, serviços jurídicos não relacionados ao processo, tais como orientações individuais ou coletivas, consultoria, esclarecimento de dúvidas, assistência aos carentes em matéria de atos jurídicos extrajudiciais, entre outros. Enfatiza-se que essa poderá ainda ser preventiva, consultiva ou litigiosa.

 

2.3.1 Requisitos para obter a assistência jurídica integral

 

            Como se sabe, a Constituição determina, em seu art. 5º LXXIV, que são beneficiários da assistência jurídica integral e gratuita as pessoas que comprovarem insuficiências de recursos.  Esse dispositivo deve ser conjugado ao art. 134, o qual declara ser a Defensoria Pública a instituição responsável pela orientação jurídica e defesa dos necessitados.

 

            É cediço que, para a Lei Maior, necessitado é aquele que não possui condições econômicas, sendo pobre ou miserável. Todavia a citada norma não traz requisitos específicos para a concessão dessa benesse, sendo necessário, destarte, valer-se do conceito estabelecido no bojo da Lei n. 1.060/50.

 

Conforme o parágrafo único do art. 2º da Lei n. 1.060/50 “Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.

 

            Ora, verifica-se que o retro mencionado dispositivo esclarece o conceito de necessitado econômico, posto que para enquadrar-se é imprescindível que a quantia despendida para os custos com um advogado deva prejudicar o necessário para que a pessoa humana possa viver de acordo com a dignidade que lhe é inerente.

 

A princípio, o requisito legal exigido para assegurar a garantia à assistência jurídica seria a ausência de condições de pagar as custas judiciais e os honorários advocatícios sem prejuízo próprio ou de sua família.

 

Contudo, esclarecem os doutrinadores que a simples declaração de pobreza não enseja de pronto, a obtenção deste benefício, faz-se mister que a parte faça prova acerca da sua insuficiência de recursos. Nesse passo, enfatiza-se que o Defensor Público responsável por prestar a assistência jurídica integral e gratuita, pode e deve exigir do assistido a comprovação da sua condição financeira de hipossuficiente em caso de dúvida dessa.

 

Ademais, salienta-se que a doutrina, o legislador e a jurisprudência apontam tendência para estender o conceito além da necessidade econômica, criando uma nova modalidade de hipossuficente, o qual denomina-se de jurídico. Este é composto por pessoas que se encontram em situações de risco, fragilizados diante de uma situação sócio-jurídica e, porquanto, não seriam apenas aqueles denominados no art. 2º da Lei n. 1060/50.

 

            Conforme discorre Ada Pellegrini Grinover:

 

No que respeita à assistência judiciária, seu conceito também se renovou, tomando uma dimensão muito mais ampla. [...] Mas, além disso, também se dilatou o sentido do termo necessitados. Aos necessitados tradicionais, que eram – e ainda são – os carentes de recursos econômicos, acrescentaram-se os carentes de recursos jurídicos. E assim a assistência judiciária aos economicamente fracos foi estendida aos hipossicientes jurídicos. O primeiro passo nesse sentido foi dado para a defesa penal, quando se tratasse de acusado revel, independentemente de sua capacidade econômica. Mais recentemente, porém, fala-se em uma nova categoria da sociedade de massa: são os carentes organizacionais, a que se refere Mauro Cappelletti. São carentes organizacionais as pessoas que apresentam uma particular vulnerabilidade em face das relações sócio-jurídicas existentes na sociedade contemporânea. [...] Todos aqueles, enfim, que no intenso quadro de complexas interações sociais hoje reinante, são isoladamente frágeis perante adversários poderosos do ponto de vista econômico, social, cultural ou organizativo, merecendo, por isso mesmo, maior atenção com relação a seu acesso à ordem jurídica justa e à participação por intermédio do processo.[11]

 

E ainda prevê Luiz Guilherme Marinoni que “a assistência jurídica deve deixar de ser enfocada apenas através da ótica da pobreza e passar a ser visualizada na perspectiva do cidadão envolvido na complexidade e, às vezes, nos conflitos da sociedade urbana em que vive.”[12]

 

Por fim, destaca-se que é possível a concessão da assistência jurídica integral as pessoas jurídicas, desde que essa comprove as situação de carência de recursos.

 

Dessa forma, conclui-se que para ser patrocinado pelas Defensorias Públicas é mister que a pessoa requerente seja necessitado. Essa condição, por sua vez, engloba não só a insuficiência de recursos financeiros, como também a condição de carente jurídico diante das relações sócio-jurídicas. Além disso, frisa-se que pode haver o patrocínio tanto para as pessoas físicas, como para as jurídicas, desde que comprovem sua escassez de recursos.

 

2.3.2 A assistência jurídica integral: um direito ou uma garantia fundamental?

 

            A Constituição Federal da República Federativa do Brasil apresenta diversas normas que abrangem princípios basilares do Estado Democrático de Direito, bem como alberga normas de diversificados ramos, tais como de caráter político, social, econômico.

 

Como se sabe, a Carta Política encontra-se disposta em títulos, e esses, por sua vez, se subdividem em capítulos. Dentre esses, encontra-se no Título II, Capítulo I, o importante capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, no qual estão insculpidos os direitos humanos.

 

Existem vários conceitos na doutrina sobre o que seriam esses direitos. Para MOTTA e DOUGLAS os direitos fundamentais representam um conjunto de direitos que o povo, detentor do Poder, reserva para si quando criam o Estado, impondo a esse, por conseguinte, limitações em face das pessoas com as quais se relaciona. O renomado mestre SILVA menciona que tais seriam situações jurídicas imprescindíveis a pessoa humana e sem as quais essa não convive, não se realiza e não sobrevive. Como bem observa o citado autor: “se estima que, mais que uma categoria de direitos fundamentais, constituem um meio positivo para dar conteúdo real e uma possibilidade de exercício eficaz a todos os direitos e liberdades e sua proclamação supõe uma autêntica garantia para democracia, ou seja, para o efetivo desfrute das liberdades civis e políticas.”[13]

 

A seu turno, as garantias fundamentais constitucionais são instrumentos mediantes os quais se assegura o exercício dos retro mencionados direitos, seja preventivamente, seja prontamente reparando-os em caso de violação. José Afonso da Silva nos pondera que “as garantias constitucionais em conjunto caracterizam-se como imposições, positivas ou negativas, aos órgãos do Poder Público, limitativas de sua conduta, para assegurar a observância ou, no caso de violação, a reintegração dos direitos fundamentais.”[14]

 

A propósito, Jorge de Miranda distingue os dois institutos afirmando que “enquanto os direitos representam, por si sós, certos bens ou interesses protegidos juridicamente, as garantias destinam-se a assegurar a sua fruição. Os direitos são principais, as garantias acessórias, sendo, muitas delas, adjetivas (processuais)”[15]

 

Sendo assim, percebe-se que os direitos e garantias fundamentais são prerrogativas e instituições concretizadas pelo direito positivado postas como uma garantia de convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.

 

Pois bem. A Carta Magna estampa essas normas em vários dispositivos disseminados por todo seu texto, no entanto pode-se asseverar que os principais encontram-se dispostos no artigo 5º, o qual pertence ao capítulo retro aludido.

 

Ademais, é de bom alvitre ressaltar que os preceitos dispostos no art. 5º são o que se convencionou de chamar de cláusulas pétreas, impassíveis de modificação pelo legislativo, devido a sua alta relevância para a dignidade da pessoa humana. 

 

Salienta-se que nesse dispositivo legal encontra-se a assistência jurídica integral, dessa maneira, fica claro que essa é inerente a pessoa humana, devendo ser prestado como forma de também se garantir o amplo acesso ao judiciário.

 

Nesse diapasão, enfatiza o art.5, inciso LXXIV in verbis:

 

Art. 5º.Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

[...]

 

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

 

Da análise do dispositivo supra, pode-se concluir que a assistência jurídica integral e gratuita é um direito inerente a toda e qualquer pessoa humana, desde que comprove o requisito insuficiências de recursos. Destarte, por estar disposto no citado artigo, resta evidente que é uma cláusula pétrea, sendo, por oportuno, insuscetível de mudança ou abolição.

 

Holden Macedo da Silva esclarece sobre o tema:

 

Logo, como o disposto no inc. LXXIV está estampado no bojo do art. 5º, e este, de sua parte, foi sistematizado no capítulo I, do título II, da Constituição, pode-se concluir, com segurança, que o direito à assistência jurídica gratuita integra o núcleo imodificável da Carta Política. É, pois, indubitavelmente, uma cláusula pétrea, insuscetível de emenda que venha a aboli-la.[16]

 

Outrossim, mais que um direito, a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados é uma garantia fundamental institucional, porquanto vislumbra assegurar a fruição de outros bens e interesses reconhecidos pelo ordenamento jurídico.

 

A um, porque, conforme SILVA, é imprescindível para que todos possam forçar a realização de outros direitos-fim básicos, tais como o direito à vida, à educação, à previdência social, ao mínimo existencial, entre outros, na ausência de cumprimento espontâneo pelo outro pólo da relação jurídica. A dois, porque o Estado só concretizará essa promessa constitucional através de uma instituição especificamente voltada para esse objetivo, qual seja uma Defensoria Pública resultante da combinação dos artigos 5º, inciso LXXIV, com o 134, ambos do texto magno.

 

Diante do exposto, resta evidente que a prestação da mencionada assistência, além de ser um direito e uma garantia fundamental da pessoa humana, constitui corolário da efetividade dos direitos humanos. Aliás, a doutrina costuma dizer que esse é o mais básico dos direitos humanos, pois se mostra como um mecanismo de suma importância na busca pela efetivação dos demais direitos, uma vez que sendo violando, os necessitados procurarão a prestação dos serviços das Defensorias Públicas com escopo de salvaguardar seus direitos humanos.

 

2.4 Funções

 

            Como cediço, a função primordial das Defensorias Públicas é prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados e, em consequência disso, propiciar o direito de acesso a justiça aos desfavorecidos. Conforme ilação do texto constitucional, as atribuições dos órgãos defensórios serão desempenhadas tanto na esfera processual, como na extrajudicial. É o que observa Paulo Osório Gomes Rocha, senão veja-se:

 

Portanto, a atuação da Defensoria Pública, na defesa dos grupos vulneráveis, não se limita a intervenções judiciais. Pelo contrário, a orientação extrajudicial aos necessitados reflete, definitivamente, um essencial escopo do sistema normativo constitucional, pois possibilita a prevenção de litígios, além de educar estes grupos vulneráveis na consolidação de seus direitos e garantias fundamentais.[17]

 

            Conforme observa Adriana Brito, hodiernamente essa instituição essencial apresenta um papel instrumental ao passo que trabalha com objetivo de possibilitar a materialização dos direitos humanos dos carentes. Eis o que preleciona a autora:

 

Percebe-se, portanto, a relevância da vocação da Defensoria Pública, eis que, servindo como instrumento constitucional para garantir a assistência jurídica aos necessitados, trabalha para possibilitar a concretização dos demais direitos fundamentais a tais pessoas, fazendo exsurgir a função instrumental da própria Instituição, cuja meta pode ser assim definida: materializar direitos.[18]

 

Vislumbrando garantir a efetividade do supracitado dever, tornou-se necessário que fossem elaboradas funções institucionais para o órgão defensório. Nesse palmilhar, ao editar a Lei Complementar n. 80/94, o legislador enumerou nos incisos do art. 4º algumas das atribuições dessa instituição.

 

Colaciona-se o teor do art. 4º da LC n.80/94, in literis:

 

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

 

I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

IX – impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XII - (VETADO);

 

XIII - (VETADO);

 

XIV – acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XIX – atuar nos Juizados Especiais; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XX – participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

XXII – convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

§ 1º (VETADO).

 

§ 2º As funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público.

 

§ 3º (VETADO).

 

§ 4º  O instrumento de transação, mediação ou conciliação referendado pelo Defensor Público valerá como título executivo extrajudicial, inclusive quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

§ 5º  A assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

§ 6º  A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

§ 7º  Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

§ 8º  Se o Defensor Público entender inexistir hipótese de atuação institucional, dará imediata ciência ao Defensor Público-Geral, que decidirá a controvérsia, indicando, se for o caso, outro Defensor Público para atuar. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

§ 9º  O exercício do cargo de Defensor Público é comprovado mediante apresentação de carteira funcional expedida pela respectiva Defensoria Pública, conforme modelo previsto nesta Lei Complementar, a qual valerá como documento de identidade e terá fé pública em todo o território nacional. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

§ 10.  O exercício do cargo de Defensor Público é indelegável e privativo de membro da Carreira. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

 

§ 11.  Os estabelecimentos a que se refere o inciso XVII do caputreservarão instalações adequadas ao atendimento jurídico dos presos e internos por parte dos Defensores Públicos, bem como a esses fornecerão apoio administrativo, prestarão as informações solicitadas e assegurarão acesso à documentação dos presos e internos, aos quais é assegurado o direito de entrevista com os Defensores Públicos.

 

            É de bom alvitre destacar que esse dispositivo discorre um rol apenas exemplificativo. Desse modo, outras atribuições relacionadas à prestação da assistência jurídica ao necessitado, embora não dispostas no artigo, também competem à Defensoria Pública.

 

            Ademais, ressalta-se que a doutrina costuma apresentar uma divisão das funções da instituição defensória pautada na condição de necessitado ou não da parte. Sendo assim, decompõe-nas em típicas e atípicas.

 

            Passe-se a discorrer sobre as principais funções das Defensorias Públicas.

 

2.4.1 Promoção da conciliação entre as partes litigantes

 

            O defensor público deve ser um pacificador. Como anteriormente mencionado, o seu objetivo é atender aos interesses dos necessitados da maneira melhor, e não simplesmente propor demandas judiciais, cujas soluções são demoradas e diversas vezes insatisfatórias. Portanto, prefere-se que se busque uma solução amistosa imediata mediante firmação de acordos, cujo resultado será mais eficaz, garantindo, assim os direitos do assistido.

 

2.4.2 Patrocinar ação civil pública

 

            Nesse ponto, cumpre esclarecer que a Defensoria Pública é ente legitimado para patrocinar ações civis que almejem a tutela de direitos individuais, como também há a possibilidade desta instituição figurar como substituto processual na busca da efetivação dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos.

 

2.4.3 Atuação como curador especial

 

            O art. 9º[19] do Código de Processo Civil estabelece as hipóteses em que será dado curador especial, dentre elas destaca-se a nomeação desse ao réu preso e ao promovido revel citado por edital ou com hora certa.

 

            Insta frisar que o exercício da curadoria especial não está relacionado ao fator carência, podendo abranger pessoas que possuam condições financeiras de arcar com um advogado, mas que foram revéis e não constituíram patronos.

 

            Dessa feita, percebe-se que a curadoria especial dar-se-á para garantir a efetivação do contraditório e do direito da ampla defesa, evitando-se que sejam cometidas injustiças.

 

2.4.4 Funções típicas

 

As funções típicas são as relacionadas com a atuação na prestação da assistência jurídica integral e gratuita aos economicamente necessitados, em consonância com o mandamento constitucional.

 

São exemplos dessa quando a Defensoria atua propondo ação civil, defende judicialmente os carentes de recursos financeiros, entre outras.

 

2.4.5 Funções atípicas

 

As funções atípicas são as que atribuem deveres institucionais, por força de leis infraconstitucionais, aos Defensores Públicos que devem exercê-las independentemente da situação econômico-financeira da parte.

 

São exemplos clássicos de funções atípicas, a atuação do Defensor Público como curador especial, nas hipóteses previstas em lei (arts. 9°, 218, §§ 2° e 3°, 302, p. único, 1042, 1.79 e 1.182, § 1°, todos do CPC) e a atuação em favor de réu criminal que, mesmo tendo plenas condições econômicas, recusa-se a constituir advogado de sua confiança, aplicando-se os arts. 261 e 263¸ caput e parágrafo único, do CPP.

 

2.5 Princípios Institucionais

 

Os princípios institucionais são aqueles que regem a atuação da instituição. Consoante prevê o art. 3º[20] da Lei Complementar n. 80/94, esses são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

 

O princípio da unidade, também denominado unicidade, significa que a instituição compreende um todo, logo cada membro faz parte desse, que estando regidos sob a mesma direção, e cuja atuação se dá com as mesmas bases e finalidades. É importante destacar que essa norma permite que os membros das Defensorias substituam uns aos outros, todavia a unidade não corrobora na vinculação de opiniões dos seus membros.

 

Cleber Francisco Alves e Marília Gonçalves Pimenta assim ponderam:

 

Entende-se que a Defensoria Pública corresponde a um todo orgânico, sob uma mesma direção, mesmos fundamentos e mesmas finalidades. Permite aos membros da Defensoria Pública substituírem-se uns aos outros. Cada um deles é parte de um todo, sob a mesma direção, atuando pelos mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades. Entretanto, tal unidade não implica em vinculação de opiniões. Assim, o Defensor Público substituto poderá atuar com opinião própria e, consequentemente, realizar procedimentos distintos daqueles efetuados pelo Defensor Público que atuou inicialmente.[21]

 

O princípio da indivisibilidade apresenta conceito deveras assemelhado ao anterior. Por tal, entende-se que a Defensoria Pública não está sujeita a rupturas e fracionamentos, atuando, dessa forma, como um todo orgânico. Paulo Cesar Ribeiro traz lição magistral sobre o tema, senão veja-se:

 

Uma vez deflagrada a atuação do Defensor Público, deve a assistência jurídica ser prestada até atingir o seu objetivo, mesmo nos casos de impedimento, férias, afastamento e licenças, pois, nesses casos, a lei prevê a possibilidade de substituição ou designação de outro Defensor Público.[22]

 

O princípio da independência funcional assevera que a instituição tem autonomia e liberdade perante outros órgãos estatais. Sendo assim, o defensor público tem livre arbítrio de ação em todos os órgãos da administração pública. Cleber Alves e Marilia Pimenta aduzem que:

 

A instituição é dotada de autonomia perante os demais órgãos estatais, estando imune de qualquer interferência política que afete a sua atuação. E, apesar do Defensor Público Geral estar no ápice da pirâmide e a ele estarem todos os membros da DP subordinados hierarquicamente, esta subordinação é apenas sob o ponto de vista administrativo. Vale ressaltar, ainda, que em razão deste princípio institucional e segundo classificação de Hely Lopes Meirelles, os Defensores Públicos são agentes políticos do Estado. [23]

 

Após análise dos princípios que regem a instituição defensória, fica claro que sua ausência acarretaria a prestação de um serviço deficiente e inapropriado aos necessitados. Portanto, torna-se evidente que são de suma relevância para prestação da assistência jurídica eficaz.

 

2.6 Estrutura das Defensorias Públicas

 

            A Constituição Federal de 1988 determinou a criação das Defensorias Públicas, todavia trouxe uma ressalva no §1º do art. 134[24], a qual incumbia a uma lei complementar organizá-la.

 

            Não obstante, foi editada a Lei Complementar n. 80, em 12 de janeiro de 1994, com intuito de organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, bem como prescrevendo normas gerais para sua organização nos Estados, além de dar outras providências.

 

Sendo assim, os Estados devem seguir as normas gerais da mencionada lei complementar federal, mas poderão legislar sobre questões específicas, como observado o parágrafo único do artigo 22 da Constituição Federal, mediante promulgação de suas próprias leis complementares. 

 

   Nesse passo, seu art. 2º delimita a composição das Defensorias Públicas, sendo composta por três elementos, quais sejam a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Estados. Eis o teor desse dispositivo: “Art. 2º A Defensoria Pública abrange :I - a Defensoria Pública da União; II - a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; III - as Defensorias Públicas dos Estados.”

 

Seguindo-se essa sistemática, conclui-se que a as instituições defensórias são estruturadas sob três organizações, quais sejam a Defensoria Pública da União, com competência para atuar juntos as justiças federal, eleitoral, militar e do trabalho, a Defensoria Pública dos Territórios, cuja atribuições restringe-se as causas as quais tramitarem nesses, e, por último, as Defensoria Pública Estaduais, cujas atribuições são delimitadas em consonância com a competência residual da Justiça Comum Estadual.

 

3. Conclusão

 

             A preocupação com a proporção de meios de acesso à justiça àqueles que carecem de recursos econômico advêm desde há muito tempo.

 

A defensoria pública é o órgão estatal, essencial a função da Justiça, que proporciona o acesso ao Judiciário daqueles que mais necessitam do amparo estatal por carecerem dos mais básicos recursos para usufruir de uma vida digna.

 

Percebe-se que tal órgão configura a própria personificação do princípio da igualdade em seu aspecto formal, o qual consiste em proporcionar meios que diminuam a igualdade fática, de acordo com a máxima aristotélica.

 

Sendo assim, resta evidenciada a importância de tal órgão no ordenamento jurídico brasileiro, ainda mais se considerando que a maior parcela da nossa população é carecedora não só de recursos financeiros, mas principalmente de conhecimento dos seus direitos, necessitando sobremaneira deste órgão para fazer valer seus direitos, principalmente aqueles fundamentais previstos na Constituição Federal, garantindo assim um mínimo existencial inerente a dignidade da pessoa humana.

 

            Portanto, resta evidenciada a necessidade de deleitar-se de forma detalhada sobre o estudo de tal órgão, pois se acredita que tal já atua de forma diminuir as desigualdades, bem como poderá ser importante mecanismo no desenvolvimento da sociedade brasileira, garantindo um amplo acesso ao Judiciário para os que necessitarem de postular em juízo e não possuam recursos financeiros para arcar com tal.

 

3. Referências

 

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Notas:

[1] MORAES, Humberto Peña; SILVA, José Fontenelle Teixeira. Assistência judiciária: sua gênese, sua história e a função protetiva do estado. 5.ed. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1995.

[2] Idem. Ibidem. p.95.

[3] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª ed. Saraiva: São Paulo, 2009. p. 621

[4] SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Defensoria Pública no Brasil – minuta histórica. Disponível em: http://www.jfontenelle.net/. Acessado em 10 ago. 09.

[5] J.C. Barbosa Moreira. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento jurídico brasileiro de nosso tempo. RePro 67/130. p. 58.

[6] ALVES, Cleber Francisco, PIMENTA, Marilia Gonçalves. Acesso à Justiça em preto e branco: retratos institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 103

[7] SOUSA, José Augusto Garcia de. Solidarismo jurídico, acesso à justiça e funções atípicas da Defensoria Pública: a aplicação do método instrumentalista na busca de um perfil institucional adequado. Revista de Direito da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro. V.1. Rio de Janeiro, jul./set 2002, p. 146.

[8] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

 

II - garantir o desenvolvimento nacional;

 III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[9] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[10] MARCINI, Augusto Tavares. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 31.

[11] GRINOVER, Ada Pellegrini. Acesso à justiça e o Código de defesa do consumidor, in o processo em evolução. Riode Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 116-117.

[12] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 81.

[13] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.185. 

[14] Ibidem. Idem. p. 185

[15] MIRANDA, Jorge  apud MACEDO, Leo Van Holthe. Direito constitucional completo para concursos. Brasília: Fortium, 2006. p. 354.

[16] SILVA, Holden Macedo da. op.cit. p. 11. NOTA 12.

[17] ROCHA, Paulo Osório. Concretização de direitos fundamentais na perspectiva jurídico-constitucional da Defensoria Pública: um caminho ainda a ser trilhado. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, a. 15, n. 60, p.184-205, jul./set. 2007. p. 186

[18] BRITTO, Adriana. A evolução da Defensoria Pública em direção à tutela coletiva In a Defensoria Pública e os processos coletivos. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008. p. 15.

[19]  Art.9º O juiz dará curador especial:

I - ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele;
II  - ao réu preso, bem como ao revel citado por edital  ou com hora certa.

[20] Art. 3º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

[21] ALVES, Cleber Francisco, PIMENTA, Marilia Gonçalves. op. cit., p. 112.

[22] GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. Princípios institucionais da Defensoria Pública Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p.34

[23] ALVES, Cleber Francisco, PIMENTA, Marilia Gonçalves. op.cit. p. 113

[24] Art. 134. Omissis

§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

 

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