O direito de morrer dignamente


Pormarina.cordeiro- Postado em 27 abril 2012

Autores: 
OLIVEIRA, Aluisio Santos de

Mesmo sendo reconhecida a autonomia do paciente, não há que se esquecer a irrenunciabilidade e a indisponibilidade do direito à vida. Por isso, não é possível que uma pessoa solicite que outra a mate ou lhe auxilie a suicidar. Isto, porém, não justifica o prolongamento exagerado de um tratamento, haja vista a irreversibilidade do estado do paciente e o prolongamento de seu sofrimento.

RESUMO

A presente monografia tem por objetivo responder se existe o direito de morrer dignamente, o que corresponde a satisfazer o pedido de uma pessoa que, acometida de doença e em estado considerado pela medicina como irreversível, solicita que o médico finalize sua vida ou lhe auxilie a suicidar-se. Verificado o caráter fundamental dos direitos à vida e à liberdade e sua necessária correlação com a dignidade, analisam-se os avanços da medicina na preservação da vida, a consideração da morte como fase integrante da vida, a relação médico-paciente e as formas que talvez pudessem ser utilizadas para atender à solicitação. De tal forma, são enfocados o papel do Estado na promoção da dignidade humana e a autonomia do paciente para manifestar-se sobre os rumos de seu tratamento, concluindo-se pela possibilidade de atender seu pedido através da ortotanásia, não promovendo a interrupção da sua vida, nem prolongando seu sofrimento.

Palavras-chave: direitos fundamentais à vida e à liberdade, dignidade; autonomia.

SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO. 2 – O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA.2.1 – A vida. 2.1.1 – Os avanços da medicina na preservação da vida. 2.1.2 – A morte como fase integrante da vida. 2.2 – A dignidade da pessoa humana.2.3 – Noções gerais sobre os direitos fundamentais.2.4 – Vida Digna.3 – O DIREITO À LIBERDADE. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E A AUTONOMIA PRIVADA..3.1 – O direito à liberdade.3.2 – A relação jurídica Médico-Paciente.3.2.1 – A evolução da relação médico-paciente.3.2.2 – A natureza jurídica da relação médico-paciente.3.2.3 – O paciente como cliente. O valor da manifestação da vontade.3.3 – Autonomia Privada.3.3.1 – A expressão autonomia privada.3.3.2 – O PSDA e as advance directives. O testamento vital e o consentimento informado.3.3.3 – Requisitos de validade para o exercício da autonomia privada.3.3.4 – A (in)consciência e a (in)capacidade.4 – EUTANÁSIA, SUICÍDIO ASSISTIDO, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA.4.1 – Breve introdução.4.2 – Eutanásia.4.2.1 – Suicídio Assistido.4.3 – Distanásia.4.4 – Ortotanásia.5 – PROPOSIÇÕES ACERCA DO DIREITO DE MORRER DIGNAMENTE. 6 – CONCLUSÃO. 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.8 – REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS39

1 – INTRODUÇÃO

A morte pode representar, para muitos, o fim, o último extremo da vida. Há quem acredite que ela seja o momento de término de todas as atividades fisiológicas, deixando-se de lutar na terra e passando-se a um plano inexplicável, que nem toda a ciência humana pode entender.

Porém, atualmente, há pessoas que, em virtude do estado de saúde em que se encontram, acreditam não ter mais vida, a despeito da persistência de sua dinâmica fisiológica – muitas vezes garantida com auxílio de medicamentos e aparelhos – pois estão impedidas de desfrutá-la de uma forma crida digna.

Muitos doentes sofrem pela falta de perspectiva de vida. Alguns jamais poderão se levantar de suas camas, outros dependerão de aparelhos que os ajude a respirar. Muitos dos que passam por esse sofrimento chegam a pedir para morrer, pois não querem sobreviver da única maneira que lhes resta, não querem se tornar um peso na vida de seus familiares, não querem estar limitados. Não sendo possível viver bem e não se resignando a essa forma de vida, essas pessoas esperam que seja atendida sua vontade de morrer dignamente.

Essas considerações refletem um grande e atual questionamento da humanidade relacionado à vida, à liberdade e à dignidade: a pessoa que, acometida de doença, passa por sofrimentos físicos e emocionais e cujo estado, para a medicina, é irreversível ou terminal tem o direito de pedir que lhe ponham termo à sua vida ou para solicitar auxílio ao suicídio? Seria a vida, nesta situação específica, um direito renunciável ou disponível? Poderia o paciente, neste caso, reivindicar o direito de morrer já que a manutenção de seu tratamento médico não pode mais lhe trazer a cura ou melhora? Em suma, existe um direito de morrer dignamente?

A princípio, esta solicitação parece inviável, pois, além de a vida ser um direito fundamental, o ordenamento jurídico incrimina condutas que a ela se opõem. Contudo, não se pode esquecer que o ser humano também tem o direito fundamental à liberdade, que lhe permite expressar sua personalidade. 

Para responder aos questionamentos propostos, faz-se necessário desenvolver importantes considerações sobre os direitos envolvidos.

Inicialmente, será analisado o direito fundamental à vida digna. Para tanto, serão trazidas também as discussões sobre os avanços da medicina na preservação da vida e a importância de se considerar a morte como fase integrante da vida.

Em seguida, serão abordados o direito à liberdade, a relação jurídica médico-paciente, e a autonomia privada do paciente.

Dando seqüência à pesquisa, serão apresentadas as modalidades de disposição da vida solicitadas por aqueles que reivindicam a própria morte.

Finalmente, no último capítulo, serão feitas algumas proposições acerca do direito de morrer dignamente.

Justificam esta pesquisa, em termos ônticos, os avanços da medicina, que, embora tenham trazido consideráveis benefícios, impuseram um paradigma mais voltado para a cura do que para o cuidado com o paciente, quando este talvez devesse ser o foco principal da atividade médica. Além disso, em termos normativos, tem-se o fato de que, apesar de o ordenamento jurídico brasileiro parecer não permitir a satisfação do pedido de morte digna, o tema divide consideráveis opiniões doutrinárias.

Parece ser o momento, pois, de, ao menos, tentar elucidar a dúvida e apresentar contornos de uma possível solução.



 

2 – O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA

2.1 – A vida

A Constituição Federal de 1988, no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, consagra no “caput” do artigo 5º, a vida como direito fundamental. Segundo tal dispositivo: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (...)”.

Entretanto, a definição desse direito não é, ao contrário do que parece, tarefa das mais fáceis, por ser a vida “algo dinâmico que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade” (SILVA, 2003, p.196).

Vida, segundo José Afonso da Silva (2003, p.196), é um processo vital “que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte”.

Um importante conceito que auxilia no entendimento do que seja a vida é o de saúde, definido pela Organização Mundial da Saúde – OMS – como “o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (Disponível em http://www.oncopediatria.org.br/portal/artigos/pais/conheca_direitos/oqu.... Acesso em: 23/10/2007). Quando esses três aspectos apresentam-se de forma satisfatória para uma pessoa, pode-se considerar que ela tem uma vida saudável. Por isso, para José Afonso da Silva (2003), a vida não contém apenas o caráter biológico, mas será considerada também “na sua acepção biográfica mais compreensiva”. O autor ainda complementa:

a vida humana, que é objeto do direito assegurado no artigo 5º, “caput”, integra-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). (...). Por isso é que ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos (SILVA, 2003, p.197).

O direito à vida, conforme Alexandre de Moraes (2004, p. 65), “é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência do exercício de todos os demais direitos”.

Todavia, não há como falar sobre a vida sem falar sobre a existência digna. Ainda que não se consiga precisar a concepção do termo dignidade, ao menos parece certo não se poder falar que uma vida seja digna se ausente o bem-estar de natureza física, mental e social – aspectos que formam o conceito de saúde. Tendo caráter social, tal condição cabe ao Estado promover, conforme pronunciamento de Cíntia Lucena:

a crescente complexidade da vida social neste século acarretou a reivindicação por direitos também complexos. A garantia da dignidade da pessoa humana exige diferentes mecanismos de atuação para que seja, de fato, resguardada. Para efetivação dessa garantia, cobram-se do Estado tanto ações positivas (atuações) quanto ações negativas (abstenções). O mesmo se dá em relação à saúde (...). Hoje, os Estados são, em sua maioria, forçados por disposição constitucional a proteger a saúde contra todos os perigos, inclusive contra os próprios cidadãos. Daí emerge o seu caráter social (LUCENA, 2004, p. 245).

2.1.1 – Os avanços da medicina na preservação da vida

Aumentar o tempo e a qualidade de vida, tornando-a melhor e mais saudável, é, hoje, o grande objetivo da medicina. Para alcançá-lo, a medicina pode contar com os avanços científicos que têm lhe proporcionado grandes e importantes saltos.

Graças a esses avanços, descobriu-se cura para muitas doenças e tratamentos mais eficazes para outras. Desses avanços surgiram também: poderosos analgésicos que aumentam a possibilidade de controlar a dor; máquinas mais sofisticadas capazes de substituir e controlar órgãos que entram em desfuncionamento e, maior conhecimento biológico, que capacita os profissionais a prognósticos mais precisos (PESSINI, 2002).

Não obstante, todo esse conhecimento e tecnologia não trazem somente benefícios à medicina e às pessoas. Conforme Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

o avanço da medicina quanto às tecnologias ao dispor do médico é um acontecimento que tem provocado não apenas benefícios à saúde das pessoas, mas, ao contrário, em alguns momentos, todo esse aparato tecnológico pode acabar afetando a dignidade da pessoa (BORGES, 2001, p. 283).

Léo Pessini (2002) afirma que as ações da saúde são sempre mais marcadas pelo “paradigma da cura”, que se torna prisioneiro do domínio tecnológico da medicina moderna. Suas considerações levam a pensar que se as ações médicas se voltassem para o “paradigma do cuidar”, o declínio e a morte seriam aceitos como parte da condição do ser humano, condição esta que não pode ser curada e que não escapa a nenhum ser humano, qual seja: a sua mortalidade. Assim, a medicina orientada para o alívio do sofrimento estaria “mais preocupada com a pessoa doente do que com a doença da pessoa” (PESSINI, 2002, p. 81).

Este novo paradigma inclui também o conhecimento do que seja dor e do que seja sofrimento, no contexto clínico, a fim de não propiciar ao paciente um tratamento concentrado apenas nos sintomas físicos. É que a dor apresenta outras dimensões além da dimensão física. Ela também pode ser psíquica, social ou espiritual.

A dor física é a mais óbvia e funciona como um alarme de que algo está errado no funcionamento do corpo. A dor psíquica “freqüentemente surge do enfrentar a inevitabilidade da morte, perdendo o controle sobre o processo de morrer, as esperanças e os sonhos, ou ter de redefinir o mundo” (PESSINI, 2002, p. 87-88). A dor social é a dor do isolamento, experimentada pela dificuldade de comunicação quando o morrer cria o senso de solidão. Além disso, a perda do papel social e familiar é também dura. A dor espiritual, por sua vez, surge da perda de significado, sentido e esperança.

Já o sofrimento pode ser entendido como uma questão pessoal por estar ligado aos valores da pessoa. Para Daniel Callaham,

é a experiência de impotência com o prospecto de dor não aliviada, situação de doença que leva a interpretar a vida vazia de sentido. Portanto, o sofrimento é mais global do que a dor e, essencialmente, é sinônimo de qualidade de vida diminuída (apud PESSINI, 2002, p. 86).

Diante de tudo isso, a medicina deve voltar suas ações para os cuidados com o paciente, visando não somente a cura, mas, sobretudo, seu bem-estar. Os avanços da medicina devem sim se pautar na preservação da vida, mas na preservação de uma vida saudável física, psíquica e socialmente; isto é, uma vida digna. 

2.1.2 – A morte como fase integrante da vida

Mal necessário, castigo, falha médica. Várias são as formas de encarar a morte. O que se sabe é que ela, feliz ou infelizmente, é inevitável. Faz parte da condição humana a mortalidade, em que pese esta condição, às vezes, parecer esquecida. 

A morte deve ser entendida como uma fase integrante da vida. Não é um evento à parte. É o fim do processo de viver. É a última etapa do ciclo da vida. Se o homem é um ser mortal, naturalmente, sua vida termina com a morte.

Esta qualidade natural, porém, não retira o peso e a tristeza que a morte causa, mas leva a pensar que a morte não deve ser encarada como uma falha, mas como um limite que não pode ser vencido, um ponto final à atuação humana, mormente de natureza médica, como questiona, Léo Pessini:

E se a medicina aceitasse a morte como um limite que não pode ser vencido e usasse esse limite como um ponto focal indispensável para pensar a respeito da doença? A realidade da morte como parte integrante da nossa vida biológica seria vista não como uma nota discordante na busca da saúde e bem-estar, mas como um ponto final previsível de sua atuação. Que tal se a medicina científica não fosse uma luta sem fim contra a morte e nos ajudasse a viver a vida mortal e não imortal? Nesta perspectiva a  morte não seria tratada somente como um mal necessário e uma falha científica a ser corrigida em questão de tempo. A aceitação, o trabalhar e a compreensão da morte seriam parte integrante do objetivo principal da medicina de buscar a saúde (PESSINI, 2002, p. 79).

Encarar a morte como parte integrante da vida, como sugeriu Léo Pessini, seria um passo importante para que a medicina se voltasse para os cuidados com o bem-estar do paciente, deixando para traz uma conduta insistentemente voltada para a cura, tornando-a focada na preservação da qualidade de vida do paciente.

2.2 – A dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e está prevista no art. 1º, III, da CF/88.

Tendo em vista seu forte conteúdo valorativo, a conceituação do princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se eivada de dificuldades, o que muitas vezes dá margens a conceituações desvinculadas de seu real significado histórico-cultural (MARTINS, 2003).

Segundo José Afonso da Silva (1998, p. 90), dignidade “é atributo intrínseco da essência da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente.” No mesmo sentido, Flademir Jerônimo Belinati Martins (2003, p. 115) reitera ter sido num sentido de “valor intrínseco à pessoa humana que a Constituição Federal utilizou o termo ‘dignidade’, em seu artigo 1º, inciso III, e nos demais dispositivos”.

O referido autor ainda acrescenta que: 

a dignidade deve acompanhar o homem desde seu nascimento até a sua morte, posto que ela é da própria essência da pessoa humana. Assim, parece-nos que a dignidade é um valor imanente à própria condição humana, que identifica o homem como ser único e especial, e que, portanto, permite-lhe exigir ser respeitado como alguém que tem sentido em si mesmo (MARTINS, 2003, p. 115).

A idéia de que o homem pode exigir ser respeitado como alguém que tem fim em si mesmo remonta a Kant (apud SARLET, 2004, p. 33), que sustenta que “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta e daquela vontade”.

Neste sentido, José Afonso da Silva apresenta a seguinte definição de pessoa humana,  

todo ser humano, sem distinção, é pessoa, ou seja, um ser espiritual, que é, ao mesmo tempo, fonte e imputação de todos os valores. Consciência e vivência de si próprio, todo ser humano se reproduz no outro como seu correspondente e reflexo de sua espiritualidade, razão por que desconsiderar a si próprio. Por isso é que a pessoa é um centro de imputação jurídica, porque o direito existe em função dela e para propiciar seu desenvolvimento (apud MARTINS, 2003, p. 117). 

Assim, a rigor, com base nas considerações de Flademir Jerônimo Belinati Martins (2003, p. 117), a noção de pessoa deve ser apreendida exatamente a partir da locução ‘pessoa humana’, posto que, ao longo da história da humanidade, recheada de modelos político-jurídicos escravagistas e segregacionistas, nem todos os seres humanos foram qualificados como pessoa, de tal sorte que não é por acaso que o texto constitucional se valeu da locução.

Acrescenta Martins (2003, p. 118) que “pessoa humana é qualquer ser humano que pelo simples existir é tido como pessoa para fins de proteção constitucional”. Assim, de acordo com Renata Barbosa de Almeida (2005, p. 37), “pessoa não é apenas ser humano, mas ser humano considerado na sua individualidade física e espiritual”. 

Embora a doutrina nacional se utilize de vários conceitos para explicar o princípio de dignidade da pessoa humana, pode-se destacar o de Ingo Wolfgang Sarlet: 

a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2004, p. 59-60). 

Flademir Jerônimo Belinati Martins também traz uma excelente contribuição ao trabalho ressaltando que,

em síntese, temos que  a dignidade efetivamente constitui qualidade inerente de cada pessoa humana que a faz destinatária do respeito e proteção tanto do Estado, quanto das demais pessoas, impedindo que ela seja alvo não só de quaisquer situações desumanas ou degradantes, como também garantindo-lhe direito ao acesso a condições existenciais mínimas (MARTINS, 2003, p. 120).

Conclui-se, assim, que o princípio da dignidade da pessoa humana atua no sentido de proteger os direitos fundamentais. Do contrário, estariam estes direitos, em geral, e de forma destacada a vida, à mercê da atuação do homem e do próprio Estado, sem o devido respeito que eles impõem. 

2.3 – Noções gerais sobre os direitos fundamentais

Quando se fala em direitos fundamentais do homem, tem-se a idéia de que estes existem para manter a existência e a sobrevivência da pessoa humana. José Afonso da Silva reforça este entendimento realçando que:

no qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e , às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados (SILVA, 2003, p. 178. Grifos no original.).

A idéia é de que sem tais direitos, não é possível o desenvolvimento da pessoa humana. Por isso, a expressão direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana (SILVA, 2003), o que corresponde, por sua vez, à instrumentos de proteção dos aspectos elementares da pessoa, considerada como fim em si mesma.

Quanto à natureza jurídica, os direitos fundamentais são constitucionais e suas normas definidoras têm aplicação imediata, ainda que a Constituição Federal de 1988 faça depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras dos direitos sociais, enquadrados dentre os fundamentais (SILVA, 2003).

Os direitos fundamentais apresentam como principais características: a historicidade, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a irrenunciabilidade.

Os direitos fundamentais são históricos como qualquer direito. São conjunturais, socialmente contextuais, o que rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas (SILVA, 2003). Também em função desta qualidade, não há falar que os direitos fundamentais sejam absolutos: “quanto ao caráter absoluto que se reconhecia neles, no sentido de imutabilidade, não pode mais ser aceito desde que se entenda que tenha caráter histórico.” (SILVA, 2003, p. 181)

Direitos fundamentais são inalienáveis, ou seja, não se pode transferi-los ou negociá-los, pois não são de conteúdo econômico patrimonial. São também direitos imprescritíveis, não se verificando neles requisitos que importem em sua extinção pelo transcorrer do tempo. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Neste sentido, ressalta-se, por fim, a irrenunciabilidade desses direitos, que equivale a dizer ser admissível o seu não exercício, mas inadmissível sua extinção por abdicação do sujeito (SILVA, 2003).

2.4 – Vida Digna

É inegável a relevância do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, não há que se falar em hierarquia entre um e outro, uma vez que não são direitos distintos, mas complementares. Serviria a dignidade como elemento caracterizador da vida. Abordando este assunto, Rizzatto Nunes afirma que:

é possível objetar que o direito à vida é mais importante que a garantia da dignidade. Por isso devemos, neste ponto, antes de prosseguir, fazer um comentário relativo à questão da garantia do direito à vida e sua necessária correlação com a dignidade. E o que interessa mesmo é que se possa garantir a vida, mas uma vida digna (NUNES, 2002, p. 52).

Miguel Ekmekdjan resolve esta questão nos seguintes termos: 

Se realizarmos uma enquete sobre a relação hierárquica entre o direito à dignidade e o direito à vida, possivelmente grande parte das respostas apontaria em primeiro lugar o direito à vida e abaixo deste o direito à dignidade. O argumento que aparenta ser decisivo é que sem vida não é possível a dignidade. Esta afirmação pode parecer de grande impacto, contudo, é errônea. Implica uma transposição de lugares. De um ponto de vista biológico, é certo que não é concebível a dignidade em um ser inerte, em uma pedra, ou em um vegetal. Assim como se afirma que sem vida não há dignidade (o que aceitamos somente de um enfoque biológico), nos perguntamos se existe vida sem dignidade. Que vida é esta? Era vida a dos escravos tratados como animais que servem para trabalhar e reproduzir-se? Biologicamente sim, mas eticamente não (apud NUNES, 2002, p. 52).

Rizzatto Nunes (2002, p. 51), ainda neste sentido, reforça que “a dignidade é a primeira garantia das pessoas e a última instância de guarida dos direitos fundamentais”, sendo visível sua violação, quando ocorre.

Assim, não faz sentido tentar estabelecer uma hierarquia entre a vida e a dignidade, tratando-as de forma separada. O correto é fazer da concepção de dignidade um qualificativo a se acrescentar a todos os direitos fundamentais, dentre os quais se inclui e se destaca a vida. Logo, o princípio da dignidade da pessoa humana não é maior nem menor do que a vida, mas, diferente disso, é algo que dá qualidade à esta. Impõe-se que a proteção jurídica se volte para a vida digna.

 

3 – O DIREITO À LIBERDADE. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E A AUTONOMIA PRIVADA.

3.1 – O direito à liberdade

A liberdade está prevista na Constituição como um direito fundamental e, assim como a vida, a igualdade, a segurança e a propriedade, deve ser garantida a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país (art. 5º, CF/88). Também como direito fundamental, apresenta os mesmos caracteres, já explicados: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade.

O constitucionalista José Afonso da Silva (2003, p. 232) propõe para a liberdade o seguinte conceito: “consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal”.

A história mostra que, com a evolução da humanidade, o conteúdo de liberdade se ampliou. A liberdade “fortalece-se, estende-se, à medida que a atividade humana se alarga. Liberdade é conquista constante” (SILVA, 2003, p. 231).

Todavia, é necessário destacar que este direito não é absoluto. A liberdade também sofre limitações, que se dão em virtude do fato de que o homem vive em sociedade, não podendo a sua liberdade ser maior que a de outra pessoa. O direito à liberdade de uma pessoa termina quando começa o mesmo direito alheio. Não há limite maior e mais necessário que este.

O exercício do direito à liberdade propicia o desenvolvimento da personalidade do ser humano. Assim, nas palavras de Raquel Rios (2004. p. 175), liberdade é “primordial instrumento de realização do ser humano que se traduz na possibilidade do pleno desenvolvimento de suas potencialidades”. Neste sentido, a autora fornece o seguinte conceito: 

a liberdade é um direito sagrado, que serve de fundamento a toda a ordem social, sendo um dos pressupostos fundamentais da sociedade justa e do progresso e o valor supremo da democracia, que representa a garantia de outros direitos fundamentais e a realização, mais plena possível, de todas as valiosas singularidades de cada ser humano, de cada cultura, de cada povo (RIOS, 2004, p. 176).

Dessas considerações talvez seja possível concluir que deve haver um equilíbrio entre autoridade e liberdade, a fim de que o cidadão possa sentir que dispõe de campo necessário à perfeita expressão de sua personalidade. A liberdade consiste, então, na “ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral”. Assim, “toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe” (SILVA, 2003, p. 231).

Há que se registrar, contudo, que, para o exercício do direito à liberdade, uma sociedade deve propiciar aos cidadãos condições mínimas de existência e garantir-lhes uma qualidade de vida razoável. Desta forma, esta sociedade oferecerá condições para o desenvolvimento dos cidadãos que a compõem. Corroborando este entendimento, vale a pena exibir o conceito de cidadão livre elaborado por Raquel Rios:

o cidadão livre não é mais aquele que não é tolhido em seus atos, mas aquele informado, educado, que come, mora, veste, trabalha, tem dignidade, e, portanto, consegue executar suas opções feitas com liberdade (RIOS, 2004, p. 180).

3.2 – A relação jurídica Médico-Paciente

3.2.1 – A evolução da relação médico-paciente

Em que pese o fato de não haver uma relação de igualdade entre médico e paciente, uma vez que aquele detém o conhecimento do estado de saúde deste, não pode haver espaço para uma relação de quase arbítrio entre esse profissional que atua sobre a integridade física e mental do outro num processo de decisão totalmente alheio a este (BORGES, 2001, p. 296).

Para redirecionar a relação entre médico e paciente, Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002) assinalam que são necessárias: competência, maturidade e sensibilidade. Sobre esta relação, os autores citam alguns de seus complicadores trazidos pelo século XX, quais sejam: “a biotecnologia, a crescente especialização e, também, a interposição institucional” (NAVES; SÁ, 2002, p. 121).

Em virtude dos avanços tecnológicos, o contato entre médico e paciente diminuiu. Outro fator que contribui para aumentar essa distância são as crescentes especializações desses profissionais, que deixam de ser o médico da família para se tornarem especialistas, com os quais o contato é bem menor e mais objetivo. Ainda que a especialização tenha grande importância, pois confere ao profissional um conhecimento mais aprofundado sobre a sua área de atuação, ela abrange este efeito negativo.

Outro incômodo à relação médico-paciente, citado por Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002, p. 122) é a interposição institucional. Para os autores, “o que se vê é o doente sendo tratado pelo nome da doença ou pelo apartamento ou enfermaria em que se encontra”.

Não obstantes todos esses complicadores, a relação médico-paciente existe e deve ser pautada pela ética e pelo compromisso com a saúde do paciente. Ainda que o contato entre paciente e médico tenha sofrido modificações, é necessário que o profissional volte sua atenção ao paciente, oferecendo-lhe não apenas procedimentos terapêuticos, mas também dedicando-lhe carinho e cuidado, a fim de tornar mais completa a relação e, conseqüentemente, o serviço médico.

3.2.2 – A natureza jurídica da relação médico-paciente

Quanto à natureza jurídica da relação médico-paciente, Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá registram que:

Há grande resistência entre os profissionais de saúde quando se determina o liame existente entre estes e o paciente como uma relação meramente contratual, um contrato de prestação de serviços médicos. No entanto, é essa a natureza jurídica do vínculo (NAVES; SÁ, 2002, p. 113).

Esta relação, como qualquer outra relação contratual, “é informada pelos princípios da boa-fé contratual, da justiça contratual e da autonomia da vontade” (NAVES; SÁ, 2002, p. 113).

A relação médico-paciente (NAVES; SÁ, 2002, p. 115), “mais do que patrimonial, é uma relação que objetiva um valor existencial e encontra-se submetida e informada pelo princípio da dignidade”.

Muito além de possuir natureza contratual, a relação médico-paciente objetiva o comprometimento para com a saúde, o bem-estar e a dignidade deste (NAVES; SÁ, 2002, p.115).

3.2.3 – O paciente como cliente. O valor da manifestação da vontade. 

A antiga figura do médico de família, que compunha, inclusive, seu grupo de amigos foi sendo modificada em virtude dos avanços tecnológicos. O tecnicismo se sobrepôs ao humanismo e a medicina assumiu a função de prolongar a vida (NAVES; SÁ, 2002, p. 101-102).

Contudo, esta relação está se modificando; assiste-se, hoje, talvez um movimento exatamente inverso. A função médica procura, agora, prolongar a vida, desde que com qualidade. Não se busca apenas a quantidade. Espera-se vida digna (NAVES; SÁ, 2002).

Essa alteração seria uma forma de retomar uma maior humanização à medicina. E o reflexo disso é a consideração do paciente como cliente. Sendo assim considerado, sua participação passa a ter maior importância, uma vez que, através de sua manifestação de vontade, o cliente pode tomar decisões sobre os rumos do tratamento que pode vir a se submeter. Esta consideração eleva o doente a sujeito, deixando de ser meramente aquele que espera, como a expressão paciente significa (BORGES, 2001).

O doente, ao ser tratado como cliente, passa a ser mais valorizado e, nos dizeres de Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p. 296), “deixa de ser mero sujeito passivo, tendo sua decisão sobre o tratamento uma importância ressaltada”. Passa-se a admitir, segundo a autora, que o cliente, paciente, decida sobre a execução do tratamento oferecido pelo médico, ou, caso já esteja este em sua duração, decida se deseja com ele continuar.

Passa a receber importância a manifestação da vontade do paciente, e sua inobservância, “por parte dos médicos, pode caracterizar cárcere privado, constrangimento ilegal e até lesões corporais, conforme o caso” (BORGES, 2001, p. 294). E isso vale tanto quando a manifestação seja no sentido de proceder ou manter o tratamento, quanto no sentido de privar-se deste. Em outras palavras, ainda que varie o conteúdo da manifestação volitiva, tendo ela sido conscientemente dada, a idéia é de que, em princípio, ela deva ser respeitada pelo profissional envolvido.

3.3 – Autonomia Privada

3.3.1 – A expressão autonomia privada

De acordo com o professor Ronald Dworkin (2003, p. 315), “há um consenso geral de que os cidadãos adultos dotados de capacidade [01] têm direito à autonomia, isto é, direito a tomar por si próprios decisões importantes para a definição de suas vidas”.

Segundo Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002), o direito se utiliza dos termos autonomia da vontade ou autonomia privada por serem mais abrangentes que a expressão “Consentimento informado” que, no campo biológico, sintetiza o poder de autodeterminação do paciente.

Entretanto, para estes autores, entre autonomia da vontade e autonomia privada, a utilização desta é preferível à daquela, posto que ao direito resta analisar a manifestação concreta da vontade (autonomia privada) e não suas causas e características intrínsecas (autonomia da vontade). Como eles demonstram, a autonomia da vontade tem uma conotação subjetiva, psicológica, “enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real” (NAVES; SÁ, 2002, p. 116).

3.3.2 – O PSDA e as advance directives. O testamento vital e o consentimento informado.

Nos Estados Unidos, a autonomia privada do paciente foi sendo gradativamente reconhecida, culminando com a formulação de um texto normativo, aprovado pelo Congresso do país, que entrou em vigor em 1º de Dezembro de 1991. O texto trata do Ato de Auto-Determinação do Paciente – The Patient Self-Determination Act (PSDA) – nas relações médicas (NAVES; SÁ, 2002, p. 117-118).

Naquele país, quando da admissão do paciente, os centros de saúde registram suas opções e objeções a tratamentos em caso de incapacidade superveniente de exercício da própria autonomia. São as advance directives, que permitem que o paciente antecipe suas decisões, caso posteriormente não possa manifestar sua vontade. Três são as formas em que elas se consubstanciam: 1) living will; 2) durable power of attorney for health care; 3) advanced core medical directive (NAVES; SÁ, 2002, p. 118).

O living will ou “testamento em vida”, como bem definem Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002, p. 118-119), “pretende estabelecer os tratamentos médicos indesejados, caso o paciente incorra em estado de inconsciência ou esteja em estado terminal”. Através do durable power of attorney for health care, que em português quer dizer poder duradouro do representante para cuidados com a saúde, ou mandato duradouro, estabelece-se um representante para decidir e para tomar as providências cabíveis pelo paciente (NAVES; SÁ, 2002, p. 119). Pela advanced core medical directive ou diretiva do centro médico avançado, por fim, o paciente estabelece os procedimentos a que não quer se submeter e nomeia um representante. Este é um documento mais completo, voltado para pacientes terminais, que reúne disposições do “testamento em vida” e do mandato duradouro (NAVES; SÁ, 2002, p. 119).

O living will também pode ser chamado de testament de vie, testamento biológico ou testamento vital (BORGES, 2001, p. 295). E é com este nome que Roxana Cardoso Brasileiro Borges o define:

O testamento vital é um documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade. Visa-se, com o testamento vital, a influir sobre os médicos no sentido de uma determinada forma de tratamento ou, simplesmente, no sentido do não tratamento, como uma vontade do paciente que pode vir a estar incapacitado de manifestar sua vontade em razão da doença (BORGES, 2007, p. 240).

Embora, no Brasil, não exista legislação específica sobre a possibilidade de o paciente se utilizar do testamento vital, determinando os tratamentos a que deseja ou não se submeter caso não possa vir a se manifestar, nos Estados Unidos, esse documento tem valor legal e tem suas origens no Natural Death Act, na Califórnia, na década de 70. Lá, o testamento vital tem validade de aproximadamente cinco anos (BORGES, 2001, p. 296). 

Além de evitar procedimentos médicos desmedidos, uma garantia ao paciente, o testamento vital, de acordo com Roxana Cardoso Brasileiro Borges (BORGES, 2001, p. 296), também é uma garantia ao profissional médico, afinal, “evita que o médico seja processado por não ter procedido a um procedimento em paciente em fase terminal, conforme solicitado por este no documento”.

Quaisquer desses atos, no entanto, têm validade condicionada a um elemento primordial, qual seja o consentimento informado do paciente, ou autonomia privada do mesmo.

O consentimento informado, segundo Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002. p. 123), “é elemento central na relação médico-paciente, sendo resultado de um processo de diálogo e colaboração, visando satisfazer a vontade e os valores do paciente”. Entretanto, esta expressão pode ser substituída no meio jurídico pela expressão autonomia privada, como já foi ressaltado.

Em suas objeções àquela expressão (consentimento informado), Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p. 297) assinala: “não se trata de mero consentimento (mesmo informado), mas, mais que isso, de solicitação do tratamento disponibilizado pelo médico”. O consentir, na visão da autora, era função do antigo paciente. Quando tratado como cliente, verifica-se que a decisão deste é de maior conteúdo e maior liberdade que o consentimento.

Qualquer que seja a expressão a ser utilizada, o relevante é não desmerecer que a vontade do paciente deve ser respeitada, desde que devidamente emitida.

3.3.3 – Requisitos de validade para o exercício da autonomia privada

São requisitos para que o paciente exerça sua autonomia a “informação, o discernimento e a ausência de condicionadores externos” (NAVES; SÁ, 2002, p. 119).

O paciente deve ser informado sobre o diagnóstico, o tratamento a que pode se submeter, os resultados possíveis e os riscos que podem decorrer da terapia empregada. Uma vez que o paciente depende de informações para tomar sua decisão, é necessário que elas sejam transmitidas previamente numa linguagem clara e acessível. O paciente precisa estar completamente esclarecido para emitir sua decisão.

Ao lado das informações precisas, está o aspecto do discernimento. O paciente precisa entender a situação para que sua decisão não seja comprometida. Entretanto, diante do quadro clínico em que o paciente se encontra, é necessário que o médico ateste “se o nível de consciência deste paciente permite que ele tome decisões” (NAVES; SÁ, 2002, p. 120).

Ainda, é necessário que a manifestação do paciente seja livre, sem a influência de vícios sociais ou de vícios do consentimento. 

No que concerne à informação, é necessário lembrar que seu acesso é assegurado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIV. Assim, segundo Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

A exigência do consentimento informado e esclarecido prévio é a regra. São exceções os casos de incapacidade do paciente para tomar decisões. Numa situação de incapacidade legal, tem-se admitido o consentimento poder ser dado pelos representantes legais. Mas esta é uma questão polêmica, pois trata-se de uma decisão sobre a vida de outrem (BORGES, 2001, p. 294).

Nos casos em que o paciente não puder se manifestar devido ao estado de inconsciência ou urgência, o médico deve prosseguir com o tratamento. Na visão de Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p. 295), “o dever do médico de cuidar do paciente acaba quando este, após ter recebido todas as informações, opõe-se ao tratamento”. Neste ponto, inclusive, para segurança do médico, conforme a autora, o consentimento deve ser escrito.

Assim, é válida a manifestação da vontade do paciente quando este se encontre corretamente informado de seu quadro clínico e quando tenha capacidade para tomar as respectivas decisões a respeito de seu tratamento.

3.3.4 – A (in)consciência e a (in)capacidade

As decisões sobre a própria morte, ou sobre a morte de outras pessoas, devem ser tomadas em três tipos principais de situação, como mostra o professor Ronald Dworkin (2003): a) consciente e capaz; b) inconsciente e, c) consciente mas incapaz [02].

Ilustra a primeira situação o caso de Lillian Boyes, “uma inglesa de setenta anos que agonizava devido a uma forma terrível de artrite reumatóide, com dores tão lancinantes que nem mesmo os analgésicos mais poderosos conseguiam mitigar” (DWORKIN, 2003, p. 251). O forte sofrimento por que passava fez com que Lillian implorasse a seu médico, o Dr. Nigel Cox, com quem manteve uma sólida relação pessoal, por treze anos, que a matasse. Ela morreu minutos depois de o médico ter-lhe aplicado uma dose letal de cloreto de potássio. Por causa dessa aplicação, registrada em seu prontuário médico, o Dr. Cox foi julgado por tentativa de homicídio. Isto porque o corpo fora cremado, o que tornou impossível comprovar que a aplicação fora a causa da morte. Embora tivesse sido condenado a um ano de prisão, a sentença do juiz foi suspensa sob a alegação de que o médico havia descumprido com o seu dever por compaixão a uma paciente terminal que havia se tornado uma querida amiga. Além disso, apesar de ter sido repreendido pelo Conselho de Medicina, o Dr. Cox não foi impedido de exercer a medicina; ainda que seu empregador o tivesse permitido fazê-lo sob a supervisão de um médico experiente.

Numa situação de inconsciência – a segunda hipótese citada por Dworkin – a decisão sobre a morte recai, na maioria das vezes, sobre a família do paciente. É o caso de Antony Bland, que foi atropelado por uma multidão em fuga num estádio de futebol na Inglaterra e teve os pulmões comprimidos e seu cérebro foi privado de oxigênio por tanto tempo que entrou em estado vegetativo permanente. A solicitação para que os médicos pudessem retirar o suporte vital e deixá-lo morrer partiu de seus pais. A solicitação foi acatada pelo juiz, já que atendia aos interesses do paciente. Esta decisão foi confirmada tanto pelo Tribunal de Apelação quanto pela Câmara Alta do Parlamento Inglês, que enfatizavam o fato de a continuidade do tratamento não estar entre os interesses fundamentais do paciente (DWORKIN, 2003, p. 265-266).

As considerações de Dworkin (2003, p. 267) levam a concluir que a situação de consciência e incapacidade, a terceira situação, pode ser caracterizada pela demência, que afeta, atualmente, cerca de um quarto à metade das pessoas acima de oitenta e cinco anos, “e que a causa principal do problema é o Mal de Alzheimer”. Dworkin (2003, p. 267) ainda completa: “nos estágios avançados dessa doença progressiva, as vítimas já perderam toda memória e todo sentido de continuidade do eu e são incapazes de atender a suas próprias necessidades ou funções”. 

Caso relacionado a esta situação foi o de Janet Adkins, que estava nos estágios iniciais do Mal de Alzheimer e sabia o que lhe iria acontecer dali por diante. A senhora Adkins procurou o Dr. Jack Kevorkian, que possuía uma máquina de injetar veneno na parte de traz de sua perua. Os pacientes que desejassem morrer deveriam apertar um botão que injetava o veneno através de uma agulha que o médico introduzia na veia. Por este motivo, o Dr. Kevorkian fora apelidado de Dr. Morte. Em sua entrevista, que foi gravada, a senhora Adkins o convenceu de que ainda estava em pleno uso de suas faculdades mentais e que desejava morrer. Dois dias depois, Janet se submeteu à máquina e morreu.

A senhora Adkins ainda era capaz quando tomou a decisão de morrer, porém nos últimos estágios da doença, não é possível tal decisão, pois a pessoa doente se comporta como se seu desejo mais relevante fosse o de viver. Dworkin questiona se as pessoas que podem vir a tornar-se incapazes, por causa da doença, deveriam ter o poder de especificar o tipo de tratamento que desejam receber ou se querem ser mantidas vivas por tratamentos rotineiros, ou, ainda, se elas têm o poder de determinar que desejam ser mortas. Pode parecer absurdo sugerir que uma pessoa tome providências antecipadas para ser morta, pois, quando chegado o momento determinado, a pessoa pode dar sinais claros de que deseja estar viva. Mas, o autor sugere refletir que se a senhora Adkins tivesse tido esse poder, talvez pudesse ter desfrutado de muitos outros anos de vida útil, confiante em que não lhe permitiriam chegar à condição que temia.

 A autonomia do paciente é fator relevante para este estudo, uma vez que sua decisão recairá sobre sua própria vida. Mas, a autonomia representa apenas um dos argumentos que circundam o tema.

 

4 – EUTANÁSIA, SUICÍDIO ASSISTIDO, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA.

4.1 – Breve introdução

Depois de apresentados o direito à vida digna, o direito à liberdade, a relação médico-paciente e os requisitos de validade da autonomia privada do paciente, faz-se necessário apresentar as modalidades de disposição da vida solicitadas por aqueles que reivindicam a própria morte.

Amplamente discutida e de diversas formas encarada no mundo e nas religiões, a eutanásia é a modalidade da qual mais se tem ouvido falar. Mas, nem por isso, está bem esclarecida para a sociedade. A doutrina oferece diversos conceitos e distinções de eutanásia. Muitos simpósios abordaram a eutanásia, a distanásia, a ortotanásia e “outros vocábulos exóticos foram equacionados na discussão, gerando uma verdadeira alquimia semântica, que não deixa de ser perigosa porque pode dar origem a interpretações variadas” (SANVITO, 2002, p. 66).

4.2 – Eutanásia

Eutanásia é uma palavra que vem do grego, eu (boa) e thanatos (morte), e, em sua origem, quer dizer “boa morte, morte apropriada, morte piedosa, morte benéfica” (SÁ, 2005, p.38). A primeira utilização do termo eutanásia foi feita pelo filósofo inglês “Francis Bacon, em 1623, em sua obra Historia vitae et mortis” (SOUZA, 2002, p. 146).

De acordo com Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001), a eutanásia, em sua origem, não tinha a intenção de causar a morte, ainda que para cessar os sofrimentos do doente. O primeiro sentido do termo, segundo a autora, referia-se a facilitar o processo de morte, sem, entretanto, interferência neste. Ainda sobre a origem do termo, a professora complementa: 

 

Na verdade, conforme o sentido originário da expressão, seriam medidas eutanásicas não a morte, mas os cuidados paliativos do sofrimento, como acompanhamento psicológico do doente e outros meios de controle da dor. Também seria uma medida eutanásica a interrupção de tratamentos inúteis ou que prolongassem a agonia. Ou seja: a eutanásia não visava à morte, mas a deixar que esta ocorresse da forma menos dolorosa possível (BORGES, 2001, p. 285).

Contudo, a concepção atual de eutanásia já não é mais a mesma. Hoje, ela é tida como ato médico, movido pela piedade, de abreviação da vida de doente com doença incurável e forte sofrimento, que solicita a própria morte.

A par disso, é imperioso destacar quatro elementos importantes para a configuração da eutanásia: “o requerimento por parte do paciente; a piedade diante da indigna situação do indivíduo; a gravidade da doença e a realização do ato pelo profissional da medicina” (SÁ, 2005, p. 136).

Maria de Fátima Freire de Sá (2005, p. 39) reforça a idéia de que a eutanásia, atualmente, “é a conduta por meio da ação ou omissão do médico, que emprega, ou omite, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida”.

Corroborando este raciocínio, Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p. 285-286) assinala: “em vez de deixar a morte acontecer, a eutanásia, no sentido atual, age sobre a morte, antecipando-a”. Para a autora, “só é eutanásia a morte provocada em doente com doença incurável, em estado terminal e que passa por fortes sofrimentos, movida por compaixão ou piedade em relação ao doente”.

A eutanásia, neste sentido, atualmente, constitui crime de homicídio, classificado como privilegiado, perante o Código Penal Brasileiro. Entretanto, o sentimento de piedade que impulsiona o agente pode ensejar a redução da pena de um sexto a um terço, conforme prescrição do artigo 121, parágrafo 1º do Código Penal.

Homicídio simples

Art. 121 - Matar alguém:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Maria de Fátima Freire de Sá (2005, p. 39) apresenta dois elementos envolvidos na eutanásia, quais sejam: a intenção e o efeito da ação. Segundo a professora, “a intenção de realizar a eutanásia pode gerar uma ação, daí tem-se a “eutanásia ativa”, ou uma omissão, ou seja, a não realização de ação que teria indicação terapêutica naquela circunstância – “eutanásia passiva” ou ortotanásia”.

Wilson Luiz Sanvito apresenta a seguinte distinção entre eutanásia passiva e ativa:

Na eutanásia passiva, há omissão de tratamento tanto do ponto de vista farmacológico quanto da utilização de procedimentos ou recursos extraordinários de manutenção da vida, quer dizer, manutenção de vida por meio de equipamentos. A eutanásia ativa configura-se naqueles casos em que há um procedimento ativo do médico, ou de outro profissional da saúde, propiciando ou acelerando a morte do paciente (SANVITO, 2002, p. 66).

4.2.1 – Suicídio Assistido

O suicídio assistido, ou auxílio ao suicídio, “ocorre com a participação material, quando alguém ajuda a vítima a se matar oferecendo-lhe meios idôneos para tanto” (BORGES, 2007, p. 235). 

Para Roxana Cardoso Brasileiro Borges,

Para que a ação de auxílio ao suicídio tenha a valoração de eutanásia, é preciso que o paciente tenha solicitado a ajuda para morrer, diante do fracasso dos métodos terapêuticos e dos paliativos contra as dores, o que acaba por retirar a dignidade do paciente, segundo seu próprio entendimento (BORGES, 2007, p. 235).

A pessoa que induz, instiga ou auxilia o suicídio incorre nas sanções do artigo 122 do Código Penal, que prescreve:

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio.

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de

1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Suicídio assistido e eutanásia são condutas que não podem ser confundidas. Enquanto no suicídio assistido, a morte é resultado de uma ação da própria vítima, que foi orientada, auxiliada ou apenas assistida por terceiro, na eutanásia, a morte resulta diretamente de uma ação ou omissão de terceiro.

4.3 – Distanásia

Distanásia é um termo pouco conhecido na área da saúde, mas que, ao contrário da eutanásia, que é muito menos praticada, está sendo uma praxe nos hospitais de hoje (PESSINI, 2002). Para Léo Pessini (2002, p. 76), “trata-se de atitude médica que, visando salvar a vida do paciente terminal, submete-o a grande sofrimento”.

O termo, segundo o autor, é de origem grega, tendo o prefixo dys o significado de “ato defeituoso”. Assim, o termo significa o “prolongamento exagerado da morte de um paciente” (PESSINI, 2002, p. 76), podendo ser empregado como sinônimo de tratamento inútil, pois, nesta conduta, não se encomprida a vida propriamente dita, mas o processo de morrer.

Este “prolongamento exagerado da morte” também pode ser chamado de obstinação terapêutica que constitui:

Uma prática médica excessiva e abusiva decorrente diretamente das possibilidades oferecidas pela tecnociência e como o fruto de uma teimosia de estender os efeitos desmedidamente, em respeito à condição da pessoa doente. A obstinação terapêutica surge como um ato profundamente anti-humano e atentatório à dignidade da pessoa e a seus direitos mais fundamentais (BAUDOUIN, Jean-Louis; BLONDEAU, Danielle. apud BORGES, 2007, p. 231).

Criticando esta conduta, Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2007), ressalta que nessas situações em que os tratamentos se tornam um fim em si mesmos, o paciente está em risco de sofrer medidas desproporcionais, já que os interesses da tecnologia deixam de estar subordinados aos interesses do ser humano. Conclui, então, que a distanásia “é expressão da obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia, sem a devida atenção em relação ao ser humano” (BORGES, 2007, p. 236).

Léo Pessini (2002, p. 77) considera que “a distanásia (obstinação terapêutica) começou a se tornar um problema ético de primeira grandeza à medida que o progresso técnico-científico começou a interferir de uma forma decisiva nas fases finais da vida humana”. Sua prática, conforme Maria de Fátima Freire de Sá (2005, p. 39) está do lado oposto da eutanásia e “dedica-se a prolongar, ao máximo, a quantidade de vida humana, combatendo a morte como grande e último inimigo”. A distanásia, portanto, não é uma modalidade de eutanásia, mas exatamente o seu inverso.

4.4 – Ortotanásia

Em oposição à distanásia, está a ortotanásia que, em termos simples, quer dizer morte correta. O termo orto significa certo e a tradução do vocábulo grego thanatos é morte.

Na ortotanásia [03], o processo de morte ocorre naturalmente. Afinal, a conduta que lhe é própria tem caráter omissivo, qual seja o de suspensão do tratamento médico que adia, injustificadamente, a concretização do evento morte. Segundo Maria de Fátima Freire de Sá,

Entende-se que a eutanásia passiva, ou ortotanásia, pode ser traduzida como mero exercício regular da medicina e, por isso mesmo, entendendo o médico que a morte é iminente, o que poderá ser diagnosticado pela própria evolução da doença, ao profissional seria facultado, a pedido do paciente, suspender a medicação utilizada para não mais valer-se de recursos heróicos, que só têm o condão de prolongar sofrimentos (distanásia) (SÁ, 2005, p. 134). 

É importante ressaltar que, mesmo talvez sendo considerada como exercício regular da medicina, é necessária a consulta à família, pois são “os parentes os guardiões dos interesses do doente incapaz” e, também, “porque tal medida traria segurança ao médico, evitando-se possível ação judicial em face do profissional” (SÁ, 2005, p. 135).

A ortotanásia não está prevista no Código Penal Brasileiro. Entretanto, no Anteprojeto para modificação da Parte Especial do Código Penal, havia previsão, no artigo 121, para a ortotanásia, como hipótese de exclusão de ilicitude:

Eutanásia

§3º - Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:

Pena – reclusão de três a seis anos.

Exclusão de ilicitude

 §4º - Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Esta modificação na Parte Especial do Código Penal não aconteceu, mas é de se notar que, acompanhando os ditames doutrinários, já naquele projeto de lei, nos casos de eutanásia e de ortotanásia, há a exigência do pedido do paciente, ou do seu consentimento. No caso da ortotanásia, como foi prescrito no §4º, é admitido o consentimento do ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão na impossibilidade de o paciente expressar sua vontade. No Código Penal vigente, porém, “o pedido da vítima não serve para afastar a ilicitude, sendo o consentimento irrelevante para a caracterização do que se chama eutanásia” (BORGES, 2007, p. 239).



 

5 – PROPOSIÇÕES ACERCA DO DIREITO DE MORRER DIGNAMENTE

Considerando tudo que se expôs ao longo do trabalho, parece certo que a proteção jurídica direcionada à vida volta-se para a vida humana digna, o que implica reconhecer a pessoa como um fim último e jamais como recurso para alcance de quaisquer outras finalidades. Assim, se também parece inquestionável caber ao Estado permitir que o ser humano desenvolva sua personalidade de forma saudável, impõe-se autorizar que ele exerça a liberdade. Fundindo tais aspectos, pode-se dizer que a vida deve ser concretizada através da liberdade. E, sendo assim, se a morte é apenas uma fase da vida, talvez ela também possa ser livremente escolhida pela própria pessoa. Senão, veja-se.

Parece certo que se impõe que a proteção jurídica à vida volte-se para a vida digna, o que implica reconhecer que o ser humano pode exigir ser respeitado como um fim em si mesmo. Da mesma forma, certo é que cabe ao Estado permitir que o ser humano desenvolva sua personalidade de forma saudável, o que pode ser fruto da autorização para que se exerça a liberdade.

O artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988 apresenta como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana. Há situações, porém, em que a defesa desta apresenta-se de uma forma muito delicada. São situações que envolvem os direitos fundamentais à vida e à liberdade.

A vida, como demonstrado ao longo deste trabalho, não se resume apenas a seu caráter biológico, mas integra-se também de elementos psíquicos e espirituais que compõem a personalidade da pessoa. A concepção deste direito não deve ser feita de forma isolada, mas à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

A liberdade, por seu turno, é um direito cujo exercício propicia o desenvolvimento da personalidade. Tal direito, como já ressaltado, encontra seus limites na liberdade alheia, ou seja, uma pessoa pode exercer sua liberdade sem, com isso, invadir a liberdade de outra. O fato de o homem viver em sociedade revela a necessidade deste limite.

Analisados estes direitos, fica mais fácil apresentar e discutir um polêmico tema que a eles se relaciona, qual seja: a reivindicação ao direito de morrer dignamente das pessoas com doença grave e incurável, que estejam em estado terminal, assim definido pela medicina.

Todos os dias, no mundo todo, pessoas nesta situação pedem que lhes seja permitido morrer, por si mesmas, ou que seja permitido que outras pessoas as matem (DWORKIN, 2003).

Seguindo esta linha, Ronald Dworkin complementa:

Os médicos dispõem de um aparato tecnológico capaz de manter vivas – às vezes por semanas, em outros casos por anos – pessoas que já estão à beira da morte ou terrivelmente incapacitadas, entubadas, desfiguradas por operações experimentais, com dores ou no limiar da inconsciência de tão sedadas, ligadas a dúzias de aparelhos sem os quais perderiam a maior parte de suas funções vitais, exploradas por dezenas de médicos que não são capazes de reconhecer e para os quais já deixaram de ser pacientes para tornar-se verdadeiros campos de batalha. Situações desse tipo nos aterrorizam a todos. Também temos medo – alguns mais que outros – de viver como um vegetal inconsciente, mas escrupulosamente bem cuidados. Cada vez mais, nos damos conta da importância de tomar uma decisão com antecedência: queremos ou não ser tratados desse modo? (DWORKIN, 2003, p. 252).

Amedronta a todos a idéia de viver em estado vegetativo. Este medo faz com que muitas pessoas reflitam sobre o modo como gostariam de ser tratadas caso enfrentassem uma doença grave incurável, encontrando-se em estado terminal.

Estas questões sempre vêm à tona quando se fala dos avanços da medicina. Eles contribuíram para que, atualmente, o próprio paciente reivindicasse o direito de morrer dignamente. “Há uma preocupação sobre a salvaguarda da qualidade de vida da pessoa, mesmo na hora da morte” (BORGES, 2001, p. 284). Entretanto, segundo Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p. 284), “alguns procedimentos médicos, em vez de curar ou propiciar benefícios ao doente, têm apenas prolongado o processo de morte”.

Biologicamente, pessoas podem ser mantidas em funcionamento indefinidamente, de forma artificial, sem nenhuma perspectiva de cura ou melhora (BORGES, 2001, p. 284). A esse respeito, Cimon Hendrigo Burmann de Souza questiona:

será que toda essa tecnologia está  mesmo a serviço da pessoa humana, tornando a morte, que também é parte integrante da vida, um evento mais digno? Ou será que a tecnologia, em vez de somente acrescentar vida aos anos, busca também prolongar o sofrimento durante a fase final da existência? (SOUZA, 2002. p. 141).

Se a vida não vai ser considerada apenas no seu caráter biológico, mas também na acepção mais biográfica (SILVA, 2003, p.196), seria justo prolongar artificialmente a vida de uma pessoa já em estado terminal? É possível deixar ao sujeito a escolha do momento de morrer? Por mais amplo que seja o direito a liberdade, ele abrangeria também esta opção?

No desenvolvimento deste trabalho, foram trazidas considerações acerca das modalidades de abreviação da vida. Entretanto, é necessário explicar o que vem a ser o polêmico e reivindicado direito de morrer dignamente. Para Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

O direito de morrer dignamente é a reivindicação por vários direitos, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência; refere-se ao desejo de se ter uma morte humana, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. Isso não se confunde com o direito de morrer. Esse tem sido reivindicado como sinônimo de eutanásia ou de auxílio ao suicídio, que são intervenções que causam a morte. Não se trata de defender qualquer procedimento que cause a morte do paciente, mas de reconhecer a sua liberdade e sua autodeterminação (BORGES, 2007, p. 232).

Por envolver a vida, que é um direito fundamental e, por isso, indisponível, esta solicitação está cercada de polêmicas.

O ordenamento jurídico brasileiro não prevê o direito de morrer dignamente. A eutanásia, em sua modalidade ativa, configura crime de homicídio privilegiado, em virtude do sentimento de piedade que impulsiona o agente, conforme o artigo 121, § 1º do Código Penal. Também é crime induzir, instigar ou auxiliar a suicídio, de acordo com o artigo 122 do mesmo diploma legal.

A distanásia, que, contrariamente à eutanásia, tem o foco na manutenção da vida, através do prolongamento exagerado do tratamento, é uma conduta que está se tornando cada vez mais comum nos hospitais (PESSINI, 2002). Entretanto, tal conduta, também chamada de obstinação terapêutica, constitui uma prática que atenta contra a dignidade humana, uma vez que, com o prolongamento do tratamento de um paciente já em estado terminal, prolonga-se, também, a agonia e o processo de morte.

De lado oposto, está a ortotanásia, a modalidade passiva da eutanásia, cujo caráter é omissivo, importando na suspensão do tratamento médico que adia, injustificadamente, a concretização do evento morte. A ortotanásia é conduta atípica perante o Código Penal Brasileiro, talvez podendo ser considerada como exercício regular da medicina. Entretanto, para sua configuração, é também necessária a solicitação do paciente, já que apenas este pode decidir sobre sua vida.

Mesmo sendo reconhecida a autonomia do paciente, não há que se esquecer a irrenunciabilidade e a indisponibilidade do direito à vida. Por isso, não é possível que uma pessoa solicite que outra a mate ou lhe auxilie a suicidar. Isto, porém, não justifica o prolongamento exagerado de um tratamento, haja vista a irreversibilidade do estado do paciente e o prolongamento de seu sofrimento.

A vedação à prática do auxílio ao suicídio e da eutanásia (homicídio privilegiado) não serve para permitir ou justificar a distanásia. Enquanto aquelas antecipam a morte abreviando a vida, esta prolonga a vida, de forma artificial, e o processo de morte. A distanásia visa a prolongar a vida, não tendo por objetivo propiciar sua qualidade.

Assim, a ortotanásia parece responder melhor aos anseios de pacientes que reivindicam o direito de morrer dignamente, posto que, por meio de tal conduta, o processo de morrer ocorre naturalmente. Não há a abreviação da vida nem o prolongamento de um tratamento inútil.

A opção pela ortotanásia permite fazer uma importante distinção entre tirar uma vida e deixar uma pessoa morrer. Para Norman Geisler (1997, p. 198), “o primeiro ato pode ser errado, ao passo que o último, na mesma situação, não precisa ser errado”. Retirar o medicamento de um paciente em estado terminal – desde que haja consentimento – e deixá-lo morrer naturalmente não parece ser um mal moral, talvez seja a coisa mais misericordiosa a se fazer. O autor complementa seu raciocínio: 

Isto não quer dizer que um médico deva dar remédios ou fazer uma operação para apressar a morte – isto poderia, muito provavelmente, ser assassinato. Mas esta posição realmente subentende que permitir misericordiosamente a morte do sofredor é moralmente certo, ao passo que precipitar sua morte não o é. Os remédios devem ser dados para aliviar o sofrimento mas não para apressar a morte. Se, porém, a falta de remédios ou da máquina pode diminuir o sofrimento ao permitir que a morte ocorra mais cedo, então por que se deve ficar moralmente obrigado a perpetuar o sofrimento do paciente por meios artificiais? Em síntese, matar envolve tirar a vida de outra pessoa, ao passo que a morte natural não o envolve; é meramente deixar a pessoa morrer. O homem é responsável por aquele ato, mas Deus é responsável por este (GEISLER, 1997, p. 198. Grifos no original).

É importante relembrar que, ainda que se entenda a ortotanásia como exercício regular da medicina, é necessária a solicitação do paciente, no sentido da interrupção do tratamento a que está sendo submetido.

Para se evitar uma possível responsabilização do médico, sugere-se um pedido judicial, com ciência do hospital, ao qual deve-se anexar a solicitação escrita do paciente, um laudo contendo toda a história da doença, bem como os tratamentos que lhe foram oferecidos, a opinião escrita de dois médicos não envolvidos no caso e a comprovação de que o paciente recebeu um acompanhamento psicológico para comprovar a veracidade do pedido (SÁ, 2005). 

Em que pesem a indisponibilidade do direito à vida e o fato de que somente a pessoa pode decidir sobre a manutenção de seu tratamento, não se pode esquecer dos casos em que o paciente não pode se manifestar em virtude do estado de inconsciência. Nesses casos, poderia a solicitação partir dos familiares do paciente? Para esses casos, ousa-se sugerir, também, o pedido judicial feito pela família – cônjuge, companheiro (a), ascendente, descendente ou irmão (ã) – solicitando ao juiz a permissão para a suspensão do tratamento [04]. Para esta hipótese, seria necessário anexar também a documentação indicada para o pedido, principalmente a solicitação do paciente, feita em momento anterior ao estado de inconsciência. Solicitação esta que embasaria o pedido judicial proposto pela família à qual se deu legitimidade. A possibilidade de o pedido judicial ser feito pela família, conforme determinação do paciente, reforça a idéia da autonomia deste. 

As sugestões feitas neste trabalho não têm o objetivo de esgotar o tema, haja vista sua complexidade. A defesa da ortotanásia como a melhor forma de atender aos anseios de pacientes em estado terminal que reivindicam a própria morte justifica-se pelo fato de que a dignidade da pessoa será respeitada e sua autonomia será reconhecida.

O que se pretende, portanto, é mostrar que o ser humano tem o direito de reivindicar um fim de vida digno, o que representa aceitar que a morte faz parte da vida, não devendo esta ser mantida às custas de dor e sofrimento.

6 – CONCLUSÃO

O assunto abordado neste trabalho, o direito de morrer dignamente, revela um importante e atual questionamento da humanidade. Porém, devido a sua complexidade, o presente trabalho não teve por objetivo esgotar o tema.

Como foi apresentado, a vida e a liberdade são direitos fundamentais que estão intimamente ligados ao desenvolvimento da personalidade do ser humano. Ocorre que, diante de situações de doença grave ou estado terminal, alguns pacientes reivindicam o direito de morrer dignamente, a fim de não se tornarem vítimas de tratamentos prolongados que aumentam seu sofrimento.

Nesta situação específica, a liberdade poderia se sobrepor à vida, sendo possível reconhecer ao paciente autonomia para solicitar que alguém finalize sua vida ou lhe auxilie a fazê-lo?

Para responder ao questionamento, foi necessário discorrer sobre ambos os direitos e apresentar as modalidades de disposição da vida solicitadas por pacientes que reivindicam a própria morte. Analisou-se também os avanços da medicina na preservação da vida e a consideração da morte como fase integrante da vida, bem como a relação médico-paciente e a autonomia privada deste.

Constatou-se que a proteção jurídica deve voltar-se para a vida digna, o que implica reconhecer que o homem pode exigir ser respeitado como um fim em si mesmo. Verificou-se também que cumpre-se não desmerecer a manifestação de vontade da pessoa, desde que esta tenha capacidade para fazê-lo e que tal manifestação seja devidamente emitida, sendo assim possível reconhecer autonomia ao ser humano. 

Ao final, chegou-se ao entendimento de que é possível atender à reivindicação de morte do paciente em estado terminal ou portador de doença grave incurável sem, com isso, retirar-lhe a vida ou prolongar seu sofrimento com um tratamento exagerado.

Concluiu-se, sem a pretensão de impor uma resposta definitiva ao problema, que a ortotanásia seria a melhor forma de atender aos anseios do paciente, posto que, por meio de tal conduta omissiva, não há interrupção de vida – como ocorre na eutanásia e no suicídio assistido – nem prolongamento indevido do tratamento – como ocorre na distanásia. Pelo contrário, a ortotanásia permite que o processo de morte ocorra naturalmente, sem interferências, buscando promover mais qualidade à vida do paciente. Esta opção, além de reconhecer a autonomia do paciente, vem ao encontro de um dos propósitos da República Federativa do Brasil, qual seja a promoção da dignidade da pessoa humana.



 

7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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8 – REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

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Notas

1.   No livro “Domínio da Vida. Aborto, eutanásia e liberdades individuais” de Ronald Dworkin (2003), o tradutor Jefferson Luiz Camargo usa o termo competência. Entretanto, parece mais adequada a utilização do termo capacidade. Neste trabalho, este termo será utilizado para substituir o termo competência nas citações feitas à obra de Dworkin.

2.   No livro “Domínio da Vida. Aborto, eutanásia e liberdades individuais” de Ronald Dworkin (2003), o tradutor Jefferson Luiz Camargo usa o termo competência. Entretanto, parece mais adequada a utilização do termo capacidade. Neste trabalho, este termo será utilizado para substituir o termo competência nas citações feitas à obra de Dworkin. Pelo mesmo motivo, os termos competente e incompetente também serão substituídos, neste trabalho, pelos termos capaz e incapaz, respectivamente.

3.   Importante ressaltar que o Conselho Federal de Medicina autorizou a prática da ortotanásia, através da Resolução nº 1.805/2006,  publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169. Tal Resolução, porém, encontra-se suspensa por decisão liminar do M. Juiz Dr. Roberto Luis Luchi Demo, nos autos da Ação Civil Pública n. 2007.34.00.014809-3, da 14ª Vara Federal, movida pelo Ministério Público Federal. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm. Acesso em: 06/11/2007.

4.   A exemplo do caso de Antony Bland ilustrado no capítulo O Direito à Liberdade. A relação médico-paciente e a Autonomia Privada. Caso extraído da obra de Ronald Dworkin: Domínio da Vida: Aborto, eutanásia e liberdades individuais - 2003.