O Direito do Trabalho, a Constituição Federal principiológica e a inclusão social


Porjeanmattos- Postado em 18 outubro 2012

 

Breve análise da inclusão social do trabalhador com vistas ao Direito do Trabalho e à Constituição da República.

Por Gabriela Calixto Guilherme


1. O Direito do Trabalho frente ao desafio da inclusão social

O Direito do Trabalho é o ramo do Direito formado pelo conjunto de regras e princípios jurídicos que protege as relações trabalhistas e, em especial, a relação de emprego. Neste particular, mister faz apontar o conceito do grande jurista Mauricio Godinho Delgado o qual define o Direito Material do Trabalho, enfatizando que este compreende o Direito Individual e o Coletivo do Trabalho, da seguinte forma:

[...] complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas. [1]

 

Também o nobre estudioso Amauri Mascaro Nascimento formula uma discussão acerca do conceito contemporâneo de direito do trabalho, enfatizando que "o direito do trabalho tem sido mais vivido do que conceituado..." [2] afirmando com brilhantismo que existem concepções contemporâneas sustentando que há uma diversidade de formas de trabalho que surgiram com a superação do contrato-tipo padronizado da sociedade industrial.

É o ramo do Direito que regulamenta o vínculo entre empregado e empregador, sendo o primeiro caracterizado pelo artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho como a pessoa física que presta serviços de caráter não eventual, com subordinação e mediante pagamento de salário, enquanto que, pelo artigo 2º do mesmo diploma legal, tem-se que empregador é a empresa que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, dirige e assalaria a prestação pessoal de serviço. É relevante destacar que esse ramo do Direito deve ser interpretado e aplicado sempre em respeito à atual Constituição Federal, que se preocupou muito com a tutela daquele vínculo, prevendo direitos gerais e específicos aos trabalhadores. O trabalho, antigamente, era visto como algo próprio da margem menos favorecida da sociedade, que devia ceder sua força de trabalho em troca de muito pouco ou quase nada. Mais modernamente, este fato ganhou força no Brasil com o advento da atual Carta Magna, e o trabalho passou a ser visto como aquilo que dá à pessoa a oportunidade de inclusão social, o que eleva sua importância perante a sociedade e traz dignidade à sua vida. A Constituição Federal de 1988, portanto, solidificou a importância do trabalho, prevendo os valores sociais do trabalho como fundamento da República e consolidando inúmeros direitos dos trabalhadores. Com isso, fica demonstrada a importância de interpretar a Consolidação das Leis do Trabalho com base na Constituição Federal brasileira.

Porém, neste item, pretende-se dar destaque ao Direito do Trabalho brasileiro, enfatizando que sua não aplicação é mecanismo responsável pela exclusão social não das minorias, e sim da grande maioria de cidadãos que aqui vive.A discussão que se pretende demonstrar é fruto de um estudo feito pelo consagrado jurista Mauricio Godinho Delgado, que num brilhante apontamento descreve com altivez toda a problemática que se vai relatar. Este estudioso [3] entende que é através do Direito do Trabalho que a desigual sociedade capitalista consegue atingir um patamar de justiça social, sendo que a Europa Ocidental se preocupou em instaurar condições mais modernas e civilizadas de gerir a força laborativa, enquanto que no Brasil o Direito do Trabalho não alcançou esse progresso. Ao levar-se em conta que esse ramo especializado do Direito é um importante incentivo à economia, vê-se que o progresso está intimamente relacionado com sua implementação, tanto que Mauricio Delgado afirma que os países econômica, social e culturalmente mais desenvolvidos são aqueles que têm o maior índice de retribuição ao trabalho, e ainda:

Tudo isso significa que o Direito do Trabalho foi o grande instrumento que as democracias ocidentais mais avançadas tiveram de integração social, de distribuição de renda, de democracia social. Um poderoso e eficaz instrumento que conseguiu exatamente estabelecer uma forma de incorporação do ser humano ao sistema socioeconômico, em especial daqueles que não tenham outro meio de afirmação senão a própria força de seu labor. Trata-se de uma generalizada e eficiente modalidade de integração dos seres humanos ao sistema econômico, ainda que considerados todos os problemas e diferenciações da vida social, um notável mecanismo assecuratório de efetiva cidadania. Está-se diante, pois, de um potente e articulado sistema garantidor de significativo patamar de democracia social. Em síntese, naqueles países líderes do capitalismo, considerado sua população economicamente ativa, mais de 80% do pessoal ocupado está regido pelo Direito do Trabalho. 

[...] 

A evolução jurídico-trabalhista no Brasil – em contraponto ao padrão europeu ocidental – evidencia, irrefutavelmente, a recusa sistemática à generalização do Direito do Trabalho em nossa economia e sociedade. Esta omissão histórica tem constituído, no fundo, um dos mais poderosos veículos de exclusão social das grandes maiorias no país. 

[...] 

Em síntese, há uma tradição na evolução do capitalismo neste país que se demarca pelo singular desprestígio e isolamento aqui conferidos ao Direito do Trabalho. Em contraponto à vitoriosa experiência democrática européia ocidental, no Brasil cuidou-se de refrear a expansão do ramo jurídico-trabalhista especializado ao conjunto da economia e sociedade – certamente objetivando atenuar seu comprovado efeito distributivo de poder e renda no contexto socioeconômico. [4]

 

Dessa forma, percebe-se que no Brasil o próprio Direito do Trabalho não é aplicado da forma que deveria ser, para impulsionar o país ao progresso e ao alcance de justiça social. Diante disso, se a grande maioria da população já se encontra excluída da proteção das normas jurídicas trabalhistas, o que esperar com relação às minorias? Realmente urge a necessidade de se encontrar mecanismos para reduzir as desigualdades que a própria evolução da sociedade brasileira consagrou. Essa tarefa não é simples, mas se cada cidadão se conscientizar um mínimo que seja, estar-se-á dando os primeiros passos para a tentativa de reduzir a desigualdade existente nesse país.

2 Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é o primeiro a ser analisado, tendo em vista sua suprema importância no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente após o advento da Constituição Federal de 1988. A doutrina o considera o postulado fundamental e a base principiológica da atual Carta Magna, não raras vezes dizendo que é a razão dos demais princípios, pelo que se desrespeitado, ferirá diversos outros valores que o ser humano possui. Sua importância é revelada ao inaugurar a Constituição Federal como fundamento da República, logo em seu artigo 1º, o qual determina:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: 

I – a soberania; 

II – a cidadania; 

III – a dignidade da pessoa humana; 

[...]

 

Para situar a posição desse princípio na ordem constitucional brasileira, salienta-se sua razão e seu surgimento. Ingo Wolfgang Sarlet [5] esclarece que, como forma de reagir ao período autoritário que se instaurou, a Carta Constitucional atual foi a primeira no ordenamento jurídico pátrio a prever título destinado somente aos princípios fundamentais, entre o preâmbulo e os direitos fundamentais, querendo o Constituinte destacar sua qualidade de norma que informa e embasa toda a ordem jurídica constitucional, além do reconhecimento sem precedentes, do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito. O autor ainda faz menção a alguns países que igualmente possuem em seu texto constitucional o referido princípio: Alemanha, Espanha, Grécia, Irlanda, Portugal, Itália, Bélgica, Paraguai, Cuba, Venezuela, Peru, Bolívia, Chile, Guatemala e Rússia.

A dignidade é um valor inerente à pessoa. Sua análise provoca uma questão debatida entre os estudiosos, por meio da qual uns defendem seu caráter absoluto enquanto que outros pugnam pela sua relativização. Rizzatto Nunes entende que "[...] a dignidade é garantida por um princípio. Logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo." [6] Com relação à aplicação do princípio da dignidade, o mesmo autor enfatiza que:

Está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação social pautado no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional. Aliás, é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas. 

O esforço é necessário porque sempre haverá aqueles que pretendem dizer ou supor que Dignidade é uma espécie de enfeite, um valor abstrato de difícil captação. Só que é bem ao contrário: não só esse princípio é vivo, real, pleno e está em vigor como deve ser levado em conta sempre, em qualquer situação.

A própria Constituição Federal, de certa forma, impõe sua implementação concreta. [7]

 

Conforme foi demonstrado acima, é característica inata do ser humano a dignidade. A pessoa nasce digna de respeito e deve o mesmo apreço aos outros com quem se relaciona. O trabalho é parte integrante da vida da grande maioria das pessoas e é por meio dele que colhem frutos para poder gozar de sua existência de forma saudável, com alimentação, saúde e educação garantidas. Diferentemente do que ocorria no passado, com a triste realidade da escravidão, hoje o trabalho é visto, por diversos estudiosos, como forma de dignificação do homem, e a esse deve ser assegurada a proteção de sua dignidade tanto na vida pessoal quanto nas relações de trabalho. Christiani Marques mostra bem a importância dessa discussão dizendo que:

O princípio da dignidade humana busca propiciar melhores condições de vida ao empregado. Na dignidade humana se valoriza o trabalho humano; na igualdade ou não-discriminação se combatem as desigualdades ou permite-se alguma diferença, desde que legítima e justificada, [...] [8]

 

Essa mesma estudiosa, ainda com relação à dignidade do trabalhador, cita, dentre outros, os dizeres de Orlando Teixeira da Costa que enfoca o absoluto liame do princípio com a figura do empregado, como a seguir se destaca:

[...] ao falar-se de dignidade da pessoa humana quer-se significar a excelência que esta possui em razão da sua própria natureza. Se é digna qualquer pessoa humana, também o é o trabalhador, por ser uma pessoa humana. É a dignidade da pessoa humana do trabalhador que faz prevalecer os seus direitos, estigmatizando toda manobra tendente a desrespeitar ou corromper de qualquer forma que seja esse instrumento valioso, feito à imagem de Deus. [9]

 

Assim, restou demonstrada a extrema relevância do princípio da dignidade da pessoa humana, como norteador do ordenamento jurídico brasileiro (e comparado), na medida em que é base fundamental à interpretação e à aplicação de todas as outras normas constitucionais e infra-constitucionais, devendo-se primar por sua prevalência nas relações entre indivíduos (destacando-se, aqui, a relação entre empregado e empregador), bem como nas relações entre o próprio Estado com os indivíduos.

3 Princípio da igualdade

O princípio da igualdade, também chamado de princípio da isonomia, possui ampla relevância no ordenamento constitucional positivo pátrio e comparado, posto que assume o papel de afastar todo tipo de discriminação e tratamento desigual aos cidadãos que se encontram numa mesma situação fática. Está previsto na atual Carta Constitucional brasileira, no caput do artigo 5º, inaugurando o título II, o qual enuncia: "Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]."

A doutrina explica qual o âmbito de aplicação desse princípio, e demonstra dois sentidos que dele decorrem. Emmanuel Teófilo Furtado esclarece que:

É assente nas modernas Cartas Políticas, no que não difere a nossa, a elevação da parêmia de que todos são iguais perante a lei. É de se entender que tal eleição não implica tão-somente o nivelamento dos cidadãos diante da norma positivada, mas, ainda, que não há que se legiferar em ferida à isonomia. 

Destarte, tanto o autor da lei, o legislador, quanto o seu aplicador, o intérprete, são conclamados a observar o princípio da igualdade em seus ministérios. 

Conclui-se, pois, que o dever de tratar com igualdade os cidadãos está tanto no ato do legislador de confeccionar norma isonômica, quanto no ato do intérprete de aplicar a norma isonomicamente. [10]

 

No mesmo sentido, o notável jurista Celso Antônio Bandeira de Mello destaca:

1. Rezam as constituições – e a brasileira estabelece no art. 5º, caput – que todos são iguais perante a lei. Entende-se, em concorde unanimidade, que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia. 2. O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas. [...] A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. [11]

 

Lembra ainda, Emmanuel Teófilo Furtado [12] o raciocínio aristotélico por meio do qual deve-se dispensar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, apontando uma característica importante do princípio em tela, seu caráter flexível. Diz não ser razoável tratar com diferença uma pessoa gorda e outra magra, posto que tal diferença não possui relevância alguma. Porém, exemplifica, num critério de admissão de modelos para um trabalho, justifica-se uma diferenciação entre mulheres gordas e magras, visto que é exigência do trabalho um corpo magro. Assim, em determinados casos, é exigido um tratamento desigual, e nesses casos, não se estará desenvolvendo um ato ilegal, nem mesmo ocasionando-se desrespeito ao princípio da isonomia.

A título de contextualização do princípio da igualdade no ordenamento jurídico brasileiro, assevera Emmanuel Furtado [13] que tal norma foi incorporada na Constituição do Império de 1824, em seu art. 179, XIII, embora naquele período prevaleciam o regime escravocrata, as prerrogativas da classe nobre e o voto censitário. Destaca, também, que as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1967, 1969 além da atual, previram o dispositivo.

Insta salientar, ainda, que a doutrina revela dois ângulos que partem do princípio da igualdade: a igualdade formal e a material. Neste aspecto particular, brilhante diferenciação é feita pela professora Gisela Maria Bester, ao ensinar que:

A primeira e básica conotação que o princípio da igualdade recebeu foi a da igualdade de todos perante a lei, significando o direito de cada um a ter direitos iguais a todos os demais, ou, por outro lado, o direito de não receber qualquer tipo de tratamento discriminatório. Esta é a acepção clássica da igualdade, a igualdade formal, típica do Estado Liberal de Direito, que visivelmente fez uma opção filosófica e ideológica pela preponderância do direito à liberdade em detrimento da igualdade e da fraternidade. [...]

Para fazer frente a essa grave disparidade que desigualizava as pessoas na vida concreta, foi preciso pois o engenho de uma outra espécie de igualdade, a de cunho material ou substancial, destinada a dotar todas as pessoas de mínimas condições vitais para que assim munidas pudessem concorrer aos espaços sociais com melhores chances de sucesso. [14]

 

Além do princípio da isonomia vir tratado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, Emmanuel Furtado [15] destaca que, no campo do trabalho, a isonomia está presente no artigo 7º do texto constitucional, no caput e incisos XVIII, XIX, XX, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV, os quais dispõem:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XVIII licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

XX proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

[...]

XXX proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

XXXII proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

[...]

XXXIV igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

[...].

 

Portanto, são esses os principais apontamentos feitos pelos estudiosos acerca do princípio constitucional da igualdade em seu caráter geral e específico aos trabalhadores, e ainda em seus aspectos formal e material.

4. Princípio da não-discriminação

Antes de adentrar ao conteúdo jurídico do princípio da não-discriminação, é importante o estudo da discriminação em si, para, então, possibilitar uma melhor compreensão do princípio.

Maurício Godinho Delgado [16], em um excelente artigo sobre o tema, explica que o direito possui regras de caráter positivo e outras de caráter negativo, sendo que as primeiras imputam vantagens jurídicas aos titulares, enquanto que as de caráter negativo inviabilizam condutas agressoras contra o patrimônio material e moral das pessoas, destacando que, dentre as de caráter negativo, estão as regras que combatem a discriminação. Enuncia de forma precisa o fenômeno, afirmando que:

Discriminação é a conduta pela qual nega-se à pessoa tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada. A causa da discriminação reside, muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma sua característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos (cor, raça, sexo, nacionalidade, riqueza, etc.). Mas pode, é óbvio, também derivar a discriminação de outros fatores relevantes a um determinado caso concreto específico. [17]

 

Não raras vezes a discriminação se exterioriza, causando marcas talvez nunca superadas pela vítima. A sociedade criou e acolheu práticas preconceituosas, que fazem parte do cotidiano de todos os seres humanos. Os fatores são vários, como a opção sexual, a cor da pele, doenças ou algum tipo de deficiência, estatura, peso, nacionalidade, religião, situação financeira etc. Práticas preconceituosas estão presentes em escolas, no ambiente de trabalho, em um mesmo núcleo familiar, e podem ser a origem da prática de agressões físicas e morais, e até criminosas.

A Carta Constitucional de 1988 é repleta de normas que visam a proteger o cidadão contra atos discriminatórios de qualquer natureza. No tocante à relação de emprego, porém, o atual diploma constitucional representou um divisor de águas. “[...] A Constituição de 1988 surgiu como o documento juspolítico mais significativo já elaborado na história do país acerca de mecanismos vedatórios a discriminações no contexto da relação de emprego.”18 No tocante mais especificamente ao trabalhador deficiente, o mesmo autor, Maurício Delgado, ensina que a Constituição Federal de 1988 trouxe uma inovação muito relevante, com a edição do artigo 7º, XXXI, existindo até jurisprudência nessa seara. [19] O referido dispositivo assim determina:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 

[...] 

XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; 

[...].

 

Faz-se mister esclarecer que a doutrina trata do princípio da não-discriminação juntamente com o princípio da igualdade, tendo em vista o natural liame que possuem.

Christiani Marques [20] contextualiza muito bem o princípio da não-discriminação, demonstrando que é garantido expressamente desde 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seus artigos 1º e 2º, também estando presente no artigo 2º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Em se tratando do ordenamento jurídico pátrio, aponta que esse princípio esteve consagrado em algumas de nossas Constituições, como por exemplo nas de 1934 e de 1946. A autora nos mostra ainda que eminentes estudiosos como Arnaldo Süssekind, Octavio Bueno Magano, além de Estevão Mallet entendem que o princípio está presente nos incisos XXX, XXXI e XXXII do art. 7º da Constituição Federal. Por fim, esclarece que em função da ampla vinculação do princípio da igualdade com o da não-discriminação, muitos dos incisos indicados referem-se a ambos os princípios.

No que tange à aplicação do princípio da não-discriminação aos trabalhadores, Gisela Maria Bester1 esclarece que a Constituição Federal de 1988 se destaca em razão de ter sistematizado as proteções antidiscriminatórias, que antes se encontravam dispersas. Elenca um rol de dispositivos que protegem o empregado contra discriminações. Dentre os que protegem a mulher, cita, exemplificadamente, os artigos 5º, I enfatizando que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e 7º, XX, o qual dá proteção, mediante incentivos, ao mercado de trabalho da mulher. Com relação à idade, destaca o art. 7º, XXX que proíbe diferenças decorrentes da idade e o art. 227, § 3º, II e III oferecendo garantias previdenciárias e trabalhistas, bem como o acesso à escola do trabalhador adolescente. Já aos estrangeiros, o art. 5º, caput, dá aos residentes no País a garantia de inviolabilidade de direitos fundamentais. Já no que se refere à proteção constitucional aos deficientes, Gisela Bester destaca o artigo 7º, XXXI o qual traz expressamente a proibição de discriminações com vistas a salário e admissão. Sobre os tipos de trabalho, indica o artigo 7º, XXXII determinando que não é permitida a distinção entre trabalhos manual, técnico e intelectual, além dos respectivos profissionais. Ainda, acerca dos trabalhadores avulsos, lembra que a Carta Magna consagra a igualdade entre esses em relação aos permanentes. Por fim, entende que por mais que a Constituição não tenha tornada explícita a proteção às doenças, essas encontram guarida no artigo 3º, IV, ao determinar que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem quaisquer outras formas de discriminação.

Portanto, restou demonstrada a tamanha importância do princípio da não-discriminação, como também quais aspectos a discriminação abrange. Sendo certo que há na Constituição brasileira atual uma enorme preocupação em proteger o indivíduo de atos que de qualquer forma o discriminem. A relação de emprego também recebeu tutela constitucional neste ponto.

[1] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. pp. 51-52.

[2] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 5.

[3] DELGADO, Mauricio Godinho. Direito do Trabalho e inclusão social – o desafio brasileiro. Revista LTr, São Paulo, vol. 70, nº 10, p.1159-1169, out. 2006.

[4] Idem, ibidem, p. 1162-1163.

[5] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 61-67.

[6] NUNES, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 46.

[7] Idem, ibidem, p. 50-51.

[8] MARQUES, Christiani. O contrato de trabalho e a discriminação estética. São Paulo: LTr, 2002. p. 147.

[9] Orlando Teixeira da Costa apud Christiani Marques, op. cit. p.142.

[10] FURTADO, Emmanuel Teófilo. Preconceito no trabalho e a discriminação por idade. São Paulo: LTr, 2004. p. 137.

[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 9-10.

[12] FURTADO, Emmanuel Teófilo. Op. cit. , p.137-138.

[13] Idem, ibidem, p.151-152.

[14] BESTER, Gisela Maria; TOPOROSKI, Michelle Caroline Stutz; ARAÚJO, Cassiana Marcondes de. Princípio da dignidade da pessoa humana e ações afirmativas em prol da inclusão das pessoas com deficiências no mercado de trabalho. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v.6, p. 70-71, 2004.

[15] FURTADO, Emmanuel Teófilo. Op. cit. , p. 185-186.

[16] DELGADO, Maurício Godinho. Proteções contra discriminação na relação de emprego. In: VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coord.). Discriminação. São Paulo: LTr, 2000. p. 97.

[17] Idem, ibidem, p. 97.

[18] Idem, ibidem, p. 99.

[19] Idem, ibidem, p. 106.

[20] MARQUES, Christiani. Op. cit. , p.167-169.

[21] op. cit. pp. 84-87.

 

 

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