O direito fundamental da liberdade de pensamento e de expressão


PorJeison- Postado em 25 fevereiro 2013

Autores: 
KRIEGER, Mauricio Antonacci.

 

Introdução

O presente ensaio tem como meta demonstrar alguns aspectos da liberdade de pensamento e, consequentemente, da liberdade de expressão deste pensamento, considerada como um direito fundamental.

O objetivo não é esgotar o tema, visto que a liberdade de pensamento é assunto que pode ser estudado em monografias e até mesmo em livros, tamanha a diversidade de detalhes que estão presentes. Assim sendo, serão observados os seus conceitos principais, bem como seus desdobramentos, afinal, a liberdade de pensamento abrange outros tantos conteúdos de suma importância. A liberdade de pensamento é matéria que engloba várias disciplinas do direito, como o Direito Civil, o Direito Penal e principalmente o Direito Constitucional.

Da liberdade de pensamento

A liberdade de pensamento está contida na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso IV,[1] considerada como um direito fundamental. Além disso, é corroborada com o dispositivo 220 também da Carta Magna que reza: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nessa Constituição.”

Faz parte da natureza do ser humano a comunicação com seus semelhantes, como forma de sociabilidade de todos. É normal que as pessoas exponham suas ideias em rodas de amigos, ou mesmo em assuntos profissionais, etc. Quando a pessoa expressa os seus pensamentos está, na verdade, mencionando suas opiniões, convicções sobre qualquer assunto, seja este assunto de importância ou de valor, ou sem nenhum valor relevante. Trata-se, pois, da liberdade de expressão do pensamento.[2]

Antes, porém, de tratar da liberdade de pensamento, faz-se necessário observar algumas considerações no que tange ao termo liberdade. Ora, liberdade é a escolha que uma pessoa possui de fazer algo ou de não fazer, depende da sua própria vontade. No entanto, tal direito não é absoluto, afinal nenhum direito é absoluto, ou seja, a pessoa não pode fazer o que bem entender, é livre apenas para fazer tudo aquilo que não é proibido por lei. Esse conceito é baseado no princípio da legalidade, que pode limitar as liberdades dos indivíduos.[3]

Conforme lição de José Afonso da Silva:

O conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. (...) Vamos um pouco além, e propomos o conceito seguinte: liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal. Nessa noção, encontramos todos os elementos objetivos e subjetivos necessários à ideia de liberdade; é poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão; não se dirige contra, mas em busca, em perseguição de alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a consciência de cada um, com o interesse do agente. Tudo que impedir aquela possibilidade de coordenação dos meios é contrário à liberdade.[4]

Retornando ao tema central da pesquisa, passa-se a tratar da liberdade de pensamento especificamente. Como foi referida anteriormente, a liberdade de pensamento está inserida na Constituição Federal, promovendo a todos os cidadãos o direito a livre manifestação do pensamento. O pensamento é, na verdade, um juízo de valor, é uma reflexão interna de quem está pensando, e no momento que é exteriorizado surge a opinião de seu emitente.[5]

A possibilidade de pensar está contida em todas as pessoas que gozam de saúde mental e possuem o mínimo de discernimento.[6]

O pensamento de cada um está estritamente ligado a sua intimidade, é um direito ainda mais restrito que a própria privacidade, pois diz respeito somente à pessoa que está pensando. Nos pensamentos de determinada pessoa podem acontecer os atos mais absurdos possíveis, é praticamente a mesma coisa que acontece quando estamos sonhando. Alguém pode sonhar ou simplesmente pensar acordado que é um ladrão, ou um assassino, ou que ama certa pessoa e deseja algo de ruim para outra. Tudo é livre[7] e permitido pela legislação, até mesmo, por questões óbvias, é impossível punir o pensamento. Nesse sentido é o magistério de Nelson Oscar de Souza quando menciona que “o pensar, o raciocinar, o refletir são absolutamente livres, pois que a ninguém e a nenhum organismo é lícito invadir essa esfera da interioridade humana.”[8]

A liberdade de pensar é, portanto, totalmente livre, cabendo a cada pessoa controlar aquilo que pretende exteriorizar, ou seja, no momento em que o pensamento deixa de ser um sentimento interno de cada um e passa a ser expresso na forma escrita ou falada,[9] ou qualquer outra maneira de expressão, o direito passa a impor limites. Em outras palavras, a manifestação do pensamento é passível de exame pela justiça “com a consequente responsabilidade civil e penal de seus autores.”[10]

No âmbito do direito civil, o ofendido tem o direito de reclamar danos morais e materiais em decorrência de eventual ofensa, com indenização a ser arbitrada pelo Poder Judiciário. Já na esfera criminal, existem os chamados crimes contra a honra, nos quais englobam a injúria, calúnia e difamação, todos com suas respectivas penas que, é claro, poderão ser aplicadas de acordo com a situação do caso concreto.

Celso Ribeiro Bastos faz uma constatação bastante interessante a respeito da liberdade de pensamento e de expressão. Para o autor, a pessoa não se conforma em ter uma opinião sobre determinado assunto, pois é do instinto do ser humano querer convencer às demais pessoas que suas teses são as corretas, que o mundo deve ser visto conforme sua visão referente ao que pensa.[11]

Ainda de acordo com Bastos:

A liberdade de pensamento nesta seara já necessita de proteção jurídica. Não se trata mais de possuir convicções íntimas, o que pode ser atingido independentemente do direito. Agora não. Para que possa exercitar a liberdade de expressão do seu pensamento, o homem, como visto, depende do direito. É preciso, pois, que a ordem jurídica lhe assegure esta prerrogativa e, mais ainda, que regule os meios para que se viabilize esta transmissão.[12]

Nessa mesma linha de raciocínio Manoel Ferreira Filho assevera que a liberdade de consciência se manifesta quando alguém age de modo a expor seu pensamento e procura ganhar os outros com suas ideias, ou seja, tenta convencer outras pessoas sobre suas crenças. Essas manifestações devem ser protegidas, “ao mesmo tempo em que impedidas de destruir ou prejudicar a sociedade.”[13]

Já no que tange ao direito de resposta, que é o direito de retrucar uma ofensa veiculada por meio de comunicação, a Constituição Federal assegura de forma explícita.[14] Nas palavras de Paulo Gustavo Branco:

O direito de resposta é meio de proteção da imagem e da honra do indivíduo que se soma à pretensão de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes do exercício impróprio da liberdade de expressão. O direito de resposta, portanto, não pode ser visto como medida alternativa ao pedido de indenização por danos morais e materiais.[15]

Ademais, cabe fazer referência ao fato de que o art. 222 da Constituição Federal[16] proíbe que estrangeiro seja dono, ou responsável de empresa jornalística ou de radiodifusão.[17]

Considerações finais

O tema, tratado neste ensaio, faz algumas reflexões acerca do direito fundamental das liberdades públicas, em especial à liberdade de pensamento.

O pensamento é um direito totalmente livre, cada pessoa pode pensar e refletir sobre o assunto que quiser e ter a opinião que bem entender. Assim, ninguém pode proibir alguém de pensar, mesmo que suas ideias sejam as mais absurdas possíveis, visto que, estamos falando do foro íntimo da pessoa, o mais íntimo de todos, o pensamento, que reflete o que cada um sente e esconde, os mais variados desejos e segredos.

No entanto, no momento que esse pensamento é expressado, da maneira que for, e atingir a honra de outra pessoa ou extrapolar os limites do aceitável, o direito surge para defender aqueles que se sentirem prejudicados, material ou moralmente, pelas opiniões ou reflexos do pensamento dos outros. Nestes termos, as consequências podem ser tanto relacionadas ao direito civil e, até mesmo, ao direito penal.

Referências

1 Art. 5.º, IV – É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato.

2 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Direitos Fundamentais em espécie. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p.403.

3 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. p.82.v.17.

4 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p.232.

5 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.140.

6 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.596.

7 Aloisio Cristovam dos Santos Junior é enfático ao afirmar que: “A observação não é vazia de sentido, na medida em que, como vimos, enquanto o pensamento não é externado, a liberdade de pensar é sempre livre e escapa ao controle do direito, pois não é possível obrigar a que alguém pense desta ou daquela forma.” (Grifou-se) (SANTOS JUNIOR, Aloisio Cristovam dos. A liberdade de organização religiosa e o Estado laico brasileiro. São Paulo: Mackenzie, 2007. p.36).

8 SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.427.

9 Nesse sentido Manoel Ferreira Filho aduz que: “A manifestação mais comum do pensamento é a palavra falada, pela qual alguém se dirige a pessoa ou pessoas presentes para expor o que pensa. Essa liberdade é consagrada pelo art. 5º, IV e V. Na verdade, é ela uma das principais de todas as liberdades humanas por ser a palavra uma das características fundamentais do homem, o meio por que este transmite e recebe as lições da civilização. A liberdade da palavra, todavia, não exclui a responsabilidade pelos abusos sob sua capa cometidos.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 29.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p.291).

10 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.39.

11 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p.187.

12 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p.187.

13 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 29.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p.290.

14 Art. 5º. V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização, por dano material, moral ou à imagem.

15 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Direitos Fundamentais em espécie. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p.406.

16 Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora, e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país.

17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 29.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p.292.

Obras consultadas

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 29.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2005.

PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. v.17.

SANTOS JUNIOR, Aloisio Cristovam dos. A liberdade de organização religiosa e o Estado laico brasileiro. São Paulo: Mackenzie, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

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