O equívoco na modulação temporal da vigência da paridade contributiva no regime de previdência complementar


PorJeison- Postado em 18 dezembro 2012

Autores: 
ROCHA, Leonardo Vasconcellos.

 

Uma das previsões relativas ao regime de previdência privada incluídas na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998, que reformulou seu art. 202, diz respeito à chamada paridade contributiva (§ 3º):

 

É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.

 

Em regra, estaria proibida a destinação de recursos públicos para fundos de pensão, salvo por meio de entidades públicas que assumissem a condição de patrocinadoras de um plano de benefícios operado por entidade de previdência complementar.

 

Neste caso excepcional, entretanto, fixou-se um balizamento, segundo o qual, em hipótese alguma, suas contribuições normais poderiam exceder àquelas vertidas por participantes e assistidos. Trata-se do instituto da paridade.

 

No corpo da citada EC nº 20/98, precisamente em seu art. 5º, previu-se, ainda, uma determinação responsável por conferir efeitos prospectivos à vigência de tal instituto. Eis ou seu teor:

 

Art. 5º - O disposto no art. 202, § 3º, da Constituição Federal, quanto à exigência de paridade entre a contribuição da patrocinadora e a contribuição do segurado, terá vigência no prazo de dois anos a partir da publicação desta Emenda, ou, caso ocorra antes, na data de publicação da lei complementar a que se refere o § 4º do mesmo artigo. (grifado)

 

Neste mesmo prazo de dois anos, a EC nº 20/98 determinou que as entidades deveriam providenciar o devido ajuste atuarial de seus planos de benefícios aos respectivos ativos:

 

Art. 6º - As entidades fechadas de previdência privada patrocinadas por entidades públicas, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista, deverão rever, no prazo de dois anos, a contar da publicação desta Emenda, seus planos de benefícios e serviços, de modo a ajustá-los atuarialmente a seus ativos, sob pena de intervenção, sendo seus dirigentes e os de suas respectivas patrocinadoras responsáveis civil e criminalmente pelo descumprimento do disposto neste artigo.(grifado)

 

E a lei complementar editada para, entre outros temas, dispor sobre tais inovações (a LC nº 108, de 29 de maio de 2001), acabou por praticamente reproduzir este último dispositivo em seu art. 27:

 

Art. 27. As entidades de previdência complementar patrocinadas por entidades públicas, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista, deverão rever, no prazo de dois anos, a contar de 16 de dezembro de 1998, seus planos de benefícios e serviços, de modo a ajustá-los atuarialmente a seus ativos, sob pena de intervenção, sendo seus dirigentes e seus respectivos patrocinadores responsáveis civil e criminalmente pelo descumprimento do disposto neste artigo. (grifado)

 

A identidade no prazo previsto tanto para o ajuste atuarial dos planos quanto para a vigência da paridade – de dois anos, a contar da publicação da Emenda – revela a relação direta entre ambas as situações. Ou seja, a ideia era de que os planos em situação deficitária buscassem o equilíbrio de suas contas por meio do aporte de recursos de seus respectivos patrocinadores, aproveitando o lapso temporal em que a paridade contributiva ainda não vigia.

 

Não por outra razão, o extinto Conselho de Gestão da Previdência Complementar – CGPC editou, à época, a Resolução nº 1, de 20 de dezembro 2000 (atualmente revogada pela Resolução CNPC nº 07, de 12 de setembro de 2011), com o seguinte teor:

 

Art. 1º. As entidades fechadas de previdência privada patrocinadas por entidades públicas, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista, quando da revisão de seus planos de benefícios e serviços para ajustá-los atuarialmente a seus ativos, deverão observar, a partir de 16 de dezembro de 2000, a paridade entre a contribuição patrocinadora e contribuição do segurado.

 

Art. 2º. A Secretaria de Previdência Complementar, quando da aprovação do ajuste atuarial das entidades referidas no artigo anterior, deverá exigir observância da proporcionalidade contributiva existente entre patrocinadora e segurados no período anterior a 16 de dezembro de 2000.

 

Art. 3º. Não se aplica o disposto no artigo anterior às entidades fechadas de previdência privada de que trata o art. 1º, quando do ajuste atuarial por intermédio de estímulo a migração de participantes de planos de benefício definido para contribuição definida. (grifado)

 

O fato é que a edição da mencionada resolução acabou por suscitar interpretações equivocadas.

 

É que, para alguns, aquele diploma, notadamente em razão do conteúdo de seu art. 3º, teria excepcionado a regra da paridade contributiva em período posterior ao termo estabelecido na EC nº 20/98. Ocorre que, como será visto adiante, o referido ato jamais poderia veicular previsão de tal ordem.

 

Uma análise pormenorizada de seu texto evidencia que os arts. 1º e 2º não traziam qualquer conteúdo de efeito prático, sendo meramente introdutórios do comando inscrito no art. 3º.

 

O art. 1º se limitava a determinar a observância da paridade contributiva a partir de 16 de dezembro de 2000. Nada que já não fosse dedutível da simples leitura do art. 5º da EC 20/98, segundo o qual a exigência de paridade passaria a valer no prazo de dois anos, contados da publicação daquela Emenda.

 

O art. 2º, por seu turno, determinava que, quando da aprovação do ajuste atuarial, fosse observada a proporcionalidade contributiva existente no período anterior a 16 de dezembro de 2000.

 

Considerando que até o marco estabelecido pela EC nº 20/98 não havia a exigência de paridade, as entidades, até então, estavam adstritas tão-somente à observância da proporcionalidade contributiva prevista nos regulamentos de seus planos de benefícios.

 

E esta proporcionalidade sujeitava-se aos limites estabelecidos no Decreto nº 93.597/1986, que dispunha sobre as contribuições para formação e manutenção de entidades fechadas de previdência privada, feitas pelas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações sob supervisão ministerial. Na redação que lhe foi dada pelo Decreto nº 94.648/87, assim disciplinava a questão:

 

Art. 1º. As contribuições financeiras feitas por autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações sob supervisão ministerial, como patrocinadoras, a entidades fechadas de previdência privada, subordinar-se-ão ao disposto neste decreto.

 

(...)

 

Art. 3º. Na criação de novas entidades fechadas de previdência privada, a participação de pessoa jurídica patrocinadora referida no art. 1º não será superior a 2/3 (dois terços) do custo total dos planos de benefícios, nem a 7% (sete por cento) da folha de salário de todos os empregados da empresa patrocinadora.

 

Parágrafo único. Os limites estabelecidos neste artigo aplicam-se, também, às patrocinadoras que aderirem a planos de entidades já em funcionamento.

 

Desse modo, independentemente do disposto no art. 2º da Resolução CGPC nº 01/2000, patrocinadores e participantes já estavam obrigados a cumprir a proporcionalidade pactuada, respeitados os limites estipulados no citado decreto.

 

O que a resolução trazia de efetivo restringia-se ao comando inscrito em seu art. 3º. Tratava-se de uma única hipótese de exceção à aplicação desta proporcionalidade, sem qualquer repercussão em relação à paridade contributiva.

 

Em síntese, o art. 1º identificava as entidades a que se destinava a resolução e lhes reafirmava a imposição constitucional da paridade contributiva, a contar de 16 de dezembro de 2000. O art. 2º reproduzia a determinação regulamentar de observância da proporcionalidade contributiva no período anterior a esta data. Já o art. 3º negava a aplicação do art. 2º (observância da proporcionalidade) às entidades mencionadas no artigo 1º, desde que respeitada a condição nele imposta: o estímulo à migração de participantes de planos de benefício definido - BD para planos de contribuição definida - CD.

 

Oportuna, neste ponto, é a releitura deste último: a Secretaria de Previdência Complementar não deverá exigir a observância da proporcionalidade contributiva existente entre patrocinadora e segurados, no período anterior a 16 de dezembro de 2000 (art. 3º, 1ª parte), das entidades fechadas de previdência privada patrocinadas por entidades públicas (art 3º, 2ª parte), quando do ajuste atuarial por intermédio de estímulo a migração de participantes de planos de benefício definido para contribuição definida (art. 3º, 3ª parte).

 

Como se vê, previu-se a relativização tão-somente da proporcionalidade contributiva na hipótese específica de estímulo à migração de planos BD para CD. Mesmo porque, em relação à paridade contributiva, o extinto CGPC, como adiantado, jamais poderia fazê-lo, sob pena de incorrer em flagrante ofensa à Constituição Federal, extrapolando seu poder regulamentar.

 

E é justamente esta flagrante inconstitucionalidade, entre outros vícios, que ressai da aplicação do entendimento voltado a excepcionar a regra da paridade contributiva em período posterior ao termo estabelecido na EC nº 20/98.

 

A partir do momento em que se protrai no tempo esta relativização da proporcionalidade de que tratou a Resolução CGPC nº 1/2000, para além do limite temporal constitucionalmente fixado – a data de 16 de dezembro 2000 – passa-se a relativizar também a paridade contributiva, em vigor desde então. Isto porque, num cenário onde não há sequer proporcionalidade jamais haverá paridade.

 

Finalmente, impende assinalar que tal aplicação prospectiva, além de ferir o disposto nos arts. 202, § 3º, da Constituição da República e 5º da EC 20/98, subverteria também o próprio conteúdo da Resolução nº 01/2000.

 

O aludido ato normativo previa datas específicas. De mais a mais, ao mesmo tempo em que relativizava a proporcionalidade em certo período, determinava, sem ressalvas, o cumprimento da paridade contributiva “a partir de 16 de dezembro de 2000” (art. 1º). Esta equivocada interpretação que lhe fora dada por alguns, consistia, a rigor, em reescrevê-lo, não só em relação às datas estipuladas, mas à exigência de observância incondicional da paridade contributiva. Caracterizava, pois, usurpação de competência do próprio órgão regulador responsável pela edição da resolução.

 

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