O marco inicial do prazo prescricional para o redirecionamento da cobrança do crédito tributário na execução fiscal feito com base no artigo 135 do Código Tributário Nacional


Porbarbara_montibeller- Postado em 17 maio 2012

Autores: 
MARETTI, Luis Marcello Bessa.

RESUMO

Trata-se de artigo científico em que se analisa a temática do termo inicial de contagem do prazo prescricional para os fins de redirecionamento da cobrança do crédito tributário na Execução Fiscal com esteio no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Objetiva-se propor uma solução pacificadora dos diversos posicionamentos a respeito da matéria, utilizando-se de doutrina e de jurisprudência pátrias por meio dos métodos dedutivo e indutivo. Expostas as principais teses a respeito do objeto dessa dissertação, conclui-se pela utilização da teoria da actio nata para definir o marco inicial da prescrição bem como se adota o conceito de responsabilidade solidária, propondo-se a sua utilização pelo Superior Tribunal de Justiça na resolução da celeuma que se encontra sob a égide da sistemática dos recursos repetitivos.

PALAVRAS-CHAVE: Execução Fiscal. Redirecionamento. Prescrição. Termo inicial. Teoria da Actio Nata. Responsabilidade Solidária.


1 INTRODUÇÃO

A temática a respeito do termo inicial de contagem do prazo prescricional para a Fazenda Pública promover o redirecionamento da cobrança do crédito tributário no âmbito da Execução Fiscal com esteio no artigo 135 do Código Tributário Nacional vem sendo ao longo dos últimos anos objeto de controvérsia no seio doutrinário e jurisprudencial, especialmente junto ao Superior Tribunal de Justiça.

Após idas e vindas, aquela colenda Corte decidiu afetar a matéria discutida no Recurso Especial no. 1.201.993/SP, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, integrante de sua 2ª. Turma, à sistemática dos chamados recursos repetitivos regulada pelo artigo 543-C do Código de Processo Civil, e pela Resolução no. 08/2008 desse Tribunal, visando, assim, à pacificação do tema nessa instância superior.

O vértice da problemática reside em dois pontos fundamentais. O primeiro diz respeito à natureza da responsabilidade tributária tratada pelo artigo 135 do Código Tributário Nacional. Estaríamos diante de uma hipótese legal de responsabilidade subsidiária; solidária; ou um terceiro gênero, exclusiva e independente de um terceiro? A depender da resposta a ser dada ter-se-ia um marco inicial distinto da prescrição para o redirecionamento da cobrança do crédito tributário.

O segundo guarda relação com a norma tributária em si e a interpretação de seu alcance, cujo conceito do que venha a ser infração à lei impacta igualmente na consideração do termo inicial do prazo prescricional para o redirecionamento judicial em tela.

Ambos os pontos serão tratados neste artigo, cujo objetivo não é o de esgotá-los, mas sim propor, através de uma análise crítica, uma solução para o tema, visando não só a satisfazer os anseios da Administração Pública, cujo montante arrecadado propicia a consecução de políticas públicas em benefício da população, mas também a garantir a segurança jurídica aos sujeitos passivos da relação tributária.


2 DA NATUREZA JURÍDICA DA NORMA PREVISTA NO ARTIGO 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA SUBSIDIÁRIA; SOLIDÁRIA; OU EXCLUSIVA E INDEPENDENTE DO TERCEIRO

O primeiro ponto a ser abordado refere-se ao tipo de responsabilidade trazida pelo artigo 135 do Código Tributário Nacional cuja redação assim encontra-se disposta,

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

 I - as pessoas referidas no artigo anterior;

 II - os mandatários, prepostos e empregados;

 III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.[1]

Antes, porém, merece ser esclarecido que o termo responsabilidade e a pessoa que a detém, conhecida como responsável, estão aqui sendo tratados como uma das espécies de sujeito passivo da obrigação tributária, que de acordo com o artigo 121 do Código Tributário Nacional, pode ser denominado contribuinte quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; ou responsável, quando sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Isso posto, quanto ao tema em comento, uma primeira corrente sustenta que estar-se-ia diante de uma responsabilidade tributária subsidiária, cujo rol de responsáveis enumerado nesse dispositivo legal somente se encontraria obrigado pelo débito tributário nos casos de impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, sujeito passivo principal, igualando as hipóteses previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional àquelas contidas no artigo 134 desse mesmo diploma legal.[2]

Já teve o Superior Tribunal de Justiça oportunidade de assim decidir:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. SÚMULA 435/STJ. VIABILIDADE.

1. A orientação da Primeira Seção/STJ firmou-se no sentido de que é viável o redirecionamento da execução fiscal na hipótese de dissolução irregular da sociedade, pois tal circunstância acarreta, em tese, a responsabilidade subsidiária dos sócios, que poderá eventualmente ser afastada em sede de embargos à execução. Cumpre registrar que, nos termos da Súmula 435/STJ, "presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente".

2. Impende ressaltar que "não prospera o argumento de que o Fisco não fez prova do excesso de mandato ou atos praticados com violação do contrato ou da lei a ensejar o redirecionamento, porque, nos casos em que houver indício de dissolução irregular, como certidões oficiais que comprovem que a empresa não mais funciona no endereço indicado, inverte-se o ônus da prova para que o sócio-gerente alvo do redirecionamento da execução comprove que não agiu com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder" (AgRg no AREsp 8.509/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 4.10.2011).

3. Recurso especial provido.[3]

Por outro lado, há quem sustente que a norma em comento traz em seu bojo um caso de responsabilidade solidária, obrigando tanto o devedor principal como o responsável, ao adimplemento do crédito tributário. Comungando desse pensamento, Ricardo Lobo Torres,

Outra coisa é a responsabilidade de que cuida o art. 135. Nela existe a solidariedade ab initio, e o responsável se coloca junto do contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Pouco importa, nesses casos, que o contribuinte tenha, ou não, patrimônio para responder pela obrigação tributária. A Fazenda credora pode dirigir a execução contra o contribuinte ou o responsável.[4]

Nesse sentido também já teve o Superior Tribunal de Justiça a oportunidade de decidir:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – OFENSA AO ART. 535, II DO CPC – INOCORRÊNCIA – DISSOLUÇÃO IRREGULAR – SÓCIO-GERENTE – REDIRECIONAMENTO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 135, INCISO III, DO CTN.

1. Não viola o art. 535, II do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, embora rejeitando os embargos de declaração, examina motivadamente todas as questões pertinentes.

2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração à lei, de modo a ensejar a redirecionamento da execução para a pessoa dos sócios.

3. Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar.

4. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, impõe-se a responsabilidade tributária do sócio-gerente, autorizando-se o redirecionamento, cabendo ao sócio-gerente provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder.

5. A empresa que deixa de funcionar no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, desaparecendo sem deixar nova direção, é presumivelmente considerada como desativada ou irregularmente extinta.

6. Imposição da responsabilidade solidária.

7. Recurso especial parcialmente provido.[5]

Em um terceiro momento, observa-se que a norma insculpida no artigo 135 do Código Tributário Nacional é dado o tratamento de obrigação especial, trazendo uma responsabilidade pelo crédito ao terceiro, exclusiva e independente do sujeito passivo originário, afastando-o da relação jurídica, não sendo, assim, nem subsidiária, nem solidária. Este o posicionamento de Luciano Amaro,

Em confronto com o artigo anterior, verifica-se que esse dispositivo exclui do pólo passivo da obrigação a figura do contribuinte (que, em princípio, seria a pessoa cujo nome e por cuja conta agiria o terceiro), ao mandar que o executor do ato responda pessoalmente. A responsabilidade pessoal deve ter aí o sentido (que já se adivinhava no art. 131) de que ela não é compartilhada com o devedor “original” ou “natural”.

Não se trata, portanto, de responsabilidade subsidiária do terceiro, nem de responsabilidade solidária. Somente o terceiro responde, “pessoalmente”.[6]

Adotando a tese, cite-se excerto do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, então integrante da 1ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça no bojo do REsp 1.104.064/RS, publicado no DJe 14.12.2010,

Com efeito, da dicção do caput do art. 135 do CTN, dessume-se que a responsabilidade do diretor, gerente ou representante de pessoa jurídica de direito privado, pela prática de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, é de natureza pessoal, verbis:

 [...]

Deveras, o efeito gerado pela responsabilidade pessoal reside na exclusão do sujeito passivo da obrigação tributária (in casu, a empresa executada), que não mais será levado a responder pelo crédito tributário, tão logo seja comprovada qualquer das condutas dolosas previstas no art. 135 do CTN.

De modo a elucidar a controvertida questão acerca dos diferentes efeitos oriundos da responsabilidade tributária, traz-se à colação sucinta lição de doutrinador de escol, in verbis:

"Efeitos da responsabilidade tributária: Quanto aos efeitos podemos ter: - solidariedade. a) responsabilidade solidária, quando tanto o contribuinte quanto o responsável respondem, sem benefício de ordem (art. 124, I, e § único); ademais, quando há solidariedade, "o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais", a "a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo" e "a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais", tudo nos termos do art. 125, incisos I, II, e III, do CTN;

- pessoalidade. b) responsabilidade pessoal, quando é exclusiva, sendo determinada pela referência expressa ao caráter pessoal ou revelada pelo desaparecimento do contribuinte originário, pela referência à sub-rogação ou pela referência à responsabilidade integral do terceiro em contraposição à sua responsabilização ao lado do contribuinte (art. 130, 131, 132, 133, I e 135);"

- subsidiariedade. c) responsabilidade subsidiária, quando se tenha de exigir primeiramente do contribuinte e, apenas no caso de frustração, do responsável (art. 133, II, 134);

- substituição. d) responsabilidade por substituição, quando a obrigação surge diretamente para o responsável, a quem cabe recolher o tributo devido pelo contribuinte, substituindo-o na apuração e no cumprimento da obrigação, mas com recursos alcançados pelo próprio contribuinte ou dele retidos (art. 150, § 7º, da CF, art. 45, § único do CTN e diversas leis ordinárias); a figura da substituição tributária existe para atender a princípios

de racionalização e efetividade da tributação, ora diminuindo as possibilidades de inadimplemento ou ampliando as garantias de recebimento do crédito."

(Leandro Paulsen, in Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, Livraria do Advogado, 10ª ed., p. 922)

[...]

Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.[7]

Portanto, observa-se que a questão acerca da responsabilidade trazida pelo artigo 135 do Código Tributário Nacional é controvertida no Superior Tribunal de Justiça, inexistindo uma corrente prevalecente.

Nesse diapasão, contudo, considerando a matéria estar afetada à sistemática dos recursos repetitivos, pacificará o Superior Tribunal de Justiça o tema em tela. Assim, propõe-se a essa Colenda Corte a adoção da responsabilidade solidária entre o devedor originário e os responsáveis constantes do rol do artigo 135 do Código Tributário Nacional, senão vejamos.

Em que pesem os fundamentos utilizados, a aplicação da tese da responsabilidade subsidiária para os fins de redirecionamento da cobrança judicial do crédito tributário cria, com o devido respeito, embaraços para o efetivo e ágil recebimento de débitos dessa natureza não contemplados pela Constituição pátria, tampouco pelo Código Tributário Nacional, retardando a execução e por consequência a possibilidade de êxito na cobrança do crédito tributário, o que vai de encontro aos interesses da população, ávida pela consecução de políticas públicas de qualidade primordialmente dependentes da arrecadação tributária.

Demais disso, exigir do ente público o esgotamento dos atos executórios junto ao devedor originário, quando presentes uma das causas contidas no artigo 135 do Código Tributário Nacional, para só depois autorizar a busca de bens junto ao devedor responsável, fatalmente propiciará à dilapidação de bens deste, dificultando, ainda mais, a cobrança do crédito tributário, com inequívoco atraso na prestação jurisdicional, fazendo com que as Execuções Fiscais demorem, ainda mais, a chegarem ao seu fim, em dissonância ao disposto no artigo 5º., inciso LXXVIII, da Constituição da República.

Por outro lado, a adoção da tese da responsabilidade pessoal do terceiro, com a exclusão do devedor originário, além de reduzir as garantias e meios para o recebimento do crédito tributário, agrava a obrigação do responsável, que se verá o único exigido pelo crédito, não se coadunando com o escopo das normas tributárias.

Resta, pois, a tese da responsabilidade solidária, a qual propicia maiores chances de efetividade na cobrança do crédito tributário, cuja receita, como outrora mencionado, serve para a consecução de políticas públicas do Estado. Acaso o devedor originário se sinta prejudicado pelo ato do responsável que gerou a solidariedade, deverá buscar por meios próprios o seu ressarcimento, sem, contudo, diminuir as prerrogativas da Administração Tributária quanto à cobrança do crédito tributário, interesse de toda a coletividade.

Por tais razões, com as devidas vênias, propõe-se ao Superior Tribunal de Justiça a adoção da tese da responsabilidade solidária entre o devedor originário e os responsáveis constantes do rol do artigo 135 do Código Tributário Nacional com vistas à pacificação do tema naquela instância superior.


3 DO CONCEITO DE INFRAÇÃO À LEI PARA OS FINS DO ARTIGO 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

No compasso dessa digressão, outra questão que merece ser estudada é aquela atinente à interpretação da norma insculpida no artigo 135 do Código Tributário Nacional, especialmente quanto ao seu alcance, no que diz respeito ao conceito de infração à lei para os fins nela preceituado.

A Fazenda Pública em geral sustentava que o mero inadimplemento pelo devedor principal caracterizaria infração à lei, e esse teria o condão de autorizar o redirecionamento da cobrança do crédito tributário àqueles elencados no rol do artigo 135 do Código Tributário Nacional.

Neste sentido, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo,

Uma questão interessante concerne à caracterização do mero inadimplemento de tributo como “ato praticado com infração à lei”, para efeito de enquadramento no art. 135 do CTN. Os fiscos das diferentes esferas da Federação costumam propugnar que a simples falta de pagamento de um tributo já é suficiente para considerar que a pessoa que deveria ter efetuado o pagamento – por exemplo, o diretor ou o sócio-gerente de uma empresa – atuou com “infração à lei”, aplicando-se a ela o art. 135 do CTN.[8]

Em um primeiro momento a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça chegou a acatar a tese, consoante se infere do seguinte julgado,

TRIBUTÁRIO - RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÓCIO-GERENTE - AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS DEVIDOS PELA SOCIEDADE.

Os sócios-gerentes são responsáveis pela dívida tributária resultante de atos praticados com infração à lei e quem deixa de recolher tributos devidos pela sociedade comete infração à lei.

Recurso improvido.[9]

Posteriormente, porém, considerando as inúmeras críticas da doutrina pátria, o Superior Tribunal de Justiça reviu o seu posicionamento, a fim de não considerar o mero inadimplemento tributário causa suficiente para autorizar o redirecionamento da cobrança do crédito tributário. Nesse sentido esclarecem Eloá Alves Ferreira de Mattos e Fernando César Baptista de Mattos,

Após intensa controvérsia entre a 1ª. e 2ª. Turmas, a 1ª. Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento que não configura ato contrário à lei o não pagamento do tributo na data de vencimento, como se observa da ementa do acórdão do julgamento proferido no ERESP 174532/PR (DJ de 20.08.2011, p. 342, Relator Min. José Delgado):

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES.

1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente.

2. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76).

3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.

4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio.

5. Precedentes desta Corte Superior.

6. Embargos de Divergência rejeitados.[10]

Dessarte, a questão hoje encontra-se superada, inclusive sumulada, tendo a jurisprudência dessa Corte pacificado-se no sentido de que o mero inadimplemento não constitui causa suficiente para sozinha autorizar o redirecionamento da cobrança do crédito tributário com espeque no artigo 135 do Código Tributário Nacional,

Súmula 430 – O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.[11]

Por outro lado, essa mesma Corte posicionou-se no sentido que uma das principais causas – senão a principal – que autoriza o redirecionamento com esteio no dispositivo legal ora em estudo é representada pela dissolução irregular da sociedade empresária, isto é, sem a devida baixa de seus atos constitutivos na Junta Comercial ou no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, e sem a comunicação aos demais órgãos competentes.

A questão também restou igualmente sumulada pelo Tribunal,

Súmula 435 – Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.[12]

Portanto, quanto ao alcance da norma, infere-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orientou-se por inadmitir o mero inadimplemento como causa idônea, por si só, a ensejar o redirecionamento da cobrança do crédito tributário com espeque no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Por outro lado, infere-se igualmente que essa Corte orientou-se por admitir a dissolução irregular como causa suficientemente capaz de autorizar o redirecionamento da cobrança, novamente com fulcro nesse dispositivo legal.

Referida conclusão possui impacto direto no tema que será tratado a seguir e objeto principal do presente artigo, atinente ao marco inicial de contagem do prazo prescricional para o redirecionamento da execução do crédito tributário em juízo.

 

4 O TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA O REDIRECIONAMENTO DA COBRANÇA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA EXECUÇÃO FISCAL FEITO COM BASE NO ARTIGO 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

Expostos os dois principais pontos preliminares para o entendimento da temática nesse artigo proposta, passa-se agora à análise do objeto principal desse estudo, referente ao temo inicial do prazo prescricional para o redirecionamento da cobrança do crédito tributário com base no artigo 135 do Código Tributário Nacional.

4.1 DISCUSSÕES TEÓRICAS

Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à época em que ainda autorizava o redirecionamento da cobrança do crédito tributário face ao mero inadimplemento tributário, posicionou-se no sentido de que a Fazenda Pública teria, com esteio no artigo 174 do Código Tributário Nacional, o prazo prescricional de cinco anos para promover o redirecionamento em comento, cujo marco inicial seria a efetiva citação do devedor originário, verbis

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA - ARGUIÇÃO EM QUALQUER MOMENTO PROCESSUAL - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO - LITÍGIO DE NATUREZA PATRIMONIAL.

- O redirecionamento da execução fiscal contra um dos sócios co-obrigados, após decorridos 5 (cinco) anos desde a citação da pessoa jurídica, autoriza a declaração da ocorrência da prescrição.

- Os casos de interrupção da prescrição estão previstos no art. 174 CTN, nele não incluídos os do art. 40 da Lei 6.830/80.

- O art. 40 da Lei 6.830/80 se refere ao devedor, não ao responsável tributário.

- Divergência jurisprudencial não comprovada.

- Violação à lei federal não configurada.

- Recurso não conhecido.[13]

Essa jurisprudência bem retratava o momento vivido. Praticado o fato gerador pelo sujeito passivo principal nascia a obrigação tributária (o débito) que acaso não pago levaria à constituição do crédito tributário (seja por lançamento da administração, seja pelo autolançamento), nascendo nesse momento (acaso o crédito não fosse objeto de nenhuma das causas de suspensão da sua exigibilidade) o prazo prescricional para cobrança (contribuinte e responsável – adotando-se a teoria da responsabilidade solidária). Ajuizada a Execução Fiscal, com a efetiva citação do devedor principal, interrompia-se o prazo prescricional para a citação do responsável, cujo início se daria a partir desse marco.

E assim era porque a prescrição, segundo Orlando Gomes,

[...] é o modo pelo qual um direito se extingue em virtude da inércia, durante certo lapso de tempo, do seu titular, que, em conseqüência, fica sem ação para assegurá-lo.

São seus pressupostos: a) a existência de um direito atual, suscetível de ser pleiteado em juízo; b) a violação desse direito; a actio nata, em síntese.[14]

Com razão, a pretensão fazendária somente poderia ser deduzida em juízo após a constituição definitiva do crédito tributário, e sendo o mero inadimplemento causa apta a autorizar o redirecionamento da dívida, estariam satisfeitos os dois requisitos expostos por Orlando Gomes. É a teoria da actio nata, em que o prazo prescricional para o exercício da pretensão somente se inicia com a violação do direito pela norma garantido.

Nesse diapasão merece ser esclarecido que as teses também encontradas em julgados emanados do Superior Tribunal de Justiça a respeito da responsabilidade prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional ser subsidiária ou pessoal (exclusiva e independente do responsável) não se encaixam com o julgado acima que considera o temo inicial da prescrição a citação do devedor principal.

Ora, se a responsabilidade contida no artigo 135 do Código Tributário nacional fosse subsidiária não haveria sentido em contar o prazo prescricional para redirecionamento a partir da citação do devedor principal, uma vez que esse somente restaria autorizado a partir da demonstração da impossibilidade do cumprimento da obrigação pelo devedor principal. Ora não seria razoável o início do prazo prescricional antes mesmo do nascimento da pretensão, isto é, da actio nata.

Por outro lado, se a responsabilidade contida no artigo 135 do Código Tributário Nacional fosse pessoal (exclusiva e independente do responsável), e considerando o mero inadimplemento como causa hábil a autorizar o redirecionamento, não haveria sentido promover a cobrança em face do devedor originário, e assim, o termo inicial da prescrição não deveria ser contado a partir da citação desse devedor principal, mas sim da constituição definitiva do crédito tributário.

Portanto, considerando o mero inadimplemento como causa suficiente a autorizar o redirecionamento com esteio no artigo 135 do Código Tributário Nacional, e tendo como alcance da norma a responsabilidade solidária, irretocável a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em seu nascedouro.

Ocorre, conforme já demonstrado linhas acima, que a jurisprudência do daquela excelsa Corte evoluiu no sentido de não mais considerar como apto ao redirecionamento o mero inadimplemento tributário. Hodiernamente, a principal causa de redirecionamento está calcada na dissolução irregular do sujeito passivo principal da demanda.

Desta forma, alterou-se o momento do nascimento da pretensão; da actio nata, que não mais se relaciona com o inadimplemento tributário, mas sim com o momento da dissolução irregular do devedor principal.

Alterada a premissa fática, também deveria ser alterada a jurisprudência neste tópico analisada. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, ainda hoje, continua aplicando aos casos de redirecionamento o seu antigo posicionamento a respeito do tema, conforme se infere do seguinte julgado,

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO-GERENTE. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA.

1. A citação da empresa executada interrompe a prescrição em relação aos seus sócios-gerentes para fins de redirecionamento da execução fiscal. No entanto, com a finalidade de evitar a imprescritibilidade das dívidas fiscais, vem-se entendendo, de forma reiterada, que o redirecionamento da execução contra os sócios deve dar-se no prazo de cinco anos contados da citação da pessoa jurídica. Precedentes: AgRg nos EREsp 761.488/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe de 7.12.2009; AgRg no REsp 958.846/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 30.9.2009; REsp 914.916/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 16.4.2009.

2. Agravo regimental não provido.[15]

Com o devido respeito, esse posicionamento não mais se adéqua ao entendimento hodierno da Corte. Considerando que o mero inadimplemento não mais é causa apta a autorizar o redirecionamento com base no artigo 135 do Código Tributário Nacional, mas sim, a dissolução irregular do devedor originário (principal causa), para que reste respeitado o conceito de prescrição e a teoria da actio nata, o marco inicial para a contagem do prazo prescricional deve ter início quando da efetiva dissolução e não da citação do devedor principal. Ora, como proceder ao redirecionamento se inexistente a dissolução irregular? Como o prazo prescricional para o exercício de um direito pode se escoar quando ainda inexistente ou direito? Com as devidas vênias há uma contradição entre o posicionamento atual da Corte quanto à interpretação do alcance da norma insculpida no artigo 135 do CTN (o direito material em si) e o início do prazo prescricional (o exercício desse direito).

Na esteira dessa digressão, merece ser realçado que a aplicação da teoria da actio nata não gera uma causa de imprescritibilidade, tampouco insegurança jurídica. Ao revés, apenas adéqua a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao seu posicionamento atual quanto à principal causa autorizadora do redirecionamento com base no artigo 135 do Código Tributário Nacional, além de balizar objetivamente o direito em tela com a teoria proposta. Constituído definitivamente o crédito tributário, sua cobrança já pode ser efetivada frente ao devedor principal. Com a dissolução irregular, nasce a pretensão para a Fazenda Pública buscar o redirecionamento da cobrança, a ela se aplicando as causas interruptivas e suspensivas da prescrição dispostas no CTN, bem como a tese da responsabilidade solidária, conforme acima explicitado.

Com efeito, se a responsabilidade contida no artigo 135 do Código Tributário Nacional fosse subsidiária não haveria sentido em contar o prazo prescricional para redirecionamento a partir da citação do devedor principal (hoje a citação não mais é causa interruptiva da prescrição, mas sim o despacho citatório nos termos do artigo 174 do CTN), ou ainda da dissolução irregular, uma vez que esse somente restaria autorizado a partir da demonstração da impossibilidade do cumprimento da obrigação pelo devedor principal. Ora não seria razoável o início do prazo prescricional antes mesmo do nascimento da pretensão, isto é, da actio nata.

Por outro lado, se a responsabilidade contida no artigo 135 do Código Tributário Nacional fosse pessoal (exclusiva e independente do responsável), e considerando a dissolução irregular como causa hábil a autorizar o redirecionamento, só haveria sentido em promover a cobrança em face do devedor originário se essa causa ocorresse após o ajuizamento da demanda (cujo prazo prescricional se iniciaria quando se desse a dissolução), pois acaso contrário, poder-se-ia cobrar diretamente do responsável.

Por tais razões, compreendendo as razões aqui expostas é que alguns julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça começaram a alterar a jurisprudência anteriormente formada quanto ao termo inicial do prazo prescricional para redirecionamento para se adequar ao novo entendimento referente ao alcance da norma do artigo 135 do CTN.

Nesse sentido, cite-se

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO CONTRA O SÓCIO-GERENTE EM PERÍODO SUPERIOR A CINCO ANOS, CONTADOS DA CITAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

1. [...].

2. Controverte-se nos autos a respeito de prazo para que se redirecione a Execução Fiscal contra sócio-gerente.

3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o redirecionamento não pode ser feito após ultrapassado período superior a cinco anos, contados da citação da pessoa jurídica.

4. A inclusão do sócio-gerente no pólo passivo da Execução Fiscal deve ser indeferida se houver prescrição do crédito tributário.

5. Note-se, porém, que o simples transcurso do prazo qüinqüenal, contado na forma acima (citação da pessoa jurídica), não constitui, por si só, hipótese idônea a inviabilizar o redirecionamento da demanda executiva.

6. De fato, inúmeros foram os casos em que as Execuções Fiscais eram arquivadas nos termos do art. 40 da Lei 6.830/1980, em sua redação original, e assim permaneciam indefinidamente. A Fazenda Pública, com base na referida norma, afirmava que não corria o prazo prescricional durante a fase de arquivamento. A tese foi rejeitada, diante da necessidade de interpretação do art. 40 da LEF à luz do art. 174 do CTN.

7. A despeito da origem acima explicitada, os precedentes passaram a ser aplicados de modo generalizado, sem atentar para a natureza jurídica do instituto da prescrição, qual seja medida punitiva para o titular de pretensão que se mantém inerte por determinado período de tempo.

8. Carece de consistência o raciocínio de que a citação da pessoa jurídica constitui o termo a quo para o redirecionamento, tendo em vista que elege situação desvinculada da inércia que implacavelmente deva ser atribuída à parte credora. Dito de outro modo, a citação da pessoa jurídica não constitui "fato gerador" do direito de requerer o redirecionamento.

9. Após a citação da pessoa jurídica, abre-se prazo para oposição de Embargos do Devedor, cuja concessão de efeito suspensivo era automática (art. 16 da Lei 6.830/1980) e, atualmente, sujeita-se ao preenchimento dos requisitos do art. 739-A, § 1º, do CPC.

10. Existe, sem prejuízo, a possibilidade de concessão de parcelamento, o que ao mesmo tempo implica interrupção (quando acompanhada de confissão do débito, nos termos do art. 174, parágrafo único, IV, do CTN) e suspensão (art. 151, VI, do CTN) do prazo prescricional.

11. Nas situações acima relatadas (Embargos do Devedor recebidos com efeito suspensivo e concessão de parcelamento), será inviável o redirecionamento, haja vista, respectivamente, a suspensão do processo ou da exigibilidade do crédito tributário.

12. O mesmo raciocínio deve ser aplicado, analogicamente, quando a demora na tramitação do feito decorrer de falha nos mecanismos inerentes à Justiça (Súmula 106/STJ).

13. Trata-se, em última análise, de prestigiar o princípio da boa-fé processual, por meio do qual não se pode punir a parte credora em razão de esta pretender esgotar as diligências ao seu alcance, ou de qualquer outro modo somente voltar-se contra o responsável subsidiário após superar os entraves jurídicos ao redirecionamento.

14. É importante consignar que a prescrição não corre em prazos separados, conforme se trate de cobrança do devedor principal ou dos demais responsáveis. Assim, se estiver configurada a prescrição (na modalidade original ou intercorrente), o crédito tributário é inexigível tanto da pessoa jurídica como do sócio-gerente. Em contrapartida, se não ocorrida a prescrição, será ilegítimo entender prescrito o prazo para redirecionamento, sob pena de criar a aberrante construção jurídica segundo a qual o crédito tributário estará, simultaneamente, prescrito (para redirecionamento contra o sócio-gerente) e não prescrito (para cobrança do devedor principal, em virtude da pendência de quitação no parcelamento ou de julgamento dos Embargos do Devedor).

15. Procede, dessa forma, o raciocínio de que, se ausente a prescrição quanto ao principal devedor, não há inércia da Fazenda Pública.

16. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.[16]

Desse modo, buscando a pacificação do tema, é que o Superior Tribunal de Justiça afetou à sistemática dos recursos repetitivos a matéria em comento, estando a tese para ser decidida nos autos do Recurso Especial no. 1.201.993.

4.2 O RECURSO ESPECIAL NO. 1.201.993 AFETADO À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS

A sistemática dos recursos repetitivos inserida no artigo 543-C do Código de Processo Civil pela Lei no. 11.672/2008, e regulamentada pela Resolução no. 08 do Superior Tribunal de Justiça visa uniformizar o entendimento a respeito de controvérsia sobre lei federal por essa Corte, que afetará um ou mais recursos para serem decididos, findo o qual todos os demais deverão ser decididos pelos Tribunais de origem nos moldes do decidido por essa instância superior.

Sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni,

Decisões conflitantes a respeito de casos semelhantes, na verdade, não só expressam uma ordem jurídica destituída de coerência, mas também, mais especificamente, negação da previsibilidade e da confiança depositada nos atos do Poder Público. É neste contexto que, hoje, a idéia de uniformização da interpretação da lei federal deve ser vista. É preciso deixar de concebê-la como expediente capaz de garantir o respeito dos juízes ao legislador, o qual, embora deite raízes no Estado legislativo do século XIX, perdurou no interior da praxe forense até poucos dias atrás. Não cabe uniformizar a interpretação da lei federal para que o Judiciário tenha um discurso único da lei, mas para que o Judiciário não produza normas jurídicas distintas para casos iguais, e, assim, não viole a segurança jurídica. O que está por detrás da concepção atual de uniformização não é a segurança jurídica como vedação do poder de o juiz criar o direito, mas a segurança jurídica como proibição de o juiz criar normas diferentes para casos iguais.

Não há como ver, na incumbência de o Superior Tribunal de Justiça uniformizar a interpretação da lei federal, algo distinto. Cabe-lhe, sem dúvida, decidir para obstar decisões discrepantes sobre uma mesma questão federal. De modo que as suas decisões, quando pacificadas em seu âmbito, constituem precedentes obrigatórios.

[...]

No ano de 2008, alteração no Código de Processo Civil fez surgir técnica capaz de permitir a resolução de questão de direito, discutida em vários recursos, com o fim de evitar a sua multiplicação no Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de norma que, em outras palavras, deu origem ao julgamento do que se chamou de “recursos repetitivos”.[17]

Assim temos que a questão jurídica a respeito do marco inicial do prazo prescricional para o redirecionamento da cobrança do crédito tributário na Execução Fiscal com esteio no artigo 135 do Código Tributário Nacional está sendo discutida no REsp no. 1.201.993/SP, em que são partes, como recorrente Fazenda do Estado de São Paulo, e como recorrido Casa do Sol Móveis e Decorações, de relatoria do Min, Herman Benjamin, afetado à 1ª. Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil e Resolução no. 08/STJ, a fim de pacificar o entendimento sobre a matéria.

Iniciado o julgamento em 14.09.2011, o Min. Relator votou no sentido de dar provimento ao recurso da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, acolhendo a tese da actio nata defendida nesse artigo, tendo o Min. Napoleão Nunes Maia Filho pedido vista para melhor estudo caso.

Posto em mesa para julgamento, em 23.11.2011, o Min. Napoleão Nunes Maia Filho votou no sentido de desprover o recurso fazendário, mantendo o antigo posicionamento dessa excelsa Corte a fim de considerar como termo inicial do prazo prescricional para redirecionamento a citação do devedor principal, afastando, pois, a tese da actio nata.

Com esse voto, o Min. Relator entendeu por bem em pedir vista dos autos, estando o julgamento suspenso desde então.

4.3 UMA PROPOSIÇÃO PARA PACIFICAÇÃO DA CELEUMA

Conforme observado, a questão está empatada no âmbito da 1ª. Seção do Superior Tribunal de Justiça. Considerando as razões até aqui expostas, propõe-se, com o devido respeito, que essa colenda Corte adote a data da dissolução irregular, hoje principal causa do redirecionamento feito com esteio no artigo 135 do Código Tributário Nacional, como marco inicial do prazo prescricional qüinqüenal, acolhendo, assim, a teoria da actio nata, e da responsabilidade solidária, conforme bem preceituado pelo Min. Herman Benjamin no Recurso Especial no. 1.095.687/SP, pois somente assim, poderá ser garantida a efetividade do Direito tanto para a Administração Pública como para o sujeito passivo da relação jurídica tributária.

 
 

5 CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, é possível concluir que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que considera como o termo inicial do prazo prescricional para o redirecionamento da cobrança do crédito tributário com fulcro no artigo 135 do Código Tributário Nacional a data da citação do devedor originário se coadunava com o entendimento predominante ao seu tempo, em que se compreendia possível ao mero inadimplemento ser causa apta a ensejar a responsabilização solidária com base no dispositivo legal acima citado.

Contemporaneamente, entretanto, considerando a modificação do entendimento daquela colenda Corte que não mais admite o redirecionamento feito com esteio no mero inadimplemento tributário, a jurisprudência acerca do termo inicial da prescrição não mais possui razão de ser, representando, com o devido respeito, um posicionamento deslocado no tempo.

Nesse diapasão, tendo em vista que nos dias atuais a principal causa de redirecionamento feita com espeque no artigo 135 do Código Tributário Nacional é representada pela dissolução irregular, matéria inclusive sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, mister que essa Corte modifique seu entendimento a respeito da contagem do prazo prescricional, adequando a essa nova realidade, mediante a aplicação da teoria da actio nata, cuja pretensão para o redirecionamento da cobrança do crédito tributária somente se iniciaria quando da dissolução irregular do devedor originário, momento em que possível a judicialização da questão.

Entender o contrário, mantendo como marco inicial do prazo prescricional a citação do devedor originário, normalmente pessoa jurídica, poderia levar à esdrúxula situação da prescrição de um direito material (uma vez que em tributário, a prescrição atinge não só a pretensão, mas também o próprio o direito) sem a possibilidade de seu exercício.

Desta sorte, a fim de se evitar a situação acima narrada, é que, com as devidas vênias, propõe-se ao Superior Tribunal de Justiça que, ao analisar a matéria no Recurso Especial no. 1.201.993/SP, afetado à sistemática dos recursos repetitivos, pacifique-a, mediante a adoção da data da dissolução irregular, hoje principal causa do redirecionamento feito com esteio no artigo 135 do Código Tributário Nacional, como marco inicial do prazo prescricional qüinqüenal, acolhendo, assim, a teoria da actio nata, e da responsabilidade solidária, conforme decidido pelo Min. Herman Benjamin no Recurso Especial no. 1.095.687/SP, garantindo, assim, a efetividade do Direito tanto para a Administração Pública como para o sujeito passivo da relação jurídica tributária.


NOTAS EXPLICATIVAS

1 BRASIL, Lei no. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 out. 1966.

2 DE MATTOS, Eloá Alves Ferreira; DE MATTOS, Fernando Cesar Baptista. Curso de Direito Tributário Brasileiro, vol 1. 1. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 408.

3 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.282.234/BA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª. Turma, Brasília, DJe 28.11.2011.

4 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 238.

5 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.017.732/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª. Turma, Brasília, DJe 07.04.2008.

6 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 327.

7 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.104.064/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª. Turma, Brasília, DJe 14.12.2010.

8 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Manual de Direito Tributário. 2. ed. Niterói: Editora Impetus, 2005. p. 226.

9 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 203.878/RJ, Rel. Min. Garcia Vieira, 1ª. Turma, Brasília, DJ 21.06.1999.

10 DE MATTOS, Eloá Alves Ferreira; DE MATTOS, Fernando Cesar Baptista. Op. cit. nota 2. p.409/410.

11 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. STJ.

12 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. STJ.

13 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 139.930/MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2a. Turma, Brasília, DJ 03.11.1999.

14 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. p. 496.

15 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 1.211.213/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª. Turma, Brasília, DJe 24.02.2011.

16 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.095.687/SP, Rel. Min. Castro Meira, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, 2ª. Turma, Brasília, DJe 08/10/2010.

17 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,. 2011. p. 494/497.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Manual de Direito Tributário. 2. ed. Niterói: Editora Impetus, 2005.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

ASSIS, Araken de. Manual de Execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

BRASIL, Lei no. 5172, de 25 de outubro de 1966. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 out. 1966.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.jus.br.

CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume II. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

DE MATTOS, Eloá Alves Ferreira; DE MATTOS, Fernando Cesar Baptista. Curso de Direito Tributário Brasileiro, vol. 1. 1. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. Volume I. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.