"O Mundo do Trabalho: Cooperativas sobre a óptica Marxista"


Porgiovaniecco- Postado em 22 outubro 2012

Autores: 
CARNEIRO, Liliane Mendes.

 

 

 

1.    INTRODUÇÃO

O trabalho é por princípio um fenômeno que configura a exteriorização da necessidade humana em desenvolver suas potencialidades e prover condições necessárias a sua sobrevivência. Ao mesmo tempo em que se caracteriza como um esforço intelectual e/ou físico que tem no seu labor um resultado de solidariedade que evidencia o imperativo da organização dos homens em sociedade.

Assim, dá-se por contundente a expressão que o trabalho é inerente a todo ser humano, haja vista ser por ele que o Ser Humano se mantém vivo, expressando direta ou indiretamente a solidariedade própria da necessidade de conservação da espécie, bem como se constitui a fornecer o sentimento de auto-realização no trabalhador.

Convém nesta reflexão convocar a defesa da lógica do trabalho tal qual foi exposta, não deixando o trabalho ser considerado como simples forma capitalista de se gerar capital, como se fechasse na ingênua troca do trabalho pelo capital, até porque o trabalho também obedece a uma necessidade de interação social.

Por isso, este estudo visa percebê-lo como um direito individual e uma obrigação Estatal, onde firmado em parâmetros de justiça deve corresponder ao poder de não se fechar em meras formas de trabalho que excluem o poder de defesa do trabalhador. Pois se faz fácil apreender que não é em uma forma de associativismo somente que deixará o trabalhador de compor o papel de hiposuficiente, até porque quando não o é por um patrão/empregador se faz por meio da própria lógica excludente do Estado e do sistema econômico vigente.

Sabemos, com isto, dos primeiros delineamentos que tornam o direito ao trabalho como necessidade básica de todo Ser Humano civilmente capaz, cabe agora perfazer que o direito a este deve corresponder à essência real do direito do trabalho, tal qual como ramo do direito, composto de princípios e normas que regulam o trabalho em sociedade.

Corrobora expor a conceituação de Evaristo de Moraes Filho, citado em Nascimento (1997, p. 137):

"Direito do Trabalho é o ramo do Direito constituído do conjunto de princípios e regras que regula o contrato de trabalho, seus sujeitos e objeto, os entes coletivos representantes dos patrões e dos trabalhadores, e, ao mesmo tempo, disciplina as relações individuais e coletivas oriundas do trabalho subordinado e similar entre os sujeitos e entre estes e o Estado".

Como contraponto, à compreensão romântica do trabalho, é factível perceber que para grande parte do contingente populacional a essência do trabalho se finda apenas no labor enquanto atividade humana que leva ao desgaste em troca de uma remuneração irrisória diante suas potencialidades exteriorizadas de modo a gerar capital.

No mais, o que ocorre é que pouco a pouco se faz esquecido a essência do que vem a ser trabalho, sobretudo neste sistema capitalista, isto porque o nível de exploração se faz até mais crescente que no período da escravatura.

Hoje se exige profissionais com formação considerável e com tamanha capacidade de polivalência que neutralize seu potencial de reflexão sobre o que vem a ser exploração, transpondo o trabalhador a um continuo papel de alienado por meio do discurso e imperativo de que o super-homem trabalhador sempre pode fazer mais um pouco.

Deste modo, motivado com a ideologia vigente o trabalhador sempre doa um pouco mais de si ao trabalho em que exerce, tanto em razão de ser considerado produtivo em seu âmbito de trabalho quanto por razão da espécie pecuniária que pode estar a receber com este devotar trabalhista.

Alijado deste processo, verifica-se outra parte da população que vive sobre moldes da utopia de ganhar uma oportunidade de trabalho e/ou quando não sobrevive das organizações de caridade e de benesses estatais, como podem ser considerados alguns programas sociais vigentes como: o programa bolsa família, que prever suprir em aspectos mínimos a fome dos brasileiros.

Destarte, elucida-se a principal contra lógica do direito ao trabalho o de perceber o desemprego enquanto violação básica ao direito, sobretudo por este vir alicerçado na Constituição Federal.

Conclama-se agora a reflexão sobre as reais causas deste desrespeito aos cidadãos, bem como o estímulo do perceber que a sociedade deve se posicionar criticamente frente a estes desrespeitos e não se portando de modo a confirmar a lógica capitalista que exclui a possibilidade de defesa do trabalhador, mas reivindicando a garantia do Trabalho ao Estado.

Nesta direção é que se perfaz a luta de alguns trabalhadores pela sobrevivência e pela inserção no mundo do trabalho, aonde muitas das vezes conduzem a ver nas cooperativas uma forma de se reafirmarem neste mercado selvagem do capitalismo vigente; isto quando não os próprios empresários de má-fé funda uma cooperativa, com propósito de burlar o que a Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) estabelece para com as responsabilidades do empregador frente a dos empregados, lançando mão do discurso de suficiência do cooperado para arcar com suas responsabilidades pessoais no âmbito trabalhista.

2.    COOPERATIVA E SEU DISCURSO IDEOLÓGICO

Norteado por estas informações conjunturais cabe expor o conceito de cooperativa, tal qual como se estabelece no discurso neoliberal atual. Como a ideologia prediz informa-se que a cooperativa vem por ser uma associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para satisfazer aspirações econômicas, sociais e culturais comuns de modo a prover estas aspirações por meio da criação de uma sociedade coletiva e democrática.

Nos termos de Pastore (2008, p. 69):

O homem, no cooperativismo, não é considerado “objeto dividido” pelo capital, que o compreende como proprietário e trabalhador, mas sim sujeito ativo e principal beneficiário na produção de riquezas. Ele é, literalmente, a personificação unitária do trabalho. O capital, para o homem cooperado, é a conseqüência do exercício e não a sua causa.

Assim, neste discurso cooperativista a função da mesma está em fazer-se como um negócio que visa atender as necessidades econômicas, social e educativa de seus próprios integrantes, bem como se entende muitas vezes sua função social como garantir uma vida melhor aos seus cooperados, tal qual indiretamente à sociedade.

Cabe, então, perceber até que ponto se torna real este discurso, até porque o trabalho cooperativado não tem proteção jurídica ao cooperado, devendo, assim, o próprio arcar com suas garantias trabalhistas. Seja pagando independentemente por proteção enquanto profissional autônomo na Previdência Social ou mesmo garantir com seus rendimentos uma acumulação prévia para períodos em que esteja limitado em suas potencialidades físicas e sociais de converter seu trabalho em capital.

Convém refletir nesta situação até que grau esta proposta neoliberal vem desconfigurar a garantia das leis trabalhistas ao trabalhador, que muitas vezes apela para a cooperativa para fugir do degradante mundo denominado dos desempregados.

De mais a mais, o momento presente volta-se a reflexão sobre as vantagens e desvantagens no mundo do trabalho das cooperativas, observando até que ponto este sistema reforça a valorização do capital e a consolidação do neoliberal.

A priori se expõe que segundo o adotar da teoria marxista não se deve esquecer as artimanhas da ideologia neoliberal que perpassa em propor ao mundo a busca incessante por acumulação de capital, fato este que vem por a classe trabalhadora neste percurso.

Igualmente o trabalhador cooperativado vem por aperceber esta ideologia de modo à desde a criação de o sistema cooperativo voltar-se a acumular capital na forma da cooperativa, com o fim de acrescer o rendimento, sem calcular muitas vezes a segurança no mundo do direito do trabalho; sobretudo descartando a percepção do aumento de sua exploração pelo próprio sistema capitalista vigente, transpondo, então, o papel de exploração do patrão para o sistema como um todo.

Portanto, certifica-se que o cooperativismo é um fenômeno social que continua a exploração, diferenciando-se por retirar o patrão do papel de explorador para colocar o sistema sócio-econômico como responsável pela exploração, ao ponto de o trabalhador cooperativado ficar à margem de uma proteção digna, dependente de seu empenho em manter a sobrevivência de sua família.

Ou seja, quando o cooperativado não prevê acidentes trabalhistas e nem mantém reserva econômica, ameaça sua sobrevivência, tal como a de seus entes; haja vista, que sem proteção da CLT este pode ser desconstituído de sua posição de cooperado se a mesma for desfeita sem garantia de que terá seu tempo de trabalho computado de forma a não acarretar prejuízos.

Tal como pode ser prejudicado por demais outras situações que por não deter direitos trabalhistas, de acordo com parâmetros da CLT, vem por estar à mercê do amparo em apenas nas suas próprias forças, pois seu esforço para se resguardar de eventuais situações que podem comprometer sua capacidade laborativa deve ser considerada com maior atenção.

Por isso, podemos paralelamente apontar que este discurso ideológico que: trabalhar em cooperativa é positivo para o trabalhador por conta de seus rendimentos é uma ficção; até porque no final das contas pode até ser mais oneroso para o cooperativado, por deixar de ter a proteção do Estado e o direito de exigir dele atenção a seus direitos enquanto trabalhador.

Verifica-se, mediante este enredo, que sob a óptica do marxismo ainda na cooperativa se tem a manutenção da transformação da força de trabalho em mercadoria, pois o cooperativado ainda vem a ser remunerado e reconhecido no sistema capitalista mediante o cálculo sobre aquilo que produz.

Além desta nuance se apresenta o fator que na cooperativa também se tem a produção da mais valia, ou seja, há ainda a retirada do excedente do trabalho executado pelo cooperado para manter por exigência do sistema capitalista a própria cooperativa, servindo de estratégia capitalista a retroalimentação do sistema com os excedentes da produção.

Assim, a consciência de classe proletária também é esquecida no mundo dos cooperativados, onde por não existir lógica a reivindicação por melhores trabalhos, acaba por anular o poder a mobilização e luta contra o sistema capitalista quanto a aspectos de consciência de classe. Excluindo, portanto, do homem cooperado o direito de ingressar para proteção de seus interesses fora do muro do espaço da cooperativa.

Em meio a esse extermínio do valor humano para além do que o capitalismo propaga - muitos compreendendo este fato como natural, porém foi com Marx que se delinearam críticas a esta ideologia e modo de exploração, próprio da criação de um contexto de plena desigualdade social. Com Marx, atacou-se a explicação das desigualdades sociais enquanto fato natural, para expor que deriva de uma artimanha capitalista e (neo)liberal de se acomodar o proletariado neste sistema de exclusão e exploração de sua força de trabalho.

Afinal, foi pelo marxismo que se propôs uma conscientização de classe trabalhadora que tinha em suas mãos o poder de transformar a ordem estabelecida, bastava a este grupo se organizar enquanto classe e transformar a realidade que está estabelecida. É por esta percepção de reprodução dos interesses da hegemonia que se propõe neste trabalho desmascarar o discurso da cooperativa como benéfico à sociedade, embora se reconheça a necessidade individual de sua existência por razão da negligência do Estado em fazer garantido o direito ao trabalho.

Norteado por estas informações situa-se que a lógica cooperativista vem por compor historicamente mais um recurso para conduzir à acomodação aos destituídos do poder sócio-econômico, obedecendo a mais um mecanismo de alienação social por desresponsabilizar o Estado do compromisso com uma vida digna e um trabalho a todo cidadão.

A cooperativa corresponde, então, a um emprego formal onde trabalhadores se responsabilizam em sociedade pelas suas sobrevivências, através de um negócio econômico por todos geridos que vem por reverter-se em capital ao trabalhador de acordo com seu empenho, não deixando, portanto, de o mesmo ser considerado mediante a produção que realiza – fato este que caracteriza a retroalimentação do sistema capitalista.

No entanto, aqui não se descarta que a remuneração do trabalhador deve ser justa, de modo à realmente suprir as necessidades básicas da família, tal como fatidicamente tende a acontecer nas cooperativas reais (opostas às cooperativas que são empresas fantasiadas que visam apenas burlar a CLT, como outrora relatado).

Tal como não se descaracteriza aqui a necessidade de existência deste instrumento no contexto vigente, haja vista a ampliação do percentual de desempregado e demais nuances que perfazem a exclusão sócio-econômica de trabalhadores. Até porque tem suas vantagens, como é o caso de visar à garantia de direitos sociais, como Pastore (2008, p. 53) expõe: “No sistema cooperativista, os direitos sociais passam a ser estatutários, visando a resguardar sempre a predominância do trabalho sobre o capital”.

Entretanto, por os cidadãos em sua maioria estar inserido na lógica do consumo predispõe-se a recusar este princípio estatutário das cooperativas, para transformar cada vez mais seu trabalho em capital, sobretudo por ser uma exigência do capitalismo a acumulação progressiva de capital. Contudo, não há como dizer que o trabalho predomina sobre o capital por o mesmo voltar-se basicamente a promoção de capital, colocando-o como ponto principal.

Também se parabeniza esta proposta cooperativista ao estimular o empoderamento e organização da categoria de trabalhadores que compõe a cooperativa, porém a crítica básica que aqui se estabelece está neste sistema: servir como benesse à classe trabalhadora espoliada, por ser temporal e inconstante; tal como, especialmente por não ser garantista de direitos do trabalho ao cooperado.

Paralelamente, se desperta a crítica sobre esta tendência de cooperativas, por este fato corriqueiro decorrer do Estado se isentar do compromisso social para com a garantia do trabalho, transpondo uma autonomia e auto-suficiência ao cooperado um tanto fictícia diante a sua própria capacidade de gerir com seus recursos a sua própria sobrevivência familiar.

Decorrente deste enredo se apresenta a perspectiva de Marx em absorver a função social do trabalho enquanto produtora de valores de uso, tal como se dá independente ser realizado sob controle do feitor de escravos ou do empresário ou mesmo, sem intermediários, sob o controle do próprio sistema capitalista.

Tendo em vista o que se faz posto, convoca-se a refletir de modo mais específico sobre o como se estabelece uma cooperativa, tal quais as vantagens e desvantagens da mesma frente aspectos próprios do direito do trabalho.

3.    COOPERATIVA E DIREITO DO TRABALHO

Fazendo uma retomada histórica cabe situar que as primeiras idéias cooperativistas brotaram decorrente da ideologia liberal e dos socialistas utópicos do século XIX e nas experiências que distinguiram a primeira metade do século XX. Período este composto do acentuado entusiasmo pela tradição de liberdade e do promissor ambiente intelectual dos socialistas que perfilavam o ideal de justiça e fraternidade.

Foi nesse quadro, que somado à realidade de sofrimento da classe trabalhadora, que se criou o contexto propício ao aparecimento das cooperativas, argumentando-se que nasceram da necessidade e desejo da classe trabalhadora em superar a miséria pelos seus próprios meios (ajuda mútua).

Primeiramente na Inglaterra e França que se deu o pioneirismo deste sistema cooperativo, acreditando ser por estarem estes países neste período em grande progresso intelectual e tecnológico que ensejava estratégias de superação ao problema da miséria e desemprego causado principalmente pela Revolução Industrial.

Assim, a Inglaterra no início do século XIX passava por uma série crise, reflexo da luta entre os tecelões e demais aspectos decorrentes da era industrial. Então, buscando alternativas que pudessem garantir sobrevivência e sustento às famílias, diante dos problemas que já se contornavam em toda a Europa, houve o movimento dos primeiros cooperativados - um grupo de operários tecelões ingleses (27 homens e 1 mulher).

Onde sob influência dos intelectuais socialistas da época, decidiram fundar a cooperativa de consumo, apelidada "ROCHDALE SOCIETY OF EQUITABLE PIONEERS", registrada em: 24 de outubro de 1844, na cidade de Rochdale - Inglaterra.

Contribui PASTORE (2008, p. 69) com os dizeres:

A primeira cooperativa nascida na Inglaterra, na cidade de Rochdale, em 1844, propôs a elevação do trabalhador hiposuficiente à condição de “superssuficiente”. No Brasil, não foi diferente. As cooperativas, imbuídas do mesmo propósito, proliferam-se e estão atualmente disseminadas em praticamente todas as atividades econômicas.

Com discurso, de o homem ser principal finalidade de seu trabalho e não o lucro, os tecelões de Rochdale buscavam uma alternativa econômica para atuar no mercado, discursando contestar o capitalismo que os submetiam a preços abusivos, argumentando contra a exploração da jornada de trabalho de mulheres e crianças, bem como, aludiam ser a cooperativa a saída do desemprego da época.

Ainda firmado no discurso alienado do capitalismo, corrobora-se o discurso legal que expressa:

A Lei n. 5.764/71 prevê em seu art. 3º que a cooperativa é um tipo de sociedade que, dentre muitas peculiaridades, não tem objetivo de lucro. Quis a legislação informar, quando assim dispôs, que a sociedade cooperativa sempre observa em primeiro plano o homem enquanto propiciador do trabalho para, num segundo momento, notar a presença do capital.

Destarte, naquele momento dava-se a composição de uma pequena cooperativa de consumo no então chamado "Beco do Sapo" (Toad Lane), dando margem a mudar os padrões econômicos da época e originando o cooperativismo, sem perceber, entretanto, que atendia plenamente aos interesses capitalistas.

Agora voltando-se ao contexto social vigente, como expôs VASAPOLLO (2005) e VASAPOLLO E ARRIOLA PALOMARES (2005) citados em Antunes (2008, p. 108):

O trabalho estável, torna-se, então, informalizado e por vezes, dada a contigencialidade, quase virtual. Estamos vivenciando, portanto, a erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante nos séculos XX, e assistindo a sua substituição pelas diversas formas de “empreendedorismo”, “cooperativismo”, “trabalho voluntário”, “trabalho atípico”.

Portanto, no contexto contemporâneo, se evidencia o que na época era difícil perceber que, segundo teoria marxista, estavam imersos na ideologia posicionada a atender unicamente os interesses da classe dominante.

Deste modo, afirma-se que a cooperativa obedece à mesma tendência, surgindo como uma política de pão e circo[1] que deslumbra os olhos dos trabalhadores ao se propagar o potencial de se construir seu capital de acordo com sua força de trabalho desfacelando a visão da perda dos direitos do trabalho acometido neste sistema.

 Neste aspecto, adentra-se basicamente em expor que a flexibilização do direito do trabalho é um fato, constituindo-se muitas vezes num direito firmado no discurso de que a necessidade econômica justifica a postergação dos direitos do trabalhador, tal como nas suas questões relativas à jornada de trabalho, estabilidade e as próprias formas de contratação para o trabalho. Subentende-se aí que há um distanciamento sistemático do direito do trabalho para o trabalhador, ideologia esta que está sob tutela do Estado que obedece a lógica de perpetuação das relações de poder vigente.

Assim, pode-se apresentar que o direito do cooperativado é por princípio um fenômeno de alienação, na medida em que sua aparição como esfera autônoma está ligada à fantasiosa idéia de independência do Estado, colocando este separado dos homens, apenas no âmbito de garantias de direitos, caracterizando, assim, a desresponsabilização para com o trabalhador.

Mas, o que se vê é o discurso que cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações econômicas, sociais e culturais comuns, por meio da criação de uma sociedade democrática e coletiva. Porém, não desvelando o caráter de reprodução do sistema capitalista vigente.

Cabe neste momento refletir sobre a colocação de Pastore (2008, p. 61):

As cooperativas oferecem à sociedade novas possibilidades de gerar riquezas fora do conceito tradicional de emprego. O sistema é criticado, principalmente, por não oferecer 13º salário, férias e aviso prévio. O regime jurídico das cooperativas é diverso da CLT e o sistema cooperativo não prevê a garantia desses direitos, já que possui uma natureza jurídica diversa. Nada é retirado do trabalhador. Em contrapartida, as cooperativas provem fundos equivalentes às obrigações trabalhistas, amparando plenamente os cooperados, oferecendo, por exemplo, fundos de descanso anual, poupança compulsória, assistência à saúde e Responsabilidade Previdenciária.

Neste decurso, apreende-se a lógica fundamentada da crítica que se faz as cooperativas em razão de ser esta contrária aos direitos do trabalhador, seja dos servidores públicos ou dos contratados mediante as normas da CLT.

Então, caracteriza-se a incoerência de se dizer dos direitos dos cooperativados diante a concepção do direito do trabalho, tal qual não se tem expressado em legislação a obrigatoriedade de se ter as responsabilidades previdenciárias e as demais, cabendo como benesse da cooperativa dar estas oportunidades.

Enfim, somos sabedores da regra que os direitos do trabalhador são irrenunciáveis, diante o princípio da irrenunciabilidade de direitos, onde qualquer ato contrário a CLT exercido pela empresa perderá sua validade se reclamado na Justiça do Trabalho. Entretanto, plenamente este princípio se faz negado no âmbito do trabalhador cooperativado, haja vista o sistema jurídico percebê-lo como o próprio contratante de sua força de trabalho.

Enseja assim, demonstrar que este princípio se faz recusado devido às próprias artimanhas do sistema capitalista que se retroalimenta colocando o trabalhador numa condição de fetiche e alienação própria da evolução histórica da ideologia narrada.

Outro princípio, do direito do trabalho, desconfigurado com o sistema cooperativista é o da continuidade da relação de emprego, onde o trabalho cooperativo não detém ordinariamente os requisitos de habitualidade, remuneração e subordinação para que estes trabalhos se constituam como emprego e, conseqüentemente se derivem no abarcar os reais direitos do trabalho.

Até porque quando não se percebe que o trabalho cooperativo obedece hierarquicamente ao capitalismo, por visar sobreviver neste mundo onde se globaliza a competição, desintegra-se a percepção das ameaças à proteção do trabalhador, conduzindo-o assim às inseguranças firmadas na desresponsabilização do Estado e da cooperativa, enquanto pessoas jurídicas que devem o compromisso com os seus que lhes formam.

Em seqüência se desconstrói o princípio da proteção, ao analisar o trabalhador cooperativado como sem direito adquirido frente à cooperativa – que neste caso vem por ser subentendida como um tipo de empresa na parte correspondente a sua gestão social e de trabalho. Perfaz-se, neste enredo, então, a não aplicação da norma e condição mais favorável ao trabalhador.

4.    CONCLUSÃO

De mais a mais, o trabalho é um meio do homem se realizar e ver por sua ação o suprimento de suas necessidades imediatas e naturais e, por isso, justifica a vida em sociedade; o trabalho constitui-se na condição natural de existência do homem, daí a necessidade de se refletir para além da cortina da realidade que se apresenta a nossos olhos.

Daí a oportunidade de discutir o sentido ontológico do trabalho para que não se faça uma abstração mecânica e apreensão acrítica do que corresponde o mesmo, para assim a posteriore se poder vislumbrar as áreas, tipos, classificações, teorias, direitos trabalhistas e demais aspectos.

Afinal, sem a percepção ontológica do trabalho somos passíveis a trabalhar de forma fetichista e desprovida de uma coerência tão profunda que venha a não observar de modo consciente os aspectos jurídicos estabelecidos e que decorrentemente não derive no processo de alienação tal como se dá neste fato.

Impõe-se, assim, maior consubstanciação jurídica para poder se fazer intervenções coerentes propicias a alteração das normas jurídicas, fazendo frente muitas vezes as tendentes descaracterizações de direitos, sobretudo, nas classes subalternizadas.

Diante desta realidade é preciso estabelecer um planejamento estratégico que venha a transformar este sistema de excludência de ordem cultural-conceitual sobre o fenômeno do trabalho, para que se propicie uma melhor qualidade de vida ao trabalhador e, assim, evolua-se destes moldes históricos do sistema sócio-político que vem por mascarar a violência no âmbito do trabalho dada ao trabalhador.

Nos termos de PASTORE (2008, p. 73): “Outro elemento importante é que o sociocooperado assume os riscos da atividade econômica e, por isso, consegue ganhar mais do que se estivesse na CLT, pois assumindo o risco ele faz o empreendimento econômico funcionar, modificando a idéia de hiposuficiente”.

Então, temos que a natureza jurídica da cooperativa se firma na posição sustentada pelo sistema neoliberal e capitalista que vem por desfragmentar a competência de exigência de direitos do trabalhador frente ao Estado, tal como se apreende na interpretação crítica dos dizeres de Pastore, acima citado.

Estabelecendo o trabalho da cooperativa como cumpridora de sua função social e ideológica, rotula-se o cooperado como composto de supersuficiência, tal qual prediz colocar o mesmo diante o assumir os riscos da atividade econômica correspondendo a retirar seus direitos enquanto trabalhador.

Portanto, a reformulação da cooperativa frente ao cooperado depende da consciência de classe trabalhadora, como vítima da exploração capitalista, onde não se admita os valores estatutários apenas como lema, mas se objetive o real bem da humanidade e defesa de seus cooperados, colocando em vigor uma estrutura de garantias e de direitos que evidencie a redução da busca exacerbada do capital.

Afinal, o valor deve estar nos sujeitos, na essência do trabalho em si e não na alienação de transferência dos direitos a uma responsabilidade subjetiva, reconfigurando a cooperativa de modo que se perfaça numa economia que realmente seja de respeito aos homens e as suas necessidades de trabalho e emprego.

Nos dizeres de TOLEDO citado em BEHRING (2003, p. 187) prediz: “Não havendo nenhum outro caminho a seguir fora o da inserção (subalterna) na “nova ordem mundial”, qualquer iniciativa social diferente é ou utópica denunciada como ilusória, assim, descartada da agenda política”.

Neste tempo, o desemprego, a luta pela sobrevivência e as novas formas de produção caracterizam os verdadeiros sintomas da crise atual existente, porém diante o que se faz posto convém, então, garantir a revogação deste pensamento ainda concreto de Toledo, requerendo da sociedade uma reformulação econômica e social, para que realmente exista o bem-estar da sociedade.

Temos que consolidar neste tempo o transpor do mero discurso e evitar ser a cooperativa um instrumento de controle social dos ânimos dos cidadãos, dando vazão às novas relações de trabalho e formas de trabalho, conforme sejam não em prol de lucro, reprodutor de desigualdades sociais, mas enquanto dignificante de se viver em sociedade.

REFERÊNCIAS:

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 13ª edição. São Paulo: Cortez, 2008.

BEHRING, Elaine Behring. Brasil em contra-reforma; desestruturação do Estado e perda dos direitos. São Paulo: Cortez, 2003.

COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de poderes e outros ensaios. 2 edição. São Paulo: Cortez, 1996.

MEMORIAL UNIMED 25 anos: cooperativismo médico: o sistema e suas singularidades. Vol. 2. São Paulo: Cartaz, 1992.

PASTORE, Eduardo. O trabalho sem emprego. São Paulo: LTr, 2008.

PILETTI, Nelson; ARRUDA, José Jobson de A. Toda a história: História Geral e História do Brasil. 6ª edição. São Paulo: Ática, 1997.

Notas:

[1] A Política do Pão e Circo equivale ao mecanismo utilizado na Roma durante o período de sua República em que se fazia concedido espetáculo circense, vinho e pão com foco em beneficiar esporadicamente o povo para que continuasse inerte e acrítico quanto à situação que vivenciavam, correspondia ao que expõe ARRUDA e PILETTI (1997, p. 67): “O Estado fornecia pão, vinho e espetáculos no círculo romano (política do pão e circo), para alienar a multidão, potencialmente revolucionária”.

 

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