O município e seus impostos


Porrayanesantos- Postado em 25 junho 2013

Autores: 
FILHO, ANTONIO LUIS FERREIRA

RESUMO: Este trabalho procura de forma detalhada, explanar um entendimento de suma importância, o município e seus impostos. Contudo há que se valer que o sistema tributário no Brasil é uno, valendo as normas gerais tributárias para as três esferas de governo, sendo que estas são aplicadas uniformemente em todo o país, de acordo com o que dispõe o Código Tributário Nacional. A constitucionalização retrata a preocupação em implementar dispositivos de caráter fundamental em toda legislação, e em especial a sua funcionalidade dentro da sociedade e a razão que limita a legitimação do Município, tendo como principal motivação a satisfação das garantias constitucionais a favor da coletividade, como sua razão de ser, basilares nos princípios da igualdade, legitimidade, solidariedade e legalidade.  

PALAVRAS-CHAVE: Município; constitucionalização; dispositivos; garantias, impostos; sociedade.


1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é expandir informações e opiniões, conceituando de forma ampla a importância das mudanças na legislação tributária dos impostos municipais após a promulgação da Constituição Federal de 1988, delineando, segundo o texto constitucional, as regulamentações por normas e princípios, definindo a organização administrativa financeira e política do Município concomitantemente com os direitos e deveres do cidadão. Ela tem entre as suas características a generalidade, ou seja, ela é aplicada genericamente a sociedade e a todos os cidadãos e a ninguém é dado o direito de desconhecê-la como também de desobedecê-la, para que não sofra sanções, pelo descumprimento das obrigações. Estes descumprimentos fazem parte da premissa da execução fiscal, na triste justificativa de exercer o seu papel social.  Mas a limitação ao poder impositivo do Município representa um dos direitos fundamentais mais importantes outorgados pela Carta da República de 1988 ao universo dos cidadãos. Não podemos desconhecer que os princípios constitucionais tributários representam uma importante conquista político-jurídica dos contribuintes.

2 O MUNICÍPIO SEU PODER DE TRIBUTAR E AS LIMITAÇÕES APÓS A CF/88     

O poder imperial do Município, distribuído entre as pessoas jurídicas de direito público como a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, todos autônomos, mas submetidos às regras constitucionais, onde compete o poder para cobrar e exigir tributos, tendo como contrapartida as pessoas físicas e jurídicas, com o dever de pagar os tributos, de forma que não contrarie os direitos e garantias individuais, que tem aplicação imediata e se sobrepõem sobre os demais direitos. O Município exige dos indivíduos o pagamento de forma inconteste do que lhe é devido, apesar de não ter o retorno em forma de melhoria da qualidade de vida equivalente ao tributo pago. O tributo tem como objetivo a consecução de obras, prestação de serviços e bem estar social da coletividade, pois sem ele o Município não tem como a execução de tais objetivos, apesar de receber alguns recursos dos governos estadual e federal. Para Marcelo Martins Altoé o dever de pagar o tributo é:

O Estado Fiscal ou impositivo constitui o vínculo indispensável de união entre os princípios do Estado de Direito e Estado Social, porque somente através das possibilidades de ingerência do Estado impositivo pode-se garantir o desenvolvimento do Estado Social, sob uma estrita observância, ao próprio tempo, das formas do Estado de Direito e, concretamente, do respeito do Direito de propriedade. Apontava, assim, a tese de que a configuração do Estado como “impositivo” constitui um pressuposto funcional do Estado social, pois este só pode alcançar seus objetivos recorrendo ao imposto como instrumento financeiro. (ALTOÉ, 2009, p. 77).

É triste e notório que a carga tributária imposta no Brasil, em especial nos Municípios é considerada uma das mais elevadas, principalmente no que diz respeito ao IPTU para as pessoas físicas, e ISS para as jurídicas, inibindo o poder de investimento, tanto de um como de outro. Em razão isso, as empresas prestadoras de serviços, que na grande maioria são micro e pequenas empresas, deixam de investir na qualificação e ampliação de mão de obra, melhoramento de equipamentos, o que ocasionaria uma elevação e qualificação da produção de serviços prestados, havendo uma maior demanda de qualidade e quantidade, aumentando a sua procura pelas pessoas físicas e jurídicas, que menos onerada principalmente nos denominados impostos diretos, aqueles embutidos nos bens de serviços e patrimoniais passariam a procurar satisfatoriamente o necessário.

As pessoas buscam no dia a dia, uma melhor condição de vida, mas não há reciprocidade do Município, na efetiva prestação de serviços condignos com o que é instituído ao cidadão e as empresas. As pessoas em geral (físicas e jurídicas), não se opõem ao pagamento de tributos, porém num patamar condigno com seu modo e estilo de vida, onde a contraprestação do Município deveria ser condigna com que é pago. Moraes (2003, p.187) afirma que será desumano, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa à condição de objeto, instituindo a pessoa humana como um mecanismo de arrecadação de tributo.

Diversos mecanismos foram criados ao longo dos anos, para cada vez mais instituir impostos ao cidadão, sem a reciprocidade almejada por todos. Exemplificadamente temos o aumento da alíquota do imposto de renda das pessoas físicas, buscando um equilíbrio, impondo maior ônus aqueles que ganham mais, porém a realidade é outra, aqueles que ganham mais são os que menos pagam. O imposto de renda tem como fato gerador da aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda decorrente do capital, do trabalho, ou da conjugação de ambos e proventos de qualquer natureza, assim entendidos todos os acréscimos não compreendidos no conceito de renda.  As receitas arrecadadas pela União são repassadas aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

 O rateio da receita proveniente da arrecadação de impostos entre os entes federados representa um mecanismo fundamental para amenizar as desigualdades regionais, na busca incessante de promover o equilíbrio sócio econômico entre Estados, Distrito Federal e Municípios. Cabe ao Tesouro Nacional, em cumprimento aos dispositivos constitucionais, efetuar as transferências desses recursos aos entes federados. Temos como maior fonte de renda dos Municípios o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), com base legal no Art. 19 da Constituição Federal.  Ele é composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A distribuição destes recursos aos Municípios é feita de acordo o número de habitantes. Os critérios atualmente utilizados para o cálculo dos coeficientes de participação dos Municípios estão baseados na Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) e no Decreto Lei nº 1.881/81. Do total de recursos arrecadados 10% são destinados aos Municípios das capitais, 86,4% para os demais Municípios e 3,6% para o fundo de reserva a que fazem jus os Municípios com população superior a 142.633 habitantes, excluídas as capitais.

A maioria dos brasileiros, paga alta carga tributária nos impostos embutidos nos produtos, até nos produtos da denominada cesta básica. A função social do tributo diante destas realidades vividas cotidianamente pelo cidadão, só atingirá o seu ápice tão almejado, quando população tiver uma consciência fiscal, participando ativamente das decisões que envolvem conhecimento do valor arrecadado pelo ente federativo e os seus gastos públicos.

O Município, para prover o bem comum por meio da tutela das necessidades públicas, necessita da obtenção de recursos. Além disso, deve gerir e aplicar tais recursos de acordo com um planejamento adequado e dentro das respectivas decisões políticas, sempre com o objetivo de atender aos interesses básicos e fundamentais definidos nas Constituições Federal, Estadual e Lei Orgânica do Município. A cobrança fiscal e todos os procedimentos devem estar de acordo com a Constituição Federal e com as autorizações expressas do ordenamento pátrio. Trata-se essencialmente do respeito ao princípio da legalidade, evitando assim o arbítrio dos governantes.

Sabbag (2008, p. 1006) relata que o princípio da legalidade possui uma densa carga valorativa, no que diz respeito à cobrança de tributos.  Pelos ideais de segurança jurídica e justiça são vetores que não podem ser solapados da seara tributária. Outro vetor essencial à tributação é a proteção à dignidade da pessoa humana.

Tal preceito, além de ser um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, apresenta-se na seara tributária como um limite de ingerência da atuação estatal na esfera particular do contribuinte, com relação direta à proteção da liberdade e da propriedade do cidadão. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elenca em seu art. 156 a competência dos Municípios em instituir impostos, como IPTU (imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana), ITBI (imposto sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição) e ISS (imposto sobre serviços de qualquer natureza).

 O Município é um ente público, político, que constitui a República Federativa, regendo-se por um estatuto próprio, isto é a Lei Orgânica Municipal, decorrente de atendida os princípios estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A autonomia municipal é assegurada pela mencionada Carta de 1988, art. 29 da CF e também pelos arts. 18 e 30. Autonomia significa capacidade de gerir seus próprios negócios, mas também capacidade de exercícios de poder como qualidade de ente político. Em síntese, a autonomia municipal, sede da competência tributária resulta de atribuições constitucionais que lhe outorgam capacidade de auto-organização, de autogoverno, auto poder na elaboração de leis municipais ou capacidade normativa e de auto administração, ou seja, capacidade de instituição de tributos, arrecadação e aplicação.

 O envolvimento do cidadão no acompanhamento da qualidade e na adequação das receitas e dos gastos públicos, instala uma pressão social sobre o desempenho dos administradores públicos e sobre os resultados sociais alcançados. Esse dualismo do cidadão com o Município dá transparência ao orçamento público e harmoniza a relação cidadão-contribuinte x Município-arrecadador.

O aprimoramento da relação entre o Município e o cidadão, a tomada de consciência sobre a função social do tributo e a certeza de que os gastos e investimentos públicos são apropriados, denotam de que estão sendo bem administrados os recursos tomados da sociedade, são elementos que formam o cidadão esclarecido, participativo e dotado de boa vontade contributiva, o que certamente leva à redução da evasão e ao aumento da arrecadação tributária municipal. A partir de então poderemos ter a certeza de estarmos diante da tão justiça social almejada e resgatando os verdadeiros valores da cidadania. A política tributária ideal é aquela que arrecada o necessário para suprir os custos e investimentos públicos exigidos pela sociedade, mediante a contribuição de todos os cidadãos, de acordo com sua capacidade contributiva.

O financiamento dos gastos públicos se dar através da arrecadação de tributos, mas de forma equilibrada, com respeito à capacidade contributiva dos cidadãos e quando possível, sem a criação de novos tributos em razão de sermos atualmente um dos maiores pagantes de impostos do mundo.

Cumpre ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana precede a todos os demais princípios, por ser substância básica de todo e qualquer direito fundamental, e, portanto, está inserido nas diferentes manifestações dos direitos inerentes à pessoa humana. Moraes (2004, p. 168) enfatiza que a dignidade humana é um valor espiritual e moral atinente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.

 Vislumbra-se, portanto, a indissociável disposição de direitos fundamentais, como a garantia do direito à vida, à liberdade, à igualdade, etc., tendo como objetivo maior, a finalidade de preservar a dignidade do ser humano em seu sentido amplo. Ingo Wolfgang Sarlet propôs uma conceituação jurídica para a dignidade da pessoa humana:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos (SARLET, 2009, p.60).

 Em que pese o direito à vida, este é o mais fundamental de todos os direitos, pois sua proteção é imperativa, tendo em vista constituir pré-requisito de existência e exercício de todos os demais direitos. Neste raciocínio, deu-se uma forma de formatar um conceito único às diversas nomenclaturas utilizadas para designar direitos humanos, conforme esclarece José Afonso da Silva:

A Constituição resolveu, em parte, esse problema porque adotou a expressão direitos fundamentais, como rubrica do Título II, e direitos fundamentais da pessoa humana, no art. 17, o que equivale dizer direitos fundamentais do homem, ou direitos humanos fundamentais, ou direitos fundamentais humanos. Foi além, porque empregou a expressão no sentido abrangente de direitos individuais, sociais, de nacionalidade e políticos. Aí temos uma base para a classificação desses direitos (SILVA, 1992, p.24).

Contudo, cabe observar que o direito a vida só se satisfaz com a presença de uma qualificadora que é a vida com dignidade. Para se alcançar tal dignidade é que surge o ente federativo (Município) como assegurador do bem-estar social, empenhado em articular com ações que dêem efetividade aos direitos sociais constitucionalmente assegurados, como o direito à moradia, ao trabalho, ao lazer, à saúde, dentre outros.

Com um sentido maior de elucidar este direito consagrado pela carta maior brasileira, vem à prerrogativa da ONU (Organização das Nações Unidas) na garantia da saúde para todos através da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) adotada e proclamada pela resolução 217 A III da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de1948, em seu art. XXV:

[...] Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios

de subsistência fora de seu controle.

Apesar da Carta Magna de 1988, dispor sobre as limitações constitucionais dos entes federativos ao poder de tributar, arrolando princípios e direitos dos cidadãos, justamente para coibir a avidez ilimitada do ente tributante. Esses princípios, da legalidade, da igualdade, do não confisco, da irretroatividade e tanto outros, são formas de reprimir o poder do Município em não imputar de forma ilegal tributo ao contribuinte. Entretanto, estes princípios são desrespeitados por quem deveriam aplicá-los, ocasionando demandas judiciais para reparação. Desse modo, a existência de garantias de nada vale. Outro obstáculo na efetivação das garantias existe por parte daqueles que são incumbidos de criar, executar e aplicar as leis, pois, conforme aludimos, não bastam apenas à oferta de meios, políticas ou instrumentos, é instruir os tributados de como utilizá-los. O que nos leva a crê que, neste preceito, o nosso ente estatal é precário e aviltante.

Partindo desta premissa, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro tem que ser interpretado e aplicado de forma sistêmica, onde as leis infraconstitucionais deverão ser aplicadas em consonância com a Constituição Federal, tratando-se inclusive a tributação, para haver uma perfeita harmonia da legislação tributária com os princípios e garantias constitucionais, requisito maior ao anseio da sociedade.

CONCLUSÃO

Após uma análise geral, há que considerar, que a influência dos tributos na vida social da população, a importância das leis tributárias e a execução fiscal dependem da existência de uma sociedade tributária livre, justa e solidária, onde o detentor do poder de arrecadação tributária respeite e entenda as prerrogativas básicas do contribuinte tributário, elencadas no texto constitucional. O Município necessita de recursos para executar suas políticas públicas, tendo em vista que a sua execução é dependente da tributação. É visível a ocorrência de violação dos direitos dos contribuintes. Muitos dos direitos previstos na lei de execuções fiscais são afastados pelas jurisprudências e estabelecidos pelos legisladores. A máquina estatal não é mais ditatorial, sua atuação é inibida e está pautada em não violar os direitos fundamentais do cidadão; por certo que deve defender os direitos públicos, atendendo aos interesses da coletividade. Muito doutrinadores são coesos em afirmar que a todo tributo, sua cobrança e majoração deve ser pautada e prevista em lei, caso contrário está estabelecida uma violação por parte do ente tributante (Município). Esse princípio tem raízes na história da humanidade, encontrando sua expressão máxima na soberania popular, na medida em que limitou o poder real, impedindo-o de instituir tributo de forma arbitrária, sem o consentimento dos cidadãos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTOÉ, Marcelo Martins. Direito versus dever tributário colisão de direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2011. 

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15ª. ed. Niterói: Impetus, 2010.   

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana: uma leitura civil constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

ONU. Assembléia Geral das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: < http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm >. Acesso em: 19 de novembro de 2011.

SABBAG, Eduardo de Morais. Repertório de Jurisprudência de Direito Tributário. 4ªed. São Paulo: Premier Máxima, 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. 9ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

 

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