"O Petróleo é Nosso!" E os Royalties, de quem serão?


Porbarbara_montibeller- Postado em 17 maio 2012

Autores: 
SOARES, Petruska Veiga

Resumo: O § 1º do artigo 20 da Constituição Federal brasileira assegura, nos termos da lei,  participação nos resultados, ou compensação financeira, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, pela exploração de recursos naturais, tais como  petróleo, gás, recursos hídricos e minerais. A lei que normatiza essa exploração e a consequente distribuição de resultados – 9.478/97 – vem sofrendo alterações, após a descoberta de petróleo na camada denominada de “pré-sal”, estando em tramitação no Congresso Nacional projetos tendentes a modificar esse marco regulatório, especialmente, no que se refere à destinação dos royalties do petróleo a estados e municípios não produtores. É sobre essa possibilidade de se estender tal participação governamental àqueles entes que não sofrem diretamente com o processo exploratório que se desenvolve o presente artigo.

Palavras-chave: Petróleo; Royalties; Compensação Financeira. 


Introdução

Desde os primórdios da humanidade, a luta por conquistas e riquezas interfere nas civilizações, fomentando guerras, dizimando culturas, alterando estratégias políticas, territórios,  gerando distorções sociais e econômicas.

Nos registros históricos do império em Portugal, já figurava a necessidade de se fortalecer o Estado, pelo acréscimo de privilégios e competências, com a finalidade de se garantir maior poder econômico ao rei.

Assim, o país surge como um dos primeiros a estabelecer e consolidar normas para auferir divisas, a partir, por exemplo, da exploração, por terceiros, de suas riquezas minerais.

O rol de pagamentos devidos ao Estado formavam os direitos reais, ou regalia,  que pesaram, inicialmente, sobre a nobreza e a Igreja, as grandes proprietárias de terras, e que também sofreram a interferência do estado na subtração das riquezas minerais de seu subsolo.

Esses direitos régios aparecem nas Ordenações Afonsinas, primeira coletânea de leis da era moderna, cujos manuscritos iniciais datam do século XV, conforme bem leciona o professor Gustavo Kaercher Loureiro, em sua obra  Participações Governamentais na Indústria Mineral e do Petróleo: Histórico da Legislação até a Constituição de 1988.[1]

Desde então, uma sucessão de regulamentos pode ser verificada, com vistas  a garantir ao Estado sua devida participação nos recursos oriundos da res publica[2], via de regra, permitindo-se ao particular a exploração de um bem público – como os recursos minerais – em troca de direitos ou de uma compensação financeira.

No Brasil, desde os anos 1930, é discutido o tema da exploração do petróleo e, consequentemente, do retorno financeiro dessa atividade, existindo sempre os que defendem o monopólio da União sobre toda a extração e aqueles que opinam pela participação da iniciativa privada, com destinação de verbas ao Estado.

Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se no país um movimento pela nacionalização da produção petrolífera,  visto que, naquela época, o Brasil era ainda um grande importador desse recurso mineral. A partir daí, surge a Lei 2004, de 1953, dispondo sobre a Política Nacional do Petróleo e criando a “Petróleo Brasileiro S.A.”, que “usará a sigla ou abreviatura de Petrobrás” (art. 5º), dentre outras medidas.

É desse importante período histórico o bordão “O Petróleo é Nosso!”, manifestação popular nascida no segundo Governo de Getúlio Vargas, relativa ao então monopólio da União sobre o petróleo, posteriormente eliminado com a Emenda Constitucional nº 09/1995.

De fato, o petróleo é do Estado, conforme previsão do artigo 20 da Constituição Federal/88, que dispõe, em seu inciso IV,  que são bens da União “os recursos minerais, inclusive os do subsolo”.

Constantes estudos e debates se sucedem, desde então, gerando edição de outras leis e regulamentos, que melhor atenderiam aos interesses estatais. Surge, em 1997, uma inovadora normatização, que passaria a ser conhecida como a “Lei do Petróleo” ou do “Marco Regulatório” do Petróleo. A lei  9478/97 dispõe em seu art.3º que  “pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva.”

Mencionada lei vinha sendo a referência no que tange à exploração, refino, transporte, importação e exportação do petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos e de seus derivados, até que se descobriu petróleo na camada denominada “pré-sal”, que consiste em um grande campo petrolífero, estendendo-se por oitocentos quilômetros da costa brasileira, abaixo da camada de sal (rocha salina), e que engloba as bacias do Espírito Santo, de Campos (RJ) e de Santos (SP).

Criou-se a “Lei do Pré-sal” (nº 12.351/10), incluindo, dentre outras disposições, a possibilidade de regime de partilha de produção, em oposição à tradicional forma de concessão de exploração, dando nova redação ao artigo 5º  da “Lei do Petróleo”.  Pela partilha, o Poder Público, além de retorno financeiro pela exploração do petróleo, também recebe uma parcela direta da produção.

Por ocasião da Lei do Pré-sal, algumas propostas de emendas constitucionais foram apresentadas ao Congresso Nacional, na forma do projeto nº 5.938/09, reacendendo no cenário político brasileiro inúmeras discussões, destacando-se como a mais polêmica a que possibilita o repasse de royalties a todos os Estados e Municípios, além do Distrito Federal, ainda que não produzam petróleo em seus territórios.

O presente artigo analisa essa possibilidade - de se destinar a todos os entes federados o que inicialmente parece ser devido somente (ou na maior proporção) aos municípios e estados produtores de petróleo.

Para se chegar a um melhor entendimento sobre a questão, é interessante conhecer informações sobre o petróleo e sua origem; seus registros históricos e utilizações primitivas. Além disso, deve-se entender o que são os royalties e como são juridicamente tratados. 

I.                   Petróleo: origem e registros históricos

Há mais de uma teoria sobre o surgimento do petróleo: uma delas, diz que o produto tem origem inorgânica, a partir de depósitos de carbono, que,  possivelmente, remontam à formação da Terra.

A mais aceita, porém, defende que tenha surgido a partir de restos orgânicos de animais e vegetais depositados no fundo de lagos e mares, sofrendo transformações químicas ao longo de milhões de anos.

O Petróleo (do latim petroleum: petrus = pedra e oleum = óleo) é uma substância inflamável, que possui estado físico oleoso e com densidade menor do que a água. É composto pela combinação de moléculas de carbono e hidrogênio – os hidrocarbonetos.

No Oriente Médio, o betume[3] estava presente no embalsamento de mortos, na pavimentação de estradas, calafetação de grandes contruções, aquecimento e iluminação de casas, pelos povos da Mesopotâmia, Egito e Judéia. Um outro óleo, mais viscoso, era produzido na Pérsia e chamado de nafta, substância incolor, atualmente matéria-prima básica para a produção de plástico.

Registros dão conta de que, no Brasil, a primeira concessão para a exploração do mineral foi dada pelo Marquês de Olinda a José Barros Pimentel, por volta dos anos 1858, permitindo-lhe explorar petróleo nas proximidades de Ilhéus/BA.

A descoberta de petróleo em Lobato, na região do recôncavo baiano, em 1939, incentivou o Conselho Nacional de Petróleo a investir em pesquisas naquela região, vindo a ocorrer a perfuração do primeiro poço comercial em Candeias, em 1941. 

II.                O que são os royalties?

Royalty, cujo plural é“royalties”,  é uma palavra de origem inglesa derivada de "royal", que significa aquilo que pertence ou é relativo ao Rei, monarca ou nobre.

Na antiguidade, royalties eram os valores pagos por terceiros ao rei ou nobre, como compensação pela extração de recursos naturais existentes em suas terras, como madeira e  água, ou, ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos.

Atualmente, royalty é o termo utilizado para designar a importância paga ao detentor ou proprietário de um território, recurso natural, produto, marca, patente de produto, processo de produção, ou obra original, pelos direitos de exploração, uso, distribuição ou comercialização do referido produto ou tecnologia. O proprietário em questão pode ser uma pessoa física, uma empresa ou o próprio Estado. (Dicionário Digital Aurélio)

No Brasil existem diferentes tipos de royalties, uma das espécies do que se conceitua participações governamentais, pagos ao governo ou à iniciativa privada, pela extração de um recurso natural de uma determinada região.

As participações governamentais[4]  na indústria do petróleo possuem base constitucional no § 1º do art. 20, que assegura aos Estados, Distrito Federal e Municípios e órgãos da administração direta da União “participação no resultado da exploração” de recursos naturais, “ou compensação financeira por essa exploração”, nos termos da lei, no caso, a  Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.

Os royalties pagos ao governo, por exemplo, são relativos à extração de recursos naturais minerais, como minérios metálicos ou fósseis, carvão mineral, petróleo e gás natural.

III.             A Emenda Ibsen Pinheiro e o Projeto Substitutivo de Vital do Rêgo

O atual marco regulatório da exploração petrolífera e de gás natural brasileira é a Lei nº 9.478/97, cujo artigo 3º dispõe pertencerem à União  os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental  e  a  zona econômica exclusiva.”

Após a Lei do Pré-sal (12.351/10), uma série de projetos de lei foi encaminhada ao Congresso Nacional, especialmente, com vistas à instituição da partilha de produção (modalidade oposta ao atual regime, o de concessão), o  que concede ao Poder Público, além do retorno financeiro pela exploração do petróleo, uma parcela direta da produção, a ser comercializada no mercado.

O principal desses projetos é o de número 5.938/09, que traz em seu artigo 45 a seguinte proposta: 

“Art. 45. A receita advinda da comercialização referida no art. 44 será destinada a fundo de natureza contábil e financeira, criado por lei específica, com a finalidade de constituir fonte regular de recursos para a realização de projetos e programas nas áreas de combate à pobreza e desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental”.

Todavia, pela proposta do Deputado Ibsen Pinheiro, mencionado artigo seria modificado, passando à seguinte redação:

"Art. 45. Ressalvada a participação da União, a parcela restante dos royalties e participações especiais, oriundos doscontratos departilha de produção e deconcessão de que trata a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, será dividida entre Estados, Distrito Federal e Municípios, da seguinte forma:

I – 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados – FPE;

II – 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios – FPM.”  (grifou-se)

Cabe aqui registrar que, no modelo de distribuição vigente, Estados e Municípios não produtores recebem também os royaltes oriundos da exploração nas plataformas continentais,  na parcela de 7,5%, destinada a um Fundo Especial, distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios (art. 49, II, “e”, da Lei 9478/97). Ou seja, apesar de não sofrerem os riscos, danos e prejuízos inerentes à atividade exploratória, os entes da União  já são beneficiados com os resultados da exploração petrolífera. Portanto, pelo pleiteado novo regime, ampliar-se-á a parcela destinada aos não-produtores, em detrimento dos Municípios e Estados que produzem, e que, de fato,  arcam com os custos financeiros e sociais dessa atividade.

Sobre a Emenda Ibsen e seus efeitos, vale transcrever parte de pronunciamento feito pelo Deputado Chico Alencar, na Câmara dos Deputados, em março de 2010:

“Sr. Presidente, registro mais uma vez, nos Anais desta Casa, como fiz na quarta-feira passada, minha total objeção às ilusões que a Emenda Ibsen cria na população de todos os municípios brasileiros. É uma emenda simplista, que retira os direitos constitucionais dos Estados confrontantes com áreas de produção de petróleo, aquilo que a Constituição determina como compensação, para municípios e Estados que obviamente sofrem impactos de adensamento populacional e ambientais por conta dessa exploração.
É importante reiterar essa posição e, com a força dos argumentos, mudar, no Senado Federal, esse cenário muito deletério para o Rio de Janeiro, o Espírito Santo e mesmo São Paulo.”

Nestes termos, manifestou-se o Deputado, contrariamente à emenda, e continuou seu discurso, mantendo incisiva argumentação:

“(...) todos os royalties do petróleo do pós-sal e do pré-sal, para além da parte da União, serão divididos igualmente entre Estados e municípios (50% para cada ente),  através dos seus Fundos de Participação (FPE e FPM). (...)
O princípio da compensação para Estados e municípios confrontantes e produtores foi para o lixo (...) A valer isso, vamos então aprovar uma nova repartição, rigorosamente igualitária para todos os Estados e municípios do País, das riquezas provenientes dos minérios de Minas, dos recursos hídricos da Amazônia, do turismo ecológico do Pantanal...”

Outro Projeto que propõe a alteração na distribuição dos royalties é de autoria do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e institui novos critérios de partilha dos royalties do pré-sal e da participação especial decorrente da exploração do petróleo (PLS 448/11). O texto garante a destinação desses recursos a todos os estados e municípios do país – produtores e não produtores, sem que se leve em consideração o impacto ambiental e social nas regiões extratoras.

De acordo com matéria publicada na revista Sim, em novembro de 2011, os dados utilizados para a proposta de Vital do Rêgo não condizem com a realidade. O projeto substitutivo de Vital aprovado pelo Senado em 18/10/2011, teria superfaturado a previsão de arrecadação, até 2020, dos royalties provenitentes do petróleo, o que poderá gerar, em curto prazo, um rombo nas finanças dos municípios capixabas e fluminenses produtores do óleo.  O Estado do Espírito Santo, por exemplo, perderá R$ 3,4 bilhões até 2015, caso a nova lei seja aprovada.  

Quanto ao Projeto de Vital do Rêgo, também crescem as críticas negativas, destacando-se pronunciamento do ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, para a citada Revista,  pg. 54, em parte transcrito:

“Esse projeto que vem assinado pelo senador Vital do Rêgo é um projeto eivado de irregularidades. A projeção de produção de petróleo é superfaturada, quer dizer, é uma mistificação pra (sic) não esclarecer para os capixabas  e os cariocas o quanto eles vão perder (...) Os royalties são cobrados em outros produtos, por exemplo, o minério de ferro. E quem recebe royalties de minério de ferro? O Espírito Santo não recebe nada de royalties de minério de ferro, muito embora as instalações pra (sic) exploração de minério de ferro estejam em terras capixabas...”

Além da possível falha nas projeções de arrecadação dos royalties, o que, por si só, já será fator de considerável perda para os estados e municípios afetados, outro ponto delicadíssimo do projeto substitutivo é a previsão de um “limitador”, que atingirá os municípios produtores,  com decréscimo das alíquotas incidentes sobre os repasses, calculados até 2020, a partir da inclusão do fator redutor sobre a proporção originária devida aos entes produtores.

Essa aplicação do redutor, que transformará o § 5º do artigo 50 da Lei 9.478/97, e que integra parecer do Senador Vital do Rego, é matéria que vem sendo detidamente analisada pelo professor Cláudio Penedo Madureira, Procurador do Estado do Espírito Santo,  o qual, em um de seus pareceres (PGE/CEI 092/2011), apresenta os percentuais alterados, expostos na seguinte tabela:

UNIDADES FEDERADAS

PROPORÇÃO ORIGINÁRIA (art. 50)

APLICAÇÃO DO REDUTOR (arts. 50-A a 50-E)

União Federal

42%

46%

Estados e Municípios produtores

39%

24%

Estados e Municípios não-produtores

19%

30%

Publicação da SM Comunicações Ltda. Revista Sim. Nº 46. Vitória: Ano V/Novembro/2011; pgs 52/3

Observa-se claramente a queda nos percentuais com o redutor proposto[5], o que poderá tornar os recursos advindos da exploração de petróleo insuficientes para sustentar os custos administrativos e sociais decorrentes dessa atividade, pelos entes produtores.

A partir da análise de outras tabelas e números, Madureira assim se manifesta:

“Deles (dos números) se extrai, com relativa facilidade, que as unidades federadas afetadas pela exploração de petróleo, comumente designadas como Estados e Municípios produtores, passarão a receber menos royalties e participações especiais que as unidades federadas que não são afetadas pela exploração de petróleo, comumente designadas como Estados e Municípios não-produtores.” [6]

Ora, o marco regulatório do petróleo denomina de royalties a compensação financeira devida pela exploração do produto (artigos 45, II e 47 da Lei 9478/97),  o que leva a se inferir que essa “compensação” seria cabível aos entes que suportam, efetivamente, os custos e riscos da atividade exploratória, não sendo o caso, portanto, de se estender a todos os Estados e Municípios (produtores e não produtores), via FPE e FPM, referida participação.

IV.             Natureza Jurídica dos Royalties

Por natureza jurídica entende-se a “finalidade” de um ato ou de um instituto.

Nesse sentido, tanto doutrinadores quanto jurisprudências têm classificado os royalties como uma compensação financeira por exploração.

A Constituição Federal,  em seu artigo 20, incisos V e VIII, faz previsão de que pertencem à União os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, bem como os recursos minerais, inclusive os do subsolo.

Desde o período colonial, a legislação brasileira tende a garantir uma participação nos resultados pela  exploração da riqueza natural existente no país, conforme ocorreu nos ciclos do ouro e dos diamantes, especialmente, no estado de Minas Gerais, de forma a compensar financeiramente o ente explorado, tanto pela retirada dos recursos – exauríveis -, quanto pelos possíveis danos que essa atividade venha a causar.

O § 1º do artigo 20 da Constituição Federal assim dispõe:

“Art. 20 (...)

§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”. (grifou-se)

É de caráter notório que a exploração petrolífera, que engloba pesquisa, exploração, refino, transporte, acaba por ocasionar alterações sociais e econômicas nas regiões envolvidas, acarretadas por recebimento constante de novos moradores (tanto de pessoal com capacitação para esses serviços como de mão de obra não qualificada), crescimento desordenado de áreas residenciais e comerciais, elevação de preços de produtos e serviços (como alimentos e aluguel de imóveis), o que resulta na necessidade crescente de investimentos por parte da Administração Pública, a fim de atender à demanda da nova população formada, no que se refere, especialmente, aos serviços de saúde, educação, transporte e segurança pública.

Trata-se de atividade lícita, prevista e normatizada por lei, que ocasiona, todavia, danos aos entes públicos envolvidos, resultando na necessidade de indenizações, de forma a compensar os custos e prejuízos inerentes à exploração.

Nesse sentido, leciona Fernando de Oliveira[7]:

“A indenização decorrerá não de comportamento infracional, de ato ilícito ou de conduta ilegítima que ocasione dano. Advirá de comportamento plenamente legítimo, quando é cabível a atuação, mas, de em decorrência dele, há dano a alguém. Logo, é dano decorrente de comportamento lícito do Poder Público.”

Outro fator inquestionável são os acidentes que ocorrem (e esses não são raros), causando tanto danos materiais – reparáveis/indenizáveis - quanto imateriais, ceifando vidas, nos casos extremos, e atingindo o meio ambiente da região, já que, na maioria das vezes, as águas, o solo, a fauna e a flora  são direta e gravemente danificados, em gradações, por vezes, irreversíveis.

Um dos mais recentes acidentes, o vazamento da petroleira americana Chevron, ocorrido em novembro de 2011, no campo de Frade, na Bacia de Campos, Rio de Janeiro, é exemplo do que ocorre nesse tipo de atividade exploratória. Segundo o presidente da Chevron no Brasil, George Buck, a prioridade máxima quando do acidente foi de evitar danos a pessoas; a seguir, vieram as atenções para com o meio ambiente, no sentido de controlar a mancha de óleo no mar [8].

Não se pode deixar de registrar orientação de Kiyoshi Harada, em sua obra “Direito Financeiro e Tributário”[9],  quanto à efetiva necessidade de se destinar aos entes produtores a contraprestação devida pela atividade exploratória:

“Em casos de acidentes, decorrentes dessas atividades, torna-se imperiosa a imediata mobilização de recursos materiais e humanos pelos poderes públicos. E o poder público local é sempre aquele que se encontra na linha de frente para prestar os primeiros socorros à população atingida. Daí o caráter contraprestacional desse tipo de ingresso de dinheiro, denominado compensação financeira.”

Por todos esses fatores, jurisprudência e doutrina têm se manifestado no sentido de conceituar os recursos advindos do petróleo como de natureza compensatória, de forma a que essa contraprestação venha a complementar os recursos dos entes explorados, que são forçados a destinar maiores investimentos em infraestrutura e, por vezes, na reparação de danos.

Nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou em alguns julgados, interpretando a “compensação financeira” prevista no § 1º do art. 20 da CF/88 como tendo natureza jurídica de “reparação”, por uma perda ou dano que possa ser causado ao ente federado onde ocorre a exploração.

Dentre alguns julgados, vale ser destacado trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, relator no julgamento do Recurso Extraordinário de nº 228.800/DF, que assim se posicionou:

“Essa compensação financeira há de ser entendida  em seu sentido vulgar de mecanismo destinado a recompor uma perda, sendo, pois, essa perda, o pressuposto e a medida da obrigação do explorador. (...) A compensação financeira se vincula, a meu ver, não à exploração em si, mas aos problemas que gera”. (grifou-se) [10]

Da mesma forma, quando do julgamento do Agravo Regimental 453.025/DF, o Ministro Gilmar Mendes, também na condição de relator, manifestou-se: "(...) a causa à compensação não é a propriedade do bem, pertencente exclusivamente à União, mas sim a sua exploração e o dano por ela causado". [11] (grifou-se)

Também com fundamentação de que os royalties têm natureza indenizatória e não podem ser tratados como orçamento, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, César Asfor Rocha, negou pedido do município de Santa Luzia do Itanhi (SE), quando do julgamento do Processo  SLS 985, de 09/12/2008. [12]

Segundo consta do Parecer PGE/CEI nº 0092/11, prolatado pelo Procurador do Estado do Espírito Santo, Cláudio Penedo Madureira, na Revista da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo (v. 11, pgs. 348-350), quando das deliberações da Assembleia Nacional Constituinte, diversas manifestações foram registradas pelos constituintes, nesse entendimento, o de compensar Estados e Municípios produtores pela exploração de seus recursos naturais, das quais citam-se:

“(...) O que se pretende apenas é proteger o interesse do Município e do Estado contra uma injusta espoliação que ocorre hoje, quando suas riquezas são retiradas, não ficando ao Estado e ao Município pouco mais do que nada”. (Pimenta da Veiga, Minas Gerais)

“(...) A Assembléia Nacional Constituinte, na semana passada, historicamente corrigiu uma injustiça que vinha sendo cometida há muito tempo contra estados produtores de energia elétrica e contra Estados fornecedores de matéria prima, mais especificamente, o minério. (...) ficará assegurada na futura Constituição, através  do seu próprio texto, uma compensação financeira pelos danos, pelos prejuízos que esses Estados (...) que perdem inúmeros quilômetros quadrados de terra e recebem como herança as crateras pela exploração do minério.” (Sérgio Spada, Paraná).

“De fato, a Constituição em vigor deixa dúvidas quanto a esse direito dos Estados e Municípios. O que se quer, agora, é deixar bastante claro, bem definido, que esses estados que pagam um alto preço pela exploração de petróleo em seus territórios tenham essa indenização.” (Prisco Viana, Bahia)

Passando-se à consulta da doutrina, pode-se verificar idêntico posicionamento quanto à interpretação da “compensação financeira” prevista no dispositivo constitucional em questão:

 “Por último, cabe lembrar que a compensação incluída no dispositivo sob comentário, como qualquer compensação, tem o sentido de reparar uma perda, quer caracterizada por prejuízo propriamente dito, como por lucro cessante, um e outro decorrentes da exploração”. (grifou-se)

V.                A Questão do I.C.M.S.

Transpondo-se a questão dos valores relativos aos royalties e demais participações governamentais, não se pode deixar de registrar a existência de impostos arrecadados com a circulação de mercadorias, caso de I.C.M.S. – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços -, cujas operações envolvem todas as unidades federadas.

Todos os estados que realizam atividades de venda de petróleo e seus derivados auferem essa receita, da qual destinam-se 25% para os municípios, nos termos do art. 158, IV da CF/88.

Entretanto, com a Constituição de 88, foi instituída a imunidade tributária dessa receita aos Estados e Municípios produtores, vedando-se a arrecadação do I.C.M.S. por esses entes, que exploram e distribuem o petróleo.

Dessa forma, os estados e municípios não produtores auferem receita na comercialização de petróleo e seus derivados, enquanto, por força de dispositivo constitucional, os que sofrem as atividades da exploração não são beneficiados com os valores correspondentes, que deveriam incidir na origem:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual (...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

X – não incidirá:

(...)

b) sobre operações que destinem a outros estados  petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos de Le derivados, e energia elétrica.” (grifou-se)

Nesse sentido, vale registrar relato histórico do Ministro Nelson Jobim, quando dos debates acerca do julgamento do MS. 24.312, esclarecendo que a compensação financeira do artigo 20, § 1º  surgiu como contrapartida à não incidência de ICMS sobre petróleo e seus derivados, prejudicando estados produtores 15:

“Em 1988,  quando se discutiu a questão do ICMS, o que tínhamos? Houve uma grande discussão na constituinte sobre se o ICMS tinha que ser na origem ou no destino (...) O que se fez? Participei disso diretamente, lembro-me que era, na época, o Senador Richard quem defendia os interesses do Estado do Paraná e o Senador Almir Gabriel quem defendia os interesses do Estado do Pará, além do Rio de Janeiro e Sergipe, em relação às plataformas de petróleo. Então, qual foi o entendimento político naquela época que deu origem a dois dispositivos na Constituição? Daí porque preciso ler o § 1º do Art. 20, em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição Federal.

O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações que se destinassem a outros estados - petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos, gasosos e derivados e energia elétrica, - ou seja, tirou-se da origem a incidência do ICMS.(...) Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da origem e se dá aos Estados uma compensação financeira pela perda dessa receita. Aí criou-se o § 1º do artigo 20.”  (grifou-se)

Mais uma vez, privilegia-se quem consome ou comercializa o produto, em detrimento daqueles entes que participam diretamente das atividades exploratórias, motivação suficiente para que seja mantida a “compensação financeira” advinda dos royalties para municípios e estados que exploram o petróleo em seus territórios.

VI.             Considerações Finais

Quando da conclusão do presente artigo, ainda tramitavam no Congresso Nacional os projetos tendentes à repartição dos royalties de forma a beneficiar os entes não produtores de petróleo.

Criou-se a Comissão dos Royalties, presidida pelo Deputado Carlos Zarattini, do PT/SP, que tem por missão propor um acordo para a partilha pretendida, de forma a não prejudicar, ainda mais,  estados e municípios produtores.

O relator sinalizou que o relatório final deverá ser entregue ainda no mês de maio, e que devem ser propostas alterações até mesmo nos contratos de exploração já licitados e em curso, o que dificultaria, sobremaneira, um consenso entre os envolvidos.

VII.          Conclusão

Levando-se em consideração o § 1º do artigo 20 da Carta Constitucional, corroborado por entendimentos de juristas, doutrinadores e do próprio Supremo Tribunal Federal, em muitos de seus julgados, deve-se entender a natureza jurídica dos royalties do petróleo como compensação financeira pela exploração desse mineral.

Os riscos, gastos e investimentos para a manutenção da atividade petrolífera nos entes explorados demandam recursos que extrapolam a capacidade financeira dessas unidades, sendo condição inquestionável o repasse dessa participação financeira, na forma de compensação, aos estados e municípios exploradores.

A impossibilidade de recolhimento de ICMS na origem, é fator importante a ser sopesado quando dos cálculos definitivos sobre a distribuição dos royalties aos estados e municípios não produtores, haja vista que já são beneficiados por esse imposto e pelos recursos do Fundo de Participação dos Municípios e Fundo de Participação dos Estados, a partir de receitas provenientes do petróleo.

Dessa forma, considerando-se todos os posicionamentos explicitados, entendidos os royalties como compensação financeira pela exploração do petróleo, caracteriza-se inviável a nova distribuição proposta para o marco regulatório do petróleo, estendendo-se a participação aos entes não produtores.

Se “o petróleo é nosso”, cabe a divisão de seus recursos àqueles que efetivamente suportam sua exploração, quais sejam, municípios e estados diretamente envolvidos nessa atividade.

Assim não sendo, restarão feridos os princípios de isonomia – vez que se concederá tratamento igualitário aos desiguais, destinando-se verbas do petróleo a quem não sofre os impactos diretos da exploração e produção, nos mesmos índices que compensarão os entes extratores -  e da segurança jurídica,  uma vez que tal repartição deverá incidir sobre os contratos de exploração em curso, além de alterar vertiginosamente as receitas destinadas aos municípios e estados produtores, os quais já têm em seu planejamento a previsão dessa contraprestação, nos moldes que assim permitiram o Marco Regulatório do Petróleo.

VIII.       Referências

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao?Constituicao.htm

Cardoso, Luiz Cláudio. Petróleo: do Poço ao Posto. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed. 2005

LEITE, Fabrício do Rozário Valle Dantas. As Participações Governamentais na Indústria do Petróleo sob a Perspectiva do Estado-membro: Importância Econômica, Natureza Jurídica e Possibilidade de Fiscalização Direta. Disponível em http://www.direitogv.com.br/publicacao/revista/artigo/participacoes-governamentais-na-industria-do-petroleo-sob-perspectiva-do-estado-membro. Acesso em 11 de abril de 2012

LOUREIRO, Gustavo Kaercher. Participações Governamentais na Indústria Mineral e do Petróleo: Histórico da Legislação até a Constituição de 1988. Brasília: UnB, 2010.

Revista da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo. Vitória: PGE/ES, 2011 Semestral

Revista Sim. Nº 46. Publicação da SM Comunicações Ltda.  Vitória: Ano V/Novembro/2011

SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Comentários ao art. 20. In: BONAVIDES, Paulo et all. (coord.) Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

Notas:

[1] LOUREIRO, Gustavo Kaercher. Participações Governamentais na Indústria Mineral e do Petróleo: Histórico da Legislação até a Constituição de 1988. Brasília: UnB, 2010.

[2] ² Expressão latina que significa, literalmente, “coisa do povo”, “coisa pública”. É a origem da palavra “república”.

[3] O nome betume era aplicado para designar essa forma de petróleo naturalmente encontrada, recebendo diversas denominações: asfalto,  resina, pez, azeite, óleo de São Quirino. Nabucodonosor pavimentara estradas com ele na Babilônia; os egípcios, nos processos de mumificação e nas pirâmides. Romanos deram-lhe fins bélicos, como combustível em lanças incendiárias, no que foram imitados pelos árabes. Ainda na Bíblia, Deus mandara Noé calafetar com pez sua arca, tanto por dentro como por fora (Gênese, 6-14). (pt.wikipedia.org/wiki/Betume, acesso em 19/03/12)

[4] 4 As "participações governamentais" são de quatro espécies: a) Bônus de assinatura (pagos no ato da assinatura do contrato de concessão;  b) Royalties (compensação financeira, pelos danos causados pela exploração); c) Participações Especiais (visam a remunerar o concedente, nos casos de extrações de grande rentabilidade);  e d) Pagamento pela ocupação ou retenção de área (retenção anual, fixada com base na superfície do bloco explorado).

 

[5] 6 MADUREIRA, Cláudio Penedo. In Revista da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo. v. 11, n.11, 1º/2º sem. Vitória: PGE/ES, 2011, pg. 344.

[6] 7 MADUREIRA, Cláudio Penedo. In Revista da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo, cit., pg. 345.

[7]  OLIVEIRA, Regis Fernando de. Curso de Direito Financeiro. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 217.

[8] Revista Sim. Nº 46. Vitória: Ano V/Novembro/2011; pgs 56/7.

[9] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 18. Ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 55.

[10] Julgamento em 25.09.2001. Órgão Julgador: 1ª Turma. Publicação D.J. 16.11.2001; pg. 021. Element. Vol. 02052-03-PP-00471.

[11] Publicação DJ 09.06.2006, PP 00028, Ement Vol. 02236-04, RTJ Vol 00201-01 PP 00367.