O princípio da comunhão da prova e o processo eletrônico


Pormariaeduardasan...- Postado em 31 outubro 2012

O PRINCÍPIO DA COMUNHÃO DA PROVA E O PROCESSO ELETRÔNICO

 

Maria Eduarda Sangalli Silva[1]

 

  

Introdução

 

O presente artigo tem por escopo analisar o princípio da comunhão da prova, também conhecido como princípio da aquisição processual, e relacioná-lo ao processo eletrônico, instituído no ordenamento jurídico brasileiro pela a Lei n. 11.419/06.

Notória é a evolução da informática, bem como as situações decorrentes de seu avanço nas relações sociais. Os recursos advindos da informatização já fazem parte do cotidiano da atual sociedade, a qual está plenamente integrada ao mundo virtual.

Desse modo, a informatização bate as portas do Poder Judiciário brasileiro redimensionando o futuro da ciência jurídica nacional. Este processo só se tornou possível por conta de duas grandes invenções da humanidade: o computador e a internet.

Diante disso, buscou-se destacar as vantagens do processo eletrônico, notadamente a possibilidade de realizar a juntada de provas, bem como acompanhá-las, de forma imediata, sem a necessidade de deslocar-se até o órgão judiciário. Para tanto, analisou-se o princípio da comunhão da prova no ordenamento jurídico brasileiro e, de forma sucinta, o processo eletrônico, para, ao final, dissertar-se sobre a influência do processo informatizado no princípio da comunhão da prova.

 

1. O princípio da comunhão da prova no processo brasileiro

 

Etimologicamente, o termo prova provém do latim probo, probatio e  probus. Probus, por sua vez, significa bom, reto, honrado, sendo possível, então, afirmar que o resultado provado é autêntico ou correspondente à verificação ou demonstração da autenticidade. Nesse sentido, provar significa demonstrar a verdade de uma proposição afirmada. (CAMBI, 2001).

Para Gomes Filho (1997, p. 13), “os mecanismos probatórios servem à formação do convencimento do juiz, e concomitantemente, cumprem função não menos relevante de justificar perante o corpo social a decisão adotada”. Em outras palavras, além de ser um procedimento cognitivo, a prova é também um fenômeno psicossocial, do que deriva a extraordinária importância da natureza das provas e do modo como são obtidas e incorporadas ao processo. (LIMA, 2003). Assim, prova é todo elemento ou meio destinado ao convencimento do juiz sobre o que se procura demonstrar em determinado processo.   

Para o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez entregue a prova ao juízo, ela passa a pertencer ao processo, sendo irrelevante, para tanto, quem a forneceu. É o chamado princípio da comunhão da prova. Sobre o tema, há muito já havia se manifestado o magistrado Portanova (1999, p. 217):

 

Sendo o fim da prova levar a certeza à mente do juiz, para que possa falar conforme a justiça, diz Echandia, há um interesse indubitável e manifesto em razão da função que desempenha no processo. É o princípio do interesse público na função da prova. É evidente, cada parte persegue, com suas próprias forças, um benefício próprio e imediato. Contudo, há de se considerar, ainda, o interesse público mediato que está acima dos benefícios específicos das partes. Em consequência, a prova nunca pertence a uma ou outra parte, mas ao juízo. Por igual, o benefício que se retira do elemento probatório não se vincula somente ao interesse da parte que produziu tal prova. É o princípio da comunhão ou comunidade da prova, também chamado da aquisição.

 

Também conhecido como princípio da aquisição processual, determina que todas as provas produzidas por qualquer das partes ficam adquiridas para o processo, mesmo que favoráveis à parte contrária. (CRETELLA NETO, 2002). Além disso, uma vez admitida a prova, para que a parte desista dela deve haver anuência da parte contrária.

Como ideia central do referido princípio, encontra-se justamente a comunhão da eficácia probatória, sendo aqui entendido o termo eficácia como condição de gerar efeitos ao caso concreto. Portanto, uma prova produzida dentro do processo passa a gerar efeitos – benéficos ou prejudiciais – para todos os sujeitos processuais, não sendo possível ao juiz valorar uma prova de forma diferente para sujeitos processuais diferentes somente porque um foi o responsável por sua produção e o outro não. (CRETELLA NETO, 2002).

O juiz pode dar o valor que entender a prova produzida, mas deverá fazê-lo de forma homogênea a todos os sujeitos do processo. A homogeneidade exigida no tocante ao convencimento dos fatos é a base justificadora do princípio da comunhão das provas.

O princípio da comunhão das provas, ao indicar que a prova é do processo e não das partes ou do juiz, evita que tal procedimento seja adotado, não podendo a parte dispor de algo que não é dela, e sim do processo. A prova, dessa forma, prejudicial ou benéfica a quem quer que seja, jamais será afastada do convencimento do juiz por “arrependimento” da parte que requereu sua produção. (LIMA, 2003).

 

2. O processo eletrônico

 

Notória é a evolução da informática, bem como as situações decorrentes de seu avanço nas relações sociais. Os recursos advindos da informatização já fazem parte do cotidiano da atual sociedade, a qual está plenamente integrada ao mundo virtual.

No campo do Direito não é diferente. Utilizar-se dos avanços ocorridos na área da informática a fim de viabilizar a prestação jurisdicional, bem como proporcionar uma justiça mais célere e eficiente, é o que tem guiado o Poder Judiciário brasileiro nas últimas décadas.

Buscando adequar o ordenamento jurídico a evolução tecnológica na área da informática e primando pela efetividade da justiça, editou-se a Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial no âmbito da justiça brasileira.

Com a promulgação da referida lei, conhecida como a Lei do Processo Eletrônico, pretendeu-se evoluir o processo de seu meio tradicional (papel) para o meio eletrônico, buscando tornar o acesso à justiça preconizado pela Carta Magna, cada vez mais efetivo e adaptado à realidade contemporânea.

Importante ressaltar que as iniciativas normativas que objetivavam a regularização do uso da via eletrônica no processo judicial tiveram como marco inicial a edição da Lei n. 9.800/99, de 26 de maio de 1999, que dispõe sobre a remessa de petições e documentos aos órgãos judiciais por meios eletrônicos, é o chamado peticionamento eletrônico. (PARENTONI, 2007).

Porém, a Lei n. 11.419/06 não revogou a Lei n. 9.800/99, posto que se aplica aos casos em que o procedimento seja mantido integral ou parcialmente em meio eletrônico, enquanto que a Lei 9.800/99 incide sobre os casos em que o procedimento segue as regras tradicionais, com autos em papel, visto que imputa aos utilizadores do sistema, total responsabilidade pela qualidade e fidelidade do material transmitido, e por sua entrega ao órgão judiciário. (PARENTONI, 2007).

O processo judicial eletrônico traz consigo a figura do documento eletrônico, pois admite o uso do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, na comunicação de atos e na transmissão de peças processuais, conforme disciplinado em seu artigo 1º[2]. Ademais, afirma que tais medidas podem ser usadas indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição (art. 1°, §1°).

Desta forma, quando se fala em processo tramitando em meio virtual continua existindo a tutela do Estado que permanece exercendo sua jurisdição através de formas adequadas para equilibrar o conflito entre partes litigantes. Contudo, há a alteração do meio onde os atos processuais são realizados, deixando o ambiente físico para serem produzidos eletronicamente, mantendo-se a forma estipulada em lei e respeitando o devido processo legal. (PARENTONI, 2007).

Sob a vigência da Lei n. 11.419/06, todos os atos processuais anteriormente praticados em papel, poderão ser realizados por meio eletrônico. Desta forma, a entrada em vigor da citada norma veio admitir expressamente a utilização de documentos eletrônicos e a realização de atos processuais por meios eletrônicos no âmbito do direito processual.

Portanto, evidencia-se que a informatização do processo trará uma tramitação mais célere, sendo que desde o cadastro do processo eletrônico, a prestação jurisdicional se tornará mais imediata, dentro dos moldes constitucionais, sem supressão de princípios, os quais serão observados conjuntamente, ou seja, havendo a observância do princípio da celeridade sem que se descumpra o do contraditório e da ampla defesa, todos eles satisfazendo ao princípio do devido processo legal e tornando efetivo o amplo acesso à justiça.

 

3. O princípio da comunhão da prova e a sua relação com o processo eletrônico

 

Conforme afirmado anteriormente, uma vez produzida, a prova é comum, não pertencendo a nenhuma das partes que a introduziu no processo. Da mesma forma que a prova não pertence exclusivamente ao juiz, ela não é invocável somente pela parte que a produziu, podendo ser utilizada por qualquer das partes. (LIMA, 2011).

Esse princípio fica ainda mais em evidência no direito processual brasileiro quando se trata de processo eletrônico. Isso porque, a informatização do processo permite que as partes, o juiz e todos aqueles que intervenham no processo tenham acesso imediato às provas produzidas, sem intermediários.

Assim, sempre que houver a juntada de provas ao processo eletrônico estas estarão disponíveis aos sujeitos processuais simultaneamente, sem que seja necessária a realização de carga dos autos para manifestação. Portanto, todas as partes têm acesso ao processo 24 horas por dia podendo ter vista dos mesmos sempre que quiserem. Da mesma forma, se for designada audiência para coleta de prova oral, esta será gravada podendo ser acessada a qualquer momento, facilitando o contraditório, a ampla defesa e o julgamento da lide. (ALMEIDA FILHO, 2010).

O sistema informatizado também contribui quando se tem a necessidade de coleta de provas em outras comarcas. Com o processo eletrônico as cartas precatórias podem ser enviadas por correio eletrônico, ou até mesmo seja realizada audiência por vídeo conferência.

A tramitação eletrônica de processos tem como principal vantagem a eliminação do chamado “tempo morto” ou “tempo neutro” do processo, períodos em que o feito fica parado, entre um andamento e outro, ou sofre tramitação meramente burocrática. Com a tramitação digital essas fases praticamente acabam. (ALMEIDA FILHO, 2010).

Ainda com relação ao princípio da comunhão da prova, tem-se que o processo eletrônico contribui positivamente para uma maior (a) publicidade das informações, (b) velocidade de comunicação dos atos processuais e (c) facilidade na realização das rotinas cartorárias (juntada de petições, atos ordinatórios, despachos de mero expediente, etc).

Em suma, a tramitação eletrônica atende à exigência constitucional da razoável duração do processo, amplia a democratização da informação, o acesso à justiça, a transparência (publicidade) e proporciona informação em tempo real, economia de recursos públicos, proteção ao meio ambiente, além da total governança do processo.

Por fim, percebe-se que o processo judicial eletrônico não resolve todos os problemas do judiciário, uma vez que determinadas práticas estão arraigadas a este poder. No entanto, o sistema de tramitação virtual contribui para concentrar os esforços dos operadores no principal, que é o Direito e Justiça. Tanto os funcionários, assessores e juízes quanto os advogados privados, os defensores públicos e os membros do Ministério Público podem despender mais tempo e recursos para a tutela jurisdicional.

 

4. Conclusão

 

A informatização do Judiciário se apresenta como um dos mais profícuos caminhos para uma Justiça mais célere e eficiente. Entretanto, a informatização, por si só, não pode trazer necessariamente a melhoria plena do sistema. Para dar bons resultados, deve ser bem planejada e implementada tendo em vista tanto a eficiência como a segurança.

A conclusão que se chega é que a informatização do judiciário chegou para ficar e que os Tribunais e os operadores do Direito terão de se adaptar, mesmo que com dificuldades, a esta nova ordem. Percebe-se que o processo de informatização possui falhas e qualidades. Contudo, os problemas, que a princípio surgem, são facilmente contornados enquanto as soluções que se apresentam são inestimáveis.

Quem ganha com isso é o cidadão, que tem uma prestação jurisdicional mais ágil e transparente, já que os autos podem ser visualizados na internet, em tempo real, de qualquer lugar do mundo. Os operadores do direito igualmente são beneficiados. Eles também passam a ter acesso à Justiça 24 horas por dia e sete dias por semana. Não há mais horário de funcionamento. Não há mais portas fechadas para o jurisdicionado.

A economia para os cofres públicos também impressiona. Em breve, não haverá mais necessidade de prédios imensos e de uma infinidade de armários só para guarda de papéis. Os servidores hoje dedicados a atividades meramente de estiva poderão ser deslocados para outras atividades mais gratificantes.

 

5. Referências

 

ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico: informatização judicial no Brasil.Rio de Janeiro: Forense, 2010.

CAMBI, Eduardo. Direito Constitucional à prova no processo civil. São Paulo: RT, 2001.

CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

GOMES FILHO, Antonio Magalhães.  Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997.

LIMA, Marcellus Polastri. A prova penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2003.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. v. 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

PARENTONI, Leonardo Netto. Documento Eletrônico: aplicação e interpretação pelo Poder Judiciário. Curitiba: Juruá, 2007.

PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3. ed. Campinas: Livraria do Advogado, 1999.



[1]SILVA, Maria Eduarda Sangalli. Bacharel em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. Pós-graduanda em Direito Processual Civil e Direito Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina.

 [2]Art. 17. O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta lei.