"O princípio da Isonomia e da Igualdade Tributária x o Princípio da Capacidade Contributiva na questão do PIS/COFINS"


Porgiovaniecco- Postado em 01 outubro 2012

Autores: 
JOHNSTON, Aldem.

 

 

Texto que milita pela inaplicabilidade do princípio da capacidade contributiva no PIS/COFINS em entendimento diverso ao das autoridades fiscais.

 

Introdução.

As pessoas jurídicas de Direito Privado são sujeitas ao recolhimento das contribuições do PIS/PASEP e da COFINS, que foram estabelecidas respectivamente pela Lei n.º 07/90 e Lei n.º 70/91 (alterações instituídas pela Lei n.º 9.178/98; MP 1807 de 28 de Janeiro de 1998 e MP 1858 de 27 de Agosto de 1999).

Recolhem as empresas estas contribuições, tendo como base de cálculo o faturamento, equivalente à receita bruta, esta entendida como a totalidade das receitas auferidas. Ocorre que o recolhimento dessas contribuições não é realizado de maneira igualitária pelas pessoas jurídicas de Direito Privado nacionais, visto que determinados setores – via de regra as instituições financeiras – são favorecidos com deduções que minimizam a base de cálculo do tributo, o que, prima facie, destrói a proteção isonômica, prevista constitucionalmente, como garantia fundamental dos contribuintes.

Do Tratamento Dispensado às Instituições Financeiras, em Detrimento das Demais Pessoas Jurídicas de Direito Privado.

Com a edição da Lei n.º 9.718/98, as empresas em geral passaram a contribuir para a COFINS com base no faturamento correspondente à receita bruta da pessoa jurídica, nos termos do art. 3º, abaixo transcrito, juntamente com o art. 2º:

Art. 2º - As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de Direito Privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.

Art. 3º - O faturamento a que se refere o artigo anterior, corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

Parágrafo Primeiro – Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade exercida e a classificação contábil adotadas para as receitas.

Em se tratando de outras pessoas jurídicas, dentre elas as instituições financeiras, a Lei n.º 9.718/98 previu que, para o cálculo da COFINS, seriam permitidas as mesmas exclusões e deduções permitidas para o cálculo do PIS, nos moldes do Parágrafo Quinto do art. 3º.

Art. 3º. – Omissis

Parágrafo Quinto – Na hipótese das pessoas jurídicas referidas no Parágrafo Primeiro do art. 22 da Lei n.º 8.212 de 24 de Julho de 1991, serão admitidas, para os efeitos da COFINS, as mesmas exclusões e deduções facultadas para fins da determinação da base de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP.

Posteriormente, através da MP 1858, cuja reedição ocorreu em 27/06/2000, sob o n.º 2.037-19, acrescentou-se os parágrafos 6º, 7º, 8º ao art. 3º da Lei n.º 9.718/98, alargando as exclusões e deduções possíveis, no caso apenas das instituições financeiras, para determinação da base de cálculo da COFINS. Vejamos.

Parágrafo Sexto – Na determinação da base de cálculo das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS, das pessoas jurídicas referidas no Parágrafo Primeiro do art. 22 da Lei n.º 8.212 de 1991, além das exclusões e deduções mencionadas no Parágrafo anterior, poderão excluir e deduzir:

I - No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedade de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidora de títulos e valores imobiliários, empresas de arrendamento mercantil e cooperativas de crédito:
a) despesas incorridas nas operações de intermediação financeira;
b) despesas de obrigações por empréstimos, para repasse, de recursos de instituições de Direito Privado;
c) deságio na cobrança de títulos;
d) perdas com títulos de renda fixa e variável;
e) perdas com ativos financeiros e mercadorias, em operações de hedge;

II - No caso de empresa de seguros privados, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas à garantia de provisões técnicas, durante o período de cobertura de risco;
III - No caso de entidades de previdência privada, abertas, fechadas, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas ao pagamento de benefícios de aposentadoria, pensão, pecúlio e de resgates;
IV - No caso de empresas de capitalização, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas ao pagamento de resgate de títulos;

Parágrafo Sétimo – Omissis
Parágrafo Oitavo – Na determinação da base de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, poderão ser deduzidas despesas de captação de recursos incorridas pelas pessoas jurídicas que tenham por objeto a securitização de créditos:

I - Imobiliário, nos termos da Lei n.º 9.514 de 20 de Novembro de 1997;
II - Financeiros, observada a regulamentação editada pelo Congresso Nacional.

Diante dos preceitos legais, acima transcritos, e considerando as exclusões e deduções previstas paras estas empresas, com vistas a determinação da base de cálculo, verifica-se, de plano, que as instituições financeiras acabam de recolher a COFINS com base no lucro bruto – dedução das despesas operacionais da receita bruta --, o que vem a diferir das demais pessoas jurídicas de Direito Privado que recolhem tais contribuições sobre o faturamento, considerando-se as suas receitas operacionais brutas.

Portanto, tal privilégio, efetuado pelo legislador, ocasiona tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, realizando distinção, em razão da atividade exercida, em completa afronta ao princípio da isonomia e da igualdade tributária, insculpido na CF de 1988.

É, portanto, a posição de equivalência da impetrante, em relação às demais pessoa jurídicas de direito privado, que justifica o seu intuito de pretender recolher as contribuições supracitadas de maneira idêntica a das instituições financeiras.

Do Princípio da Isonomia e da Igualdade Tributária Perante a Constituição Federal de 1988.

Nossa Lex Mater, no caput do art. 5º, impõe, como meio de se obter a pretendida convivência harmoniosa, a necessidade de tratar todos de maneira igualitária, sem qualquer distinção, perante a Lei, desde que em posição de equivalência. Eis o texto legal.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza..

Pois bem, conceder somente às instituições financeiras a possibilidade de reduzir a base de cálculo do tributo, através de deduções e outros benefícios, sem estender este privilégio aos demais contribuintes, é desrespeitar, cabalmente, a Constituição, afrontando o princípio da isonomia e da igualdade tributária.

A Constituição, ao dispor sobre o Sistema Tributário Nacional, reforça, impondo ainda mais vigor na norma acima descrita, quando veda aos entes públicos da Federação, a instituição de tratamento desigual entre os contribuintes que se encontram em posição de equivalência, prescrevendo a proibição nos seguintes termos.

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados , ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - Omissis.
II - Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou da função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. (Grifo Nosso)

Evidentemente que aplicando as exclusões e deduções dos parágrafos 5º e 6º da Lei n.º 9.718/98, o legislador, na proteção de interesses econômicos fortíssimos, pois instituições financeiras desfrutam de excelente saúde monetária, “importante” para o atual sistema capitalista financeiro, lesionou, gravemente, o princípio da isonomia e da igualdade tributária, construindo uma distinção, em razão de atividade exercida pelas empresas, indo na contramão dos comandos constitucionais.

De forma alguma as instituições financeiras poderiam recolher menos tributos do que as demais empresas privadas. Tal discriminação, hipoteticamente, se possível fosse, deveria vir amparada de significante justificativa do legislador. O que não foi feito.

Hugo de Brito Machado ao discorrer sobre o assunto, explicitou convicto entendimento de que os entes públicos têm a obrigação de tratar de forma igual aqueles que se encontram em condições uniformes. (Curso de Direito Tributário, 12ª Edição, pág. 30). Segue in verbis trecho.

O princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio de que todos são iguais perante a lei. Apresenta-se aqui como garantia de tratamento uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais. Como manifestação desse princípio temos, em nossa Constituição, a regra da uniformidade de tributos federais em todo o território nacional.

Três vezes aberrante a discriminação imposta pelo legislador. Primeiro porque feriu diretamente o princípio da isonomia, estampado no caput do art. 5º da CF; Segundo, pela agressão visível ao princípio da igualdade tributária, albergado pelo Texto Constitucional, no inciso II, do art. 150 e, terceiro, pelo fato de não ter justificado, relevantemente, a razão que legitima a cobrança a menor das contribuições, em favor das instituições financeiras.

Não é dado ao legislador, por impossibilidade, não só léxica, mas sobretudo legal, criar exceções ao tratamento igualitário espelhado nos princípios constitucionais acima, sob pena de mutilar a Carta Magna, a ponto de torná-la inócua e destorcida.

Para Carraza, a lei deve ser igual para todos aqueles que desfrutam da mesma situação jurídica, demonstrando com isso que o termo igual, invocado no texto legal, significa dizer que a norma deve atingir de forma uniforme todos os integrantes de uma mesma posição, visto que, de forma diversa, destoaria da realidade pretendida pelo legislador constituinte em promover, aos moldes da evolução jurídico-cultural, que teve como ponto crucial a Revolução Francesa, a igualdade.

Em seu Curso de Direito Constitucional Tributário, o tributarista Roque Antônio Carraza, assim se expressa acerca do assunto: “A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burlar o princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária, que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas”.

Na mesma esteira de raciocínio que KIYOSHI HARADA, leciona a respeito do princípio da igualdade tributária: “Este princípio tributário veda o tratamento jurídico diferenciado de pessoas sob os mesmos pressupostos de fato; impede discriminações tributárias, privilegiando ou favorecendo determinadas pessoas físicas ou jurídicas”. (Direito Financeiro e Tributário, Ed. Jurídico Atlas, pág. 275).

O procedimento, por simples exegese da norma, deve ser igual para todos, extraindo então que não pode haver diferenciação dentro do universo das pessoas jurídicas de direito privado. É que não se pode interpretar extensiva ou restritivamente o texto legal a fim de prejudicar o contribuinte, independente da posição e atividade que este exerce.

Segundo porque, os princípios violados se apresentam no texto constitucional como cláusulas pétreas, não podendo, sob hipótese alguma, ser superada por lei hierarquicamente inferior.

A CF de 1988, com o intuito de proteger os direitos e garantias individuais das pessoas, proibiu, que as propostas de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais não deve, sequer, ser objeto de deliberação, in verbis:

Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

Parágrafo Quarto – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(...)

IV – Os direitos e garantias individuais.

É pungente a discriminação, vez que existe palpável quebra do princípio da isonomia e séria ruptura dos parâmetros de igualdade, invocados pelo próprio organismo constitucional, além do que, não guarda qualquer razão lógica a adoção de tal método discriminatório, visto que não há elemento para justificá-lo, haja vista que os contribuintes são pessoas jurídicas de direito privado, de origem idêntica, portanto.

Celso Antônio Bandeira de Mello, dissertando sobre a abrangência do princípio da isonomia, fornece importante e translúcida compreensão: “ ... a critério especificador escolhido pela lei a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles, todavia, necessita, inarredavelmente guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. Em outras palavras: A discriminação não pode ser gratuita ou fortuita”.

Completando o ensinamento acima, Antônio Roberto Sampaio Dória, informando que a arbitrária discriminação, quando acontece concretamente deve ser repelida pelo judiciário, que deve buscar solução prática, plausível e mais benevolente para a pessoa ou atividade que se discriminou incorretamente. Eis suas palavras: “Evidenciada a arbitrariedade da discriminação, é diretriz de boa hermenêutica que o magistrado procure alçar ao plano do tratamento fiscal mais benévolo ou atividade contra as quais indevidamente se discriminou”.

Da Inaplicabilidade do Princípio da Capacidade Contributiva.

A contrariu sensu ao exposto alhures, evoca-se à saciedade o princípio supra dando-lhe, errônea e propositadamente, um super dimensionamento, a fim de poder como fraco argumento, justificar a diferenciação imposta pela lei nº 9.718/98 e pela atual MP 1858 – 6/99.

É que, segundo reza tal princípio, fica facultado à administração tributária graduar os impostos (somente estes) segundo a capacidade econômica do contribuinte, o que permitiria um possível tratamento diferenciado, legitimando, com isso, uma eventual discriminação, mesmo dentre pessoas de uma mesma situação jurídica.

As autoridades fiscais, contudo, interpretam as normas do modo que mais lhe convém e, defendem que a aplicação do princípio acima se estende aos demais tributos. O que é um equívoco.

O parágrafo primeiro do Art. 145 da CF, assim preceitua:

Art. 145 (...)

Parágrafo Primeiro – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os redimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (grifo nosso).

Inquestionável, dessa maneira que a aplicação do princípio da capacidade contributiva, restringe-se tão somente aos impostos, não atingindo as contribuições, posto que diverso um do outro.

Ademais, para impor mais clareza ao assunto, é de bom alvitre ressaltar que o dimensionamento das contribuições (PIS/COFINS), figura especial dentro da sistemática tributária, prende-se à necessidade das categorias sociais a que se destinam os benefícios, bem diferente portanto, dos impostos propriamente ditos, que levam em consideração, devido ao seu caráter pessoal, a capacidade contributiva dos contribuintes.

É que as contribuições, ao contrário dos impostos, funcionam como sustentáculos dos encargos paralelos da administração pública direta, fazendo valer sua verdadeira função, que é nitidamente parafiscal.

Não tendo como base as condições pessoais do contribuinte, tais como os impostos, as contribuições sociais não podem ser contempladas com o princípio da capacidade contributiva, visto que a dimensão dessa dependerá da necessidade da categoria social a que se destina, e não da análise pessoal do contribuinte.

Em síntese apertada, o COFINS, assim como o PIS, em respeito à sua natureza tributária, não permite a aplicação da graduação conforme os ditames do princípio da capacidade contributiva, visto que esta, conforme norma constitucional, é dirigida tão somente aos impostos, que possuem natureza pessoal, enquanto que as contribuições possuem caráter real, lançadas em função da matéria tributável.

Ad argumentandum tantum, admitindo-se a ruptura do prescrito no princípio da isonomia, concedendo-se, por conseqüência privilégios a algumas pessoas jurídicas de um grupo, na mesma situação legal, certo seria que tais benefícios fossem concedidos a empresas que necessitassem de apoio governamental e não por ser aviltante, a bancos e demais instituições financeiras que gozam de invejável saúde financeira.

 

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