O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento nas três vertentes do sistema da Seguridade Social


PorJeison- Postado em 10 dezembro 2012

Autores: 
CARLI, Kalinca De.

 

A Constituição Federal, em seu artigo 194, parágrafo único, determina que incumbe ao Poder Público, nos termos da lei, organizar o sistema da seguridade social, fixando, para tanto, uma série de objetivos que configuram os verdadeiros princípios norteadores desse sistema. Dentre tais princípios avulta o da universalidade da cobertura e do atendimento, que, embora informe a seguridade social em suas três vertentes, abrangendo previdência social, assistência social e saúde, apresenta diferentes gradações na forma com que é aplicado em cada uma delas.

 

Por universalidade da cobertura, de acordo com os autores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, “entende-se que a proteção social deve alcançar todos os eventos cuja reparação seja premente, a fim de manter a subsistência de quem dela necessite. A universalidade do atendimento significa, por seu turno, a entrega das ações, prestações e serviços de seguridade social a todos os que necessitem, tanto em termos de previdência social – obedecido o princípio contributivo – como no caso da saúde e da assistência social”[1].

 

Sérgio Pinto Martins, por sua vez, ensina que “A universalidade da cobertura deve ser entendida como as contingências que serão cobertas pelo sistema, como a impossibilidade de retornar ao trabalho, a idade avançada, a morte etc. Já a universalidade do atendimento refere-se às prestações que as pessoas necessitam, de acordo com a previsão da lei, como ocorre em relação aos serviços”[2].

 

Nessa linha, pode-se afirmar que o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, em nosso sistema, visa tornar a seguridade social acessível a todas as pessoas residentes no país, inclusive estrangeiras, garantindo a cobertura dos eventos sociais cuja reparação seja premente, bem como assegurando a entrega das ações, prestações e serviços aos que delas necessitem, observados os requisitos legais e, no tocante à previdência social, também o princípio contributivo.

 

O conteúdo da universalidade pode, ainda, ser classificado sob o ponto de vista subjetivo ou objetivo. Conforme Sérgio Pinto Martins[3], a universalidade subjetiva “diz respeito a todas as pessoas que integram a população nacional”, enquanto a objetiva “irá reparar as consequências das contingências estabelecidas na lei". Para Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior, “A universalidade é vislumbrada sob o aspecto subjetivo, acessível a todas as pessoas que trabalham no território nacional – e por via reflexa a seus dependentes – e sob o aspecto objetivo buscando atender a todos os riscos sociais previstos no Plano de Benefícios mediante uma contribuição única dos trabalhadores”[4].

 

Desse modo, tem-se que, sob o aspecto subjetivo, a universalidade abrange todas as pessoas que residem no território nacional, inclusive os estrangeiros e, de forma indireta, os dependentes dos residentes no país. Já sob a perspectiva objetiva, tal princípio implica o atendimento a todos os eventos e riscos sociais previstos na legislação.

 

Por outro lado, como já referido, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento informa o sistema da seguridade social como um todo, alcançando suas três vertentes (previdência social, assistência social e saúde). Todavia, a incidência desse princípio não se dá com a mesma intensidade em todas elas, admitindo diferentes graus de aplicação.

 

Segundo Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior, “O princípio da universalidade, o qual também inspira a organização da seguridade social, irá adquirir algumas tonalidades específicas na previdência, na assistência e na saúde. Quando se cogita da previdência social, espécie notoriamente contributiva do gênero seguridade social, não se prescinde da necessária participação econômica do segurado, sem a qual o sistema não seria viável, razão pela qual estamos frente a uma universalidade mitigada. De outro giro, a universalidade da previdência social, quanto ao acesso, não significa, obrigatoriamente, a concessão de um direito igual, para todos os trabalhadores, de receber benefícios exatamente nas mesmas condições. Embora as prestações, via de regra, sejam estabelecidas para o atendimento do mesmo grupo de riscos sociais, o valor dos benefícios dependerá – em conformidade com o tipo de sistema de financiamento e do método de cálculo estabelecido – em maior ou menor grau, dos aportes vertidos pelos segurados”[5].

 

João Ernesto Aragonés Vianna, a seu turno, leciona que “o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento na seguridade social é abrandado na previdência social, pois depende de contribuição dos segurados. Assim, quem não contribui está excluído do regime previdenciário”[6].

 

Logo, pode-se afirmar que o postulado da universalidade da cobertura e do atendimento, relativamente à previdência social, atua de forma mitigada, uma vez que convive com o princípio contributivo, que determina a obrigatória contribuição econômica do segurado para que ele possa fazer jus aos benefícios e prestações do regime previdenciário. Do mesmo modo, o princípio da universalidade é abrandado também no que se refere ao acesso, uma vez que não implica, obrigatoriamente, o direito de todos os trabalhadores receberem benefícios nas mesmas condições, pois o valor destes varia de acordo com a quantidade e o respectivo montante das contribuições vertidas por cada segurado ao regime.

 

Além disso, João Ernesto Aragonés Vianna distingue a incidência do princípio da universalidade nos regimes contributivos e não contributivos. Segundo ele, “Nos regimes não contributivos, não há contribuições específicas destinadas ao financiamento da previdência ou seguridade social como um todo. (...) Nesses regimes, o princípio da universalidade tem plena eficácia, pois a cobertura independe de contribuição. Nos regimes contributivos, de outro modo, a previdência ou seguridade social é custeada por meio de contribuições específicas que têm destinação própria. (...) Como o regime previdenciário é contributivo, somente têm cobertura previdenciária aqueles que contribuem – ao contrário da saúde e assistência social, cujas prestações independem de contribuição”[7].

 

Tem-se, pois, que, em se tratando de regime previdenciário classificado, sob o aspecto do financiamento, como contributivo – caso do Brasil –, o princípio da universalidade possui aplicação restrita, visto que somente estarão abrangidos pela cobertura da previdência social aqueles que contribuam, ao contrário do que ocorre nos regimes não contributivos, em que tal proteção independe de contribuição e o referido princípio atinge sua máxima eficácia.

 

Por fim, com relação à saúde e à assistência social, o princípio da universalidade atua de forma plena – diferentemente do que ocorre na previdência social –, uma vez que, consoante disposto, respectivamente, nos artigos 196 e 203 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, enquanto a assistência será prestada a quem dela necessitar, independendo, em ambos os casos, do pagamento de qualquer contribuição.

 

Bibliografia:

 

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2005.

 

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

 

ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2009.

 

VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

 

Notas:

[1] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2005, pp. 88-89.

[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 78.

[3] Ibid., p. 78.

[4] ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2009, p. 35.

[5] Ibid., p. 35.

[6] VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 23.

[7]VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 22-23.

 

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