O Processo Eletrônico e a Sistemática Processo-Decisória Brasileira


PorFernandoh- Postado em 08 abril 2012

 

O PROCESSO ELETRÔNICO E A SISTEMÁTICA PROCESSO-DECISÓRIA BRASILEIRA

 

Fernando Hoffmam[1]

 

 

A sociedade contemporânea passa por um momento de transição, em que os modelos míticos da modernidade vêem-se profanados por novas formas de se pensar o mundo e por conseqüência as relações intramundanas. Ao espectro social, político e econômico acoplaram-se uma série de complexidades e riscos que não eram afeitos à modernidade.

No tempo atual, as distâncias e os tempos foram relativizados, os espaços relacionais foram pulverizados quebrando a linearidade espacial do convívio humano, e os processos inter-relacionais acontecem em uma pluralidade de pessoas.

Tais modificações no contexto ambiental atual, por óbvio estão ligadas umbilicalmente ao processo de globalização, não só econômico como também da esfera social. Vive-se o hoje, em uma sociedade globalizada economicamente, bem como mundializada do ponto de vista das relações sociais. Com isso, quer-se dizer que as relações sociais não se dão mais em um âmbito de convívio humano próximo, mas, sim, dão-se, em escala mundial rompendo distâncias espaço-temporais.

Vive-se em uma sociedade que experimenta a construção de novos tempos, onde o aparato sócio-técnico propicia um novo estado de coisas e, sobremodo, a concepção de um futuro imprevisível que se modifica com o passar do tempo e a constante evolução tecnológica. Neste bojo de evolução tecnológica, as novas tecnologias da informação e comunicação, bem como, as evoluções técnico-científicas ocorridas no âmbito da genética, da neurociência, da robótica, da biotecnologia como um todo, criam um novo modo de perceber o mundo e, as “coisas do mundo”.

No campo das novas tecnologias da informação e comunicação, origina-se efetivamente um novo modo de convívio social, de inter-relação humana. Tais alterações provocam uma re-estruturação dos modos e meios de produção capitalista, organizados em torno da produtividade e processamento de informação e conhecimentos, a partir duma interação entre as novas fontes de conhecimento e, o uso destas, para gerar uma melhora na geração de novos conhecimentos.

As fronteiras da informação e da comunicação caíram a partir de um novo paradigma relacional. A vida em rede – a rede digital –, o ciberespaço[2], a cibercultura[3], surgem como instituições imaginárias dissolvidas no tempo e no espaço, liquefeitas em sua origem e, em seu porvir. Não há começo nem fim para a rede, não há espaço – fronteiras – para o ciberespaço, não há referencial concreto para a cibercultura, o ser humano neste mundo é um ser infinito, não identificável e sem identidade, desprotegido em meio ao contexto complexo desta cibersociedade desregulada e desreguladora.

Evidentemente, tais mudanças estruturais repercutem também no Direito, que deve passar a lidar com relações sócio-jurídicas com as quais não estava habituado e, sequer preparado para lidar. Neste passo, o Direito necessita reordenar-se paradigmaticamente, construindo-se sob as bases moveis da incerteza, do caos, do risco e da complexidade.

Por óbvio, é no processo que está colocada a pera de toque dessa reestruturação pela qual deve passar o Direito. Faz-se tal afirmação, por ser o processo o elo de ligação, entre o direito e os sujeitos jurídico-sociais. É no processo que a sociedade debruça-se com suas agruras, buscando ali resolver os dissabores da vida em sociedade.

Logo, defende-se o apoderamento pelo processo dessa nova ordem técnico-científica informacional-comunicacional. No entanto, ao trabalhar-se com tal possibilidade é corriqueiro estabelecer-se ligação umbilical com referenciais de eficienticismo, esquecendo-se da efetividade.

A terminologia empregada quando se fala em processo eletrônico – processo virtual, ciberporcesso – traz consigo, referenciais como, produtividade, aceleração, automação, rápida tramitação, atos processuais autômatos, etc. Ou seja, a lógica do eficienticismo habita inegavelmente esta esfera do que seria um processo tecnologicizado.

No entanto, este frenesi pelo eficienticismo não pode vir desacompanhado da necessária e devida efetividade. Processo eficiente é processo efetivo, que resolve o caso colocando aos sujeitos jurídico-sociais uma resposta construída com olhos na integridade, na coerência e sobremodo na Constituição. Resposta que por evidente não pode demorar excessivamente, mas que também não pode estar balizada na máxima eficiência, a partir por exemplo do principio da máxima automação.

Ainda, há que se pensar no sistema processo-decisório em que será inserido tal processo – eletrônico – modificado. Eletronicizar o processo de conhecimento, de rito ordinário-plenário-declaratório, sem proceder a devida leitura deste – rito – adequando-o à complexidade da sociedade contemporânea é o mesmo que escanear documentos ao invés de já aportá-los ao processo virtualmente – dentro do ciberespaço.

No entanto, o que mais se deve ter claro é que o processo eletrônico inserido na lógica processo-decisória brasileira, servirá sim de ferramenta para a automatização da decisão, afinal, reproduzir jurisprudências universalizadas arbitrariamente e sem ligação nem uma com o mundo e com o tempo – a não ser com o mundo do caso resolvido e com o tempo que já passou – mais compromete o processo sob uma mirada democrático-constitucionalizada do que o compromissa com a efetiva concretização e garantia de direitos.

Tomemos cuidado, mudar não mudando de nada serve, reformar não reformando é apenas a busca pela mantença de um sistema ultrapassado pelo turbilhão histórico-cultural. O processo deve ser mudado em seu âmago, em seu ser – dasein/ser-aí, ser de um ente – e, a partir deste encontrar-se do seu ser com o seu mundo/seu tempo, absorver de maneira adequada as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias da informação e comunicação.

 

REFERÊNCIAS:

 

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

 

CASTELLS, Manuel. A Sociedade Em Rede – A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

 

ISAIA, Cristiano Becker; SALDANHA, Jânia Maria Lopes. A Paradoxal Face “Hipermoderna” do Processo Constitucional. Revista Novos Estudos Jurídicos, Vol. 15, N. 1, jan-abr 2010, p. 5-26.   

 

LEMOS, André; LEVY, Pierre. O Futuro da Internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010.

 

LEVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: 34, 1998.

 

LEVY, Pierre. O Ciberespaço Como Um Passo Metaevolutivo. Revista FAMECOS, N. 13, dez/2010, p. 59-67.

 

NUNES, Dierle José Coelho Nunes. Apontamentos Iniciais de Um Processualismo Constitucional Democrático. In: OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; MACHADO, Felipe Daniel Amorim (Org). Constituição e Processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro, Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

 

PEREIRA, Tavares. S. Processo Eletrônico, Máxima Automação, Extraoperabilidade, Imaginalização Mínima e Máximo Apoio Ao juiz: ciberprocesso. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/35515/processo_eletr%C3%B4nico_maxima_pereira.pdf?sequence=1> Acesso em: 30 mar. 2012.

 

SALDANHA, Jânia Maria Lopes Saldanha. A Jurisdição Partida Ao Meio: a (in)visível tensão entre eficiência e efetividade. In: STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de (Org). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica: anuário do programa de pós-graduação em Direito da UNISINOS – N. 6. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

 

STRECK, Lenio Luiz. O Que É Isto Decido Conforme Minha Consciência?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

 

VAZ, Paulo. Tempo e Tecnologia. In: DOCTORS, Marcio (Org). Tempo dos Tempos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.



[1]Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Bolsista PROSUP/CAPES, Especializando em Direito na Sociedade da Informação pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Membro do Grupo de Pesquisa Teoria Jurídica no Novo Milênio, vinculado à UNIFRA e ao CNPQ.

[2]Como ciberespaço há que se entender o espaço da rede, ou seja, a própria configuração da sociedade em rede é no ciberespaço. É o espaço – território – oriundo da interconexão informática, do estar ligado á internet, do estar na rede. Pierre Levy, ainda compreende o ciberespaço como um espaço comunicacional por excelência, de produção global do conhecimento, onde a interconexão humana em escala planetária gera um organismo vivo lingüística e culturalmente (LEVY, Pierre. O Ciberespaço Como Um Passo Metaevolutivo. Revista FAMECOS, N. 13, dez/2010, p. 59-67).

[3]Entende-se por cibercultura: “o conjunto tecnocultural emergente no final do século XX impulsionado pela sociabilidade pós-moderna em sinergia com a microinformática e o surgimento das redes telemáticas mundiais; uma forma sociocultural que modifica hábitos sociais, práticas de consumo cultural, ritmos de produção e distribuição da informação, criando novas relações no trabalho e no lazer, novas formas de sociabilidade e de comunicação social. Esse conjunto de tecnologias e processos sociais ditam hoje o ritmo das transformações sociais, culturais políticas nesse início de século”. (LEMOS, André; LEVY, Pierre. O Futuro da Internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010, p. 21-22).