O que a recuperação judicial tem a oferecer?


Porwilliammoura- Postado em 28 março 2013

Autores: 
CARVALHO, Luiz Eduardo Vacção da Silva

A possibilidade do elastecimento ou diminuição do valor da dívida decorre da natureza bilateral da recuperação judicial, uma vez que é conferido às partes negociar as melhores condições para o recebimento do crédito.

1 – Da fé na Recuperação Judicial

A recuperação judicial é um novel instituto inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 11.101/2005.

Trata-se de instrumento jurídico-processual que, apesar de inserido na inicialmente chamada “lei de falência”, visa justamente evitá-la, razão pela qual, com o desenvolver e evolução das tendências doutrinárias e jurisprudenciais, passou a ser conhecida como Lei de Recuperação de Empresas e Falências.

Por se tratar de uma “evolução” do antigo instituto da concordata, muitos viam no novo instrumento legal uma mera mudança de nomenclatura. Até então a concordata era acusada por muitos de ser um meio legal de moratória, não servindo para o fim atingido, em razão dos prazos engessados, limitada remissão, dentre outros, implicando muitas vezes em subterfúgio para a aplicação de golpes e inadimplemento de credores, de certa forma blindando os sócios das penas legais.

Este pensamento até então vigente fez o instituto da concordata cair em descrédito, passando a ser evitado por muitos empresários que optavam pela decretação de falência de suas empresas com solução de continuidade (modalidade de falência onde a empresa continua com suas atividades pelo tempo em que conseguir continuar adimplindo as despesas ordinárias), visando o reerguimento através da liquidação de parte de seus ativos, um esforço que muitas vezes se revelava extremante oneroso, implicando fatalmente no encerramento das atividades.

Todo esse descrédito contaminou o instituto da recuperação judicial. Por tal razão, com a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, poucos eram aqueles que acreditavam no novo instituto.

Inclusive, não foram poucos aqueles que o criticaram logo após a promulgação da lei.

Este descrédito se dá, principalmente, pela falta de conhecimento das benesses que o instituto da recuperação judicial pode propiciar à empresa em crise.

Não se trata de uma nova nomenclatura da concordata.

Aliás, pouca semelhança guarda com o antigo instituto.

Inicialmente, há que se ter em mente que a Recuperação Judicial é muito mais abrangente que a Concordata. Enquanto esta era restrita aos créditos quirografários, a Recuperação Judicial submete créditos quirografários, trabalhistas e aqueles dotados de garantia real, estando excluídos apenas os débitos com o fisco.

No mais, ao contrário do pensamento vigente entre aqueles que não possuem experiência na área, a Recuperação Judicial é o principal foco da lei 11.101/2005, e não a falência. A tal conclusão se chega pela leitura do artigo 47 da lei, assim redigido:

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

A redação do artigo acima transparece o espírito do legislador em conferir à recuperação judicial um “status” mais importante que o da falência, pois a satisfação da “função social” naquela vai muito além do que o mero interesse de credores, revelando o eminente interesse na preservação da fonte produtora de emprego, riquezas, tributos etc.

Neste prisma, visando justamente possibilitar o restabelecimento da empresa em crise, o legislador, ao elencar quais os meios poderiam ser utilizados para a empresa se recuperar, o fez de maneira não exaustiva, conforme a redação do artigo 50 da Lei 11.101/2005. Vejamos a redação do artigo:

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores;

XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada;

XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

Como dito, os meios relacionados pelo legislador não são exaustivos. Quer dizer que, caso o empresário entenda que sua empresa pode se reerguer por outro meio que não estiver ali elencado, pode dele lançar mão, desde que respeite os preceitos de direito vigentes no país.

Assim, para que o empresário possa vislumbrar no instituto da Recuperação Judicial uma saída crível para uma crise que eventualmente afeta sua empresa, destacamos a seguir alguns dos meios elencados pelo legislador que podem ser utilizados e que a experiência vem comprovando serem eficientes e factíveis.


2 – Dos meios de recuperação judicial

Dentre os dezesseis incisos elencados de forma não exaustiva pelo legislador no artigo 50 acima reproduzido, abaixo destacaremos os que corriqueiramente são mais utilizados e que produzem efeito mais contundente para que a empresa possa se reerguer.

Estes meios são apresentados através do Plano de Recuperação Judicial, que é submetido à deliberação da Assembleia Geral de Credores. E uma vez aprovado o plano de recuperação judicial pelos credores, significa que as dívidas anteriores foram extintas (através do instituto da novação), sendo que os créditos serão satisfeitos nas condições então aprovadas.

Lembre-se que é faculdade dos credores aceitarem ou não o plano de recuperação judicial. Uma vez aceito, o plano obriga a todos os credores, inclusive aqueles dissonantes, conforme redação do artigo 59 da Lei 11.101/2005, abaixo transcrito:

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei.

Observe-se que o Poder Judiciário não tem qualquer ingerência na aprovação do plano de recuperação judicial. Seu papel é relegado à verificação dos requisitos legais para o processamento da recuperação judicial (art. 51 e os demais procedimentais) e a concessão da recuperação, uma vez aprovado o plano pelos credores. Seu juízo de valor pode ser exercido única e tão somente na observância da legalidade das propostas aceitas pela assembleia geral, preservando o interesse dos ausentes e garantindo a almejada isonomia.

Deste modo, cabe às partes (empresa em recuperação judicial e credores) encontrarem o melhor meio para que se viabilize a recuperação judicial da empresa, dando atendimento aos preceitos sociais prescritos no citado artigo 47.

2.1 – Concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas

Dentre os meios de recuperação elencados, o que é mais utilizado certamente é o relacionado no inciso I, do artigo 50 da Lei 11.101/2004, qual seja, a concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações.

Este meio importa no estabelecimento de novas condições de pagamento dos créditos submetidos à Recuperação Judicial, geralmente com o elastecimento de prazos, deságio e/ou remissão parcial da dívida, carência para início de pagamento e outros meios que importem na renegociação da forma de pagamento do crédito ou ainda na extensão da própria dívida.

Relembre-se que a possibilidade do elastecimento ou diminuição do valor da dívida decorre da natureza bilateral da recuperação judicial, uma vez que é conferido às partes negociar as melhores condições para o recebimento do crédito.

Esta opção se revela vantajosa à empresa recuperanda, na medida em que, ante a bilateralidade que envolve a aprovação do plano, poderá propor o pagamento dos débitos tomando como base, por exemplo, seu faturamento líquido mensal ou anual, adequando os pagamentos aos valores que efetivamente vier a receber, não comprometendo o desenvolvimento regular de suas atividades, possibilitando o pagamento do passivo sujeito à recuperação.

Não é vedada, porém, a proposta de pagamento em parcelas fixas em determinada periodicidade, não necessariamente mensal, tudo conforme o que for proposto pelo devedor e aceito pelos credores.

Aceitando a maioria dos credores o que fora proposto pela empresa no plano de recuperação, todos os créditos submetidos à recuperação judicial serão novados nos termos aprovados, inclusive aqueles que não estiverem presentes ou votarem contra a aprovação.

Frise-se que as propostas do plano deverão dispensar tratamento igualitário aos credores, não podendo prejudicar alguns em detrimento de outrem, principalmente em relação aos credores que não se fizeram presentes na assembleia geral de credores.

2.2 – Venda parcial dos bens, dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo.

Segundo meio frequentemente utilizado implica na venda de bens da empresa ou dação em pagamento, além da novação das dívidas do passivo (incisos IX e XI).

Através da venda de bens a empresa arrecada valores para serem distribuídos aos credores de forma equânime.

A dação em pagamento pode ser realizada para um ou alguns credores que o aceitarem, havendo concordância dos demais.

A novação, por sua vez decorre da própria lei, podendo ser expressamente proposta no plano de recuperação judicial ou não, produzindo tais efeitos de qualquer modo, nos termos do artigo 59 da Lei 11.101/2005.

A venda de bens pode ocorrer ainda mesmo que o bem constitua garantia real de algum credor. Porém, neste caso, deverá contar com a aceitação expressa deste credor, nos termos do §1º do artigo 50.

Esta aprovação não raro é inserida no próprio plano de recuperação judicial. Ao aderir ao plano, o credor expressamente renuncia a garantia, liberando o bem para venda e possibilitando o pagamento dos credores de forma proporcional ao que for arrecadado e ao crédito havido.

2.3 – Equalização dos encargos financeiros

 Uma outra opção consideravelmente interessante é a possibilidade de se propor aos credores a alteração dos encargos financeiros que incidem sobre a dívida, conforme prevê o inciso XII do artigo 50.

Esta opção é notadamente voltada às instituições financeiras que possuem créditos que, não raro em razão dos elevados encargos financeiros, são justamente a causa do pedido de recuperação judicial, pois as dívidas que crescem exponencialmente deixam de ser passíveis de pagamento.

Ao propor a equalização dos encargos financeiros, poderá a dívida ser equacionada para valores que poderão ser pagos pela empresa em recuperação judicial, em decorrência do faturamento que passa a fazer frente aos novos encargos, resultando na satisfação do credor que, de outro modo, como no caso de decretação de falência, poderia receber ínfima parte de seu crédito, não se mostrando vantajoso para o mesmo.

2.4 – Constituição de sociedade de credores, cisão, incorporação, fusão ou transformação da sociedade, alteração do controle societário, substituição dos administradores, administração compartilhada, usufruto da empresa dentre outros.

Opção sugerida pelo legislador, que se mostra aceitável, mas não vem sendo utilizada é alteração da formatação da sociedade, dos quadros sociais ou mesmo de participação dos credores na administração da empresa (incisos II,  III, IV, V, VII, XIII, XIV e XVI)

O desuso destas opções se baseia no fato do desconforto sentido pelo empresário ao dividir a administração da empresa que tanto lutou para constituir, ou mesmo dividi-la ou fundi-la a outra mais sustentável, preferindo manter o orgulho ao imaginar que sozinho, ou quando muito apenas com seus sócios poderá viabilizar o soerguimento da empresa.

Este pensamento é perfeitamente aceitável, pois ninguém mais do que o próprio empresário tem conhecimento do meio através do qual a empresa poderá novamente encontrar os dias de glória.

Assim, tais alternativas são mais voltadas às empresas cuja crise despontou em razão de má gestão, seja da falta de profissionalismo, seja de briga entre sócios, seja de qualquer outro fator que tenha influenciado na administração da empresa, que embora não tenha enfrentado qualquer desestabilidade no mercado, viu-se afundada em uma situação que tenha exigido o aforamento de um pedido de recuperação judicial.

A adoção de tais medidas deve ser profundamente refletida pelos sócios, que devem transpor eventuais teorias conspiratórias voltadas contra sua empresa, aceitando o fato de que a má gestão decorreu de si e dos demais sócios, visualizando que a solução para a manutenção da empresa pode estar justamente em abrir mão de parte de seu controle ou de sua propriedade.

São medidas drásticas, mas que se adotadas podem representar o soerguimento da empresa, mantendo a fonte financeira dos sócios, não os deixando às margens do voraz mercado de trabalho.

2.5 – Aporte de Capitais

Ainda dentro do tópico acima, existe uma opção que é buscada por muitos empresários, que, em razão da crise, se vem descapitalizados, necessitando urgentemente do ingresso de recursos de terceiros, que permitam a continuidade e o reerguimento da empresa.

O aporte de capitais pode se dar de várias maneiras, porém, destacaremos as duas mais comuns: a abertura da sociedade para novos sócios (tanto limitada quanto S.A.) ou a tomada de empréstimos com taxas diferenciadas.

A abertura da sociedade ocorre nos  termos do tópico acima, ou seja, pode haver o ingresso de novos sócios ou acionistas que injetam capital na empresa.

Já a tomada de novos empréstimos é uma situação que a princípio pode soar estranha aos ouvidos do empresário em crise, que pode se perguntar: “como alguém irá oferecer crédito a uma empresa nesta situação?”

O ponto chave aqui é a preferência de recebimento que o fornecedor ou agente financeiro tem, caso opte em continuar mantendo relações com as empresas em recuperação judicial. Se a empresa já se encontra em recuperação judicial, novos créditos que vierem a ser formados não se submeterão ao processo recuperacional e terão plena preferência em caso de decretação falência. É o que diz o artigo 67 da Lei 11.101/2005.

É claro que continua sendo um negócio de risco, principalmente para os agentes financeiros. Porém, este risco se traduz em uma taxa de retorno maior do que a comumente usada no mercado regular, o que pode tornar o negócio consideravelmente lucrativo.

Para tanto, deve o aportador realizar um estudo de viabilidade econômica da empresa em crise, certificando-se que terá o retorno almejado ou, em pior situação, que o ativo da empresa será suficiente para cobrir o investimento, em caso de falência.

Havendo tal viabilidade, que se espera de toda empresa que se submeta ao processo de recuperação judicial, o negócio se revela interessante tanto para o investidor, que lucrará mais do que o usual, quanto para a empresa, que através da injeção de capital poderá finalmente superar o estado de crise, comprovando que a o instituto da recuperação judicial veio para atender sua finalidade.


3 - Conclusão

Os meios acima apresentados são aqueles que merecem destaque, possibilitando ao empresário vislumbrar quais medidas podem ser adotadas para possibilitar a recuperação judicial de sua empresa, pois, muitas vezes sequer se cogita a adoção do instituto pela falta de conhecimento dos meios que poderá utilizar, imaginando ser um processo penoso e demorado.

A crença na recuperação judicial vem crescendo anualmente. Conforme levantamento realizado pela empresa Boa Vista Serviços S/A[i], o número de pedidos de recuperação judicial teve forte crescimento se comparado ao ano de 2011. Tal crescimento representa o abandono do preconceito havido ainda em relação à antiga concordata, bem como que a experiência com as recuperações em trâmite ou já finalizadas demonstram ser um meio eficaz de superação do estado de crise, crescimento este que será maior a cada ano.

Diante de tais premissas, a recuperação judicial deve ser vista com olhos de quem busca a efetiva recuperação de sua empresa, atendendo aos escopos sociais da Lei 11.101/2005, deixando de lado o preconceito ultrapassado que pairava sobre a concordata, que não mais faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, partindo para não deixar saudades.


Nota

[i] http://www.boavistaservicos.com.br/boa-vista-servicos-pedidos-de-falenci...