O risco da flexibilização da CLT foco: contrato de aprendizagem


Porrayanesantos- Postado em 02 maio 2013

Autores: 
MADUREIRA, Maria Cicleide Rosa

 

RESUMO: O presente trabalho analisa os riscos da flexibilização da legislação trabalhista de modo especial o contrato de aprendizagem entendido como uma ação afirmativa, pelo qual o Estado impõe uma cota legal obrigando estabelecimentos de qualquer natureza a contratarem jovens como aprendizes. O tema se justifica por ser atual e porque inúmeros jovens precisam laborar para manter suas necessidades mais básicas e de sua família, se inserindo no mercado de trabalho cada vez mais cedo, de forma lícita ou não, ficando a mercê de toda situação prejudicial a sua saúde física e mental, muitas vezes explorados, em atividades destinadas a adultos; e porque esclarece para muitos empresários e sociedade a existência e obrigatoriedade de uma cota legal para tal contratação. Trata da legislação pátria referente ao trabalho de crianças e adolescentes que deve ser ajustado por escrito e no qual o empregador, cumprindo cota legal, contrata jovens entre 14 e 24 anos como aprendizes, proporcionando uma formação técnico-profissional metódica. Mostra as inovações mais recentes da Lei de Aprendizagem, na tentativa de dar efetividade ao contrato e os fundamentos que ensejaram o surgimento do contrato de aprendizagem; bem como a proteção legal existente para o aprendiz e os parâmetros para sua contratação. O objetivo é demonstrar que toda legislação que garante direitos trabalhistas não podem retroceder para sustentar o desenvolvimento do capital em detrimento dos prejuízos do trabalhador, seja ele empregado ou não.

 

PALAVRAS-CHAVE: Flexibilização da CLT, Contrato de aprendizagem; garantias; mercado de trabalho.


 

 

1.      INTRODUÇÃO 

 

A situação de desemprego no mundo globalizado é sem precedentes. Para alguns doutrinadores a situação tende a piorar em razão da rigidez das normas da CLT e que a solução para este fenômeno é a flexibilização das leis trabalhistas de modo a permitir que, naturalmente, relação entre capital e trabalho encontre as saídas sem a interferência do Estado. Para debater sobre os riscos desta flexibilização dividiu este trabalho nas partes que seguem: 1.Introdução; 2.Desenvolvimento: 2.1 Dos Primórdios da Aprendizagem No Brasil, 2.3.A LEI Nº. 10.097, DE 19 de dezembro de 2000 – LEI DO APRENDIZ, 2.4. Alterações promovidas no Contrato de Aprendizagem, 2.5.Reflexos da Lei Complementar Nº 123/2006 no Contrato de Aprendizagem, 2.6.Inserção do jovem no mercado de trabalho, 2.7. Cota legal como ação afirmativa, 2.8. Deveres e obrigações empresariais, 2.9.Extinção do Contrato de Aprendizagem; 3.Conclusão e  encerra com 4.Referencias bibliográficas utilizadas.

 

 Segundo PASTORI (2008, p. 35) para que a economia de mercado continue existindo, capital e trabalho devem encontrar novas formas de se relacionar. “Devemos privilegiar os interesses dos interlocutores e também eliminar definitivamente a pseudo-proteção legal contida na CLT, uma vez que é comprovadamente inócua e ineficiente”.

 

...de fato, não é a lei que gera empregos, como bem demonstra o exemplo francês, mas pode ser a lei propiciadora de injustiça social quando não observar a vontade das partes (capital e trabalho) em negociar seus interesses, como é o caso, mais uma vez, do renitente modelo francês.[...] Ninguém esta satisfeito com que está aí e ainda se acredita que a solução esta na ampliação da competência da Justiça do Trabalho e na criação de mais Varas, com mais juízes, funcionários públicos, processos, etc. Essa realidade só atrasa a tão desejada prestação jurisdicional e inibi a negociação. (PASTORI: 2008, p.  41 e 44)

 

Diante destes fatos o presente trabalho pretende analisar os riscos da flexibilização da legislação trabalhista de modo especial o contrato de aprendizagem entendido como uma ação afirmativa, pelo qual o Estado impõe uma cota legal obrigando estabelecimentos de qualquer natureza a contratarem jovens como aprendizes.

 

É notória e vasta as doutrinas que discorrem sobre a proteção ao trabalhador hipossuficiente. Mas extremamente pobre é a reflexão da hipossuficiência voltada às empresas. (PASTORI: 2008, p. 39) Este fenômeno se justifica em decorrência da inferioridade do empregado diante da exploração do empregador, fato que requer a intervenção do estado para garantir seus direitos diante do capital. Vejamos a opinião de PASTORI (2008) que embora proponha a flexibilização como forma de geração de emprego e renda, reconhece que as leis trabalhistas foram criadas para proteger o trabalhador deixando transparecer que os direitos destes devem ser sacrificados em nome do desenvolvimento econômico. 

 

A evolução da doutrina trabalhista se deu em decorrência da inequívoca situação de inferioridade em que se encontrava o operário diante da exploração do capital, em especial nos idos do século XVIII, durante a revolução industrial. A busca da justiça social e da dignidade das condições do trabalho subordinado exercido pelo proletariado identificou, no seio da sociedade, a necessidade de equilibrar a desigualdade econômica gerada pelo capital, que impunha inapelavelmente suas diretrizes sobre o trabalho. É por essa razão que surgiu o Estado tutelando a relação de trabalho. Ninguém nega esses fatos. Nos dias atuais, não há como contestar esse realidade.[...Mas] Ninguém esta satisfeito com que está aí e ainda se acredita que a solução está na ampliação da competência da Justiça do Trabalho e na criação de mais Varas, com mais juízes, funcionários públicos, processos, etc. Essa realidade só atrasa a tão desejada prestação jurisdicional e inibi a negociação.Dizem que a justiça que tarda já falhou. Justiça tardia não é justiça. Maior prejuízo socioeconômico que esse não há. E todos perdem. (PASTORI: 2008, p. 37 e 44)

 

O fato é que apesar de PASTORI criticar a proteção dos direitos do empregado, pelo Estado, por entender que é um impedimento para a geração de muitos mais empregos e outras formas de trabalho que surgiria da negociação entre os donos do capital e aqueles de desenvolvem e necessitam do trabalho, se sabe que tal acordo não geraria desenvolvimento algum como bem já se comprovou na História que registrou em diferentes tempos e espaços a violação dos direitos do trabalhador, seja ele empregado, ou não, direitos estes que só foram respeitados por força de leis que surgiram para equilibrar os direitos entre quem manda e aquele que em razão da necessidade tem que obedecer. Esta relação de poder nunca foi e nem jamais será justa, senão por meio da intervenção estatal. Neste sentido, concordamos plenamente com LOBATO (2006, p.88) quando ele afirma que  

 

A relação entre capital e trabalho naturalmente desigual posto que enquanto o primeiro detém  todo o poder econômico logo, o poder de escolha – quem contrata, como e quando – além do poder diretivo e disciplinar – demitir, advertir, suspender, perdoar, etc. – o segundo contem em si mesmo a sua força de trabalho que, em uma sociedade com desigualdades sociais, com desemprego em larga escala, não permite ao trabalhador o poder de escolher ou até mesmo recusar empregos, mesmo verificando que será lesado em seus direitos trabalhistas.

 

A supremacia tanto fática quanto jurídica é do empregador detentor do poder econômico. É essa a relação desigual que sempre, e desde o inicio do constitucionalismo, tentou se frear. (LOBATO: 2006, p.88)

 

É, portanto, inconcebível a proposta de flexibilização das leis trabalhistas como forma de geração de mais empregos, em razão da limitação do poder do Estado e do estímulo à livre negociação privada, pois o único setor que de fato pode-se vislumbrar o desenvolvimento dos índices de emprego seria no setor judiciário em razão da demanda que tal flexibilização causaria dada a exploração indevida da força de trabalho em geral. Além de ser inconstitucional por representar um retrocesso no tocante aos direitos fundamentais.

 

Temos a título de exemplo que

 

O direito dos trabalhadores tem eficácia direta contra os empregadores privados uma vez que esses direitos estão expressamente consignados na constituição, como por exemplo, Art. 7º, VII e XXX, CF/88 que respectivamente assegura o gozo das férias anuais remuneradas com pelo menos um terço a mais do que o salário normal, e que proíbe aos empregadores estabelecer diferenças de salário e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.) [...] As exclusões da aplicação dos direitos humanos fundamentais nas relações privadas acarretariam a uma cisão na ordem jurídica na medida em que não há razão para que se faça diferenciação entre a aplicação desses direitos já que o que se está a proteger é a dignidade da pessoa humana como bem maior a se proteger. E a que não se fala em limitação do poder do estado e, sim, em proteção eficaz do próprio cidadão. (LOBATO: 2006, p. 83 e 89)

 

A intervenção do Estado é importante e necessária na efetivação dos direitos do trabalhado e em nada impede o equilíbrio entre ele capital. Sua interferência teve e tem como objetivo reduzir a exploração, que já se estabelece, e evitar outras formas desumanas de exploração, assim como tornar o trabalho mais qualificado. Se constata tal fato, principalmente quando oferece condições de formação para operários a fim de gerar emprego e renda além de exigir cotas nas empresas para os jovens aprendizes. Vejamos.

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

2.1. DOS PRIMÓRDIOS DA APRENDIZAGEM NO BRASIL

 

Em meados de 1840 surgiu no país companhias de aprendizes que se dedicavam à formação de jovens marinheiros. “Estas escolas tinham influência européia e representavam uma das poucas oportunidades de profissionalização da camada mais pobre da sociedade brasileira da época”[1]. Os aprendizes permaneciam internos em navios-escolas aprendendo além das atividades próprias de marinheiro, a ler e a escrever.

 

“No final do século XIX, a educação profissional foi relegada às ordens religiosas, que ensinavam os ofícios de carpinteiros, sapateiros e pedreiros aos órfãos e filhos mais necessitados”[2]. Ressalte-se que nesse cenário ainda não havia preocupação em ofertar um ensino metódico ao aprendiz, limitando-se este a imitar dos trabalhadores adultos.

 

Em 1902 foi criado o Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, que passou a ensinar carpintaria e marcenaria, posteriormente usinagem industrial e mecânica. Entre 1910 e 1920 surgiram a Escola Profissional Masculina e a Escola Profissional Feminina. A primeira ministrava cursos de carpintaria, eletricidade, mecânica, pintura e usinagem de metais. Já a segunda restringia-se a cursos artesanais, tais como o de bordado, costura, economia doméstica e renda.

 

Em 26 de janeiro de 1940 o Decreto n. 6.029 regulamentou o Decreto-lei nº 1.238 de 1939 determinando que as empresas com mais de 500 empregados oferecessem cursos de aperfeiçoamento profissional para menores. Em que pese tal decreto tenha provocado grande avanço em nossa legislação, naquele momento permitia-se que o jovem entre 18 e 21 anos percebesse redução de salário caso recebesse educação profissional. Erotilde Ribeiro dos Santos MINHARRO[3] .

 

“Em 16 de julho de 1942, o Decreto-Lei nº. 4.481”[4]. Estabeleceu a quantidade de aprendizes a serem contratados pela empresa, os critérios para sua admissão, a obrigatoriedade de freqüência a cursos sob pena de desconto no salário e até dispensa por justa causa em caso de ausências reiteradas, entre outros. Em 10 de janeiro de 1946, foi normatizado a aprendizagem no comércio, através do Decreto-Lei nº. 8.622. Seguindo a evolução legislativa nacional, o Decreto-lei n° 5.452, de 1 de maio de 1943, aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho, que estabeleceu em seu capítulo IV deveres dos empregadores quanto à aprendizagem. José Humberto Mauad Filho[5]cita:

 

O salário era dividido em duas etapas, a primeira metade do curso de aprendizagem, o adolescente recebia ½ (meio) salário mínimo e, na segunda metade, 2/3 (dois terços) do salário mínimo (antiga redação do artigo 80 da CLT); O FGTS devido era o mesmo do empregado maior, ou seja, 8% (oito por cento) sobre o seu salário; [...] Em 10 de janeiro de 1946 pelo Decreto-lei n. 8621, foi criado o SENAC (Serviço Nacional de aprendizagem Comercial) com o intuito de organizar e administrar a aprendizagem comercial.

 

Estes Serviços Nacionais de Aprendizagem (SENAI, criado em 1942 e o SENAC) objetivavam ofertar cursos aos aprendizes.  

 

A Carta Cidadã de 1988 adotou a doutrina internacional da proteção das crianças e dos adolescentes, baseando-se em várias recomendações e convenções internacionais. Ricardo Tadeu Fonseca[6] ressalta que a partir daí nasceu um modelo nacional de educação no qual o direito à profissionalização passou a ser prioritário. Ressalte-se, contudo que só com a Emenda Constitucional de número 20 de 1998, passou-se a considerar aprendiz o maior de 14 anos e menor de 18 anos e a aceitar o trabalho do maior de 16 anos de idade, revogando o que previa o artigo 7º, inciso XXXIII de CF/88 que permitia o trabalho da criança de 12 anos de idade na condição de aprendiz.

 

Uma extensa legislação relativa à aprendizagem surgiu desde a promulgação da Constituição e 1988, destacando-se a Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente. E a Lei n° 10.097 de 19 de dezembro de 2000 tratando do novo contrato de aprendizagem, que alterou vários artigos concernentes à aprendizagem.

 

2.2. A LEI Nº. 10.097, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000 – LEI DO APRENDIZ

 

Para Márcio Archanjo Ferreira Duarte[7]  Esta Lei adaptada à nossa Carta Política e corroborada pelo proteção integral do Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe alterações significativas  [8].: Acrescentou ao artigo 15 da Lei 8.036/90 (Lei do FGTS) o parágrafo 7º, no que se refere ao percentual do depósito do FGTS relativo ao trabalhador aprendiz reduzindo de 8% (oito por cento) para 2% (dois por cento) da remuneração paga ou devida.

 

A validade do contrato de aprendizagem, a partir do § 1º do artigo 428 (CLT) condiciona-se a anotação da Carteira de trabalho e Previdência social do adolescente, a matricula e freqüência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica.

 

Os cursos de aprendizagem não podem mais ser estipulados por mais de dois anos, sob pena de estar sujeito às regras de contrato de trabalho por prazo indeterminado. A jornada de 6 (seis) horas diárias (para o aprendiz que não tiverem completado o ensino fundamental), sendo vedadas prorrogação e compensação de jornada,[9] e de 8 (oito) horas para aqueles que já concluíram e desde que sejam computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica.[10]

 

2.3. TERAÇÕES PROMOVIDAS NO CONTRATO DE APRENDIZAGEM

 

Nos últimos anos o contrato de aprendizagem sofreu as mais importantes reformas, por meio, por exemplo, da Lei 11.788 de 2008 (Lei de estágio) a qual recebeu nova redação de alguns artigos da CLT, para garantir avanços.

 

Decreto nº 5.598/2005 diz respeito ao período de aprendizagem que foi estendido ao jovem de até 24 anos. Acarretando grandes mudanças no paradigma do contrato de aprendizagem, que agora passa a amparar o jovem maior de 18 anos e o portador de deficiência física sem limite de idade. Para Deborah Paiva[11]. “tal mudança objetivou inserir no mercado de trabalho o maior de 18 anos e os portadores de deficiência”

 

A inovação mais significante trazida pela MP 251/2005 (convertida na Lei 11.180/2005) modificou, também, o parágrafo 5º dos artigos 428 e 433, CLT estabelecendo novo limite para contratação de aprendizes  deficiente com 25, 30 ou 35 anos de idade como aprendiz.

 

Ainda no campo das inovações, observa-se que o Decreto-Lei 5.958 de 2005 manteve a porcentagem para estabelecimentos empregar e matricular aprendizes em no mínimo 5% e no máximo 15%, no entanto acrescentou :

 

Art. 14.  Ficam dispensadas da contratação de aprendizes:

 

I - as microempresas e as empresas de pequeno porte; e

 

II - as entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional. (grifo não constante no original)

 

2.4. REFLEXOS DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006 NO CONTRATO DE APRENDIZAGEM

 

Ainda no campo das críticas, para Luciana Helena Brancaglione[12] a nova legislação apesar de facilitar a desburocratização para a microempresa e a empresa de pequeno porte, causa uma conseqüente diminuição da oportunidade do jovem se profissionalizar

 

A crítica inicial que se faz é que a relevância para a sociedade da abertura de novas oportunidades para o jovem no "mercado de trabalho", que fez o legislador estabelecer percentuais que exigem a contratação de aprendizes na CLT, foi simplesmente afastada pela Lei Complementar 123/06, sob o pano de fundo do incentivo à desburocratização e redução dos custos das microempresas e empresas de pequeno porte. Entendemos, nesse caso, que a legislação está privilegiando o empresário em detrimento do interesse de toda a sociedade. O número de microempresários e empresários de pequeno porte é infinitamente superior à quantidade de grandes empresas no Brasil e, por certo, a simples inexigibilidade da contratação de aprendizes reduz, sobremaneira, as oportunidades dos jovens em aprender uma profissão e conhecer o "mercado de trabalho”.

 

Se faz mister a fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para impedir que a interpretação liberais contrarie toda uma ordem jurídica protetiva do jovem aprendiz.

 

2.5. INSERÇÃO DO JOVEM NO MERCADO DE TRABALHO

 

O Ideal seria que o adolescente não trabalhasse. O delicado período de transição biopsicossocial entre a infância e a fase adulta é propicio à aquisição de conhecimentos, ao desenvolvimento do intelecto, da moral e da personalidade[13].

 

No entanto, sabe-se que, no país, inúmeros adolescentes vivem a triste realidade de terem, desde cedo, o dever de “fazer dinheiro” para prover seu sustento e muitas vezes, o de sua família.

 

Para auferir renda, o jovem exerce qualquer tipo de atividade laboral que castram suas expectativas de crescimento ético e social, onde a metodologia de trabalho baseia-se na exploração, na péssima remuneração e na ausência de ganho psicológico aos seus protagonistas, que logo desistem daquela experiência e muitas vezes passam a desvendar os caminhos tortuosos do crime.

 

Três dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil nos importam sobremaneira para a temática do contrato de aprendizagem: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Constituição Federal, artigo 1º, II, III e IV, respectivamente). O primeiro porque referido contrato é instituto que objetiva a inserção do indivíduo que ainda se encontra em formação no "mercado de trabalho", garantindo-lhe, desde cedo oportunidades para que assuma sua própria vida. O segundo porque a máxima do respeito à condição especial do ser em desenvolvimento deve pautar as condutas do contratante e do contratado na aprendizagem. Por fim, o valor social do trabalho resume toda a importância que o constituinte originário depositou no trabalho enquanto fonte de dignidade para o homem, e a livre iniciativa alerta para o princípio da não intervenção estatal na economia, salvo necessárias exceções. [grifo nosso]

 

 

A atual Carta Magna prevê em seu inciso XXXIII do artigo 7º (com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998) “a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.

 

No entanto, e não é de hoje, divergente da proibição constitucional, estatísticas revelam que crianças na mais tênue idade se submetem a qualquer tipo de trabalho ou bico para adquirir um “dinheirinho”. São crianças e adolescentes marginalizados e pobres que, sem escolha, conhecem cada vez mais cedo a dura realidade do trabalho pesado de um adulto, não raro insalubre e perigoso. Neste sentido José Humberto Maud Filho[14] explana muito bem quando afirma que:

 

A questão do trabalho do menor não pode ser visto apenas sob o ponto de vista legal, mas principalmente levar em conta o grave quadro social que se instaurou no país, levando grande número de famílias brasileiras a viver abaixo da linha da pobreza, sem teto, sem vestuário, sem alimentação e sem acesso à escola, saúde e lazer, lamentavelmente impede que o menor de 16 anos viva exclusivamente a expensas de seus responsáveis e se dedique somente à escola e ao lazer, até a aquisição da maioridade legal, como certos preceitos legais declamam.

 

Parece um pouco utópico imaginar um adolescente de 14 (quatorze) ou 15 (quinze) anos vivendo nas condições que vivem hoje, pensando em lazer e escola, uma vez que não se tem escolas para todos e quando tem as escolas são despreparadas. Como se falar em lazer numa favela onde só se vê nas ruas traficantes comercializando drogas. Deixar um adolescente nessas condições é criar mais e mais traficantes, delinqüentes. Se você não tem nem mesmo o que comer, nem onde morar, como pensar em lazer.

 

É de conhecimento de todos que esta é a realidade brasileira, não podendo o Estado ficar a parte dessas situações. O jovem vai trabalhar sempre que for preciso, de forma lícita ou não. Se o adolescente de 14 e 15 anos precisa trabalhar, que seja de forma lícita e exercendo atividade compatível com seu desenvolvimento físico, mental, psicológico, sem prejuízo da formação de sua personalidade.

 

O contrato de aprendizagem surge para suprir essa lacuna existente. Observe-se que com o contrato de aprendizagem o adolescente de 14 e 15 passa a ter uma proteção legal podendo trabalhar na condição de aprendiz. Assim tem garantidos direitos trabalhistas e previdenciários, remuneração decente e a aprendizagem de um ofício. José Humberto Mauad Filho[15] se posiciona para expressar:

 

Acredita-se muito que, umas das grandes soluções ao problema da exploração do trabalho infantil no Brasil é a profissionalização dos pequenos obreiros. Sem tal profissionalização, o destino dos adolescentes certamente é permanecer no mercado de trabalho informal e irregular, distante da proteção prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Muito acredita que com tais mudanças possibilitarão uma maior participação dos adolescentes em programas de formação...

 

2.6. COTA LEGAL COMO AÇÃO AFIRMATIVA

 

O sistema de cota, nada mais é, do que espécie do gênero ação afirmativa e, como toda política, é voltada para a correção de desigualdades sociais geradas ao longo do processo histórico de cada sociedade”[16].Trata-se de medidas positivas, ou discriminação positiva, adotada em prol das minorias com intuito de acelerar o processo de construção da igualdade. No intuito de conceituar ação afirmativa, Cristiane de Souza Reis e Carlos Arruda Sousa[17]citam que a ação afirmativa possui três campos de atuação:

 

1. No mercado de trabalho: Neste setor, as medidas de Ação afirmativa visam colocar as minorias [...] dentro do mercado de trabalho, aumentando suas possibilidades de contratação e de promoção.

 

2. Na área empresarial: aqui esses instrumentos visam dar oportunidade de empresas pertencentes a estas minorias de concorrer em igualdade de condições com as demais empresas para contratação com os governos federal, estaduais e municipais.

 

3. Na área educacional: Neste campo, o que se busca é dar efetiva oportunidade para estas minorias estudarem, visando-se, principalmente, a chegada ao ensino superior, predominantemente atingido pelos setores privilegiados da sociedade.[18]

 

O artigo 429 da CLT “impõe uma ação afirmativa em favor dos aprendizes, fixando sua contratação obrigatória aos estabelecimentos de qualquer natureza, no percentual de 5 a 15% do total de empregados”.

 

“Algumas empresas conscientes da sua responsabilidade social utilizam-se do contrato de aprendizagem para ajustarem o trabalho infanto-juvenil dentro da norma jurídica vigente” aduz Ulisses Otávio Elias dos Santos[19]. Se a regra fosse cumprida à risca, 1,3 milhão de jovens estariam empregados no país. Mas, o número de alunos inseridos em programas de aprendizagem nas empresas não passa de 40% afirma Hélio Strassacapa[20]:

 

As indústrias podem recorrer ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) para suprir sua cota de contratação de aprendizes. A instituição é uma das mais tradicionais do país na formação técnica-profissional, e registra cerca de 100 mil matrículas por ano. Porém, apenas 30% ou 40% desses alunos estão inseridos em programas de aprendizagem dentro de empresas. No Paraná, dos cerca de 7 mil matriculados, aproximadamente 3 mil trabalham como aprendizes, conta Marco Secco, diretor de operações do SENAI-PR.

 

Os dados apontam que algo está faltando para a verdadeira efetivação dessa política afirmativa, a exemplo de falta de compromisso social por parte dos donos de empresas. Carla Brum Mothé[21] vislumbra-se no contrato de aprendizagem uma possibilidade de ampliação do mercado de trabalho [...] mediante a atribuição, aos empregadores, de uma obrigação de profundo caráter social

 

2.7. DEVERES E OBRIGAÇÕES EMPRESARIAIS

 

O empregador está obrigado a fazer anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, anotando na parte de "anotações gerais" o contrato especial de trabalho de aprendiz. Garantir do salário mínimo hora; limitar o contrato de aprendizagem em  2 (dois) anos; possuir ambiente de trabalho combatível com o desenvolvimento teórico e pratico; garantir todos os direitos trabalhistas e previdenciários do trabalhador aprendiz, incluindo a cobertura contra acidentes de trabalho; Garantir que as férias do trabalhador aprendiz coincidam com um dos períodos das férias escolares do ensino regular, sendo vedado o parcelamento das mesmas.

 

O empregador deve evitar que o adolescente venha a trabalhar em atividades prejudiciais à sua segurança, saúde e moralidade. O artigo 425 da CLT estabelece que o empregador, que tiver menores de 18 anos no seu quadro funcional, deve zelar pela observância dos bons costumes e decência pública.

 

O artigo 427 da CLT prevê dever do empregador de conceder ao aprendiz o tempo que for suficiente para que freqüente as aulas. Este artigo visa proteger o menor para que não fique afastado de sua formação escolar em razão do seu  trabalho. Já o § único do mesmo diploma legal diz que na hipótese do estabelecimento empregar mais de 30 menores analfabetos, de 14 a 18 anos, e a escola ficar localizada além de 2 quilômetros do local de trabalho, a empresa deverá manter um local apropriado para que lhes seja ministrada a instrução primária.

 

O aprendiz tem outros direitos como a férias, nos termos do § 2º do art. 136 da CLT. As férias do empregado estudante menor de 18 anos deverão coincidir com as férias escolares. O art. 25 do Decreto nº 5.598/05 acabou por estender tal benefício a todos os aprendizes, mesmo maiores de 18 anos. É devido o vale-transporte ao aprendiz de acordo com o artigo 27 do Decreto nº 5.598/05. E é permitido o jovem aprendiz firme recibo e pagamento dos salários. É garantida ao aprendiz a formação técnica e profissional por prazo máximo de dois anos tendo direito, ao final, ao certificado de qualificação profissional, dado pelo empregador.

 

2.8. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE APRENDIZAGEM

 

As hipóteses de extinção do contrato de aprendizagem estão previstas no artigo 433 da CLT com redação alterada pela lei 11.180 de 2005. Aduz o artigo 433 o seguinte:

 

O contrato de aprendizagem extinguir-se-á no seu termo ou quando o aprendiz completar 24 (vinte e quatro) anos, ressalvada a hipótese prevista no § 5º do art. 428 desta Consolidação, ou ainda antecipadamente nas seguintes hipóteses:

 

I - desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz;

 

II - falta disciplinar;

 

III - ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo;

 

IV - a pedido do aprendiz.

 

O caput deste artigo aduz que o contrato se extingue quando o aprendiz completar 24 (vinte e quatro) anos de idade, exceto na hipótese do aprendiz for portadores de deficiência. Nos termos do parágrafo único do art. 28 do mesmo decreto, quando o contrato de aprendizagem for extinto, o empregador deverá contratar novo aprendiz, sob pena de infringir a obrigatoriedade prevista em lei para contratação de aprendizes disposto no artigo 429 da CLT.

 

Por fim, há mais três hipóteses de rescisão antecipada do contrato de aprendizagem que não estão prevista no artigo 433 da CLT: a indireta, a culpa recíproca e a decorrente da extinção do estabelecimento.

 

3.      CONCLUSÃO

 

Como se constatou por meio da evolução histórica dos fatos e das leis do trabalhador aprendiz a relação jurídica entre empregado e empregador é indispensável para a proteção do empregado, seja ele aprendiz ou não, pois o princípio da autonomia privada, não garante por si só o desenvolvimento quantitativo de empregos, nem os direitos, liberdades e garantias – direitos fundamentais – nas suas relações, mas por sua forma de exploração desigual, geraria um vazio normativo. (LOBATO: 2006, p. 72) que exigiria a intervenção do Estado o qual teria muito mais trabalho para combater as violações dos direitos trabalhistas em geral 

 

 

 

Certo é que a proteção dos direitos humanos fundamentais tornou-se necessária para a preservação do estado democrático de direito, já que a ausência de sua observância nas relações privadas não estaria a efetivar a autonomia privada, e, sim, a louvar a barbárie. Seria o mesmo que está frente a uma terra “sem lei”, [...] O que ao fim e ao cabo poderia gerar a obrigação do estado de intervir na relação [...] Para garantir a efetividade dos direitos humanos fundamentais. Enfim, se de um lado das relações privadas estar-se ia querendo a liberdade dos negócios jurídicos por meio da autonomia da vontade (direitos privados), por outro lado, se dentro desta liberdade viesse a ser causado algum ônus deveria ser o estado a arcar com o prejuízo (direitos publicos) ARENDT Hannah. [...]

 

A questão dogmática jurídica e jurisprudencial da vinculação dos direitos fundamentais das relações privadas nasce a partir das relações de trabalho tendo em vista a relação jurídica desigual existente entre o capital e o trabalho. Há, assim, a necessidade de, na busca equilíbrio das partes, obter o real enquadramento jurídico e jurisprudencial, para que não sejam solapados os princípios constitucionais conquistados por meio do constitucionalismo social (LOBATO: 2006, p.74 e 77)

 

Em suma, aqueles que propõem a flexibilização das leis trabalhistas como forma de desenvolvimento do mercado de trabalho, que propõem o mercado informal, autônomo ou cooperativo como política de estado, tem como único intento a proteção do capital, das empresas, pois, embora, tal política seja uma alternativa para o enfretamento da crise econômica não pode ser colocado em primeiro plano, visto o prejuízo social que causaria. Seria um retrocesso nos direitos fundamentais retirar a sobrecarga dos ombros daqueles que são capazes de suportar o ônus e transferir tal responsabilidade para o pequeno, o qual seria responsabilizado por seu próprio fracasso.

 

A CLT é uma grande conquista do trabalhador e em hipótese nenhuma pode ser modificada para gerar perdas de direitos profissionais. Não a flexibilização da CLT. Este é o entendimento.

 

 

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