O Sistema Financeiro e a defesa da concorrência


PorJeison- Postado em 18 dezembro 2012

Autores: 
AGUIAR, Bernardo Augusto Teixeira de.

 

    Os Estados, com a finalidade de controlar a evolução de suas moedas em decorrência da emissão do papel moeda e a utilização dos depósitos à vista, quedaram-se obrigados a acompanhar e a fiscalizar detalhadamente as operações bancárias realizadas pelos bancos comerciais.

 

                        A fiscalização e o acompanhamento dessas atividades é imperioso, uma vez que as instituições bancárias, com o montante pecuniário depositado à vista, realizam operações baseadas na recolocação de parte deste montante em circulação.

 

                        Os economistas explicam este fenômeno ensinando que, ao lado do papel moeda – propriamente dito – existe uma outra moeda, denominada “moeda escritural”, também chamada de bankmoneye depositcurrency. Assim, a moeda em circulação é representada, na realidade, tanto pelo papel moeda como pela moeda escritural – que pode, por muitas vezes, equivaler ao montante do papel moeda.

 

                        Assim, observa-se que os bancos comerciais verdadeiramente criam moedas, exercendo uma ação multiplicadora da função emissora do Banco Central. Neste ponto, frise-se a lição de HERCULANO BORGES DA FONSECA:

 

“Enquanto o Banco Central é o órgão emissor por atacado, os bancos comerciais são os multiplicadores da moeda que a redistribuem a varejo”.[1]

 

                        A Constituição da República, em seu artigo 164, estabelece:

 

“Art. 164 – A competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo Banco Central”.

 

                        Entretanto, apesar do preceito constitucional, na prática o Estado acaba por delegar, em parte, essa faculdade aos bancos comerciais, justamente em decorrência da inegável e saudável existência da moeda escritural.

 

                        Desta forma, cabe ao BACEN a função básica de controlar a política creditícia, ou seja, os valores de emissão da moeda escritural e a velocidade da circulação da moeda. Patente, portanto, a fundamental importância do papel exercido pelo Banco Central no atual estágio da economia de mercado. Neste sentido, observa-se o discurso do Dr. ALAN GREENSPAN, diretor do Federal Reserve[2]:

 

“Os bancos centrais têm a responsabilidade coletiva de manter a estabilidade do sistema financeiro. Esta é a nossa missão. Seja por lei ou não, ela vai além do gerenciamento monetário e do crescimento não inflacionário, além dos sistemas de pagamento, até o coração propriamente dito do sistema financeiro”.[3]

 

Assim, o Sistema Financeiro Nacional, compreendido tanto pelo Banco Central do Brasil como pelos bancos comerciais que recebem depósitos à vista, forma uma unidade orgânica, um verdadeiro serviço público fortemente caracterizado pelas suas particularidades e especificidades, bem como pelas suas complexidades e suas especialidades.

 

Um dos fatores específicos do Sistema Financeiro que o torna realmente especial e alvo de uma permanente, extensa e intensa regulação é o denominado “risco sistêmico”. Pertinente a comparação realizada pelo ilustre Professor de Economia FERNANDO J. CARDIM DE CARVALHO:

 

“O que há de realmente especial no sistema financeiro? Em certo sentido, o mesmo que caracteriza o transporte aéreo: é um setor em que desastres, apesar de relativamente raros, têm conseqüências catastróficas. No caso da aviação a catástrofe é dada pela probabilidade quase nula de sobrevivência a um desastre. Por esta razão, regras são criadas que reduzam ao limite do possível a probabilidade de que um acidente tenha lugar”.[4]

 

O risco sistêmico, sem dúvidas, é a maior preocupação das autoridades reguladoras do Sistema Financeiro. O mesmo autor citado no parágrafo anterior, assim conceitua o risco sistêmico:

 

“Riscos sistêmicos são aqueles riscos sofridos pela sociedade, resultantes da atividade financeira, que, não custando nada aos participantes do mercado financeiro, não são incluídos nos cálculos de custo de serviços financeiros. No caso mais importante e geral, trata-se, na verdade, do risco de perder um benefício que é gerado como externalidade da atividade bancária e que, em si, tem pouco valor para o banco, exatamente por que terceiros são beneficiados, dos quais o banco não pode exigir remuneração pela satisfação que dão”.[5]

 

Assim, o Banco Central acaba por ser o responsável, primordialmente, pela regulação, bem como pelo controle e contenção dos riscos aceitos pelas instituições financeiras. Esta atuação, denominada de regulação prudencial, realizada sempre nos limites fixados pelo risco sistêmico, é a responsável pela higidez do Sistema Financeiro.

 

A Professora ISABEL VAZ assim conceitua o termo “regulação prudencial”:

 

“A doutrina especializada costuma chamar regulação prudencial o conjunto de normas destinado a assegurar a presença das características e predicados intrínsecos ao sistema financeiro, e que se mostram capazes de grangear a confiança da Sociedade e dos investidores nacionais e internacionais”.[6]

 

Exatamente neste ponto encontramos o cerne da matéria tratada neste trabalho: será que em razão deste controle permanente que o BACEN deve ter do risco sistêmico impede que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência seja competente para analisar e fiscalizar as questões concorrenciais relacionadas com a atividade bancária?

 

4.1 – As razões do Banco Central do Brasil

 

                        Inicialmente ressalta-se que as razões do Banco Central que ora serão sinteticamente expostas foram extraídas do Parecer 2000/00762/DEJUR/PRIRE, emitido pela Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil.

 

                        O referido parecer inicia alegando que, além da defesa da concorrência, este setor da economia depende de uma intensa atividade de regulação. No Brasil, esta regulação é exercida pelo Banco Central do Brasil e pelo Conselho Monetário Nacional. Assinalam ainda que, em relação à defesa da concorrência, ao BACEN é dado apreciar os atos de concentração.

 

Inicialmente, defende que a Lei nº 4.595/64, que lhe atribui tal competência, é hierarquicamente superior à Lei nº 8.884/94, que dispõe sobre a competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

 

                        Ademais, segundo o BACEN, a Constituição da República, em seu artigo 192, prevê a regulação do Sistema Financeiro por Lei Complementar. A Lei nº 4.595/64 foi recepcionada pela CR/88 como Lei Complementar, enquanto que a Lei nº 8.884/94 tem o status de ordinária.

 

Alega, ainda, que a Lei nº 4.595/64 é específica e, portanto, deve prevalecer sobre a Lei nº 8.884/94, de caráter geral. Assim, caberia ao BACEN analisar os atos de concentração de instituições financeiras, independentemente e com exclusão de qualquer outra autoridade.

 

4.2 – Razões da Advocacia Geral da União

 

                        Cumpre frisar que as razões que serão em breve relatadas foram expostas pela Advocacia Geral da União no Parecer N. AGU/LA-01/2001 e aprovado pelo então Presidente da República, o Sr. Fernando Henrique Cardoso, para os fins do art. 40 da Lei Complementar nº 73 de 1993:

 

“Art. 40 – Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

 

§ 1º - O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento”.

 

                        Desta forma, tendo sido o referido parecer aprovado pelo Presidente da República, a Administração Federal deverá, obrigatoriamente, ser-lhe fiel em todos os seus termos.

 

                        O Parecer da AGU afirma também que o artigo 192 da Constituição da República determina que o Sistema Financeiro seja regulado por Lei Complementar. Assim, a Lei nº 4.595/64 – que tem o status de Lei Complementar – seria o único diploma legal válido para regular o Sistema Financeiro. Ademais, a Lei nº 4.595/64 também elenca como competência do BACEN a análise e aprovação de atos de concentração no Sistema Financeiro, bem como a regulação das condições de concorrência entre instituições financeiras, determinando, inclusive, sanções.

 

                        Alega ainda que a Lei nº 9.447 de 1997, lei ordinária e posterior à Lei nº 8.884 de 1994, acaba por robustecer as alegações do Banco Central do Brasil, já que lhe confere a competência, para exofficio, determinar atos de concentração no setor financeiro.

 

Desta forma, acaba por concluir o Parecer da Advocacia Geral da União, com efeitos vinculantes para toda a Administração Federal, que “a competência para analisar e aprovar os atos de concentração das instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, bem como de regular as condições de concorrência entre instituições financeiras, aplicando-lhes as penalidades cabíveis, é privativa, ou seja, exclusiva do Banco Central do Brasil, com exclusão de qualquer outra autoridade, inclusive o CADE”.[7]

 

4.3 – Razões do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE)

 

                        Inicialmente, é necessário ressaltar que as razões que conheceram da competência do CADE para processar e julgar os casos relacionados à Defesa da Concorrência no Sistema Financeiro foram extraídos do julgamento do Ato de Concentração nº 08012.006762/2000-09 requerido pelo Banco Finasa de Investimento S/A, Brasmetal Indústria S/A e pela Zurich Participações e Representaçõs.

 

                        Após o voto da Conselheira-Relatora HEBE TEIXEIRA ROMANO, optando pela remessa dos autos para o BACEN – conhecendo, assim, a incompetência do CADE para o caso em tela –, o Conselheiro CELSO FERNANDES CAMPILONGO, conhecendo a competência do CADE e a não-submissão dessa autarquia ao Parecer da AGU, após demonstrar brilhantemente as suas razões, resolveu por bem julgar e aprovar o referido Ato de Concentração, seguido posteriormente por outros Conselheiros, entre eles, ROBERTO PFEIFFER e RONALDO PORTO MACEDO JÚNIOR, cujos votos também foram ricos de argumentação. Registra-se que o referido Ato de Concentração, por fim, foi julgado e aprovado pelo CADE.

 

                        Os Conselheiros alegam, inicialmente, que o CADE, em decorrência de suas funções, deve ser independente e, assim, imune a qualquer ingerência do Governo, não estando essa autarquia, portanto, vinculado ao Parecer da AGU. A independência organizativa (em relação ao Governo) e funcional (das decisões) do CADE, no interesse do próprio Estado e da coletividade definida como titular dos bens jurídicos protegidos, é fixada pela Lei nº 8.884.

 

                        Em virtude da necessária independência do CADE, são vários os requisitos exigidos pela Lei Antitruste para que pessoas físicas possam se tornar titular de mandatos fixos de Conselheiro: notório saber, ilibada reputação, nomeação pelo Presidente da República, aprovação pelo Senado Federal e regime de incompatibilidades. Estabelece também a Lei garantias para o Conselheiro no exercício do seu mandato, como, por exemplo, a impossibilidade de serem exonerados pelo Presidente da República ad nutum. Assim, são vários os mecanismos para proteger os Conselheiros de possíveis interferências externas.

 

                        Ademais, o CADE possui natureza jurídica de autarquia, decorrente do fenômeno denominado descentralização administrativa, fato que cria pessoa jurídica distinta da pessoa política que lhe dá origem. Assim, o CADE possui autonomia administrativa, não existindo hierarquia em relação ao Ministério da Justiça. Ressalta-se, ainda, que a Lei nº 8.884, em seu artigo 50, determina a “ausência de subordinação hierárquica”, sendo que as “decisões do CADE não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo , promovendo-se, de imediato, sua execução e comunicando-se, em seguida, ao Ministério Público, para as demais medidas cabíveis no âmbito de suas atribuições”.

 

                        Por fim, defendem que a Lei Complementar 73/93 é inconstitucional, pois extrapolou seu campo material, ou seja, a organização e funcionamento da Advocacia Geral da União, já que o seu artigo 41 acaba por tratar de matéria atinente à organização administrativa, tema esse tratado no artigo 37 da Constituição da República.

 

                        Em relação ao conflito de competência com o BACEN, alegam ainda que é necessário separar a regulação prudencial ligado ao risco sistêmico – essa de competência única e exclusiva do BACEN – da defesa da concorrência, de competência única e exclusiva do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Frisa o Professor CELSO FERNANDES CAMPILONGO no seu referido voto:

 

“São, portanto, funções que possuem raios de atuação próprios e que se complementam”.

 

Ressaltam que o BACEN, ao regular o Sistema Financeiro, tipifica previamente as condutas proibidas, diferentemente do CADE, responsável por um controle comportamental, que realizaas suas análises com base nos impactos concorrenciais dos atos apresentados. Assim, um comportamento de determinada instituição financeira, censurado pelas normas prudenciais, pode ou não também ser contrário às regras de concorrência da Lei 8.884.

 

Defendem ainda que não há hierarquia entre Lei Complementar e lei Ordinária. A diferença entre Lei Ordinária e Lei Complementar se restringe exclusivamente ao quorum exigido pela Constituição para a apreciação de determinadas matérias.

 

Ademais, demonstram que a Lei nº 4.595/64 não foi totalmente recepcionada como Lei Complementar: apenas aquelas normas cujas matérias estão elencadas no artigo 192 da CR/88 têm o status Lei Complementar, sendo que no referido rol não consta matéria concorrencial.

 

Finalmente, para o CADE, a Lei Antitruste seria especial em relação à Lei do Sistema Financeiro, e não o contrário.

 

4.4 – Posicionamento da Doutrina Pátria

 

                        Muitos dos principais estudiosos de Direito da Concorrência do nosso país estudaram a questão em tela. Como não poderia deixar de ser, encontramos posicionamentos diversos, alguns robustecendo a opinião do CADE e outros enriquecendo as alegações do BACEN e da AGU.

 

                        Passaremos, adiante, a apresentar as opiniões de alguns dos mais renomados estudiosos da matéria, juristas e economistas, diversas das quais já expostas, objetivando embasar ainda mais as alegações das partes envolvidas diretamente neste conflito positivo de competência.

 

                        O Dr. DARWIN LOURENÇO CORRÊA, ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, afirma:

 

“Apesar do CADE, ao examinar o caso Finasa, ter se insurgido contra o parecer da AGU, não admitindo a competência do Banco Central para controlar atos de concentração de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é de se reconhecer que a decisão do Conselho não terá, com a devida vênia, qualquer eficácia para casos futuros que estejam compreendidos no âmbito de validade material do aludido parecer.

 

(...) As atuações da SDE e da SEAE são essenciais na sistemática de controle de atos e contratos do art. 54 da Lei Antitruste. Não se tratam de meros pareceres de instrução, pois sem eles o CADE não pode decidir, mesmo que faça a instrução diretamente.

 

(...) A SDE e a SEAE são órgãos da administração direta, cujos titulares não gozam de mandato, não podendo se furtar ao acatamento do parecer da AGU (no seu âmbito de validade material, acima indicado), não se lhes aplicando os argumentos lançado nos votos vencedores do plenário do CADE no caso Finsasa, parte deles inclusive fundada no entendimento de que, sendo os conselheiros do CADE dotados de mandato, essa característica seria incompatível com a submissão das decisões do Conselho (...)”.[8]

 

A Professora da respeitada Faculdade de Direito da USP, RACHEL SZTAJN, ensina:

 

“É pretensão do CADE de que ao micro-sistema, que tem no art. 192 da Constituição da República sua base e na Lei nº 4.595/64 sua prática, sejam incorporadas regras da Lei nº 8.884/94, esta geral por conta da previsão constitucional da livre concorrência como princípio geral da Ordem Econômica. Lei geral e micro-sistema parecem inconciliáveis. Indisputado que a livre concorrência é princípio constitucional, que, porém, se compadece com a livre iniciativa , não com o desenvolvimento nacional equilibrado, com a defesa da moeda e com a tutela da poupança e do crédito.

 

(...) Sobre a especialidade da Lei nº 4.595/64, não pairam dúvidas pois voltada para um setor determinado da atividade econômica, o financeiro, que organiza de forma a preservar a intermediação na poupança e crédito e a transformação de ativos. A disciplina do mercado financeiro o organiza visando ao desenvolvimento nacional de forma equilibrada, não á competição com prejuízo para a função principal”.[9]

 

Na mesma linha, advogando a tese da competência do Banco Central, o Doutor em Economia ROBERTO LUÍS TROSTER leciona acerca da conduta na análise de concentrações no Sistema Financeiro:

 

“A conduta do Banco Central tem que ser rápida, discreta e fundamentada num conjunto muito amplo de informações sobre as instituições, sobre o mercado financeiro e a economia, que só a autoridade monetária pode dispor em qualquer país do mundo. Além disso, deve ter efetiva autonomia, sem prejuízo da fiscalização ´a posteriori’ de outros órgãos do Executivo, como os Ministérios da Fazenda e Justiça, do Congresso e do Judiciário.

 

Dessa forma, qualquer pendência pode ter uma solução rápida e discreta e suficiente para evitar perdas não só para a instituição e seus acionistas, mas para os poupadores, especialmente os menores que são menos informados, para o sistema financeiro e a economia como um todo. Por isso, ao avaliar e aprovar uma fusão ou aquisição, o Banco Central também avalia a possibilidade de ela causar prejuízos aos consumidores e aos demais bancos, configurando ação danosa à concorrência no mercado financeiro. Assim, a interferência do CADE nessa área seria não só uma sobreposição de atividades como poderia ter custos econômicos e sociais elevados exatamente pelas suas características e limitações”.[10]

 

Entretanto, há autores também de grande prestigio que possuem entendimentos contrários aos do Banco Central e da Advocacia-Geral da União, alinhando-se ao posicionamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Neste sentido, o Professor Doutor de Direito Administrativo da PUC-SP, CARLOS ARI SUNDFELD, nos ensina:

 

“Essas razões levam-me a propugnar por uma interpretação restritiva do significado da expressão “Administração federal” prevista no art.40, § 1º, da Lei Complementar nº 73/93, como o fez a maioria do Plenário do CADE no julgamento do caso em exame. A interpretação adequada desta expressão – “Administração Federal” – no contexto normativo em que se encontra deve ser, quando muito, no sentido de excluir do seu significado os entes da Administração que, tal como o CADE, são dotados de independência decisória e têm nessa independência um fator essencial para o desempenho das respectivas funções; quando menos, no sentido de mitigar a intensidade da vinculação a que estão sujeitos, estendendo-se apenas às suas atividades-meio.

 

Esclareço que, quando me refiro a ‘entes administrativos independentes’, estou tratando daqueles para os quais a independência é um fator fundamental, isto é, cujas funções só podem ser desempenhadas, de modo eficaz, de maneira independente. Isto é particularmente verdadeiro no caso do CADE, que exerce funções quase-judiciais”.[11]

 

Também não é outro o entendimento do Professor Doutor da Faculdade de Direito da USP, FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO:

 

“Numa segunda ordem de razões está o fato de que, no meu entender, o art. 7º, I, da Lei nº 8.884/93 (que atribui ao CADE a competência para selar pela observância da lei de proteção da ordem econômica) combinado com o art. 173, §4º, da Constituição interditaria à AGU a possibilidade de arvorar-se como interpretação uniformizadora da legislação em matéria antitruste. Fosse isso aceito, amanhã ou depois poderíamos ter a AGU emitindo pareceres vinculantes acerca da interpretação e aplicação da legislação monetária e, portanto, aquele órgão de assessoramento jurídico do Poder Executivo poderia também se arvorar à condição de autoridade monetária, invadindo a seara do próprio do Bacen.

 

No quadro constitucional de competências na matéria antitruste, competirá ao CADE, e apenas ao CADE, a aplicação e interpretação da legislação concorrencial. Também sob pena de se estar fragmentando e inviabilizando a sua atribuição regulatória específica e atribuindo à AGU competências que só poderiam ser-lhe atribuídas pela Constituição.”[12]

 

Por fim, temos também o entendimento da ex-Conselheira do CADE e Professorade Direito Econômico da Faculdade de Direito da UFMG, ISABEL VAZ:

 

Poder-se-ia pensar em uma alocação ótima de recursos financeiros, enquanto critério para a regulação de defesa da concorrência, quando não existe sintonia entre o que o ordenamento jurídico impõe ao setor e o que esse setor acaba praticando? E a primeira lembrança que acode, não apenas aos estudiosos do Direito da Concorrência, mas toda a Sociedade, é a mais absoluta desvinculação entre as atividades bancárias e os fins que lhe impõe o caput do artigo 192 da Constituição: promover o desenvolvimento equilibrado do País e servir os interesses da coletividade.

 

Nota-se um desvirtuamento da regulação prudencial, na medida em que ela se propõe a assegurar a solidez do sistema financeiro, como se o fortalecimento dos bancos, o aumento de sua competividade, os ganhos de escala e os seus lucros, constituíssem um fim em si. E isso se comprova quando se percebe, por exemplo, que o combate às práticas anticoncorrenciais, atribuição do BACEN constante no §2º do art. 18 da Lei nº 4.594/64, jamais foi acionado. No entanto, o sistema financeiro nacional está submetido a um comando constitucional, qual seja, promover o desenvolvimento equilibrado do país e servir o interesse social.

 

(..) O setor produtivo brasileiro precisa de crédito para produzir, a juros que permitam ao agente econômico ser competitivo e enfrentar a concorrência com seus parceiros comerciais.

 

Enquanto nos Estados unidos o percentual de dinheiro disponível para o crédito chega a 80% do tamanho da economia norte-americana, no Brasil, esse percentual, que atingira 57% em 1994, baixou no presente, para 29%, segundo estudos realizados pelo professor da Unicamp, Fernando Nogueira da Costa.

 

Porém, parece que os bancos estão preferindo comprar papéis do governo a fazer negócios com os clientes.

 

(...) É verdade que as fusões tendem a aumentar, no mundo inteiro, no setor bancário. E, pelos princípios da livre iniciativa e da propriedade privada, os detentores desse tipo de capital estariam legitimados a administrá-lo como melhor lhes aprouvesse. No entanto, no mundo inteiro, todas as fusões sofrem algum tipo de controle, em nome da defesa da livre concorrência e dos consumidores. Esses controles podem ser feitos quer pelas autoridades financeiras, quer pelas autoridades antitruste. O que importa é impedir que as práticas anticoncorrenciaisfiram os direitos da coletividade e que continuem a distorcer as finalidades constitucionais que lhes foram impostas, em nome do interesse do desenvolvimento equilibrado do país. Esse controle, no Brasil, precisa ser feito por autoridades que demonstrem sensibilidade para o cumprimento das normas constitucionais, virtude ausente, até o momento, nas cogitações do Sistema Financeiro Nacional.”[13]

 

Notas:

[1] FONSECA, Herculano Borges da.Instituições Financeiras do Brasil. 1ª Edição, Rio de Janeiro: Crown Editores

[2] O Federal Reserve, a saber, é o Banco Central dos Estados Unidos da América.

[3] GREENSPAN, Alan. Discurso no Fórum Anual de Estocolmo de 1995.

[4] CARVALHO, Fernando J. Cardim de. O Papel do Banco Central no Processo de Regulação Financeira. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; Mattos, Paulo Todescan Lessa (coord.). Concorrência e Regulação do Sistema Financeiro. 1ª Edição, São Paulo; Editora Max Limonad, 2002.

[5]Op. Cit.

[6] VAZ, Isabel. Fundamentos Constitucionais da Livre Concorrência no Setor Bancário . In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; Mattos, Paulo Todescan Lessa (coord.). Concorrência e Regulação do Sistema Financeiro. 1ª Edição, São Paulo; Editora Max Limonad, 2002.

[7] Parecer N. AGU/LA-01/2001 da Advocacia Geral da União.

[8] CORRÊA, Darwin Lourenço. Defesa da concorrência no Sistema Financeiro Nacional: âmbito de validade do parecer GM-020 da AGU, regime jurídico em vigor e considerações “de lege ferenda”. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; Mattos, Paulo Todescan Lessa (coord.). Concorrência e Regulação do Sistema Financeiro. 1ª Edição, São Paulo; Editora Max Limonad, 2002.

[9] SZTAJN, Rachel. Regulação e Concorrência no Sistema Financeiro . In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; Mattos, Paulo Todescan Lessa (coord.). Concorrência e Regulação do Sistema Financeiro. 1ª Edição, São Paulo; Editora Max Limonad, 2002.

[10] TROSTER, Roberto Luis. Os Bancos são Diferentes? . In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; Mattos, Paulo Todescan Lessa (coord.). Concorrência e Regulação do Sistema Financeiro. 1ª Edição, São Paulo; Editora Max Limonad, 2002.

[11] SUNDFELD, CARLOS ARI. Concorrência e Regulação noSistema Financeiro. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; Mattos, Paulo Todescan Lessa (coord.). Concorrência e Regulação do Sistema Financeiro. 1ª Edição, São Paulo; Editora Max Limonad, 2002.

[12] MARQUES, Floriano de Azevedo. Regulação Setorial e Autoridade Antitruste. A Importância da Independência do Regulador . In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; Mattos, Paulo Todescan Lessa (coord.). Concorrência e Regulação do Sistema Financeiro. 1ª Edição, São Paulo; Editora Max Limonad, 2002.

[13] VAZ, Isabel. Fundamentos Constitucionais da Livre Concorrência no Setor Bancário . In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Cabral Veiga da; Mattos, Paulo Todescan Lessa (coord.). Concorrência e Regulação do Sistema Financeiro. 1ª Edição, São Paulo; Editora Max Limonad, 2002.

 

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