Ordem, segurança, saúde e economia pública: um estudo dos conceitos jurídicos indeterminados que fundamentam os pedidos de suspensão


PorJeison- Postado em 18 fevereiro 2013

Autores: 
CUNHA, Victor Rizzo Carneiro da.

 

INTRODUÇÃO

 

 O presente trabalho visa o estudo dos conceitos jurídicos indeterminados que fundamentam o deferimento do pedido de suspensão: grave lesão, ordem pública, saúde pública, segurança pública e economia pública, bens jurídicos escolhidos pelo legislador para concessão da medida.

 

Embora não seja possível delimitar precisamente os conceitos vagos, faz-se necessário traçarmos alguns parâmetros para verificação das mencionadas lesões, de modo a evitar o arbítrio e o abuso no manejo da medida suspensiva.

 

1.      A GRAVIDADE DA LESÃO

 

Os dispositivos legais que tratam dos pedidos de suspensão, hoje basicamente o art. 15 da Lei 12.016/2009 (mandado de segurança) e o art. 4º da Lei 8.437/92 (demais casos), têm como fundamento para o deferimento da medida “evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.

 

Como se pode perceber, “a intensidade da gravidade da lesão constitui segundo lei, condição sinequa non para a procedência da postulação”(VENTURI, 2010, p.132), devendo ser demonstrada de plano pelo requerente na petição dirigida ao Presidente do Tribunal.

 

Através do adjetivo “grave” quis o legislador evidenciar a excepcionalidade da medida suspensiva, sendo certo que somente uma avaliação efetiva acerca da gravidade da lesão pode autorizar o legítimo deferimento da suspensão. Nesse sentido, pedagógico é o voto do ex-Ministro do STF,Sepúlveda Pertence, no julgamento do AgRgSS 432-DF, DJU 12.2.1993:

 

(...) é medida excepcional de contracautela, destinada à salvaguarda de relevantes interesses públicos sob risco iminente, na hipótese de execução, ainda que provisória, da ordem judicial. (...) O que a singulariza é, precisamente, que esses requisitos do periculum in mora, na suspensão de segurança, são qualificados. Não é qualquer risco que a justifica, não é qualquer possibilidade, não é, nem mesmo, a probabilidade de um risco qualquer: é apenas o risco de grave dano a interesses públicos relevantíssimos. 

 

No mesmo sentido, mais recentemente, decidiu o STJ na SLS 907, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 07.08.2008:

 

O incidente de suspensão de decisões judiciais foi idealizado para proteger de lesões graves alguns bens jurídicos caros à vida em sociedade: saúde, economia, segurança e ordem públicas. Não é, porém, qualquer lesão que autoriza o manejo do pedido de suspensão: as leis de regência exigem lesão qualificada – grave – que ponha em risco imediato e inaceitável aqueles bens jurídicos protegidos. No caso, não enxergo tamanha lesão à ordem ou à segurança públicas.

 

Falta, portanto, o pressuposto essencial ao êxito do incidente de suspensão: a gravidade da lesão alegada. Indefiro o pedido de suspensão.

 

Irrepreensíveis os julgados acima colacionados. Com efeito, a gravidade da lesão constitui pressuposto indispensável para o deferimento dos pedidos de suspensão e não pode ser dispensado, sob pena de banalizarmos o importante instrumento de tutela do interesse coletivo.

 

2.    O “EFEITO MULTIPLICADOR

 

Os tribunais têm deferido a medida suspensiva com fundamento no “efeito multiplicador” ou “efeito cascata”, isto é, na possível afetação ao interesse público decorrente da execução de liminares e sentenças deferidas em demandas subsequentes lastreadas em fatos conexos aos verificados na ação em que se originou o incidente de suspensão (VENTURI, 2010).

 

Não são poucos os julgados que encontramos deferindo a medida suspensiva com base na probabilidade de vislumbrar-se a multiplicação de provimentos liminares similares, em ameaça, por conseguinte, às finanças públicas. (TOMBINI, 2009).

 

Nesse sentido, Elton Venturi exemplifica alguns casos de deferimento da suspensão com fundamento no efeito multiplicador no STJ e STF:

 

(...) o Superior Tribunal de Justiça já identificou a ocorrência do efeito multiplicador para suspender liminares que ordenavam as Companhias de Energia Elétrica que se abstivessem de efetuar o corte de fornecimento de energia a consumidores inadimplentes, liminares que corrigiam valores da tabela do sistema único de saúde – SUS e liminares que concediam aumento de proventos e pensões a juízes classistas do trabalho. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o efeito multiplicador suspendendo provimentos que afastavam a aplicação do teto constitucional remuneratório a servidores públicos aposentados e que afastavam a aplicação do sistema de substituição tributária a determinados contribuintes. (VENTURI, 2010, p. 134).

 

Entendemos, seguindo Elton Venturi (2010), Marcelo Abelha Rodrigues (2010)[1]e a melhor jurisprudência[2], que a mera expectativa de repetição de pleitos conexos perante o Poder Judiciário não constitui fundamento suficiente para o deferimento do pedido de suspensão.

 

É que o simples temor de repetição múltipla de causas conexas não configura risco de grave lesão iminente (muito menos atual), a se encaixar no fundamento legal para o deferimento do pedido de suspensão. Outrossim, admitir o deferimento da suspensão num juízo de mera probabilidade implica em patente violação a garantia constitucional do  acesso à justiça.

 

Não basta, pois, a mera alegação da probabilidade de extensão do julgado a outras hipóteses de incidência, tampouco que o provimento judicial configura estímulo ao ajuizamento de novas ações sem demonstrar, de plano, que a decisão tem o poder de, efetivamente, gerar o denominado “efeito multiplicador” (TOMBINI, 2009)[3], levando-se em consideração a quantidade de pleitos conexos contra o Poder Público já deduzidos e tutelados por via de medidas liminares ou sentenças de procedência, e a iminência (ou atualidade) destes provimentos, em conjunto, acarretarem grave lesão à economia pública.

 

De todo modo, registre-se que atualmente a tese jurisprudencial do “efeito multiplicador” foi positivada através do §8 do art. 4º da Lei 8.437/92 (com redação dada pela MP 2.180-35), nos seguintes termos: “as liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.”

 

A inovação legislativa sofreu diversas críticas doutrinárias, como era de se esperar, pois as ações ajuizadas posteriormente ao deferimento da suspensão, na medida em que contenham objeto idêntico, já nasceriam fadadas à ineficácia, razão pela qual Venturi (2010) entende ser notória restrição de acesso à justiça. Todavia, ante o objeto do trabalho, limitamo-nos a registrar o posicionamento do autor, sem fazer maiores divagações acerca do dispositivo.

 

3.      A ORDEM PÚBLICA

 

Trata-se da expressão mais indeterminada, dentre os fundamentos que autorizam o deferimento dos pedidos de suspensão, motivo pelo qual devemos buscar a caracterização do seu significado, rechaçando-se eventuais concepções arbitrárias.[4]

 

O parâmetro que tem sido usado pelos Tribunais para definição do conceito em tela, foi o consignado pelo ex-Ministro do STF, Nery da Silveira, em julgamento de suspensão de segurança no extinto Tribunal Federal de Recursos em 1979, vejamos:

 

No juízo de ordem pública está compreendida, também, a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funçõesda administração, pelas autoridades constituídos. (TFR, SS 4405/SP, DJU 07.12.1979)

 

Assim, busca-se tutelar a ordem pública administrativa, ou seja, a normal execução das atividades estatais constitucional e legalmente estabelecidas (VENTURI, 2010).

 

Não raras vezes, a jurisprudência alarga tal conceito para fundamentar as mais variadas suspensões em prol do Poder Público. Assim, o STJ já entendeu que a mera interferência pelo Poder Judiciário nos atos administrativos ditos discricionários gera lesão à ordem pública[5]. Com o devido respeito, essa interpretação abrangente inviabiliza o efetivo controle dos atos administrativos, muitas vezes contestados sob a ótica da legalidade ou da probidade administrativa, de modo não deve prosperar.

 

Concordamos, pois, com Venturi (2010), no sentido de que o deferimento da suspensão sob o fundamento de “grave lesão à ordem pública”, só se configura diante da verdadeira inviabilização da execução de obras ou serviços públicos.

 

Por outro lado, é inadmissível que se confunda a ordem pública, com a ordem jurídica. A um, porque haveria usurpação da competência do órgão jurisdicional recursal. A dois, porque haveria um aumento indefinido das hipóteses do cabimento da medida, gerando manifesta insegurança jurídica[6].

 

Nesse sentido, vale à pena transcrever as palavras de Elton Venturi (2010, p. 143):

 

Os pedidos de suspensão foram concebidos como medida extrema cuja finalidade é a salvaguarda de interesses públicos concretamente ameaçados de dano irreparável ou de difícil reparação, por isso mesmo devendo restringir-se a apreciação do incidente à verificação imediata da existência ou não da situação cautelanda. Desta forma, não é correto transformá-lo em forma de tutela objetiva do ordenamento jurídico, a ponto de provocar o exame sobre a constitucionalidade ou legalidade dos fundamentos da liminar ou da sentença, reservando-se tal atribuição aos instrumentos processuais adequados (...).

 

Enfim, o pedido de suspensão não é, e nem poderia ser, sucedâneo do eventual recurso cabível, de ação direta de constitucionalidade, de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e etc. Embora os motivos que autorizem o seu deferimento encerrem em conceitos jurídicos indeterminados, em verdade a sua via é estreita e foi bem delimitada pelo legislador.

 

4.             A ECONOMIA PÚBLICA

 

Para fins de deferimento do pedido de suspensão, tem se referido à economia pública como o montante de recursos existentes nos cofres públicos, ou seja, aqui o conceito de economia pública acaba se confundindo com o de finanças públicas[7].

 

De fato, a implementação das políticas públicas dependem da aplicação dos recursos públicos, e não há como olvidar que há interesse objetivo da coletividade na preservação das reservas orçamentárias mínimas que viabilizem ao Estado a prestação dos serviços públicos. (VENTURI, 2010)[8].

 

Todavia, cumpre-nos alertar que nem toda condenação que importe o dispêndio de recursos financeiros pelo Poder Público é capaz de causar “grave lesão à economia pública”.  É preciso ter cuidado, pois não raras vezes o Estado maneja o instrumento suspensivo com o simples argumento de que a decisão judicial comprometerá as finanças públicas, sem juntar nenhuma comprovação de que o alegado comprometimento atingirá, de fato, o interesse coletivo, inviabilizando, por exemplo, a prestação de um serviço essencial à sociedade[9].

 

Neste diapasão, sintetizando o posicionamento de Elton Venturi (2010), entendemos que devem ser observados dois requisitos para que seja deferido o pedido de suspensão com fundamento na grave lesão à economia pública: (I) a decisão judicial deve afetar as reservas financeiras do Estado de modo a inviabilizar a prestação de serviços públicos essenciais ou a edificação de obras públicas indispensáveis; (II) Incumbe ao requerente à comprovação desta afetação através de documentos comprobatórios, como a apresentação de planilha de custos, extratos bancários, planejamentos orçamentários, para que seja aferida a real situação financeira do ente público.

 

5.             A SEGURANÇA PÚBLICA

 

     Podemos definir segurança pública como a preservação da integridade física e patrimonial dos indivíduos, nos termos dos ensinamentos de José Afonso da Silva (2000, p. 756), que assim a define: “é uma atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas. Segundo a Constituição, a segurança pública é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

 

Só uma análise cuidadosa do caso concreto poderá aferir se o provimento judicial tem o condão de causar grave lesão à segurança pública.

 

Assim, a primeira vista, uma liminar que reintegra um servidor público às suas funções não teria potencialidade lesiva. Todavia, tratando-se de delegado de polícia demitido por comprovado envolvimento em concussão em corrupção, não obstante a ausência do trânsito em julgado da ação penal, o STF entendeu no AgRSS 284/DF que a liminar que o reintegrava tinha o condão de causar grave lesão à segurança pública[10].

 

O STJ já fez alusão à segurança pública nas hipóteses de grande comoção social, como por exemplo, por temor a reação dos integrantes do movimento dos sem-terra, na suspensão de liminares que inviabilizavam o projeto de reforma agrária do governo federal[11].

 

Colhem-se, ainda, outros exemplos na jurisprudência do STF e STJ, de suspensão deferida sob o fundamento de grave lesão à segurança pública, como, por exemplo, a greve de policiais civis[12] e decisão que restringe ou inviabiliza a atividade fiscalizatória do Estado[13].

 

6.             A SAÚDE PÚBLICA

 

Podemos conceituar saúde pública como o bem-estar físico e psíquico necessário para manutenção de um padrão de vida saudável (VENTURI, 2010). Trata-se de direito público subjetivo por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição Federal[14].

 

O que se tem observado, é que grande parte dos pedidos de suspensão com fundamento na grave lesão à saúde pública, diz respeito a decisões que indiretamente podem comprometer a gestão do Sistema Único de Saúde, como por exemplo, liminares que determinam ao Estado o custeamento de tratamentos de saúde onerosos. O Poder Público fundamenta a suspensão, em síntese, no remanejamento de verbas orçamentárias destinadas a determinado setor, cumulando os fundamentos de grave lesão à saúde pública e à economia pública[15] (VENTURI, 2010).

 

Registre-se que, atualmente, a apreciação de pedidos de suspensão envolvendo o fornecimento de medicamentos e outros procedimentos relativos à saúde pelo Poder Público é de competência da Presidência do STF, tendo em vista ser a matéria de índole eminentemente constitucional (direito à saúde)[16].

 

A jurisprudência da Suprema Corte tem sido bastante rigorosa na apreciação dos pedidos de suspensão de tal natureza, indeferindo a maioria deles por detectar a existência do chamado pericullum in mora inverso. É que, não obstante seja necessário analisar cada caso concreto, em muitos casos acarretará lesão à saúde se for suspensa a decisão que assegurou ao jurisdicionado, por exemplo, o fornecimento de um medicamento necessário para mantença da sua saúde[17].

 

Sobre o tema, tem-se como paradigmático o recente julgamento pelo STF na STA 175, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 25.09.2009, o qual o Plenário da Corte decidiu pelo improvimento de nove recursos de agravo interpostos em pedidos de suspensão visando suspender a execução de liminares que determinavam ao Poder Público o imediato fornecimento das mais variadas prestações de saúde – como fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses, próteses, criação de vagas de UTI e de leitos hospitalares, contratação de servidores da saúde, realização de cirurgias e exames, custeio de tratamento fora do domicílio e inclusive no exterior, dentre outros  (VENTURI, 2010).

 

O STF entendeu inocorrentes os pressupostos que autorizam o pedido de suspensão. Na ocasião, destacou-se que “a suspensão da decisão representaria periculum in mora inverso, podendo a falta do medicamento solicitado resultar em graves e irreparáveis danos à saúde e à vida do paciente”. O Tribunal destacou, ainda, a necessidade de o SUS rever, periodicamente, os tratamentos e medicamentos necessários à manutenção da saúde da população[18].

 

Embora não seja precisamente o objeto do nosso trabalho, cumpre-nos mencionar que o tema aqui em questão envolve a chamada “judicialização do direito à saúde”, que traz a necessidade de compatibilização entre o “mínimo existencial” – exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana – e da “reserva do financeiramente possível”. Assim, faz-se necessário um juízo de ponderação, devendo-se levar em conta tanto os argumentos a favor, tanto os argumentos contrários ao deferimento do pedido de suspensão nesses casos[19].

 

     Frise-se que em pedidos de suspensão sob o fundamento em questão, não raras vezes o Estado limita-se a alegar, genericamente, o comprometimento do SUS e a cláusula da “reserva do possível”, sem nenhum dado comprobatório de lesão às finanças públicas e ao sistema de saúde. Nesse sentido, vem a calhar àspalavras do Min. Celso de Mello PET 1246/MC, DJ 13.2.1997:

 

Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável a vida.

 

Advirta-se que tal conclusão não se aplica a todas as hipóteses de requerimento de suspensão de decisão relativa a direito à saúde. De fato, por vezes uma decisão, embora relacionada ao direito à saúde do jurisdicionado, pode acarretar sérios prejuízos ao próprio SUS.[20]Com efeito, o Presidente do Tribunal deve atentar-se para a razoabilidade da pretensão e a disponibilidade financeira do Estado. Enfim, são as circunstâncias específicas de cada caso que serão decisivas para a solução da controvérsia.

 

Por fim, registre-se que os tribunais entendem que decisões judiciais que possam causar danos ao meio ambiente, estão inseridas no conceito de saúde pública, aptas, portanto, a serem suspensas pelo magistrado Presidente do Tribunal[21].

 

CONCLUSÃO

 

Analisamos como a jurisprudência tem verificado a presença dos conceitos jurídicos indeterminados que constituem o mérito do pedido de suspensão.

 

Assentou-se que a gravidade da lesão constitui condição sinequa non para procedência da postulação, de modo que não é qualquer lesão àqueles bens jurídicos que embasam o deferimento da medida, evidenciando-se o seu caráter excepcional. Nesse sentido, o simples temor de repetição múltipla de causa conexas (alegação genérica do “efeito multiplicador”) não é suficiente para constituir a gravidade da lesão.

 

Tem-se entendido que o conceito de ordem pública se refere à ordem administrativa, ou seja, a normal execução dos serviços e obras públicas.

 

 Firmamos nosso posicionamento no sentido de para que seja deferido o pedido de suspensão com base em grave lesão à economia pública, a decisão judicial deve afetar as reservas financeiras do Estado de modo a inviabilizar a prestação de serviços públicos, e essa afetação deve ser documentalmente comprovada, sendo inaceitável a alegação genérica de violação a “cláusula da reserva do financeiramente possível”.

 

Vimos que os tribunais acertadamente tratam do conceito de segurança pública da forma mais abrangente possível.

 

 No que se refere à saúde pública, grande parte dos pedidos são de suspensão de decisões que indiretamente afetariam a gestão do SUS, como àquelas que deferem o fornecimento de medicamentos de elevado custo. Após minuciosa análise da jurisprudência do STF, constatou-se que na maioria desses casos a Corte Maior identifica o chamado pericullum in mora inverso, de modo que odireito a vida assegurado constitucionalmente não pode sucumbir em face dos interesses financeiros do Estado.

 

REFERÊNCIAS

 

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010.

 

SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

 

TOMBINI, Carla Fernanda Leão Barcelos. Suspensão de segurança na visão dos tribunais superiores. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2009.

 

VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao Poder Público.2.ed. São Paulo: Ed. RT, 2010.

 

Notas:

[1] “o risco da grave lesão que motiva ou justifica o pedido de suspensão deve ser atual e iminente. Sustentar ou conceder a suspensão sob o pálio de que a liminar ou a decisão poderá causar grave lesão ao interesse público caso exista uma proliferação de pedidos e demandas é desrespeitar o aspecto de concretude e risco imediato de grave lesão”. (RODRIGUES, 2010, p. 173). 

[2] Nesse sentido, a SS 754/RJ, rel. Min. Pádua Ribeiro, DJ 02.08.1999: “ Não está apto a provocar grave lesão à ordem, à saúde, à economia ou à segurança pública, julgado que, no âmbito subjetivo, limita-se a beneficiar um único impetrante (AgRSS 505). Ademais a falta de previsão orçamentária não pode ser obstáculo para o cumprimento do julgado, visto que há mecanismos legais para a Administração efetivar as decisões judiciais (...). Outrossim, em regra, não se defere suspensão de segurança fundada no provir, no juízo precário acerca do futuro, sempre modificável ao sabor do tempo. Não se pode presumir que o mandado de segurança será reiterado, nem é lícito identificar-se, de antemão, grave lesão à economia municipal”. (Grifamos). No mesmo sentido, condicionando a suscitação da tese do efeito multiplicador à demonstração cabal de que a repetição de demandas idênticas esteja acarretando grave dano ao interesse público, conferir no STJ: AgRg SS 1480/MT, rel Min. Edson Vidigal,DJ 14.03.2008 e AgRg na SLS 747, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 07.08.2008.

[3]Assim, não nos parece ter sido correta a justificativa embasadora para o deferimento da suspensão na SS 3600/BA, Min. Gilmar Mendes, DJ 04/08/2008, no STF “(...) está presente a probabilidade de concretização do denominado “efeito multiplicador”, ante a possibilidade de multiplicação de medidas liminares em demandas que contenham objeto semelhante”. Tem-se, aqui, um típico exemplo de mera expectativa de repetição de demandas conexas, que desrespeita o aspecto de concretude e risco imediato de grave lesão almejado pelo legislador, a justificar o deferimento da medida drástica excepcional.

[4]Lembre-se que com fundamento na proteção da “ordem pública” o Ato Institucional 05, de 13.12.1968, suspendeu diversas garantias constitucionais como a do habeas corpus, a do acesso à justiça e alguns direitos políticos. 

[5] “há lesão à ordem pública, aqui compreendida a ordem administrativa, quando a decisão atacada interfere no critério de conveniência e oportunidade do ato administrativo impugnado.”(STJ, AgRg na STA 66/MA, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 06.12.2004).

[6]Embora haja alguns poucos julgados antigos no STF deferindo a medida a pretexto de violação à ordem processual, à ordem constitucional e até ao princípio da legalidade, o que, assim como Marcelo Abelha Rodrigues (2010), consideramos que “beira o absurdo”, a jurisprudência parece ter amadurecido, pois vem rechaçando o manejo da suspensão sob tais fundamentos: “A questão pertinente à ilegitimidade ativa do Ministério Público, remonta à suposta ofensa à ordem jurídica – e de lesão à ordem jurídica não se há falar na excepcional via da suspensão de liminar ou de sentença, com resguardo assegurado na via recursal própria.” (STJ, AgRg na SLS 169/SP, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 10.04.2006); “O pedido de suspensão não possui natureza jurídica de recurso, ou seja, não propicia a devolução do conhecimento da matéria para eventual reforma. Não cabe a esta Corte apreciar a questão meritória na drástica via da suspensão, eis que esta não se presta ao exame de suposta lesão à ordem jurídica, não havendo espaço para a análise de eventuais error in procedendo e error in judicando, resguardada tão somente às vias ordinárias” (TRF4, AGR 2006.04.00.013144-3, rel. Des. Maria Lúcia Luz Leiria, DJ 19.07.2006).

[7] Não obstante sabermos que o conceito de economia pública é mais abrangente, nos termos do art. 170 da CF e seguintes, que tratam, por exemplo, do abuso do poder econômico mediante práticas como a dominação de mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

[8]Caso paradigmático de pedido de suspensão com fundamento em grave lesão à economia pública, foi o deferido pelo STF em 1992 no AgRSS 471/DF, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 04.06.1993. Tratavam-se de diversas liminares concedidas por todo o país para a correção dos proventos de aposentadoria, em 147%, aos milhões de segurados do INSS, o que implicava num acréscimo imprevisto de 11 (onze) trilhões de cruzeiros no orçamento anual do INSS, in verbis: “o pagamento imediato do reajuste de 147 por cento a milhões de aposentados, com acréscimo imprevisto de onze (11) trilhões de cruzeiros, na estimativa orçamentária das despesas anuais (1991/1992) do instituto nacional de seguridade social; a extrema dificuldade do INSS para recuperar as diferenças que viessem a ser pagas; a circunstância de muitos dos beneficiários do mandado de segurança já estarem recebendo as mesmas quantias, nos autos de outra ação, em juízo de 1º grau (ação civil pública); a possível desestabilização das finanças, já combalidas, da previdência social, em detrimento de todos os trabalhadores ativos e inativos, do presente e o futuro. Tudo isso evidencia o risco de grave lesão a economia pública, que, nos termos dos arts. 4º da Lei 4.348 de 26.06.1964 e 25 da Lei 8.038/90, justifica a suspensão, pelo Presidente do STF das seguranças deferidas pelo STJ (MS 1.270 e 1.233) à Associação dos Aposentados e Pensionistas de Brasília e ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Paulo”.

[9] Nesse sentido: “a grave lesão à economia pública não está relacionada tão somente com o montante do débito, mas sim com os danos que a decisão judicial possa causar na ordem jurídica, no ponto em que privilegia o interesse particular em detrimento do público.” (STJ, AgSS 546/CE, rel. Min. Bueno de Souza, DJ. 28.06.1999); “Em sede angusta de pedido suspensivo vasta verificar se o decisum malsinado exibe potencialidade apta a causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. A questão do impacto patrimonial ao orçamento deve ser analisada à luz da situação socioeconômica de cada Unidade da Federação.”(STJ, AgSS 446/PA, rel. Min. Bueno de Souza, DJ 28.06.1999).

[10]“Suspensão de segurança. Demissão de policial civil estadual a bem do serviço público. Liminar, em mandado de segurança, assegurando o retorno do Delegado de Polícia ao exercício de suas funções, ao fundamento que, em virtude de estar respondendo a ações penais pelos fatos, somente após a conclusão destas seria possível a demissão (...). Aspectos de ameaça, também, de grave lesão a segurança pública que merecem considerados, pela influência do Delegado de Polícia demitido e os graves envolvimentos que lhe são imputados, com reflexos no funcionamento do aparelho policial estadual e na segurança dos cidadãos, máxime, em virtude dos fatos apurados” (STF, AgRSS 284/DF, rel. Min. Nery da Silveira, DJ 30.04.1992).

[11] PROCESSUAL CIVIL. SUSPENSÃO DE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL.1. PROGRAMA DE ASSENTAMENTO RURAL ADOTADO E DESENVOLVIDO PELO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO NA REGIÃO DENOMINADA "PONTAL DO PARANAPANEMA."2. DECRETOS LIMINARES CONCEDIDOS EM AÇÕES MANDAMENTAIS QUE, AO EMPRESTAREM EFEITO SUSPENSIVO A AGRAVOS DE INSTRUMENTO INTERPOSTOSCONTRA DECISÕES CONCESSIVAS DE CAUTELA ANTECIPADA, TIVERAM O CONDÃO DE PARALISAR O PLANO GOVERNAMENTAL. 3. POTENCIALIDADE DE OCORRENCIA DE GRAVES E IMPREVISIVEIS DISTURBIOSDA ORDEM E SEGURANÇA PUBLICAS, MERCE DA ATUAÇÃO DE GRUPO DE PESSOASQUE SE AUTO-INTITULAM "SEM TERRAS".4. "CONQUANTO O PODER JUDICIARIO NÃO POSSA DESCURAR DO DIREITO DE PROPRIEDADE, DE UM LADO, POR OUTRA PARTE DEVE ESTAR ATENTO AOS REFLEXOS NO CONTEXTO SOCIAL QUE SUAS DECISÕES PROVOCAM".5. SITUAÇÃO DE INTRANQUILIDADE SOCIAL QUE AINDA PERSISTE NALOCALIDADE BANDEIRANTE, NÃO SENDO ELIDIDA PELOS MEROS ARGUMENTOS TRAZIDOS PELOS AGRAVANTES.6. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO, SEM DISCREPANCIA DE VOTOS. (AgSS 450/, Relator: Ministro BUENO DE SOUZA, DJ 16/09/1996).

[12] STF, SL 103/MT, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 08.05.2066.

[13]STF, SL 103/MT, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 08.05.2066 / STJ, SLS 989/BA, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 02.04.2009.

[14]Nesse sentido o voto do Min. Celso de Mello no RE 273834/RS, DJ 18.09.2000.

[15]“A determinação contra legem que obriga o Estado brasileiro a fornecer todas as condições para que a agravante/requerida faça cirurgia de elevado custo no exterior, havendo quem a faça no país, tem potencial de lesionar a saúde pública, constituindo-se precedente para um número indefinido de outras situações semelhantes” (STJ, AgRSS 1467/DF, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 21.03.2005).

[16] Foi no julgamento da SLS 144/SC, Min. Edson Vidigal, DJ 19.08.2005, que o STJ julgou pelo deslocamento do feito para Suprema Corte, por entender ser a matéria atinente à saúde pública de índole constitucional.

[17] Analisemos alguns precedentes que evidenciam esse posicionamento pela nossa Suprema Corte: a) Na STA 46/SC, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 06.09.2006, o Estado de Santa Catarina requereu a suspensão de tutela antecipada concedida em ação civil pública movida pelo MPF, que determinou o fornecimento pela União e o Estado de Santa Catarina dos medicamentos INTERFERON PEGUILADO e RIBAVIRINA todos os pacientes que no curso da ação comprovassem a necessidade do uso desses remédios por meio de receituário de médico vinculado ao SUS para o tratamento de Hepatite C crônica. O Estado alegou que o tratamento com InterferonPeguilado para 99 pacientes custa R$ 4.467.080,10 (quatro milhões, quatrocentos e sessenta e sete mil, oitenta reais e dez centavos). O STF indeferiu o pedido de suspensão ante a falta de demonstração dos pressupostos autorizadores para a sua concessão. b) Na STA 36/CE, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 27/09/2005, A União requereu a suspensão de sentença que em ação civil pública determinou o financiamento de operação de transplante hepático nos EUA em favor de menor que custaria U$ 200.000,00 (duzentos mil dólares). Dentre outros motivos para o indeferimento da suspensão, o STF consignou que a ausência de seguras condições de realização do procedimento cirúrgico no Brasil e que “o art. 196 da CF estabelece que cabe ao Poder Público assegurar a saúde de todos. Portanto, colocar em risco a vida do menor causaria lesão à ordem pública, entendida como ordem jurídico-constitucional (...)”; c) Na STA 245/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 29.10.2008, o Município de Pelotas requereu a suspensão de tutela antecipada que determinou à União, ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Município de Pelotas o imediato fornecimento do medicamento RITUXINABE a autora da ação ordinária. Alegou-se, basicamente, que “o fornecimento de medicamento de tão alto custo (R$ 100.000,00) a um único usuário lesionará o direito fundamental à saúde dos demais usuários do SUS”. O relator Min. Gilmar Mendes, em decisão que vale a pena a leitura, concluiu pelo indeferimento do pedido de suspensão, pois “a ausência do medicamento solicitado poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à vida da paciente”.

[18]Conforme destacou o Min. Gilmar Mendes na STA 175 acima em referência: “Quanto aos novos tratamentos ainda não incorporados pelo SUS, é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na audiência pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente acompanhável pela burocracia administrativa (...) há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim não se pode afirmar que os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas dos SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.”

[19]Conforme o art. 196 da CF/88 a saúde é direito de todos e dever do Estado e deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Depreende-se do texto constitucional, pois, que o direito subjetivo público à saúde é assegurado mediante políticas públicas (sociais e econômicas), ou seja, não é um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção da saúde. Por outro, lado a norma constitucional impõe um dever ao Estado elaborar essas políticas públicas de proteção à saúde.

[20]Nesse sentido, STA 91/AL, Min. Ellen Gracie, DJ 05.003.2007: “Verifico estar devidamente configurada a lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, porquanto a execução de decisões como a ora impugnada afeta o já abalado sistema público de saúde. Com efeito, a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários. Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se conceder os efeitos da antecipação da tutela para determinar que o Estado forneça os medicamentos relacionados "(...) e outros medicamentos necessários para o tratamento (...)" (fl. 26) dos associados, está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. Ademais, a tutela concedida atinge, por sua amplitude, esferas de competência distintas, sem observar a repartição de atribuições decorrentes da descentralização do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198 da Constituição Federal. Finalmente, verifico que o Estado de Alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos associados (fl. 59).”

[21] “Agravo. Suspensão de execução de liminar em ação civil pública. Esgoto sanitário. Capacidade de atendimento. Lesão ao meio ambiente e à saúde pública.(...) A manutenção da liminar monocrática diz diretamente com a preservação do meio ambiente e, via de consequência, da saúde pública, conceitos relevantes em sede de suspensão. É devida a interferência judicial nas atividades da Administração, quando em risco bens jurídicos que, por isso, demandam tutela. (...).” (TRF/4, AgRSS 199904010766189/SC, rel. Juiz Volkmer de Castilho, DJ 17.11.1999).

 

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