Os efeitos da intervenção da Justiça comum na matéria de competência da Justiça Desportiva do futebol no Brasil


PorPedro Duarte- Postado em 17 outubro 2012

Autores: 
José Felipe Lopes

Os problemas causados pela intervenção do Poder Judiciário na Justiça Desportiva, e uma tentativa de solução entre os órgãos, para que vivem em conformidade e harmonia em suas decisões.

 

Muito se tem discutido, recentemente, acerca dos problemas causados pela intervenção do Poder Judiciário na Justiça Desportiva, para que se ache uma solução entre os órgãos.

A Constituição Federal de 1988 traz expressamente que a Justiça Desportiva tem competência para resolver litígios que envolva assuntos de “disciplina” ou “competições desportivas”, ainda mais, no § 2° do mesmo artigo delimita o tempo que a Justiça Desportiva tem para proferir decisão final, que é de 60 dias, a contar ta instauração do processo.

Hoje os problemas maiores ocorrem quando esgotam as instâncias, ou extrapola o tempo legal previsto da Justiça Desportiva. É nesse momento que entra a faculdade do autor da ação de usar à Justiça Comum para intervir na matéria que a principio não era de sua competência.

Já no ponto de vista histórico, a intervenção na competência ocorre desde a chegada oficial da Justiça Desportiva, pelo Decreto-Lei n° 3199 de 14/04/1941, mas de 1988 pra cá ocorre com uma menor intensidade, pois, à Constituição de 1988 limitou a matéria de competência da Justiça Desportiva em seu art. 217 § 1º.

É de fundamental importância esclarecer pontos relevantes sobre as conseqüências da intervenção da Justiça Comum no conteúdo da matéria de competência da Justiça Desportiva.  

Em conseqüência disso, os resultados são claros, mas nas palavras do ilustre Álvaro Melo Filho, se observa,

[...] a Justiça Desportiva, cujo fundamento ancora-se no próprio texto da Constituição Federal e na necessidade de preservação de limites ético-desportivos, tornou-se instrumento jurídico hábil e essencial para coarctar danosas deformações (MELO FILHO, 2011, p. 238).

Nesse sentido chega-se a conclusão, que a Justiça Desportiva ao ser hábil, é competente, vantajoso, apto e capaz; e ao ser essencial é absolutamente necessária, indispensável e fundamental.

GARRETT em seu Trabalho de Conclusão de Curso complementa,

Assim sendo, como a justiça desportiva está previamente estabelecida no sistema jurídico nacional (artigo 217 §§ 1° e 2° da Constituição Federal), e não infringe o devido processo legal, deve ser respeitada (GRELLETT, 2006, p. 31).   

Não dando margem a dúvidas, conclui que a Justiça Desportiva é a melhor para resolução de conflitos, no tocante aos assuntos de “disciplina e competições desportivos”, previamente estabelecidos no art. 217 § 1°.

SCHMITT, também esclarece que as Ações que verse sobre “disciplina e competições desportivas” devem ser postuladas somente quando: esgotar as instâncias da Justiça Desportiva ou quando exceder o tempo hábil de 60 dias, contados da instauração do processo, para proferir a decisão final.

Vejamos a baixo, um caso concreto no Tribunal de Justiça do Rio Grande Do Sul,

CAMPEONATO INTERMUNICIPAL DE FUTEBOL. ANULAÇÃO DE PARTIDA. IMCOMPÊTENCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 217, § 1°, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Hipótese em que o objetivo do litígio é de natureza essencialmente esportiva, tendo as partes envolvidas no desporto o seu fim social. Não-esgotamento das instancias da justiça desportiva. Extinção do processo, sem julgamento de mérito, prejudicando o exame da apelação. (Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação civil n°70003017274)

No Julgado citado não houve se quer a analise do mérito, pois, não tinha presente um dos pressupostos processuais, ou seja, esgotado as instancias da Justiça Desportiva, no referido caso. Pela análise crítica da sentença, podemos chegar a conclusões: ou o advogado que postulou a ação não observou o ordenamento pertinente ao desporto; ou agiu por estratégia, deduzindo a não observância dos magistrados no esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva; ou até tinha o conhecimento dos pressupostos e pagou pra ver. Mas com um brilhante ato processual, o magistrado agiu com competência observando a ausência do pressuposto processual e, declarou incompetente para julgar o mérito da ação.

Outra preocupação constante é a antinomia que existe no ordenamento brasileiro entre a Constituição Federal e a famosa Lei Pelé. Transcrito os artigos antagônicos, a baixo,

CF - Artigo 5° Inciso xxxv – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Lei 9.615/98 - Artigo 52 § 2° - O recurso ao Poder Judiciário não prejudicará os efeitos desportivos validamente produzidos em conseqüência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva.  

Utilizando as ferramentas da Ciência Hermenêutica, chegamos à conclusão pelo método “gramatical lógico”, mesmo que a Justiça Comum reforme a decisão da Justiça Desportiva “não prejudicará os efeitos desportivos validamente produzidos”, sendo assim, o art. 52 § 2° da Lei Pelé é inconstitucional, por não obedecer aos ditames da Carta Maior.

Ainda convém lembrar-se de uma intervenção, que mostra nitidamente decisões antagônicas de uma juíza em Rondônia que deu “habeas corpus” para que um jogador suspenso por 5 (cinco) partidas que pudesse atuar num jogo decisivo alegando que se tratava da liberdade de ir e vir dentro de campo.

Em vista dessa decisão percebe-se, que esse tipo de intervenção entra em plena desconformidade com decisões derivada da Justiça Desportiva.

Ao examinar o art. 5° inciso XXXV da CF, verifica-se que é explicito a possibilidade do deslocamento de competências, entre a esfera constitucional administrativa da Justiça desportiva e a esfera jurisdicional do Poder Judiciário, por se tratar de um direito fundamental do ser humano, sobre tudo, dos atletas. Mas não podendo olvidando, para que haja um deslocamento de competência é preciso que tenha presente um dos pressupostos processuais, que são: o esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva; ou a estrapolação do prazo de 60 dias, a contar da instauração do processo.

Outro fator existente de peso é o sistema misto e harmônico da vivencia dos poderes, que pelo resultado obtido com o método do Direito Comparado, o escritor Martinho Neves Miranda, descreve,

O sistema misto busca compatibilizar as ações do poder público e da iniciativa privada, de forma a permitir a convivência harmônica de ambos os regimes na organização do desporto. São exemplos desse sistema os modelos perfilados por França, Portugal, Estados Unidos e atualmente o Brasil (MIRANDA, 2007, P. 1).

Ao analisar o “regulamento do desporto no direito comparado” é possível notar a conformidade de harmonização dos países citados.

Em vista dos problemas apresentados, concluiu para que haja um encaixe entre a Justiça Desportiva e o Poder Judiciário é preciso que as sentenças proferidas dos juízes tenham parâmetros em decisões dos auditores, ou seja, os “juízes” da Justiça Desportiva. Assim sendo o Poder Judiciário entrará em conformidade com a Justiça Desportiva e viveram harmonicamente.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

COSTA, Dilvanir José da. Curso de Hermenêutica Jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

GARRETT, Andrea de Almeida. A Jurisdição e a Competência da Justiça Desportiva no Brasil. Itajaí, UNIVALI, 2006. 66 P. Monografia (Graduação) – Graduação em Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2006.

MELO FILHO, Álvaro. Nova lei Pelé Avanços e Impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011.

___________. O DESPORTO NA ORDEM JURÍDICA-CONSTITUCIONAL BRASILEIRA. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.

SCHMITT, Paulo Marcos. Curso de Justiça Desportiva. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

Sites

MIRANDA, Martinho Neves. Regulamentação do Desporto no Direito Comparado. Rio de Janeiro: 2007. Disponível em: http://justicadesportiva.uol.com.br/artigo.asp?id=869