Os limites da coisa julgada no processo civil brasileiro


Porwilliammoura- Postado em 02 abril 2013

Autores: 
ANTUNES, Thiago Caversan

Os limites objetivos da coisa julgada ficam restritos à parte dispositiva da sentença, observando-se, todavia, que o raciocínio que levou a tal conclusão. A eficácia natural da sentença pode, eventualmente, atingir terceiros, mas a coisa julgada, em regra, tem como limites subjetivos aqueles a quem tiver sido regularmente oportunizado participar da lide.

Resumo: Trata dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada. Parte de uma breve análise das perspectivas formal e material do instituto. Investiga o fundamento político da previsão da coisa julgada em determinados ordenamentos jurídicos. Trata de algumas das principais teorias sobre os fundamentos e características jurídicas da coisa julgada. Analisa os limites objetivos do instituto, estabelecendo o que fica sujeito à autoridade da coisa julgada. Investiga os limites subjetivos da coisa julgada, distinguindo quem é atingido pela sua autoridade, com referências ao conteúdo do artigo 472, do Código de Processo Civil brasileiro. Procura demonstrar que, em hipótese alguma, na ordem constitucional brasileira, admite-se que alguém que não tenha tido oportunidade de intervir na lide possa ser limitado pela autoridade da coisa julgada.

Palavras-chave: Princípios Constitucionais – Coisa Julgada – Segurança Jurídica.

Sumário: Resumo; Palavras Chave; Resumé; Mots Clé; Introdução; 1 Coisa Julgada Formal e Material; 2 Finalidade da Coisa Julgada; 3 Teorias sobre a Coisa Julgada; 3.1 Chiovenda; 3.2 Carnelutti; 3.3 Liebman; 4 Limites da Coisa Julgada; 4.1 Limites Objetivos; 4.2 Limites Subjetivos; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO.

O instituto jurídico da coisa julgada tem constituído, ao longo da história, tema que levanta sensíveis e relevantes controvérsias, mesmo no que se refere aos seus aspectos mais fundamentais – e que poderiam ser tidos, em uma análise superficial, mesmo, por singelos.

Muitas vezes, os estudiosos do Direito passam ao largo de uma reflexão razoavelmente aprofundada a respeito de tais características fundamentais, procurando analisar temas consideravelmente mais complexos – tais quais as propostas de relativização da autoridade da coisa julgada, por exemplo –, o que, no mais das vezes, implica importantes limitações – quando não verdadeiros equívocos – de compreensão.

É, assim, sobre estes temas mais fundamentais ligados ao instituto da coisa julgada que será dedicado este estudo.

Inicialmente, procurar-se-á estabelecer uma distinção clara entre as perspectivas formal e material de análise da coisa julgada.

Em seguida, passar-se-á à investigação das finalidades que podem levar à instituição da garantia da coisa julgada em uma determinada ordem jurídica – e que constituem, assim, em suma, o seu fundamento político.

Após, far-se-á uma breve menção a algumas das mais notáveis teorias que foram desenvolvidas, ao longo da história mais recente, a respeito dos fundamentos jurídicos e das principais características do instituto da coisa julgada.

Ao final, chegando ao tema, propriamente dito, deste resumido estudo, analisar-se-á os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, para que se possa compreender, em linhas gerais, “o que” e “quem” é atingido pela sua autoridade, especificamente nas ações individuais.

Nessa parte final, procurar-se-á demonstrar que a redação do artigo 472, parte final, do Código de Processo Civil brasileiro, é bastante tortuosa, e que pode induzir relevantes erros de interpretação, já que, ao que tudo indica, encontra-se, ela mesma, bastante equivocada.

É importante esclarecer, desde o início, que o estudo que ora se apresenta não tem pretensões exaustivas. O objetivo, antes e sempre, é chamar a atenção dos estudiosos das Ciências Jurídicas para a necessidade de análise de temas de destacada importância, em torno dos quais persistem relevantes controvérsias, com importantes desdobramentos de ordem prática.


1 coisa julgada formal e material.

O instituto da coisa julgada, em geral, pode ser aplicado e, portanto, também, compreendido, a partir de duas perspectivas distintas: a formal e a material.

Uma compreensão, ainda que superficial, das características de cada uma dessas perspectivas e dos aspectos que as diferenciam entre si mostra-se útil, para que se possa entender o instituto como um todo.

De acordo com Santos, “a coisa julgada formal consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos” (1999, p. 43).

Esse aspecto é também objeto de análise por Vitagliano, para quem

A coisa julgada formal identifica-se com a irrecorribilidade e decorrente impossibilidade de continuar-se a demandar sobre o mesmo objeto. Nesse sentido, a coisa julgada pode ser vista como preclusão – a última, a máxima e a mais abrangente das preclusões, a incidir sobre o processo mesmo e não sobre um ato dele (2004, p. 49).

É importante, todavia, a observação de que “a coisa julgada formal representa a estabilidade que a decisão adquire no processo em que foi proferida, quer tenha havido análise de mérito, quer não tenha ocorrido tal investigação” (VITAGLIANO, 2004, p. 47).

Vale dizer, portanto, que a coisa julgada formal implica a inviabilidade de modificação da decisão apenas no processo em que foi ela prolatada, não havendo impossibilidade – tão somente por conta da coisa julgada formal – de que sejam os fatos rediscutidos, inclusive entre as mesmas partes, em uma outra demanda judicial.[1]

Em suma, “a coisa julgada formal não impede que o objeto do julgamento  volte a ser discutido em outra demanda, haja vista que atua apenas dentro da relação processual em que a sentença foi prolatada” (MACHADO, 2005, p. 59).

A coisa julgada material, por sua vez, é referida no artigo 467, do Código de Processo Civil, como “[...] a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Nas palavras de Vitagliano, a coisa julgada material “[...] representa a imutabilidade da decisão, não apenas no processo em que foi proferida, mas em qualquer outro onde as mesmas partes, com suporte na mesma causa de pedir, deduzem pedido idêntico. A decisão adquire o selo da imutabilidade” (2004, p. 49).

Alves, por sua vez, assevera que

O comando emergente da sentença, tornando imutável, adquire autoridade de coisa julgada, a impedir que a relação de direito material decidida, entre as mesmas partes, seja reexaminada e decidida, no mesmo ou outro juízo ou tribunal. Assim, fala-se em coisa julgada material, ou substancial, como autoridade da coisa julgada (2000, p. 5).

A distinção básica entre coisa julgada formal e coisa julgada material é digna de nota, na medida em que, conforme observa Silva, ao tratar da garantia fundamental encartada no artigo 5°, XXXVI, da Constituição Federal,

Dizemos que o texto constitucional só se refere à coisa julgada material [...] porque o que se protege é a prestação jurisdicional definitivamente outorgada. A coisa julgada formal só se beneficia da proteção indiretamente na medida em que se contém na coisa julgada material, visto que é pressuposto desta, mas não assim a simples coisa julgada formal. Tutela-se a estabilidade dos casos julgados, para que o titular do direito aí reconhecido tenha a certeza jurídica de que ele ingressou definitivamente no seu patrimônio (2000, p. 437).[2]

Idêntica opinião é compartilhada por Alves (2000, p. 4), para quem a garantia constitucional do artigo 5°, XXXVI, da Constituição Federal, não diz respeito à coisa julgada formal.

É de se salientar, diante daquilo dito até este ponto, que é, também, evidentemente, em torno da coisa julgada material que se instalam as maiores dificuldades científicas e, por via de conseqüência, as mais acirradas controvérsias doutrinárias.

Isto, inclusive, em virtude das características principais de cada uma das perspectivas de análise do instituto, tendo em vista que, segundo a observação de Furlan,

A coisa julgada formal consiste numa imutabilidade que se projeta nos limites – e somente nestes – do processo em que a sentença foi proferida, enquanto a coisa julgada material, ao contrário, diz respeito à imutabilidade para fora do âmbito do processo. Nesse sentido, no dizer de Liebman, a coisa julgada formal é a imutabilidade como fato processual, ou seja, no processo enquanto que a coisa julgada material é a imutabilidade fora do âmbito do processo (2000, p. 87).

Em síntese ainda mais apertada, segundo Câmara, é possível “[...] definir a coisa julgada como a imutabilidade da sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada material), quando não mais cabível qualquer recurso” (2008, p. 460).[3]

Definidas, ainda que de forma bastante panorâmica, as principais características e distinções entre os aspectos formal e material da coisa julgada, é necessário investigar sucintamente a finalidade a que se propõe o instituto, e os seus possíveis fundamentos.


2 finalidade da coisa julgada.

A coisa julgada, conforme já referido, apresenta-se como tema consideravelmente amplo e complexo, em torno do qual têm se instalado, ao longo da história, acalorados debates doutrinários.

É de se destacar, preliminarmente, que não há, sequer, consenso entre os doutrinadores a respeito da necessidade da existência de previsão do instituto da coisa julgada, como condição de configuração de um determinado ordenamento jurídico, como tal.

Guerra Filho, aliás, aponta que

Na família anglo-saxônica, regida pelo commom law, se desconhece o instituto tal como ele aparece em sistemas jurídicos como o nosso, já que o julgado tanto pode ser atacado em um mesmo processo, após seu pronunciamento, mediante “moções, como também em outro processo, pelo collateral attack: isso não importa, porém, em nenhum prejuízo ou inferiorização para a justiça norte-americana ou inglesa, que na verdade é, sob certos aspectos, até mais eficiente que a nossa, dos países da família romano-germânica (2002, p. 231).

Neste panorama, portanto, a previsão da coisa julgada apresentar-se-ia, em tese, como opção política[4] do poder que se manifesta em cada ordenamento jurídico;[5] sendo, assim, perfeitamente imaginável e aceitável a existência de um Estado de Direito em que não houvesse previsão do instituto da coisa julgada.

De qualquer forma, na ordem jurídica vigente no Brasil, especificamente, a opção política pela previsão do instituto da coisa julgada encontra-se consagrada tanto em nível constitucional – por meio da menção constante do artigo 5°, XXXVI – quanto na legislação ordinária – o que é atestado, inclusive, pelas disposições constantes dos artigos 467 a 475, do Código de Processo Civil.

Parece possível dizer que, embora haja alguma controvérsia a respeito dos fundamentos jurídicos da coisa julgada – conforme se procurará referir, brevemente, no próximo tópico –, são praticamente uníssonas as impressões que se tem a respeito de suas possíveis finalidades.

De toda sorte, é importante que não se perca de vista tais finalidades, para que não se proponham usos do instituto, em completo descompasso com os escopos a que se destina.

Assim é que, segundo Wambier e Medina,

A coisa julgada é instituto cuja função é estender ou projetar os efeitos da sentença indefinidamente para o futuro. Com isso, pretende-se zelar pela segurança extrínseca das relações jurídicas, de certo modo em complementação ao instituto da preclusão, cuja função primordial é garantir a segurança intrínseca do processo, pois que assegura a irreversibilidade das situações jurídicas cristalizadas endoprocessualmente. Esta segurança extrínseca das relações jurídicas gerada pela coisa julgada material traduz-se na impossibilidade de que haja outra decisão sobre a mesma pretensão (2003, p. 21 e 22).

Em síntese, pode-se dizer que:

[...] a garantia da coisa julgada encerra a proteção ao valor da segurança nas relações jurídicas, por meio da estabilidade conferida às decisões judiciais. O objetivo é impedir que as lides sejam estendidas ad eternum, isto é, que em algum momento tenham um ponto final (PINTO e SILVA, 2005, p. 3).

Há, portanto, uma relativa tranqüilidade da doutrina, no que se refere ao fato de que a principal finalidade do instituto da coisa julgada é garantir níveis razoáveis de segurança social e, provavelmente, também, institucional; evitando-se que as demandas possam se arrastar indefinidamente.[6]

Ocorre que – segundo os conceitos estabelecidos no capítulo anterior, de acordo com os quais, historicamente, a finalidade precípua do Direito tem sido, precisamente, garantir os níveis possíveis de segurança social e institucional – a coisa julgada, ainda que possa ser entendida como uma decisão eminentemente política, tem importância fundamental.

Dito de outro modo, pode-se dizer que o instituto da coisa julgada desempenha um papel extremamente útil no sentido de viabilizar que o Direito cumpra a sua principal finalidade: garantir os níveis possíveis de segurança social e institucional.[7]

Isto se dá, inclusive, por conta do fato de que se espera da função jurisdicional do Estado que seja dada, para as lides que são levadas à sua apreciação, em algum tempo, uma determinada solução que seja definitiva.

Segundo Canotilho, “[...] ao demandante de uma protecção jurídica deve ser reconhecida a possibilidade de, em tempo útil (adequação temporal, justiça temporalmente adequada), obter uma sentença executória com força de caso julgado [...]” (2003, p. 499).

Pode-se afirmar, aliás, que o direito de conhecer, em algum momento, o teor de uma determinação judicial definitiva cabe tanto ao demandante quanto ao demandado – mesmo por conta do escopo de se garantir os níveis possíveis de segurança.[8]

Neste sentido, aliás, interessante a observação de Marinoni:

Se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana e se o bem perseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz). Não é possível desconsiderar o que se passa na vida das partes que estão em juízo (2002, p. 17).[9]

Não seria temerário dizer que, no mais das vezes, senão sempre, a impressão do condenado de que a decisão que lhe atingiu é, de alguma forma, injusta, soa muito menos angustiante do que a possibilidade de eterna modificação de tal estado de coisas, isto é, a perpétua dúvida.[10]

Nas palavras de Wagner Junior,

Os cidadãos, ao recorrerem ao Judiciário para que este possa resolver o conflito de interesses que os aflige, procuram, em especial, a segurança jurídica de uma decisão que, esperam, lhes seja favorável.

Favoráveis ou não, procedentes ou improcedentes, as decisões judiciais devem, em dado momento processual, se fazerem acompanhar da certeza de que não mais poderão ser alteradas (2008, p. 365).

A principal finalidade da adoção da coisa julgada, portanto, parece ser garantir que os cidadãos sujeitos[11] a um determinado ordenamento jurídico tenham a certeza – e, portanto, a segurança – de que um pronunciamento judicial que lhes atinge, positiva ou negativamente, será, em dado momento, definitivo, quer concordem com ele ou não.[12]


3 TEORIAS SOBRE A COISA JULGADA.

De um certo modo, pode-se dizer que a finalidade da coisa julgada constitui, precisamente, o seu fundamento político.

Isto porque – em tese, ao menos – os detentores do poder de instituir uma determinada ordem jurídica,[13] inclinados a que seja alcançada a finalidade a que se propõe o instituto, decidem, por meio de um exercício político, inseri-lo em seu ordenamento.[14]

Todavia, se é verdade, por um lado, que há um relativo consenso da doutrina no que se refere à principal finalidade da coisa julgada – e, portanto, ao seu fundamento político –, o mesmo não se pode dizer no atinente aos seus possíveis fundamentos jurídicos e a algumas de suas principais características.

Assim é que, ao longo da história, construíram-se diversas e importantes teorias que procuraram proporcionar a compreensão do tema.

Em virtude dos estreitos limites deste estudo, esta seção ficará restrita a uma breve menção às teorias de Chiovenda, Carnelutti e Liebman, sem que se tenha, obviamente, também a este respeito, uma pretensão exaustiva da matéria.

3.1 Chiovenda.

Segundo o entendimento de Chiovenda, a coisa julgada é um efeito da sentença, que encontra fundamento na própria natureza da decisão jurisdicional, que é resultado da atuação de um órgão do Estado, sob os auspícios da Lei.

Em suma, para Chiovenda “[...] a coisa julgada não tem em vista a afirmação da verdade dos fatos, mas da existência de uma vontade da lei no caso concreto” (2002, p. 409).

Assim, seria a sentença, “[...] unicamente a afirmação ou a negação de uma vontade do Estado que garanta a alguém um bem da vida no caso concreto [...]” e observava que “[...] só a isto se pode estender a autoridade do julgado [...]” (CHIOVENDA, 2002, p. 449).

Em um resumo um tanto quanto simplório, é verdade, pode-se afirmar que a teoria desenvolvida por Chiovenda identifica o fundamento da coisa julgada como a vontade do Estado, previamente expressada no ordenamento jurídico e aplicada pela sentença.[15]

3.2 Carnelutti.

A teoria que era desenvolvida por Carnelutti, antes das proposições de Liebman, considerava, ainda, a coisa julgada como um “efeito da sentença”.

Havia, portanto, entre os autores uma profunda controvérsia a respeito da coisa julgada, assim resumida por Dinamarco:

A discordância evidencia-se tão pouco verbal, quanto mais observamos que os dois autores partiam de premissas diametralmente opostas, com referência ao fundamental quesito metodológico da estrutura do ordenamento jurídico: enquanto Liebman, formado na escola de Chiovenda, manifestava uma sólida base dualística (isto é, para ele o ordenamento jurídico tem duas ordens diversas de normas, substanciais e processuais, e estas nada têm a ver com a produção do direito do caso concreto), fundava-se Carnelutti no pressuposto de que o direito positivo substancial emana normas genéricas incompletas, as quais só se tornam um círculo fechado, por obra da sentença (qualquer que seja esta, menos a dispositiva), a qual é em si um comando complementar (1987, p. 235).[16]

Para Carnelutti, a autoridade da coisa julgada decorre da declaração de certeza que pretende ser expressada pela eficácia imperativa da sentença, enquanto vontade do Estado (1960, p. 144).

De acordo com o autor, é, precisamente, a imperatividade da sentença que constitui o seu traço essencial – e não, propriamente, a sua imutabilidade, que só seria adquirida com o trânsito em julgado (CARNELUTTI, 1960, p. 143).

Aliás, segundo a teoria de Carnelutti, ao tratar dos aspectos material e formal da coisa julgada, a imperatividade da sentença e a sua imutabilidade ocorreriam em etapas diversas (1960, p. 143).

Este aspecto é pinçado pela doutrina, que observa:

É interessante a inversão dos momentos do fenômeno processual da coisa julgada na teoria de Carnelutti, visto que, enquanto para as demais teorias a coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, para Carnelutti é esta que pressupõe aquela. Na certeza que a sentença produz está a imperatividade dela, e é esta imperatividade que constitui a coisa julgada material, a qual, pela preclusão dos recursos, se transforma em coisa julgada formal (BONFIM JÚNIOR et al., 2007, p. 261).[17]

Este posicionamento de Carnelutti foi fortemente combatido por parte bastante considerável da doutrina, que viu uma contradição inconciliável exprimida, principalmente, no fato de que “[...] haja coisa julgada formal de resoluções judiciais que não produzem coisa julgada material” (PONTES DE MIRANDA, 1974, p. 126).[18]

3.3 Liebman.

De acordo com Vitagliano, “o primeiro grande mérito da doutrina de Liebman é o de enxergar na coisa julgada não um efeito da sentença, como sustentado na doutrina tradicional, mas, sim, uma qualidade dos efeitos da sentença, qual seja, a sua imutabilidade” (2004, p. 57).

A construção do autor, como visto, contrasta sensivelmente com as teorias que lhe antecederam, que tratavam o instituto da coisa julgada como um efeito, propriamente, da sentença.

Segundo a interpretação de Furlan,

Em suma, para Liebman, a autoridade da coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente da sentença, ou seja, a qualidade que reveste o ato em seu conteúdo, tornando-o imutável, assim como seus efeitos. Reconhece que a autoridade da coisa julgada não recai tão somente sobre os efeitos declaratórios, mas cobre igualmente os elementos constitutivos e condenatórios da sentença (2000, p. 102).

Liebman entende que

[...] a eficácia de uma sentença não pode por si só impedir o juiz posterior, investido também ele da plenitude dos poderes exercidos pelo juiz que prolatou a sentença, de reexaminar o caso decidido e julgá-lo de modo diferente. Somente uma razão de utilidade política e social [...] intervém para evitar essa possibilidade, tornando o comando imutável quando o processo teria chegado à sua conclusão, com a preclusão dos recursos contra a sentença nele pronunciada (1981, p. 53 e 54).

Assim, nas palavras do próprio doutrinador, a autoridade da coisa julgada pode ser definida,

[...] com precisão, como a imutabilidade do comando emergente da sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato (LIEBMAN, 1981, p. 54).

É a partir da doutrina da Liebman, portanto, que se diferenciarão claramente as idéias de eficácia natural da sentença e de autoridade da coisa julgada, enquanto qualidade dos efeitos da sentença.

A visão inovadora foi possível, inclusive, porque “Liebman, partindo do ponto de vista de que a decisão judicial tem eficácia não só declarativa, mas também constitutiva,[19] afirma que tal eficácia da sentença pode produzir-se independentemente da coisa julgada” (FURLAN, 2000, p. 101).[20]