A Pec 544/02 e a criação dos novos Tribunais Regionais Federais


PorJeison- Postado em 10 abril 2013

Autores: 
SILVA NETO, Oldack Alves da.

 

    O objetivo do presente trabalho é analisar as alterações promovidas na estrutura da Justiça Federal brasileira com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição n. 544/02, que altera o artigo 27 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e cria novos Tribunais Regionais Federais.

 

                        Analisar-se-á, ainda, em linhas gerais, as críticas que vem sendo feitas por membros do próprio Judiciário, bem como os argumentos favoráveis à aludida modificação do texto constitucional.

 

A Justiça Federal no Brasil

 

                        A Justiça Federal brasileira foi criada pelo Decreto 848 de 11 de outubro de 1890[1], um ano após a Proclamação da República. Na época, a Justiça Federal era composta pelo Supremo Tribunal Federal e pelos juízes inferiores, também chamados juízes de seção (art. 1º). Cada Estado da Federação, assim como o Distrito Federal, formavam uma seção judicial, tendo por sede a respectiva capital, com um só juiz de seção, que era nomeado pelo Presidente da República (art. 13).

 

                        A Constituição de 1934[2] manteve a organização da Justiça Federal (art. 78), além de assegurar as garantias institucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de “vencimentos” (art. 64).

 

                        Com o advento da Carta de 1937[3], apelidada de “Polaca” em razão da influência sofrida pela Constituição polonesa fascista de 1935, o Poder Judiciário foi “esvaziado”[4], sendo que, com a extinção da Justiça Federal, passou a ser composto apenas pelo Supremo Tribunal Federal, pelos Juízes e Tribunais dos Estados, Distrito Federal e Território, bem como pelos Juízes e Tribunais militares.

 

                        Operando a redemocratização do país, repudiando-se o Estado totalitário que vigia desde 1930, a Constituição de 1946[5]restabeleceu apenas a segunda instância da Justiça Federal, com a criação do Tribunal Federal de Recursos (art. 94 e 103). Somente na vigência do regime militar, com a edição do Ato Institucional n. 2 de 27 de outubro de 1965, foi restabelecida a Justiça Federal de primeira instância, com a previsão dos juízes federais.

 

                        Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi extinto o Tribunal Federal de Recursos, ao mesmo tempo em que foram instituídos os Tribunais Regionais Federais que, juntamente com os juízes federais, passaram a compor a estrutura da Justiça Federal. Vejamos:

 

Art. 106. São órgãos da Justiça Federal:

 

I - os Tribunais Regionais Federais;

 

II - os Juízes Federais.

 

Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:

 

I - um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira;

 

II - os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antiguidade e merecimento, alternadamente.

 

Art. 110. Cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária que terá por sede a respectiva Capital, e varas localizadas segundo o estabelecido em lei.

 

Parágrafo único. Nos Territórios Federais, a jurisdição e as atribuições cometidas aos juízes federais caberão aos juízes da justiça local, na forma da lei.

 

                        Diante das grandes transformações perpetradas pela Constituição Federal de 1988 no que concerne ao Poder Judiciário – incluindo a criação do Superior Tribunal de Justiça –, coube ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelecer a forma em que tais mudanças seriam implementadas. Vejamos o disposto no § 6º do artigo 27 do mencionado diploma:

 

Art. 27. (...)

 

§ 6º - Ficam criados cinco Tribunais Regionais Federais, a serem instalados no prazo de seis meses a contar da promulgação da Constituição, com a jurisdição e sede que lhes fixar o Tribunal Federal de Recursos, tendo em conta o número de processos e sua localização geográfica. [original sem grifo]

 

                        Em atenção ao dispositivo constitucional acima mencionado, o Tribunal Federal de Recursos, por meio da Resolução n. 1, de 06/10/1988, fixou a sede e a jurisdição dos cinco Tribunais Regionais Federais:

 

Tribunal Regional Federal da 1ª Região[6]– sede em Brasília e jurisdição no Distrito Federal e nos estado do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.

 

Tribunal Regional Federal da 2ª Região[7]– sede no Rio de Janeiro e jurisdição nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

 

Tribunal Regional Federal da 3ª Região[8]– sede em São Paulo e jurisdição nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

 

Tribunal Regional Federal da 4ª Região[9]– sede em Porto Alegre e jurisdição nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

 

Tribunal Regional Federal da 5ª Região[10]– sede em Recife e jurisdição nos estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.

 

A aprovação da PEC 544/02

 

                        Na sessão de 03 de abril de 2013, o Plenário da Câmara dos Deputados, em segundo turno de votação, aprovou, com 371 votos favoráveis e 54 votos contrários, a Proposta de Emenda à Constituição n. 544, de 2002, que acrescenta o § 11 ao artigo 27 do ADCT e cria os Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões. Eis o teor da referida proposta de emenda:

 

Art. 1º. O art. 27 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte § 11:

 

“Art. 27. (...)

 

§ 11. São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª Região, com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o da 8ª Região, com sede em Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região, com sede em Manaus, Estado do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.”(NR)

 

Art. 2.º Os Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões deverão ser instalados no prazo de 6 (seis) meses, a contar da promulgação desta Emenda Constitucional.

 

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

 

                        Com as alterações promovidas no texto constitucional, a Justiça Federal passará a se organizar, territorialmente, nas seguinte regiões:

 

Tribunal Regional Federal da 1ª Região– sede em Brasília e jurisdição no Distrito Federal e nos estados do Amapá, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí e Tocantins.

 

Tribunal Regional Federal da 2ª Região– sede no Rio de Janeiro e jurisdição nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

 

Tribunal Regional Federal da 3ª Região– sede em São Paulo e jurisdição no estado de São Paulo.

 

Tribunal Regional Federal da 4ª Região– sede em Porto Alegre e jurisdição no estado do Rio Grande do Sul

 

Tribunal Regional Federal da 5ª Região– sede em Recife e jurisdição nos estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

 

Tribunal Regional Federal da 6ª Região – sede em Curitiba e jurisdição nos estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

 

Tribunal Regional Federal da 7ª Região -com sede em Belo Horizonte e jurisdição no Estado de Minas Gerais.

 

Tribunal Regional Federal da 8ª Região – com sede em Salvador e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe.

 

Tribunal Regional Federal da 9ª Região – com sede em Manaus e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.

 

                        Antes mesmo da aprovação da aludida proposta de emenda à Constituição, a matéria já era objeto de discussão nos meios de comunicação, haja vista a expressa manifestação do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, contrária à possibilidade de criação dos novos Tribunais Regionais Federais.

 

                        Conforme notícia publicada no site do Supremo Tribunal Federal em 03 de abril de 2013[11], na avaliação do Ministro Joaquim Barbosa, “o volume crescente de demandas distribuídas ao Judiciário Federal e a necessidade de entrega célere da prestação jurisdicional não são premissas que levam à conclusão de que a criação de novos Tribunais Regionais Federais seja a única solução para esses problemas”.

 

                        O Ministro apontou como alternativa aos novos tribunais a instalação de Câmaras regionais ligadas aos Tribunais Regionais Federais já existentes, como forma de descentralizar o funcionamento da Justiça Federal no país, assegurando o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.

 

                        Essa alternativa está prevista no § 3º do artigo 107 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/2004:

 

Art. 107. (...)

 

§ 3º Os Tribunais Regionais Federais poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

                        Outro argumento contrário à criação dos novos Tribunais Regionais Federais, segundo o Ministro Joaquim Barbosa, seria o impacto orçamentário da medida, com a “ampliação gigantesca da estrutura pública”, e “enormes custos permanentes e sempre crescentes ao erário”.

 

                        Ainda de acordo com o Presidente do Supremo, o modelo federativo brasileiro prevê que não se coincida a competência territorial dos Tribunais Regionais Federais com os limites estritos dos estados-membros, de forma a não submeter a União e o julgamento das causas nas quais figure como parte a interesses locais, o que poderia vir a ocorrer nos tribunais da 3ª (São Paulo), 4ª (Rio Grande do Sul) e 7ª Regiões (Minas Gerais).

 

                        Não obstante a preocupação manifestada pelo Ministro Joaquim Barbosa, como dito acima, a PEC em questão foi aprovada, encontrando-se pendente apenas de promulgação, o que foi comemorado, dentre outros segmentos, pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE).

 

Conclusão

 

                        Em que pesem serem fundados os argumentos contrários à aprovação da PEC 544/2002, mormente no que concerne ao aumento de gastos decorrentes da implementação da modificação, é certo que a criação de novos Tribunais Regionais Federais consubstancia medida necessária num contexto de exponencial crescimento do acesso da população à justiça.

 

                        A Justiça Federal brasileira foi concebida num cenário em que a demanda pela prestação jurisdicional federal poderia ser classificado como pequena se comparada à Justiça dos Estados, que sempre esteve mais próxima do cidadão.

 

                        No entanto, esse cenário não existe mais.

 

                        Nas últimas décadas, o acesso da população ao Judiciário Federal – assim como o acesso à Justiça, como um todo – tem crescido de maneira vertiginosa,sendo cada vez mais comum o cidadão demandar a União, suas autarquias e empresas públicas, bem como ser demandado em execuções fiscais e ações penais de competência da Justiça Federal.

 

                        Assim, a aprovação da PEC 544/2002, ao que tudo indica, maximizará o processo de interiorização da Justiça Federal, na medida em que proporcionará aos cidadãos maior proximidade com os órgão de segunda instância, bem como viabilizará maior celeridade ao trâmite processual com o desafogamento de Tribunais que, como era o caso do TRF da 1ª Região, possuíam jurisdição em território continental.

 

Referências

 


[1]Disponível em: <www.planalto.gov.br> Acesso em: 05.04.2013.

[2]Disponível em: <www.planalto.gov.br> Acesso em: 05.04.2013.

[3]Disponível em: <www.planalto.gov.br> Acesso em: 05.04.2013.

[4]LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65/66.

[5]Disponível em: <www.planalto.gov.br> Acesso em: 05.04.2013.

[6]Disponível em: <www.trf1.jus.br> Acesso em: 05.04.2013.

[7]Disponível em: <www.trf2.jus.br> Acesso em: 05.04.2013.

[8]Disponível em: <www.trf3.jus.br> Acesso em: 05.04.2013.

[9]Disponível em: <www.trf4.jus.br> Acesso em: 05.04.2013.

[10]Disponível em: <www.trf5.jus.br> Acesso em: 05.04.2013.

[11]Disponivel em: <www.stf.jus.br> Acesso em 05.04.2013.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42814&seo=1>