A penhora na jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo


Pormarina.cordeiro- Postado em 02 maio 2012

Autores: 
PASSARELLI, Luciano Lopes

O registro da penhora é ou não pressuposto indispensável à configuração de fraude na alienação do bem imóvel penhorado?

Sumário: 1. Introdução. 2. Qualificação de Títulos Judiciais. 3. Penhora e princípio da continuidade. 4. Arresto e princípio da continuidade. 5. Penhora e princípio da especialidade. 6. A indisponibilidade do artigo 53, parágrafo primeiro, da Lei Federal 8.212/91. – 6.1 É possível o registro de Carta de Adjudicação de imóvel penhorado na forma acima referida? – 6.2 E na hipótese da penhora e/ou arrematação ter sido feita anteriormente à averbação da penhora da Fazenda Nacional? – 6.3 É possível penhorar imóvel já penhorado pela Fazenda Nacional? – 6.4 E o arresto em favor da Fazenda Nacional? Também gera indisponibilidade? – 6.5 É possível afastar a indisponibilidade gerada pela penhora em favor da Fazenda Nacional? – 6.6 Indisponibilidade e a nova Lei de Recuperação de Empresas. – 6.7 Indisponibilidade e a Fazenda Estadual. 7. Cancelamento "automático" da penhora. 8. Intimação do cônjuge. 9. A "averbação premonitória". 10. Depositário. 11. A fraude à execução: cancelamento do registro transmissivo ou ineficácia em face do exeqüente? 12. O princípio "tempus regit actum". 13. Prenotação anterior: o princípio da prioridade. 14. A penhora impede o registro de ato transmissivo na sua sequência? 15. E o arresto? 16. Falecimento do proprietário e penhora do imóvel sem prévia partilha. 17. Cancelamento de registro de penhora feito irregularmente. 18. Penhora de imóvel objeto de promessa de venda e compra. 19. Penhora de imóvel hipotecado cedularmente. 20. Obrigações propter rem. 21. É possível penhorar usufruto? 22. Penhora e falência. 23. Penhora: registro ou averbação?


1.Introdução

Segundo a lição de Luiz Manoel Gomes Junior, "a penhora é um ato processual cuja finalidade é reservar ou apreender bens de propriedade do devedor visando à satisfação daquilo que é postulado pelo credor em sede de demanda executiva"[1].

O Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 11.382/06, dispõe em seu artigo 659, parágrafo quarto:

 

§ 4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.

Comentando esse dispositivo, aduzem Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que:

o exequente pode providenciar o registro da penhora de bens imóveis, no cartório do registro imobiliário, independentemente de autorização ou de mandado judicial. O registro da penhora no registro de imóveis caracteriza presunção absoluta (juris et de jure) de que o ato da penhora chegou ao conhecimento de terceiros, dada a publicidade dos registros imobiliários. Esse registro não é condição para a existência, validade e eficácia do ato da penhora. Sua finalidade é dar conhecimento da penhora a terceiros.[2]

Diz mais Araken de Assis:

dessa disposição surge uma conclusão firme: os efeitos que descendem da penhora, nesta classe de bens, inter partes decorrem da constrição em si; e, perante terceiros, dependem do complemento registral.[3]

Francisco Antonio de Oliveira, estudando o tema sob a ótica do direito do trabalho, chegou à mesma conclusão, afirmando que:

com a modificação legal, firmou-se em definitivo a doutrina e a jurisprudência no sentido de que, sem o registro efetivo, não há efeito erga omnes e caberá ao credor a prova de que o terceiro não era de boa-fé.[4]

A penhora sobre bens imóveis deve, então, como consta do preceptivo legal, ser levada a registro. A dicção do texto revela tratar-se de obrigação do exequente para que a penhora seja oponível erga omnes. Veja-se: é obrigação do exequente, e não do juízo da execução. Tanto é assim que recente Provimento da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo alterou as "Normas de Serviço" dos Ofícios Judiciais, disciplinando que, realizada a penhora, deve o escrivão do feito extrair certidão do ato e entregá-lo ao exequente, para que este diligencie pela obtenção do registro da penhora.

Trata-se de alteração relevante nas Normas, que demonstra que a providência cabe ao exequente e, por isso, peço vênia para transcrever referido Provimento na íntegra:

Provimento CG N° 01/2009

Altera a redação do item 48, Capítulo IV, Tomo I, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

O Desembargador RUY PEREIRA CAMILO, Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais;

CONSIDERANDO a atual redação do § 4º do art. 659 do Código de Processo Civil, a qual foi conferida pela Lei 11.382/06,

CONSIDERANDO a necessidade de atualização das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça,

RESOLVE:

Artigo 1º - O item 48, Capítulo IV, Tomo I, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, passa a contar com a seguinte redação:

48. Realizada penhora de bem imóvel, por termo ou auto, será expedida pelo escrivão certidão de inteiro teor do ato, cabendo ao exequente providenciar a averbação no Cartório de Registro de Imóveis respectivo.

Artigo 2º - Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

São Paulo, 8 de janeiro de 2009.

Assim, dispondo o exequente de meios eficazes para publicizar a penhora sobre bens imóveis, em nome da boa-fé objetiva e dos deveres de lealdade e de informação que permeiam as relações jurídicas na atualidade, é seu dever dar a conhecer à coletividade a existência da constrição. Embora eficaz intra autos, independentemente do registro, podendo o imóvel ser levado à praça normalmente, não gozará a penhora de eficácia erga omnes antes de adentrar no álbum imobiliário. Dessa forma, eventual terceiro adquirente de boa-fé não poderá ser prejudicado pela penhora, se a mesma não foi noticiada no fólio real, pela desídia do credor.

Esse aspecto ganhou maior relevância ainda com a recente edição da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça:

O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

Um dos acórdãos-paradigma da referida Súmula, proferido nos autos do Recurso Especial 865.974-RS, 1ª Turma, relator o Ministro Teori Albino Zavascki, publicado no DJE de 10.09.2008, ficou consignado o seguinte:

[...] Toda a controvérsia gira em torno de se saber se o registro da penhora é ou não pressuposto indispensável à configuração de fraude na alienação do bem imóvel penhorado. Em nossa lei processual, a determinação de registro da penhora de bem imóvel surgiu, formalmente, com a inclusão, pela Lei 8.953/94, do § 4º ao art. 659. Entretanto, mesmo antes disso, a jurisprudência já considerava que o registro constituía prova segura e suficiente para elidir a presunção de boa-fé do adquirente do bem imóvel penhorado. Nesse sentido, aliás, dispunha o art. 245 da Lei 6.015/73 (a inscrição da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior). A esse respeito, a jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que, ante a ausência do registro da penhora, para que seja caracterizada fraude à execução, impõe-se ao credor o ônus de provar que o adquirente tinha ciência da constrição que pesava sobre o imóvel.

Pois bem. Meu objetivo neste trabalho é singelo. Trata-se apenas de reunir as decisões do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo que considero mais relevantes para a compreensão do tratamento que a matéria vem recebendo no âmbito desses órgãos censório-fiscalizatórios da atividade registral imobiliária, em ordem a elucidar algumas dúvidas mais rotineiras na praxis diária. Citarei também algumas decisões da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, cujo alcance, embora normativamente limitado à comarca da Capital, acabam espraiando-se mais longe, notadamente pelo grande apuro técnico-jurídico que pautam referidas decisões.

O interesse prático desse estudo é inegável. Ocorre que as decisões do CSM-SP e da Corregedoria Geral norteiam a atividade dos registradores imobilários em todo o Estado, porque vinculam tal atividade.

Ora, a Lei Federal 8.935/94, que é verdadeiro estatuto dos notários e registradores, já que traz a regulamentação legal da atividade, preceitua que é dever dos registradores observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente (artigo 30, inciso XIV). No Estado de São Paulo, o Decreto-Lei Complementar nº 3/69 (Código Judiciário) atribui essa competência às corregedorias permanentes (artigos 50 e 52) e Geral (artigo 246), e no caso específico do julgamento de procedimentos de dúvida registrária, ao Conselho Superior da Magistratura (artigo 64).

Essa obrigatoriedade de observância das decisões dos referidos órgãos, por parte dos registradores, fica evidente quando a própria decisão já consigna ter força normativa, ou quando consta das conhecidas Normas de Serviço editadas pelas corregedorias. Mas mesmo decisões que não consignam essa normatividade explicitamente, a meu aviso, também tem carga normativa. Refiro-me, nesse passo, aos acórdãos proferidos pelo Conselho Superior da Magistratura nos julgamentos de procedimentos de dúvida, regulados pelos artigos 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos.

Essa vinculação foi implicitamente admitida pelo CSM-SP nas hipóteses de julgamentos que envolviam apreciação de alegações de inconstitucionalidades.

Assim, v.g., na Apelação Cível 588-6/4, comarca de São João da Boa Vista, publicada no DOJ de 29.01.2007, assentou-se que

"... pacificou-se o entendimento de que a inconstitucionalidade não se reconhece nesta esfera administrativa, fora das formas jurisdicionais de controle. Com efeito, sedimentou-se a orientação, tanto no E. Conselho Superior da Magistratura (v.g. Aps. ns. 3.346-0, 4.936-0 e 20.932-0/0), quanto na Corregedoria Geral (v.g. Procs. ns. 274/93, 2038/94, 2374/97 e 1522/99), que a inconstitucionalidade não pode ser reconhecida na esfera administrativa pela ultratividade normativa da decisão, que faria o papel de um controle concentrado que só a ação direta, na jurisdição, enseja. Em outras palavras, o efeito normativo que decorreria do reconhecimento, nesta seara, de inconstitucionalidade, feriria a restritiva forma de, por meio do controle concentrado e contraditório das leis, se obter semelhante ultratividade da deliberação".

Chamo a atenção para a expressão "ultratividade normativa da decisão", que significa, a meu aviso, que a decisão deve ser observada pelos registradores em todo o território estadual, e faz assim as vezes de autêntico controle concentrado de constitucionalidade. E, observe-se, de grande eficácia, já que os registradores imobilários aplicam com rigor as decisões do Conselho Superior da Magistratura.

No recente parecer proferido pelo Dr. José Antonio de Paula Santos Neto, no Processo CG nº 2005/370, ao ensejo do lançamento da Coletânea Kollemata no âmbito do Programa Educartório da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, o parecerista fixou a respeito das decisões do CSM-SP, juntamente com as da Corregedoria Geral da Justiça, que é

[...] Sabido e consabido que, no círculo notarial e registral, ditos precedentes apresentam especial relevo, mesmo porque, por se navegar em águas administrativas, implicam balizamentos de observância necessária. São tijolos da disciplina construída para regrar atividades e corrigir percursos (o destaque em itálico é meu).

Já tive oportunidade de expressar que, a meu aviso,

No exercício dessa competência legal para fixar "normas técnicas", no Estado de São Paulo, os órgãos censório-fiscalizadores normalmente ditam normas de três modalidades, segundo me parece:

a) normas gerais e abstratas, normalmente condensadas nas conhecidas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça;

b) normas gerais e concretas, que são, segundo penso, aquelas emanadas da maioria das decisões do Conselho Superior da Magistratura, quando julga procedimentos de dúvida, e da Corregedoria Geral da Justiça, quando julga procedimentos administrativos que têm por objeto óbices opostos a títulos que devam ser averbados. São concretas porque dirigidas a determinado destinatário, e portanto, com todas as vicissitudes do caso concreto, mas são gerais porque, guardadas as peculiaridades do caso concreto, serão aplicadas em casos similares por todos os registradores paulistas, e daí sua incrível força multiplicadora. Essa circunstância é ressaltada pelo CSM-SP, por exemplo, quando nega-se a apreciar questões de constitucionalidade, dada a ultratividade da decisão, que acabaria fazendo as vezes de verdadeiro controle concentrado.

[...]

Mas, de fato, não se pode olvidar que cada decisão do CSM-SP em procedimento de dúvida, ou da Corregedoria em procedimentos administrativos "comuns", julga um caso concreto com suas particularidades, e talvez seja por isso que parte da doutrina, citada por Sérgio Jacomino, prefira falar em uma "quase normatividade" das decisões do Conselho[5].

De minha parte, entendo essa "quase normatividade" como referida ao aspecto que citei: a decisão deve ser lida com suas singularidades oriundas do caso concreto. Mas, se presente situação similar à que deu causa ao julgamento do CSM-SP, este deve ser aplicado, e é nesse sentido que essas decisões são, a meu aviso, construtoras de normas "gerais e concretas".

c) normas individuais e concretas: estas constituem a exceção. Claro que, no que diz respeito ao interessado imediato no caso sub judice, toda decisão é individual no sentido de que reflete-se na sua esfera jurídica, mas não é de aplicação geral por todos os registradores, justamente porque ocorre quando o CSM-SP expressamente consigna que a decisão é em caráter excepcional ou aplicada em face de peculiaridades especialíssimas do caso concreto.[6]

Colocados esses pressupostos, penso haver evidenciado o grande interesse prático de estudos como este. Claro que os utentes dos serviços registrais imobiliários podem insurgir-se contra a forma como as questões aqui abordadas restaram decididas, mas é assim que os registros imobiliários tratarão essas questões, devendo eventuais inconformismos serem deduzidos nas esferas competentes.


2.Qualificação de títulos judiciais

A qualificação dos títulos que lhe são apresentados para registro é a própria razão de existir do Registrador Imobiliário.

A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo já assentou no Processo CG 2007/28083, publicado no DOE de 25 de fevereiro de 2008, que

"ao Oficial de Registro de Imóveis compete promover o processo de registro observando o disposto nos artigos 182 e seguintes da Lei de Registros Públicos e sendo negativa a qualificação agir na forma prevista no artigo 198 da mesma Lei, para que o apresentante possa, a seu critério, solicitar a suscitação de dúvida".

Já na Apelação Cível 373-6/3, comarca da Capital, publicada no DOE de 01.11.2005, o Conselho Superior da Magistratura decidiu

"assistir ao registrador o direito e dever de proceder à qualificação dos títulos levados a registro, seja ele judicial ou extrajudicial, dentro das normas e princípios registrários. Assim determina o item 106, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça também assegura que ‘incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais’".

"De início, cumpre reafirmar, em conformidade com o entendimento tranqüilo deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, que o fato de o título apresentado a registro ter origem judicial não o torna imune à qualificação registral pelo oficial registrador, no que concerne à observância dos princípios e regras próprias à matéria. O exame da legalidade, nesses casos, não promove a incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas tão-só relativamente à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental" (Apelação Cível 537-6/2, comarca de São Bernardo do Campo, DOE de 20.10.2006).

Já se decidiu, por exemplo, que Cartas de Arrematação não podem vulnerar o princípio da continuidade (Apelação Cível 283-6/2, comarca de Cotia, DOE de 11.03.2005).

Aliás, a qualificação dos títulos que lhe são apresentados, inclusive os judiciais, é obrigação normativa dos registradores, constando do item 106, capítulo XX, do Provimento CG 58/89 (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo), que "incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais", lembrando que a Lei Federal 8.935/94 estabelece em seu artigo 30, inciso XIV, ser dever dos oficiais de registro "observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente".

Destarte, o dever de qualificação de títulos judiciais, por parte do registrador, encontra eco inclusive no Superior Tribunal de Justiça, que já decidiu no seguinte sentido:

"Justiça laboral e juiz corregedor de registros públicos. Inscrição da penhora no registro imobiliário. Imóvel alienado em fraude de execução e registrado em nome de terceiro. Validade da penhora e prosseguimento da execução. Atividade jurisdicional e administrativa. Conflito inexistente. I. O registro da penhora no álbum imobiliário é ato de natureza administrativa, sujeito à prévia verificação de legalidade pelo juiz corregedor de registros públicos. II. Em face do princípio da continuidade, acertada é a decisão que obsta a inscrição da penhora no registro de imóvel não lançado no nome do executado. III. A ausência de registro da penhora não interfere com a validade e a eficácia desse ato, podendo a execução prosseguir normalmente em direção à excussão do bem. IV. Inexiste conflito entre o juízo da execução e o juízo correicional, quando o primeiro se encontra no exercício pleno de sua função jurisdicional e o segundo exercendo atividade administrativa"[7].

Por fim, consigne-se que o Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo fixou que a "qualificação" é o procedimento administrativo através do qual o Oficial Registrador verifica se o título que lhe foi apresentado reúne os requisitos necessários para adentrar no fólio real. A qualificação registrária é um exame objetivo, de confronto entre o conteúdo do fólio real e o do título causal[8] mas não é, contudo, um simples processo mecânico, chancelador de atos já praticados, mas parte, isso sim, de uma análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre os assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou extrajudiciais), sempre feita à luz das normas cogentes em vigor[9]. Cabe ao Oficial Registrador qualificar inclusive títulos judiciais, para apontar eventual hipótese de incompetência absoluta da autoridade judiciária, aferir a congruência do que se ordena, apurar a presença de formalidades documentais e, finalmente, analisar a existência de eventuais obstáculos registrários[10], sendo certo que se o Oficial não pode ingressar na análise dos fundamentos das decisões judiciárias, por outro lado estas não podem compelir a que se torne efetiva a inscrição de título não subordinado à inscrição, ou que contenham defeitos em antinomia à inscrição[11].

3.Penhora e princípio da continuidade

A inobservância do princípio da continuidade é um dos óbices mais comuns ao ingresso de penhoras no Registro Imobiliário. Não é objetivo deste trabalho discorrer longamente sobre esse princípio, mas anoto brevemente que, no dizer de Afrânio de Carvalho,

"o princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular"[12].

Isso significa afirmar, como o faz Narciso Orlandi Neto, que

"os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet"[13].

De se invocar, ainda, a lição de José Manoel García e Garcia, para quem o "principio de tracto sucesivo" significa que

"para que se puede inscribir, anotar, cancelar o consignar por nota marginal un derecho o una situación jurídica inscribible, es necessário que conste previamente inscrito o anotado dicho derecho a nombre de la persona que otorgue o en cuyo nombre se otorgue el acto o contrato o contra la cual se dirija un procedimiento judicial o administrativo"[14].

Esse princípio está positivado nos artigos 195 e 237 da Lei de Registros Públicos.

Há constantes tentativas de tangenciar esse princípio, notadamente quando há pretensão de registro de penhoras e consequentes arrematações, não se encontrando o imóvel em nome do executado. Olvidam aqueles que se levantam contra a observância rigorosa desse princípio que ele é a viga mestra do sistema que outorga segurança jurídica às transações imobiliárias. Desfigurá-lo significaria destruir o próprio sistema, o que redundaria em consequências funestas para toda a sociedade.

 

O Conselho Superior da Magistratura tem atuado de forma firme com relação à observância do princípio da continuidade. Dentre vários acórdãos, cito o proferido na Apelação Cível nº 248-6/3, comarca da Capital, publicado em 20 de abril de 2005, em caso onde se pretendeu o registro de penhora sobre direitos de compromissário comprador, relativo a contrato de promessa de venda e compra não registrado, sob o argumento, dentre outros, de que o juízo da execução teria reconhecido a existência do indigitado contrato. Mas, por óbvio, não basta que o contrato exista, ele deve estar registrado, pois é o registro que constitui o direito real inter vivos no nosso ordenamento jurídico, como se vê do artigo 1.245 do Código Civil. Daí que o Conselho Superior da Magistratura manteve a negativa de ingresso da penhora no fólio real, averbando que "o prévio registro do contrato de compromisso de compra e venda é requisito para o registro da penhora que recaiu sobre os direitos que são titulares os compromissários compradores".

E há que se verificar também a extensão dos direitos do executado. Não adianta o executado figurar como titular de certo direito sobre o imóvel e a penhora referir-se a direito de conteúdo diferente. Assim, por exemplo, na Apelação Cível 283-6/2, comarca de Cotia, DOE de 11.03.2005, negou-se o registro de Carta de Arrematação que instrumentalizava a arrematação do imóvel, quando na verdade o executado detinha apenas os direitos de compromissário comprador, pertencendo o domínio a terceiro estranho à execução.

Outra decisão bastante ilustrativa foi proferida nos autos da Apelação Cível 373-6/3, comarca da Capital, publicada no DOE de 01.11.2005, onde o CSM-SP fixou a imprescindibilidade da averbação do nome do cônjuge e do óbito do proprietário, em face das evidentes repercussões patrimoniais desses eventos. Nessa mesma decisão, enfatizou o CSM-SP que o fato de a transmissão ser voluntária ou forçada em nada altera o entendimento nela consignado.


4.Arresto e princípio da continuidade

Seria desnecessário abrir este tópico específico. Na verdade, nenhum título que pretenda aceder ao registro imobiliário forra-se à observância do princípio da continuidade, com exceção dos títulos ditos "originários", assim chamados porque inauguram nova cadeia filiatória, como ocorre, v.g., com a usucapião.

Mas é bom enfatizar esse aspecto, dada a frequência com a qual essa questão bate às portas dos registradores imobiliários e dos órgãos censório-fiscalizatórios.

Dessa forma, também o arresto e o sequestro, por extensão, não estão imunizados da observância estrita ao trato sucessivo registral.

Na já referida Apelação Cível 373-6/3, comarca da Capital, publicada no DOE de 1.11.2005, e com relação específica ao arresto, o CSM-SP assentou, por exemplo, a imprescindibilidade da averbação do nome do cônjuge do proprietário, já que

"na vigência da Lei nº 6.015/73 não é possível admitir o registro de certidão de arresto em matrícula em que não figura o nome do cônjuge do executado quando este, por sua vez, está qualificado no registro imobiliário como sendo casado, por ofender o princípio da continuidade. Este Conselho já reconheceu em outra oportunidade a necessidade da averbação do nome do cônjuge na hipótese de constrição judicial: ‘O princípio da continuidade registrária impõe um encadeamento perfeito de titularidade, a medida em que somente é possível a inscrição de um direito se o transmitente constar do fólio real, em momento imediatamente anterior, como seu titular. Nesse sentido, tornou- se pacífico o entendimento de que a prévia averbação do casamento e do óbito é indispensável ao registro da transmissão feita por quem está qualificado simplesmente como "casado", sem qualquer outro dado qualificativo, porquanto tais fatos apresentam evidentes reflexos patrimoniais, cuja publicidade é do interesse geral.’ (Ap. Cível n. 40.016-0/6, Comarca de Catanduva, rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 17.10.97)".


5.Penhora e princípio da especialidade

Assim como se disse sobre a continuidade, também a inobservância do princípio da especialidade é causa comum de desqualificação de mandados ou certidões de penhora.

Em conceituação breve temporis e mais uma vez com auxílio do magistério de Afrânio de Carvalho, tem-se que o princípio da especialidade significa que "toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado"[15]. No dizer de José Manoel García e Garcia, trata-se do princípio "en virtud del cual todos los elementos de la publicidad inmobiliaria, la finca, el derecho, el titular, el título y el asiento, están sujetos a la idea de claridad, de tal modo que han de estar perfectamente identificados y clarificados"[16].

Esse princípio vem positivado no artigo 176 da Lei de Registros Públicos, e o artigo 225 do mesmo diploma legal disciplina que sua observância é devida não só em escrituras públicas ou instrumentos particulares, mas também em títulos judiciais, prescrevendo in verbis:

"Art. 225. Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário."

Há diversos julgados do CSM-SP sobre esse tema. Assim, v.g., decidiu-se na Apelação Cível 293-6/8, comarca de Cotia, publicada no DOJ de 11.03.2005, que o registro feito sem que haja certeza sobre a especialização do imóvel traz

"insegurança e incerteza, incompatíveis com os registros públicos [...] Ensina Afrânio de Carvalho que ‘o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa lugar determinado no espaço, que é abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as reais definidoras da entidade territorial’ (Registro de Imóveis, 4ª edição, Editora Forense)".

Aduziu referida decisão, logo na sequência, que

"não basta que a descrição da parcela segregada seja feita, no título, com o apuro técnico e referência a marcos físicos; mas é preciso que, confrontada com a descrição do registro anterior, referente a maior área, desvele sua possibilidade de situação geográfica. Se não se exigisse essa localização, se fora bastante a mera descrição constante do título, não haveria limites à criação de novos imóveis, à margem da segurança imposta pela especialidade registral".


6.A indisponibilidade do artigo 53, parágrafo primeiro, da Lei Federal 8.212/91

A Lei Federal 8.212, de 24 de Julho de 1991, que regulamenta o custeio da Previdência Social, dispõe no seu artigo 53 que "na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exeqüente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor".

Para o que nos interessa mais de perto, o parágrafo primeiro do mesmo artigo vem acrescentar que "os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis".

A matéria já foi objeto de várias decisões do Conselho Superior da Magistratura, e as questões mais frequentes referem-se a saber o seguinte.

6.1 É possível o registro de Carta de Adjudicação de imóvel penhorado na forma acima referida?

Na Apelação Cível nº 743-6/2, comarca de Assis, publicada no DOE de 27 de novembro de 2007, o CSM-SP assentou que "já de há muito sedimentado, diga-se em primeiro lugar, o entendimento de que enquanto não liberadas as constrições impostas em decorrência de penhoras concretizadas em execuções fiscais movidas pela Fazendo Nacional, impossível o acesso de Carta de Arrematação", aduzindo logo na sequência que imóveis penhorados em processo executivo ajuizado pela Fazenda Nacional[17] ficam mesmo indisponíveis.

Isso porque a natureza jurídica da "indisponibilidade" é de forma especial de inalienabilidade.

O fato de tratar-se de alienação forçada em nada altera essa conclusão, conforme fixou o CSM-SP no julgamento da Apelação Cível 386-6/2, comarca da Capital, publicada no DOJ de 29.11.2005, asseverando que "a lei não faz distinção quanto à abrangência da indisponibilidade, que atinge tanto os atos voluntários de alienação, quanto os de venda judicial forçada".

6.2 E na hipótese da penhora e/ou arrematação ter sido feita anteriormente à averbação da penhora da Fazenda Nacional?

No mesmo acórdão acima referido também se consignou que o fato da penhora e da arrematação serem anteriores à averbação da penhora da Fazenda Nacional é irrelevante. Quanto a isso, podemos acrescentar que o Registro de Imóveis é mesmo informado pelo princípio do "tempus regit actum": prevalece a data do registro[18]. Aliás, é bom que se diga, esse princípio atua como sanção ao adquirente e ao credor desidioso, que não cumpre com sua obrigação[19] de registrar seus títulos, e assim assume o risco de outro título que lhe seja contraditório adentrar primeiro no registro de imóveis.

Nessa esteira, fixou-se no acórdão sob comento que

"de outra parte, ante o sistema constitutivo que caracteriza o registro de imóveis, além disso marcado pelo princípio do encadeamento subjetivo e objetivo dos atos lá assentados, importa, para verificação da disponibilidade e continuidade, que se apure a data do registro da penhora em relação ao ingresso da arrematação" (destaque meu), acrescentando mais que "se antes registrada a constrição, mesmo que depois da efetivação da data da alienação judicial, mas não levada oportunamente ao fólio, não poderá mais sê-lo a posteriori".

Aliás, a bem da verdade, deve-se lembrar que não é o registro da penhora que produz a indisponibilidade na hipótese de incidência do artigo 53 da Lei 8.212/91: esse efeito decorre da realização da penhora nos autos da ação de execução, como chamou a atenção expressamente o CSM-SP na Apelação Cível 556-6/8, comarca de Marília, publicada no DOJ de 29.09.2006, aduzindo que "pelo texto da lei (artigo 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91), o que gera a indisponibilidade dos bens é a penhora (ato de constrição que se aperfeiçoa no processo de execução fiscal), não seu registro, que tem efeito de mera notícia".

6.3 É possível ao menos penhorar imóvel já penhorado pela Fazenda Nacional?

Quanto a essa questão, durante um longo tempo o CSM-SP posicionou-se pela impossibilidade de outra penhora recair sobre o imóvel, entendendo que a indisponibilidade abrangia tanto a indisponibilidade quanto a impenhorabilidade. Contudo, e na esteira de decisões do Superior Tribunal de Justiça, o CSM-SP alterou essa posicionamento, a partir do julgamento da Apelação Cível nº 411.6/8-00, comarca de São José do Rio Preto, publicada no DOJ de 29.09.2006, para admitir nova penhora, ficando vedada então apenas o registro da arrematação[20].

A Corregedoria Geral da Justiça decidiu no mesmo sentido, em caso concreto envolvendo indisponibilidade decretada em sede de Ação Civil Pública (Processo CG nº 66.449/2008, publicada no DOJ de 28.01.2009), assim ementada:

"REGISTRO DE IMÓVEIS. Averbações de penhoras de imóveis – Bens considerados indisponíveis por força de decisões judiciais proferidas em ações civis públicas – Indisponibilidades que não impedem novas penhoras sobre os mesmos imóveis – Ressalva quanto à impossibilidade de arrematações dos bens enquanto perdurarem as indisponibilidades – Exigência acertada, porém, quanto à necessidade de intimação do cônjuge a respeito das penhoras, previamente às averbações destas últimas – Óbice mantido – Recurso não provido."

6.4 E o arresto em favor da Fazenda Nacional? Também gera indisponibilidade?

Assim como a penhora em favor da Fazenda Nacional impede a transmissão forçada do imóvel, o arresto também tem o condão de deixar o imóvel indisponível, como ficou consignado, v.g., na sentença proferida nos autos do processo nº 583.00.2006.227640-2, da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, publicada no DOE de 27.04.2007, que assentou que

"ainda que não se confunda arresto e penhora, porquanto o arresto na execução é medida de caráter cautelar, que antecede a citação do devedor e se destina a garantir a execução, caso o devedor não encontrado e citado por edital não faça o pagamento no prazo legal, quando o arresto será convertido em penhora, tal como está estatuído nos artigos 653 e 654, do Código de Processo Civil, o certo é que no caso dos autos, em se tratando de execução fiscal por dívida ativa da União, aplica-se a disposição especial daquele referido diploma legal, quando a penhora e a conseqüente indisponibilidade do bem penhorado ocorre desde logo, concomitantemente com a citação do devedor. Desse modo, indisponíveis os imóveis das matrículas referidas na dúvida suscitada, a recusa é de ser mantida, porque intransponível o obstáculo que se opõe à pretensão de registro".

Contudo, na esteira do que se apontou no item anterior, e pelas mesmas razões, é possível o registro de novo arresto ou nova penhora em favor de outro credor, ficando vedado, apenas, o registro da arrematação ou adjudicação.

Ressalte-se que só o arresto em favor da Fazenda Nacional tem o efeito descrito. Se for feito em favor de outro credor que não a Fazenda Nacional, o registro do arresto não impedirá a alienação ou nova constrição do imóvel.

Assim, na Apelação Cível nº 641-6/7, comarca de São José dos Campos, publicada no DOE de 04.04.2007, discutiu-se a pertinência da negativa do registro de uma escritura de venda e compra, pelo entendimento de que o arresto previamente averbado nas matrículas, por determinação judicial oriunda de medida cautelar atrelada à ação civil pública, acarretara a indisponibilidade dos bens.

A dúvida foi julgada improcedente,

"porque o arresto, em si, sem previsão legal específica ou provimento jurisdicional que amplie seus efeitos, não gera indisponibilidade. Com efeito, ‘indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à ordem de inalienabilidade’ (CSM, Ap. Cív. nº 29.886-0/4 - SP, Rel. Des. Márcio Bonilha). Logo, indisponibilidade, que excepciona a regra da disponibilidade, depende de lei ou de decisão judicial que a imponha: pressupõe ato de império que lhe dê suporte jurídico de exceção".

Acrescentou o r. acórdão, logo na sequência, que

"arresto é medida cautelar que importa em constrição judicial de garantia e futura execução por quantia certa, diante de hipótese de perigo à eficácia do processo executivo prescrita em lei (artigo 813 do Código de Processo Civil), que, aliás, comporta ingresso no fólio real por ato de registro (artigo 167, I, nº 5, da Lei de Registros Públicos), não por ato de averbação. Logo, tal como a penhora, o arresto não gera indisponibilidade e, assim, não é óbice ao registro de título de transmissão do bem constrito".

6.5 É possível afastar a indisponibilidade gerada pela penhora em favor da Fazenda Nacional?

Embora o registrador deva qualificar os títulos que lhe são apresentados, inclusive os judiciais, para verificar a observância dos princípios informadores do registro imobiliário, a congruência da ordem e os aspectos formais do título, por óbvio que não lhe cabe adentrar no mérito da decisão judicial.

Assim, se lhe for apresentado, por exemplo, mandado determinando o registro de Carta de Arrematação ou Adjudicação em favor de outro credor, afastando a indisponibilidade referida no artigo 53 da Lei 8.212/91, por certo que o registrador deverá cumprir o mandado.

Mas a ordem deverá ser expressa e isenta de dúvidas sobre seu conteúdo e alcance.

Não havendo ordem judicial expressa, deverá ser feito o cancelamento do registro da penhora, o que também se dará por mandado do juízo da execução.

Nesse sentido, na Apelação Cível nº 911-6/6, comarca da Capital, publicada no DOJ de 11.12.2008, v.g., restou decidido que

"enquanto não se der o levantamento da indisponibilidade referida, na esfera jurisdicional, mantém-se íntegro o óbice oposto pelo Registrador (Ap. Cív. n. 80.106-0/0 rel. Des. Luís de Macedo). O empecilho, portanto, conforme se vê, não diz respeito, propriamente, ao apontado privilégio da União e do INSS, que restaria superado com a sub-rogação de tais entes no produto da arrematação. O que impede o registro é a indisponibilidade dos bens".

A respeito, conferir também o acórdão proferido na Apelação Cível 321-6/7, comarca de São Pedro, publicado no DOE de 25.05.2005, onde essa questão foi agitada.

Enfatize-se que a ordem de cancelamento deve ser oriunda do próprio juízo que determinou a penhora do bem. Não é possível o cancelamento administrativo da penhora, sendo então equivocado requerê-lo diretamente às Corregedorias Permanentes dos Registradores, como bem apontou a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, em decisão proferida nos autos do protocolo CG nº 11.394/2006, publicada no DOJ de 29.01.2007, assim ementada:

REGISTRO DE IMÓVEIS

1. Cancelamento automático ou por decisão administrativa da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça de penhoras, arrestos e seqüestros anteriores, a partir do registro da arrematação ou adjudicação do bem constrito realizada em ação de execução - Inadmissibilidade - Necessidade de ordem judicial expressa oriunda do juízo que determinou a constrição - Impossibilidade de desfazimento, pela via administrativa, de registro de ato constritivo determinado na esfera jurisdicional - Consulta conhecida, com resposta negativa.

2. Cancelamento automático ou por decisão administrativa da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça de indisponibilidade de bens imóveis em virtude de arrematação ou adjudicação destes em ação de execução - Inadmissibilidade - Indisponibilidade que implica inalienabilidade, a obstar o ingresso no fólio real da carta de arrematação ou de adjudicação e, por via de conseqüência, o cancelamento da restrição - Consulta conhecida, com resposta negativa.

6.6 Indisponibilidade e a nova Lei de Recuperação de Empresas

Em caso concreto que considero interessante houve pretensão de registro de carta de arrematação de imóvel penhorado em favor da Fazenda Nacional sob o argumento de que a Lei Federal 11.101/05, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, teria superado a indisponibilidade da Lei 8.212/91, posto ter colocado o crédito tributário apenas em terceiro lugar da ordem de preferência.

Na decisão, constante do r. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível 386-6/1, comarca da Capital, publicado no DOJ de 29.11.2005, o CSM-SP afastou esse entendimento expressamente, averbando que

"por fim, quanto à alegação de que a preferência do crédito tributário não mais subsiste após a égide da Lei n. 11.101/2005, razão assiste ao ilustre representante do Ministério Público em seu parecer de fl. 112: a nova lei não afetou a preferência legal, limitando-se a classificar os créditos na falência (art. 83), o que não é o caso".

6.7 Indisponibilidade e a Fazenda Estadual

A indisponibilidade gerada pela penhora da Fazenda Nacional é oponível inclusive em face da Fazenda Estadual, conforme decidido na Apelação Cível 588-6/4, comarca de São João da Boa Vista, publicada no DOJ de 29.01.2007.

 

7.Cancelamento "automático" da penhora

Uma questão que sempre surge nas lides diárias do registro imobiliário é a pretensão de cancelamento "automático" do registro da penhora, o que seria, segundo seus defensores, corolário da arrematação do imóvel em hasta pública.

A Corregedoria Geral da Justiça já enfrentou o problema, concluindo pela inviabilidade desse cancelamento administrativo ao arrepio da necessária determinação do juízo da execução que ordenou o registro.

Com efeito, assentou aquele órgão censório-fiscalizatório, no Processo CG nº 116/2007, publicado no DOE de 6 de agosto de 2007, que

"não se admite o cancelamento automático ou por decisão administrativa do Juiz Corregedor, Permanente ou Geral, de penhoras, a partir de registro da arrematação ou adjudicação do bem constrito, havendo necessidade de ordem judicial expressa dos juízos que determinaram as constrições em respeito ao princípio do paralelismo das formas: desfazimento de ato constritivo oriundo da via jurisdicional exige determinação igualmente jurisdicional, que não se pode suprir na via administrativa".

A interessante decisão, na verdade, pontifica que o cancelamento do registro da penhora, havendo arrematação ou adjudicação, é despiciendo. Citando as lições de Afrânio de Carvalho, ficou fixado na decisão que

"são duas as espécies de cancelamento das inscrições imobiliárias: uma, direta, dependente de assento negativo; outra, indireta, consistente na ressonância de inscrições subsequentes sobre as anteriores. Assim, o registro da arrematação (para o caso, o da adjudicação) não reclama o cancelamento direto e autônomo dos registros das constrições precedentes, porque ele se afeta negativamente pela inscrição mais nova [...] Observe-se, por fim, que, no cancelamento indireto, é despicienda, em regra, a elaboração de assento negativo".

Na sequência, porém, estabelece ser possível o cancelamento direto (rectius: o lançamento na matrícula de assento negativo), embora desnecessário, para o fim de facilitar a leitura dos atos registrais para os leigos. Para tanto, porém, como se disse acima, é necessária ordem expressa do respectivo juízo da execução (mandado de cancelamento de registro).

 

Essa impossibilidade de cancelamento "automático" também se aplica, como desenvolvimento lógico da idéia, aos arrestos e sequestros, conforme se vê da decisão proferida no Protocolado CG nº 11.394/06, publicado no DOE de 29.01.2007, assim ementado:

1. Cancelamento automático ou por decisão administrativa da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça de penhoras, arrestos e seqüestros anteriores, a partir do registro da arrematação ou adjudicação do bem constrito realizada em ação de execução - Inadmissibilidade - Necessidade de ordem judicial expressa oriunda do juízo que determinou a constrição - Impossibilidade de desfazimento, pela via administrativa, de registro de ato constritivo determinado na esfera jurisdicional - Consulta conhecida, com resposta negativa. 2. Cancelamento automático ou por decisão administrativa da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça de indisponibilidade de bens imóveis em virtude de arrematação ou adjudicação destes em ação de execução - Inadmissibilidade - Indisponibilidade que implica inalienabilidade, a obstar o ingresso no fólio real da carta de arrematação ou de adjudicação e, por via de conseqüência, o cancelamento da restrição - Consulta conhecida, com resposta negativa. Protoc. CG nº 11.394/2006. No mesmo sentido: Proc. CG 312/2006.


7.Intimação do cônjuge

O parágrafo segundo do artigo 655 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 11.382/02, disciplina que "recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado".

É vetusta também a posição do CSM-SP no sentido de que a intimação do cônjuge é "exigência legal" e que "deve ser comprovada para permitir o acesso do título ao fólio real, pena de violação ao princípio da legalidade, cujo exame cabe ao registrador", conforme se verifica do r. acórdão proferido na Apelação Cível 537-2/6, comarca de São Bernardo do Campo, publicado no DOE de 20.10.2006. No mesmo acórdão assentou mais o CSM que a

"ausência da intimação do cônjuge vulnera ainda o princípio da continuidade registrária, daí porque ser imprescindível constar expressamente a intimação. A consignação da intimação da penhora no mandado é requisito essencial do título", e ainda que "em obediência ao princípio da legalidade e da continuidade, para que a penhora ingresse no fólio real, se faz necessário que antes o cônjuge seja intimado da constrição, medida sem a qual a mulher não se torna parte na execução, e não se sujeita aos seus efeitos".

É digno de nota a ênfase do CSM-SP para que a intimação do cônjuge deva "constar expressamente do mandado levado a registro".

Sobre esse tema é bom ressaltar que o acórdão faz referência ao artigo 669, parágrafo único do Código de Processo Civil, mas que a alteração promovida pela Lei 11.382/06, deslocando a previsão da intimação do cônjuge para o artigo 655, parágrafo segundo, em nada alterou o quadro delineado no acórdão sob comento. Afora a mudança topográfica, a única alteração na redação foi a substituição de "devedor" por "executado".

A Egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo também secundou este entendimento, em decisão recente proferida no Processo CG nº 66.449/2008, publicada no COJ de 28.01.2009, assim ementada:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Averbações de penhoras de imóveis – Bens considerados indisponíveis por força de decisões judiciais proferidas em ações civis públicas – Indisponibilidades que não impedem novas penhoras sobre os mesmos imóveis – Ressalva quanto à impossibilidade de arrematações dos bens enquanto perdurarem as indisponibilidades – Exigência acertada, porém, quanto à necessidade de intimação do cônjuge a respeito das penhoras, previamente às averbações destas últimas – Óbice mantido – Recurso não provido.


8.A averbação "premonitória"

Introduzido no Código de Processo Civil pela Lei Federal nº 11.382/06, o novel artigo 615-A prevê que

"o exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória o ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto".

Da leitura singela do dispositivo salta ictu oculi que a averbação nele referida restringe-se às execuções (e também, por evidente, ao início da fase de cumprimento de sentença).

A Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo já enfrentou pretensão de averbação de ajuizamento de ação de conhecimento, na qual se discutia o contrato de compra e venda firmado entre as partes, decidindo, nos autos do processo nº 583.00.2007.193644-7, conforme sentença publicada no DOE de 25 de março de 2008, com relação à aludida pretensão, que

"é certo que a lei 11.382 de 2006 trouxe ao ordenamento jurídico a possibilidade de averbação da certidão comprobatória do ajuizamento da execução, contudo não se aplica ao caso concreto. O texto legal explicita que esta certidão deve tratar de ação de execução e não de outra qualquer, não cabendo, neste caso, interpretação por analogia, pelo princípio da legalidade. Note-se, inclusive, que este artigo foi acrescido ao título II do Código de Processo Civil que trata exclusivamente Das Diversas Espécies de Execução. Portanto, não há vínculo processual entre as partes que mereça registro tabular. Cabe ressaltar que a publicidade da ação ordinária se dará no próprio distribuidor forense".

A sentença ressaltou ainda que a previsão do artigo 167, I, alínea 21, da Lei de Registros Públicos, que permite o registro das "citações" de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis, não comporta um alargamento hermenêutico para incluir outras hipóteses que não essas expressamente referidas no dispositivo legal.


9.Depositário

Um dos requisitos que deve constar do registro da penhora é a indicação do depositário dos bens.

De fato, prescreve o artigo 239 da Lei de Registros Públicos que

"as penhoras, arrestos e sequestros de imóveis serão registrados depois de pagas as custas do registro pela parte interessada, em cumprimento de mandado ou à vista de certidão do escrivão, de que constem, além dos requisitos exigidos para o registro, os nomes do juiz, do depositário, das partes e a natureza do processo".

Acrescenta o artigo 665 do Código de Processo Civil:

Art. 665. O auto de penhora conterá:

[...]

IV – a nomeação do depositário dos bens.

Sendo assim, em atenção ao princípio da legalidade, não há como dispensar no registro a indicação do depositário dos bens. Sua ausência acarretará a devolução do mandado ou certidão para correção.

Exatamente nesse sentido decidiu o Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 396-6/8, da comarca de Campos do Jordão, publicada no DOE 23.09.2005, arribado na lição de Araken de Assis, afirmando que o

"depositário representa elemento estrutural e funcional da penhora, sempre presente no processo de execução. O depositário exerce função auxiliar ao Juízo, a partir de um negócio jurídico processual celebrado com o Estado-Juiz, passando a exercer a posse direta da coisa, o que o legitima para o emprego de interditos possessórios, para os atos de conservação e administração da coisa penhorada. O nome do depositário, nesse sentido, obrigatoriamente, deve constar do título judicial lastreador do registro da penhora, o que encontra previsão tanto na norma processual supra referida, quanto, também, expressamente, no artigo 239 da Lei 6.015/73".

Interpretou o CSM-SP que a nova redação dos artigos 659 e 669 do Código de Processo Civil na verdade vieram reforçar a independência da penhora e do registro, no sentido de que a penhora, mesmo sem o registro, vale inter partes no processo, de sorte que este último segue seu curso normal após a lavratura do termo ou auto de penhora, com o transcurso do prazo para embargos e ainda com a realização dos atos expropriatórios, independentemente do registro da constrição.

Destarte, nos termos do artigo 659, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 11.382/06, o registro da penhora destina-se a torná-la oponível erga omnes, mas não é requisito para o prosseguimento do curso normal da execução. São aspectos independentes, portanto. Para o registro, embora já realizada nos autos e válida inter partes, não é possível prescindir-se do atendimento dos requisitos exigidos pela Lei de Registros Públicos, dentre eles a indicação do depositário.


10.A fraude à execução: cancelamento do registro transmissivo ou ineficácia em face do exequente?

Uma situação cotidiana na práxis registral imobiliária é a penhora recair sobre imóvel que não mais se encontra registrado em nome do executado, o que, em observância ao princípio da continuidade que informa o sistema, impede o registro do ato constritivo. Havendo, contudo, o reconhecimento de que a transmissão se deu com fraude à execução, o juiz da execução poderia, em tese, decretar o cancelamento do respectivo registro, para que a titularidade do imóvel retornasse ao estado anterior.

Nada obstante, o CSM-SP alinha-se com a posição doutrinária de Candido Rangel Dinamarco, citada no acórdão proferido nos autos da Apelação Cível 748-6/5, comarca de Monte Azul Paulista, publicada no DOJ de 28.11.2007, onde apontou que

"quanto aos limites do reconhecimento da fraude à execução, explica Cândido Rangel Dinamarco que, em tal hipótese: ‘não há anulação do negócio jurídico, pois não se trata de anulabilidade. A ineficácia não atinge o efeito central do negócio, como é o de transmitir o domínio. O bem continuará constrito e poderá então ser alienado em hasta pública, em que pese ser seu legítimo dono o terceiro adquirente’ (Execução Civil, 8ª edição, Editora Malheiros)".

Prossegue o acórdão assentando que

"reconhecida fraude à execução – e, em conseqüência, a ineficácia da alienação em relação ao credor-exequente – torna-se o terceiro adquirente responsável patrimonial. Quer isto dizer que aquele seu patrimônio responde pelo cumprimento da obrigação inadimplida. Pois bem, como lembra o recorrente, não há nulidade a justificar o cancelamento daquele registro".

Portanto, a decretação da ineficácia da alienação em face do credor-exequente é medida menos gravosa ao terceiro adquirente, evitando-se assim o cancelamento e suas consequências mais drásticas. Havendo a decretação da ineficácia, o imóvel permanece na titularidade do terceiro adquirente, mas permite-se que a execução prossiga tendo por objeto o imóvel. São nítidas as vantagens sobre o cancelamento puro e simples: adimplida a dívida, basta cancelar a averbação de reconhecimento da ineficácia, ao passo que se o registro houvesse sido cancelado, seria necessário promover novo registro ou, no dizer do acórdão acima referido,

"a medida atenta, ainda, princípio de ordem prática. É que eventualmente ocorrendo cumprimento da obrigação sem que o bem seja excutido (e o adquirente, responsável patrimonial, pode até ter interesse para desonerar o bem), bastará singelo cancelamento do ônus".

Além disso, retornando o imóvel ao patrimônio do transmitente devedor, abrir-se-ia a oportunidade para outros credores, mesmo por dívidas posteriores à alienação e não necessariamente contraídas com fraude contra credores, por exemplo, penhorassem o imóvel, com nítido prejuízo ao terceiro adquirente. Ademais, continuando na titularidade do imóvel, nada impediria que o terceiro adquirente, por exemplo, vendesse o imóvel a terceiro, se as partes entendessem vantajoso pagar a dívida e contratar acerca do valor remanescente.

Assim, é importante entender que a ineficácia da alienação diz respeito apenas ao credor exequente. Como decidiu o CSM-SP na Apelação Cível 609-6/1, comarca de Campinas, publicada no DOE de 18.01.2007, a averbação da ineficácia não acarreta o cancelamento do registro, pois

"esta averbação tem como finalidade dar publicidade a respeito da ineficácia do ato a eventuais terceiros interessados na aquisição do imóvel, porque não afeta o negócio realizado nem o registro, é ineficaz somente em relação ao credor exeqüente".

Ressalte-se, então, que o terceiro adquirente continua proprietário do bem e dele poderá dispor, já que "a alienação em fraude à execução é ineficaz, não a terceiros genericamente, mas a um ou mais terceiros determinados, ou seja, somente ao que sofreu um prejuízo real ou em potencial, e na exata dimensão de seu crédito". Assim,

"não haverá, ainda, necessidade de cancelamento do registro de eventual alienação fraudulenta. O negócio é válido, mas ineficaz. Não se pode equiparar a invalidade do ato jurídico com sua ineficácia, institutos que se situam em planos diversos, gerando efeitos inconfundíveis [...] O negócio jurídico que frauda a execução gera plenos direitos entre adquirente e alienante. Apenas não pode ser oposto ao exeqüente. Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulentas, como se estas não tivessem ocorrido. O bem será de propriedade de terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito".

De se apontar também a decisão proferida na Apelação Cível nº 748.-6/5, da comarca de Monte Azul Paulista, publicada no DOJ de 28.11.2007, que averbou que "a decretação de fraude à execução só dá por ineficaz a alienação do bem em relação ao credor do feito na qual foi tal medida reconhecida, sem a produção de efeitos erga omnes".

 

11.O princípio "tempus regit actum"

A aquisição da propriedade imobiliária inter vivos no Brasil é ato jurídico complexo: requer um título causal e um modo, que é o registro. Noutros termos, o contrato gera apenas efeitos jurídicos obrigacionais inter partes, não constituindo a propriedade, que é efeito do registro. Essa a disciplina constante dos artigos 1.245 a 1.247 do vigente Código Civil.

Portanto, entre nós, não importa a data da confecção do título causal, seja ele judicial, administrativo ou extrajudicial, mas sim a data em que este título logrou acesso ao registro imobiliário. Isso porque a qualificação registral é feita não levando em conta a data dos títulos, mas sim a sequência dos atos registrais lançados no fólio real. Esse é o chamado princípio do tempus regit actum, que quer significar que o que regerá a qualificação é o tempo do registro.

Uma decisão bastante ilustrativa desse princípio foi proferida pelo CSM-SP nos autos da Apelação Cível 854-6/9, comarca de Jundiaí, publicada no DOE de 04.09.2008. No caso concreto, o exequente havia obtido o registro da penhora e prosseguiu, então, com a execução. Quando obteve a adjudicação do imóvel e pretendeu registrá-la, o imóvel havia sido penhorado, também, pelo INSS, o que o deixou indisponível, a teor do disposto no artigo 53, parágrafo primeiro, da Lei Federal 8.212/91, que prescreve que "os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis".

O exequente insurgiu-se, alegando que seu título era anterior ao registro da penhora do INSS. Mas o fato é que o registrador deve levar em conta o estado atual da matrícula.

O CSM-SP decidiu exatamente que

"é atribuição e dever do Oficial Registrador proceder à qualificação registrária do título no instante de sua apresentação, independentemente da época em que foi lavrado. Para fins de registro, não importa o momento da celebração do contrato, pois é na data da sua apresentação ao registro é que será analisado: o registro encontra disciplina no princípio "tempus regit actum"; é sujeito à lei vigente ao tempo da apresentação do título, pouco importando a data do contrato".

 

Embora haja referência a "contrato", o raciocínio é o mesmo se tratar-se de título judicial, assentando a decisão que

"não se sustenta, por esse motivo, a alegação do apelante no sentido de que os requisitos que devem ser observados para o registro são aqueles existentes no momento do julgamento da adjudicação do imóvel em seu favor. Ao contrário, a qualificação abrange a análise dos requisitos de admissibilidade do registro no momento da apresentação do título".


12.Prenotação anterior: o princípio da prioridade

Corolário do item acima é a questão de haver título prenotado anteriormente ao que se quer agora registrar, já que "o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo" (artigo 1.246 do Código Civil).

A Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo já teve oportunidade de enfrentar o problema advindo dessa circunstância, no processo 583.00.2008.165201-6, cuja sentença foi publicada no DOE de 07.08.2008.

A solução passa pela exata compreensão do "princípio da prioridade", e na sentença cita-se o magistério de Afrânio de Carvalho, para estabelecer que

"num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure", e que "essa precedência é firmada pela prenotação, isto é, apresentação do título no Registro de Imóveis para qualificação".

Dessa forma, o registrador deve qualificar o título que primeiro logrou ingresso no seu protocolo, vigorando aqui o princípio prior tempore potior jure.

Aliás, é bom ressaltar que se houver título prenotado anteriormente, o segundo título sequer poderá ser qualificado, devendo aguardar a solução do procedimento de registro daquele primeiro. Essa é a orientação normativa da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, conforme se vê do Provimento CG 32/97, publicado no DOJ de 29.12.1997, onde ficou estabelecido que

"pode ocorrer, finalmente, caso de prenotações sucessivas, de títulos contraditórios ou excludentes. A prenotação de um título impede o exame e o registro de outro. Há, por dizer, uma fila de precedência: quem dela é excluído e considerado inabilitado poderá retornar, mas após os outros, que nela já se encontravam no momento de sua desqualificação (cfr. José Roberto Gouvêa, ob. cit., pág. 02). Não só o registro, mas também o exame do segundo título subordina-se ao resultado do procedimento de registro do título que goza da prioridade. Somente se inaugura novo procedimento registrário, ao se esgotar o primeiro. Isso em vista do princípio da isonomia, com o fito de proporcionar às partes titulares de direitos contraditórios igual prazo para sanar eventuais falhas de seus títulos".

Essa matéria foi objeto de normatização, tendo sido disciplinada no item 29 do Capítulo XX do Provimento CG 58/89 (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça), nos seguintes termos:

29. No caso de prenotações sucessivas de títulos contraditórios ou excludentes, criar-se-á uma fila de precedência. Cessados os efeitos da prenotação, poderá retornar à fila, mas após os outros, que nela já se encontravam no momento da cessação.

29.1.O exame do segundo título subordina-se ao resultado do procedimento de registro do título que goza da prioridade. Somente se inaugurará novo procedimento registrário, ao cessarem os efeitos da prenotação do primeiro.


13.A penhora impede o registro de ato transmissivo na sua sequência?

Um equívoco bastante comum acerca da penhora é supor que ela torne automaticamente o imóvel indisponível, impedindo atos de disposição do mesmo.

Na verdade, como já vimos acima, apenas a penhora em favor da Fazenda Nacional tem esse condão. As demais penhoras não tiram do proprietário o poder de disposição. No já referido acórdão proferido na Apelação Cível 641-6/7, comarca de São José dos Campos, publicado no DOE de 04.04.2007, o CSM-SP averbou expressamente que a penhora não gera indisponibilidade e, assim, não é óbice ao registro de título de transmissão do bem constrito. Com arrimo nas lições de Afrânio de Carvalho, fixou mais que

"dada a eficácia relativa da inscrição preventiva, o executado continua titular do domínio e, nessa qualidade, pode alienar o imóvel penhorado. Embora o adquirente fique sujeito a ver decretada à ineficácia da alienação, não incumbe ao registrador antecipá-la, pelo que há de praticar o ato registral". O imóvel só se tornaria indisponível se houvesse ordem judicial expressa nesse sentido, posto que a "indisponibilidade, que excepciona a regra da disponibilidade, depende de lei ou de decisão judicial que a imponha: pressupõe ato de império que lhe dê suporte jurídico de exceção".


14.E o arresto?

Assim como se disse sobre a penhora, o arresto também não deixa por si só o imóvel indisponível. É o que decidiu o CSM-SP na Apelação Cível 647-6/4, comarca de São Bernardo do Campo, publicada no DOJ de 27.04.2007, estabelecendo que o

"arresto, em si, sem previsão legal específica ou provimento jurisdicional que amplie seus efeitos, não gera indisponibilidade", dado que "indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à ordem de inalienabilidade" (CSM, Ap. Cív. nº 29.886-0/4 - SP, Rel. Des. Márcio Bonilha). Logo, indisponibilidade, que excepciona a regra da disponibilidade, depende de lei ou de decisão judicial que a imponha: pressupõe ato de império que lhe dê suporte jurídico de exceção".

Nesse caso concretoacrescentou o CSM-SP que "não há lei prescrevendo indisponibilidade como conseqüência automática de arresto nem houve decisão judicial que a tenha determinado", o que, contrario sensu, levaria a outra solução.

Portanto, em conclusão,

"tal como a penhora, o arresto não gera indisponibilidade e, assim, não é óbice ao registro de título de transmissão do bem constrito [...] Em suma, decreto exclusivo de arresto não comporta leitura extensiva para decreto de indisponibilidade, até porque medida cautelar constritiva, de exceção, deve ser interpretada restritivamente; logo, inadmissível o óbice ao registro de escritura de venda e compra de bem para o qual há tão-somente arresto (não indisponibilidade) decretado judicialmente e inscrito".


15.Falecimento do proprietário e penhora do imóvel sem prévia partilha

Como se sabe, vigora no Brasil o princípio de "saisine", estampado no artigo 1.784 do Código Civil, que preceitua que "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".

Além disso, o falecimento também é causa de extinção do matrimônio, conforme se vê do artigo 1.571, inciso I, do mesmo diploma legal.

Quer isto significar que na hipótese de falecimento do proprietário que consta da matrícula inaugura-se o estado de indivisão de seu patrimônio, consubstanciado na figura jurídica conhecida como espólio, de sorte que seu patrimônio passa a formar uma universitas juris até que essa forma peculiar de condomínio seja extinta pela partilha dos bens e recolhimento da meação do cônjuge supérstite.

Não é possível, assim, registrar penhora incidente sobre a herança ou sobre a meação antes de extremadas em regular processo sucessório, que deve ser registrado (artigo 167, I, 24 e 25, combinado com o artigo 172 da Lei 6.015/73).

Esse o entendimento do CSM-SP, conforme se vê da decisão proferida nos autos da Apelação Cível 280-6/9, comarca da Capital, publicada no DOJ de 23.02.2005, averbando que "decorrendo do desfazimento do casamento pelo óbito, o surgimento da figura do espólio e a conseqüente necessidade da partilha de bens antes do registro da constrição".

Também na Apelação Cível 351-6/3, comarca de Franco da Rocha, publicada no DOJ de 01.11.2005, restou assentado que

"de fato, a comunhão decorrente do casamento é "pro indiviso". Ou seja, a parcela ideal pertencente a cada cônjuge não pode ser destacada, o que somente ocorre quando dissolvida a sociedade conjugal. Em sendo a morte a causa da extinção do casamento e da comunhão, a metade só se extremará com a partilha, posto que indivisível antes dela. Dessa forma, antes de se inscrever a penhora, deve antes se formalizar o registro da partilha dos bens do cônjuge da executada".

Melhor explicitando o entendimento, restou assentado na Apelação Cível nº 425-6/1, comarca da Capital, publicada no DOJ de 29.11.2005, que o

"Egrégio Conselho Superior da Magistratura firmou o entendimento de que a herança é uma universalidade em que todos os bens permanecem em indivisão até que pela partilha sejam individuados os que tocarão ao cônjuge supérstite e os que pertencerão aos herdeiros, do que decorre a necessidade de levar ao inventário também a metade ideal do cônjuge sobrevivente. Ademais, consistindo numa universalidade, nada impede que na partilha a meação do viúvo e os quinhões dos herdeiros sejam individuados em bens determinados, de modo a evitar a formação de condomínio, hipótese em que não subsistirá meação, nem metade ideal, do viúvo sobre bem que, eventualmente, for atribuído com exclusividade a um ou mais herdeiros [...] O mandado judicial da penhora, que recaiu sobre a metade ideal de tal imóvel pertencente a co-proprietária, revela sua viuvez. Nesse caso, malgrado não se desconheça que a metade ideal já pertencia a devedora antes do óbito de seu esposo, não se pode deslembrar que, como bem entendeu o digno magistrado, a partilha dos bens decorrente do óbito do marido da devedora recai sobre todo o patrimônio do casal para pôr fim à indivisão, separando dos bens havidos em comum aqueles que pertencerão ao cônjuge meeiro supérstite dos outros que comporão os quinhões hereditários dos sucessores do ‘de cujus’. É possível que a meação do cônjuge sobrevivente e os quinhões dos herdeiros recaiam sobre todos os bens pertencentes em comum pelo casal, que passarão a lhes pertencer em condomínio, mas, também, não se pode descartar a hipótese da meação e dos quinhões hereditários se individualizaram em determinados bens".

Nessa mesma esteira, na Apelação Cível 381-6/0, comarca da Capital, publicada no DOJ de 23.08.2005, o CSM-SP enfrentou pretensão de penhora sobre imóvel que o executado havia recebido por herança, mas ausente ainda o registro do respectivo Formal de Partilha, decidindo exatamente de ser

"imperioso que se traga o título aquisitivo decorrente do direito hereditário deste último (o executado, nota minha), ou seja, o formal de partilha. Só assim, com o registro e a transferência do domínio ao indicado como devedor, caberá o ingresso de penhora resultante de execução contra ele promovida".

Nesta mesma decisão constou aspecto que não pode, então, ser olvidado: antes do registro da partilha, o registro da penhora só é possível se no pólo passivo da ação figurar o Espólio do "de cujus".


16.Cancelamento de registro de penhora feito irregularmente

Não é incomum na praxis registral a ocorrência de devolução de mandado de penhora em razão do mesmo não observar os princípios e regramentos da Lei de Registros Públicos. Como se disse alhures, mesmo títulos judiciais devem ser qualificados pelo Registrador, e se houver, por exemplo, inobservância dos princípios da continuidade e da especialidade, a qualificação deve ser negativa.

Isso não significa afronta à ordem judicial, mas apenas cumprimento do dever legal do Registrador de qualificar os títulos que lhe são apresentados.

Infelizmente, por vezes vê-se o registrador diante de ameaçadores mandados determinando a penhora sob pena de prisão, mesmo ao arrepio dos princípios informadores do registro imobiliário, o que, em última instância, só viria a contribuir para o desmantelamento do sistema e o caos que se seguiria, com a incerteza e a insegurança jurídica reinando soberanas.

E a matéria já foi objeto de apreciação inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, em caso concreto (HC 85.911-9-MG, j. em 25.10.2005, relator o Ministro Marco Aurélio de Melo) onde o Juiz Trabalhista provocou o Ministério Público, considerando que a devolução feita pelo Registrador de certo título emanado daquela Justiça Laboral subsumia-se ao tipo penal previsto no artigo 330 do Código Penal – desobediência.

O título fora devolvido porque o Registrador considerou necessário que ele contivesse certos requisitos, o que foi confirmado pela Vara de Registros Públicos respectiva.

Peço vênia para consignar aqui alguns trechos do r. acórdão porque são paradigmáticos. Assentou o Ministro Marco Aurélio que

"dificil é imaginar que se chegue à necessidade de impetração, no Supremo, de habeas para afastar constrangimento como o retratado neste processo [...] O paciente limitou-se a cumprir dever imposto por lei, pela Lei dos Registros Públicos. Examinado título emanado da jurisdição cível especializada do trabalho – carta de adjudicação – percebeu que não se contaria, no instrumento, com informações e peças exigidas por lei. Como lhe cumpria fazer e diante, ao que tudo indica, de resistência da parte interessada, suscitou dúvida e aí, mediante pronunciamento que veio a se fazer coberto pela preclusão maior, o Juízo da Vara dos Registros Públicos disse do acerto da recusa em proceder de imediato ao registro, consignando, inclusive, que a observância das exigências legais, após a dúvida levantada, não seria de molde a obstaculizar a decisão. Assim, não é dispensável definir sobre a possibilidade de se ter, como agente do crime de desobediência, pessoa que implemente atos a partir de função pública, valendo notar, de qualquer maneira, que se procedeu não na condição de particular, não considerado o círculo simplesmente privado, mas por força de delegação do poder público, tal como previsto no artigo 236 da Constituição Federal. O que salta aos olhos é a impropriedade da formalização do procedimento criminal, provocado que foi por visão distorcida do órgão da Justiça do Trabalho, como se do Direito não se submetesse à organicidade. Concedo a ordem para fulminar, e essa é a expressão mais adequada ao caso, o procedimento instaurado contra o paciente [...]" (o último destaque é meu).

Em São Paulo, quando há ordens deste jaez, deve o Registrador comunicar os órgãos censório-fiscalizatórios que, via de regra, determinam o cancelamento do registro feito irregularmente sob ameaça de prisão por crime de desobediência.

No Processo CG nº 898/2005, publicado no DOJ de 02.05.2006, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo enfrentou exatamente a situação em que a Registradora havia inicialmente devolvido o mandado, que afrontava o princípio da continuidade, posto que o executado não era o proprietário que constava na matrícula do imóvel, mas que ao depois terminou fazendo o registro porque reapresentado o mandado com ordem de cumprimento em vinte e quatro horas independentemente da regularização das deficiências apontadas.

Com fundamento no artigo 214 da Lei de Registros Públicos, que disciplina as nulidades de pleno direito do próprio ato registral, determinou a Corregedoria o cancelamento daquele registro, averbando que

"diante desta situação, é legítima a correção da ilegalidade reconhecidamente praticada, mediante cancelamento do registro indevido do mandado de penhora, assim considerado, sob o aspecto estritamente extrínseco, formal [...] Assim sendo e considerando que o registro se deu tão somente para que não se descumprisse ordem judicial, conforme explicitado pela Oficiala, e que, de fato, não há coincidência entre o titular do domínio e o executado, o que afronta o princípio da continuidade, o registro deve ser cancelado".

A Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo também tem prestigiado esse procedimento. Na sentença proferida nos autos do processo nº 583.00.2008.124924-2, publicada no DOJ de 21.05.2008, em que houve determinação de registro de Carta de Arrematação que feria o princípio da continuidade, sob pena de crime de desobediência, depois de feito o registro aquele Juízo entendeu que

"o registro irregular não pode ser mantido vigente, porque ofende o princípio da continuidade registrária [...] Haveria séria e grave ofensa à segurança jurídica, se se permitisse a infringência do princípio disposto na lei especial [...] Caso haja determinação acompanhada de ordem de prisão, como parece ter ocorrido no caso, ainda que o ato registro ou de averbação seja manifestamente violador da indisponibilidade legal determinada por outro Juízo, o registrador, ao cumprir a ordem, deve comunicar essa Corregedoria Permanente imediatamente, por meio de representação, para que sejam adotadas as providências que venham a restaurar os basilares princípios sobre os quais se assentam os Registros Imobiliários, para a garantia do cumprimento da ordem judicial anterior e legal, assim como para proteger a segurança jurídica que o serviço delegado de Registro de Imóveis não pode prescindir, sob pena de grave prejuízo ao cumprimento da anterior ordem judicial legal, e com graves conseqüências para o direito de propriedade imóvel, confiado constitucionalmente à guarda do Oficial Registrador. O Registrador de Imóveis exerce importante função de garante das liberdades públicas. E isso precisa ser aqui consignado. Se a desordem reinasse no registro predial, de modo que ele passasse a recepcionar ordens contraditórias, de qualquer conteúdo, com violação de todo o sistema, recairia a insegurança sobre o direito de propriedade privada, um dos pilares do regime democrático [...] Diante do exposto, determino o cancelamento do registro [...]".

 

17.Penhora de imóvel objeto de promessa de venda e compra

Sendo o executado compromissário comprador do imóvel, em atenção ao princípio da continuidade não é possível penhorar o imóvel, já que ele não é proprietário ainda. Assim, corretamente, devem ser penhorados "os direitos de compromissário comprador".

Nesse sentido decidiu o CSM-SP no r. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 283.-6/2, comarca de Cotia, publicado no DOJ de 11.03.2005, em caso configurado na forma referida no parágrafo acima, aduzindo que

"não foram penhorados e, portanto, não foram arrematados, os direitos sobre o imóvel objeto da matrícula 40.295, pertencentes ao executado e sua esposa, mas sim fração ideal do bem, concluindo-se que a constrição e a arrematação recaíram sobre o domínio, o qual pertence à pessoa estranha à execução. Permitir o ingresso da carta de arrematação nesses termos ofenderia o princípio da continuidade".


18.Penhora de imóvel hipotecado cedularmente

Outra situação bastante comum nos registros imobiliários é a penhora de imóvel que se encontra hipotecado por cédula de crédito, na forma de legislação específica. A posição dos órgãos censório-fiscalizatórios quanto à impossibilidade da penhora nessa circunstância é vetusta.

Esclareça-se que essa ideia aplica-se às Cédulas de Crédito Rural, por força do artigo 69 do Decreto-Lei 167/67; às Cédulas de Crédito Industrial, por força do artigo 57 do Decreto-Lei 413/69; às Cédulas de Crédito Comercial, por força do artigo 5º da Lei 6.840/80; às Cédulas de Crédito à Exportação, por força do artigo 3º da Lei 6.313/75, e ainda às Cédulas de Produto Rural, nos termos do artigo 18 da Lei 8.929/94.

Na Apelação Cível 464-6/9, comarca de São José do Rio Preto, publicada no DOJ de 15.03.2006, o Conselho Superior da Magistratura decidiu que "a restrição de impenhorabilidade está estatuída no Decreto-lei nº 167/67 que regula a cédula de crédito rural. A norma, ainda em vigor, é imperativa e cogente, ou seja, não admite a constrição [...] Este E. Conselho vem reiteradamente decidindo que, ante a impenhorabilidade do imóvel vinculado à cédula de crédito, a penhora não pode ingressar no fólio real enquanto perdurar a hipoteca cedular. Na Ap. Cív. nº 37.908-0/0, de Duartina, relatada pelo eminente Des. Márcio Bonilha, este E. Conselho, apreciando hipótese similar, a saber, registro de carta de adjudicação expedida em execução trabalhista de imóvel já onerado por hipoteca cedular, manteve a recusa do ingresso do título judicial no fólio real, assim se posicionando sobre tal questão: "No mais, a questão versada no presente recurso diz respeito à amplitude da incidência do art. 57 do Decreto-lei n.º 413/69, aplicável à espécie, em se tratando de cédula de crédito comercial, por remissão ao art. 5º da lei n.º 6.840/80." O dispositivo legal em referência estabelece, claramente, a impenhorabilidade dos bens oferecidos em garantia hipotecária de cédula de crédito comercial, desde que efetivado o registro junto ao cadastro imobiliário, como forma de resguardar, pela criação de uma exclusividade, os direitos de crédito decorrentes de financiamento (Humberto Theodoro Júnior, Processo de Execução, 3º ed., Universitária de Direito, São Paulo, 1976, p. 260). "Tal predicado, conferido aos bens vinculados às cédulas rural, comercial e industrial, já foi reconhecido pelo Pretório Excelso (RE n.º 84.528-PR, 2º Turma, rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 17.8.76, RDI 7/85; RE n.º 107.790-SP, 2º Turma, rel. Min. Francisco Rezek, j. 30.5.86, RTJ 119/819) e, na atualidade, de acordo com os derradeiros julgamentos do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (RESP n.º 3.227, rel. Min. Athos Gusmão, j. 22.4.91; RESP n.º 13.703-SP, rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, j. 20.9.93; RESP n.º 36.080-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.17.8.94, pe.), sua abrangência só vem conhecendo exceção diante de créditos fiscais." Recentemente a Suprema Corte reiterou tal posição, ao decidir que a penhora de bem alvo de cédula industrial viola o art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal (cfr. RE 163.000-1, 2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, j. 19.5.98). E, conforme proclamou este E. Conselho ao julgar a Ap. Cív. nº 33.111-0/3, relatada pelo Des. Márcio Bonilha: "O legislador optou - bem ou mal - por dotar os órgãos financiadores da economia rural e industrial não somente de uma garantia, mas de uma garantia exclusiva, que impede nova oneração ou alienação do bem gravado a terceiro (cfr. Ap. Cív. nº 3.708-0 da Comarca de Adamantina, Rel. Des. Marcos Nogueira Garcez)." A questão... não é de mera preferência da hipoteca anterior, mas de exclusividade do gravame, sem concorrência de qualquer outro. Somente poderia obter o título qualificação positiva no caso de expressa e inequívoca determinação judicial no sentido de ignorar a impenhorabilidade no caso concreto (cfr. RSTJ 7(67)/299, Resp. 9.328-0-PE, Rel. Min. Américo Luz). "Ademais, segundo precedentes deste E. Conselho (cfr. Ap. Cív. nº 46.412-0/7 e 50.253-0/5, relator Des. Nigro Conceição), não basta o vencimento da cédula para afastar a impenhorabilidade do imóvel que a ela se vincula. Urge, a tanto, a averbação de seu cancelamento e isso porque, "ex vi" dos arts. 849 e 850 do Código Civil, aplicáveis subsidiariamente às hipotecas cedulares, a extinção do mencionado direito real de garantia, qualquer que seja sua causa, só produz, em relação a terceiros, efeitos depois de averbada na tábua registral [...] Por sua vez, a Lei 8.929/94 que institui a Cédula de Produto Rural, em seu artigo 18, estabelece que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua emissão. Assim sendo, a penhora não pode ser admitida".

Em algumas situações tem-se admitido certa mitigação desse rigor, como constou da sentença proferida pela Primeira Vara de Registros Públicos nos autos do processo nº 583.00.2008.146976-0, publicada no DOJ de 17.07.2008, ficando estabelecido no caso concreto que

 

"segundo consta dos autos o título foi recusado porque o imóvel tornou-se impenhorável por força do registro de cédula de crédito comercial. É expressa a determinação contida no artigo 5º da Lei 6.840/1980 que se aplicam as normas do Decreto-Lei 413/1969 às cédulas de crédito comercial. Nos termos do referido Decreto-Lei "os bens vinculados à cédula de crédito industrial não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou de terceiro prestante da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão". Portanto, o dispositivo legal é claro em determinar a impenhorabilidade do bem em que haja inscrição em sua matrícula de cédula de crédito. É bem verdade que se tem mitigado tal entendimento, contudo para tanto há necessidade da co-existência de dois requisitos, como bem lembrado pelo Oficial, vencimento da cédula de crédito e inexistência de averbação de penhora promovida em ação de execução da hipoteca. Acontece que o beneficiário da cédula, no caso o Banco do Brasil S/A, promoveu a execução do título, inclusive averbou a existência de penhora, com isso forçoso reconhecer ausente o segundo requisito".

Nesse sentido, no r. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 230-6/1, comarca da Capital, publicada no DOJ de 17.06.2005, constou que

"no presente caso, vencida a cédula de crédito comercial e não existindo registro de penhora promovida em ação de execução da hipoteca, é possível admitir o registro da penhora efetuada na ação movida pelo credor não titular de garantia real. Isto, entretanto, não afasta a possibilidade do credor privilegiado discutir na via jurisdicional a extensão da garantia em seu favor constituída, visando desconstituir a penhora promovida pelo credor quirografário, uma vez que a decisão da dúvida tem natureza meramente administrativa (artigo 204 da Lei nº 6.015/73)" (o destaque é meu).

Outra exceção à impenhorabilidade gerada pelo registro prévio de hipoteca cedular é a execução de débitos condominiais, dada sua natureza jurídica de obrigações propter rem.

Tal foi a decisão contida no acórdão proferido na Apelação Cível nº 223-6/0, comarca da Capital, publicado no DOJ de 07.12.2004. Esse acórdão traz proposições muito relevantes para o entendimento da matéria no âmbito do registro imobiliário, de sorte que peço vênia para transcrever trechos um pouco mais longos dele. Acredito que os leitores considerarão tais transcrições plenamente justificáveis.

Diz o acórdão que

"é possível a penhora da unidade autônoma em ação de execução de despesas de condomínio que dela se originaram, ainda que gravada por cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade impostas por ato de liberalidade (Apelação Cível nº 138.6/1-00). O fundamento então invocado foi, precisamente, o caráter propter rem da obrigação [...] Estas despesas são as decorrentes da manutenção das coisas de propriedade comum dos condomínios, e o dever de custeá-las se impõe a todos porque, como ensina Caio Mário da Silva Pereira: Interessando a todos a manutenção e conservação do edifício, é de princípio que a todos os condôminos compete concorrer, na proporção de sua parte, para as respectivas despesas. (Condomínio e Incorporações, 10ª Edição, Ed. Forense, 1998, pág. 142). A manutenção do edifício interessa e favorece a todos os condôminos porque, ainda conforme a lição de Caio Mário da Silva Pereira: Não se pode esquecer que o edifício é um conjunto e que a deterioração de uma parte atinge o conjunto. (obra citada, pág. 144). [...] A obrigação de contribuir com o pagamento das despesas condominiais, por outro lado, está vinculada à unidade autônoma de que estas despesas se originaram e é considerada como sendo propter rem. As obrigações ´´propter rem´´, como ensina Orlando Gomes, ...existem quando o titular de um direito real é obrigado, devido a essa condição, a satisfazer determinada prestação. O direito de quem pode exigi-la é subjetivamente real. Quem quer que seja o proprietário da coisa, ou titular de outro direito real, é, ipso facto, devedor da prestação. Pouco importa, assim, a pessoa em quem surgiu pela primeira vez. A obrigação está vinculada à coisa. (Direitos Reais, 10ª edição, Ed. Forense, 1988, pág. 13). Ainda conforme o mesmo autor: Dentre outras, são obrigações ob rem ou propter rem as dos condôminos de contribuir para a conservação da coisa comum... (Orlando Gomes, obra citada, pág. 13). [... ] É, portanto, possível a penhora da unidade autônoma em ação de execução de despesas de condomínio que dela se originaram, mesmo estando gravada por cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade impostas por ato de liberalidade [...] Portanto, à luz da mesma lógica, mister se faz ter presente que a origem legal da vedação à penhora de imóveis atrelados às cédulas de crédito industrial e comercial não os imuniza, por força dessa gênese peculiar, quando o objeto da execução for débito decorrente de despesas de condomínio. Por outro lado, é certo que, como exaustivamente explanado, a própria natureza da obrigação propter rem torna despicienda ressalva expressa, em lei, para que não prevaleça a impenhorabilidade diante dela. A coonestar tal assertiva está o fato de que, como acima lembrado, ainda sob a égide do Código Civil de 1916 (cujo art. 1.676 era categórico ao estabelecer que a cláusula de inalienabilidade – importando em impenhorabilidade – não podia, "em caso algum", salvo desapropriação e dívida tributária oriunda do próprio bem, "ser invalidada ou dispensada por atos judiciais"), robusteceu-se o posicionamento pretoriano no sentido de que a vedação não tinha lugar em face de dívida condominial. [...] No atinente aos bens adstritos, a título de garantia hipotecária, às cédulas de crédito industrial e comercial, ainda mais clara deve ser reputada a situação, uma vez que, ao invés de consagrar a peremptória vedação contida no art. 1.676 do Código de 1916, o texto do dispositivo pertinente, constante da legislação específica, se presta, por seus próprios termos, a interpretação consentânea com a orientação acima enunciada. Cogita-se neste caso concreto de cédula de crédito comercial e convém lembrar que, por remissão consignada no art. 5º da Lei nº 6.840/80, aplicam-se as normas do Decreto-lei nº 413/69, relativo às cédulas de crédito industrial. Destarte, segundo o art. 57 desse derradeiro diploma, ‘os bens vinculados à cédula de crédito industrial não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestante da garantia real’. Grifei. Na hipótese vertente, todavia, em que se focaliza obrigação condominial, a dívida, como está claro, não se vincula propriamente à pessoa do emitente (ou desse terceiro). Acha-se o débito, isto sim, intrinsecamente ligado ao imóvel, tanto que, transferido este, acompanha-o, passando a onerar o novo titular. Nesse aspecto, há um vínculo de natureza real, que adere ao bem, independentemente de quem seja seu proprietário. É o que dimana da já estudada feição propter rem. Daí se falar, sob tal prisma, em dívida própria da coisa, distinta, pois, das ‘dívidas do emitente ou do terceiro prestante da garantia real’, apontadas na norma em tela como impeditivas da penhora".

A impenhorabilidade aqui tratada também cede passo quando a penhora for oriunda de reclamação trabalhista. Esse tema inclusive deu azo a um procedimento de uniformização dos procedimentos junto aos registros imobiliários paulistas, por parte da Corregedoria Geral da Justiça, no Protocolo CG 27.125/98-Campinas. O Parecer, da lavra dos então juízes auxiliares da Corregedoria, doutores Antonio Carlos Morais Pucci, Eduardo Moretzsohn de Castro, Luis Paulo Aliende Ribeiro, Marcelo Fortes Barbosa Filho e Mario Antonio Silveira, aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Luis de Macedo, é muito elucidativo, motivo pelo qual peço vênia para transcrevê-lo aqui.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

O E. Conselho Superior da Magistratura, nestes autos iniciados por solicitação do então Excelentíssimo Senhor Corregedor do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que almejava uniformizar os procedimentos e evitar divergência quanto ao registro de penhora, feita em execução trabalhista, quando já incidente sobre o imóvel constrito hipoteca cedular, reafirmou o entendimento da impenhorabilidade do bem arquivando o presente expediente.

Posteriormente a esta manifestação do Colendo Conselho, no entanto, surgiram fatos e circunstâncias novas que, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, autorizam e revelam a oportunidade e conveniência da revisão de tal tese para se permitir o registro de penhora, realizada em execução trabalhista, sobre imóvel vinculado à cédula de crédito por hipoteca.

Vossa Excelência, atento aos inúmeros problemas surgidos entre Juízes da Justiça Trabalhista, de um lado, e Corregedores Permanentes e Oficiais de Registro de Imóveis, de outro, versando sobre a recusa de registro da penhora trabalhista de imóvel já onerado por hipoteca cedular, merecendo realçar algumas ordens de prisão de registradores determinadas, nesses casos, por aqueles magistrados, aprovou, em 24 de agosto de 2.000, com caráter normativo, parecer conjunto de nossa lavra, lançado nos autos do Prot. CG n? 34.222/00, que permite o registro da penhora se o magistrado, no exercício da função jurisdicional, em decisão incidental, afastar, em prol do crédito trabalhista, a impenhorabilidade do imóvel vinculado à cédula de crédito, solução, aliás, já consignada em julgados do E. Conselho Superior da Magistratura, entre os quais mencionamos a Apelação Cível n° 33.111-0/3, relatada pelo Des. Márcio Martins Bonilha e a Apelação Cível n° 51.442-0/5, relatada pelo Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição.

Tal decisum já abrandou, e muito, as constrangedoras situações envolvendo juízes trabalhistas e registradores de imóveis, e diminui as dúvidas atinentes a registro de mandado de penhora, extraído de execução trabalhista, em imóvel gravado por hipoteca cedular.

Todavia, alguns outros casos de difícil solução ainda têm surgido, as vezes com ordem de prisão do registrador que, com fulcro nos precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura, se recusa a registrar a penhora.

Tal questão, sabe-se, ainda não se pacificou nos pretórios, em especial no Egrégio Tribunal Superior do Trabalho.

No sentido de ser inadmissível a penhora de bem onerado por hipoteca cedular, calha lembrar o seguinte acórdão do E. Tribunal Superior do Trabalho proferido no Recurso de Revista 506.681/98-2, julgado em 1°.06.99 por sua 2ª Turma, relator Ministro Valdir Righetto:

"Tratando-se de imposição legal não condicionada, não há como se lhe opor a preferência do crédito trabalhista.

"Nesse sentido a jurisprudência desta Corte, consubstanciada nos seguintes precedentes: RR-21997/91, Ac. 4ª T-471/91, Relator Designado Ministro Almir Pazzianotto, DJ 29.11.1991; RR-6130/86, Ac. 1ª T-1123/87, Relator Designado Ministro Manoel Mendes de Freitas, DJ 30.10.1987; RR-5059/85, Ac. 2ª T-5397/85, Relator Ministro Barata Silva, DJ 21.02.1986; RR-5917/84, Ac. 2ª T-3470/85, Relator Ministro Nelson Tapajós, DJ 04.10.1985; RR-4304/82, Ac 2ª T-2763/83, Relator Ministro Nelson Tapajós, DJ 09.12.1983; RR-3506/81, Ac. 3ª T-1988/82, Relator Ministro Expedito Amorim, DJ 06.08.1982; RR-3514/81, Ac. 3ª T-3211/82, Relator Ministro Guimarães Falcão, DJ 19.11.1982. (...)

"Peço vênia, outrossim, para citar os seguintes precedentes do Excelso Supremo Tribunal Federal, verbis: RE-144984-5, Santa Catarina, Relator Ministro Marco Aurélio e RE-163000-1, Pernambuco, Relator Ministro Marco Aurélio" (in "Revista de Direito Imobiliário", RT, n. 47, julho-dezembro de 1.999, pg. 300/302, nesse sentido: Embargos em Recurso de Revista n. 461.298/98-5, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais – TST -, julgados em 23.11.1.999, relator Ministro Rider de Brito, in "Revista de Direito Imobiliário", RT, n. 48, janeiro-junho de 2.000, pg. 285/287; Recurso de Revista n. 527.754/99.4, 3ª Turma, TST, julgado em 23.06.1.999, relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, in "Revista de Direito Imobiliário", RT, n. 48, janeiro-junho de 2.000, pg. 287/289).

Em sentido contrário, admitindo a penhora, lembramos estes julgados do E. Tribunal Superior do Trabalho: Embargos em Recurso de Revista n. 517.156, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, julgados em 25.09.00; Recurso de Revista n. 583.267/99, 2ª Turma, julgado em 04.10.00, relator Ministro Vantuil Abdala; Embargos em Recurso de Revista n. 522.660, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, julgados em 02.10.00, relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula; Embargos em Recurso de Revista n. 509.688, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, julgados em 09.10.00, relator Ministro Vantuil Abdala.

Parece-nos oportuno mencionar a motivação do acórdão proferido nos Recurso de Revista n. 583.267/99:

"Primeiramente é de se notar que a execução no processo do trabalho atende às disposições constantes do Capítulo V do Título X da Consolidação das Leis do Trabalho. O art. 889 da CLT dispõe, ainda, que ‘aos trâmites e incidentes do processo de execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal’.

"Analisando a Lei n. 6.830/80, que trata exatamente da cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, e, portanto, aplicável à questão por força do mencionado art. 889 da CLT, encontramos o seu art. 10, que preceitua o seguinte: ‘Não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o art. 9°, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis’.

"Nesse mesmo sentido estabelece o art. 30 da Lei n. 6.830/80 que: ‘Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento da Dívida Ativa da Fazenda Pública a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis’.

"Verifica-se, pois, que na execução dos créditos trabalhistas são aplicáveis, subsidiariamente, as normas pertinentes à Lei de Executivo Fiscal, dentre as quais as acima transcritas e que asseguram a penhora sobre quaisquer bens do executado, exceto aquele que a lei declare a absoluta impenhorabilidade.

"Resta estabelecer, então, se a hipótese em apreço envolve bens absolutamente impenhoráveis.

"O Código de Processo Civil arrola em seu art. 649 os bens absolutamente impenhoráveis, sobre os quais nem mesmo o crédito trabalhista pode se sobrepor.

"Da leitura dos dispositivos retromencionados não se depreende que o bem gravado por cédula de crédito industrial seja absolutamente impenhorável, quer pela análise dos arts. 57 e 59 do Decreto-Lei n° 413/69, que assim não estabelece, quer por não estar previsto dentre as hipóteses de absoluta impenhorabilidade de que trata o art. 649 do Código de Processo Civil.

"O crédito trabalhista é privilegiado em face da sua própria natureza alimentar, e, como tal, não poderia ser preterido em relação à impenhorabilidade do bem dado em garantia por cédula de crédito industrial, que se destina a resguardar o interesse particular das instituições financeiras que financiam a atividade industrial.

"Esse privilégio do crédito trabalhista encontra-se assegurado, expressamente, pelo art. 186 do Código Tributário Nacional, ao dispor que: ‘O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho’.

"Dessa forma, não se tratando de bem absolutamente impenhorável, nos termos da legislação acima citada, o bem vinculado a cédula de crédito industrial é perfeitamente penhorável no processo de execução trabalhista, dada a preferência do crédito trabalhista, por sua natureza alimentar e em face das disposições legais anteriormente citadas.

"Cumpre ressaltar que o Excelso Supremo Tribunal Federal, nos autos dos recursos RE-144.984-5 e RE-144.940-0, publicados no DJ-01.07.96, adotou posicionamento no sentido de que os bens gravados por cédula de crédito industrial através de alienação fiduciária não podem ser alcançados por execução trabalhista. No entanto, o caso dos autos difere totalmente daquele analisado pela Suprema Corte.

"O fundamento central do Excelso Supremo Tribunal Federal na referida hipótese é o de que a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor fiduciário o domínio da coisa alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, razão pela qual não pode ser alcançado por execução na qual não se revele como devedor.

"De fato, o art. 19, incisos I, II e III, do Decreto-Lei n° 413/69 estabelece que a garantia instituída em cédula de crédito industrial pode se dar de três formas, quais sejam, penhor, hipoteca ou alienação fiduciária.

"E, como já se disse, no caso específico da alienação fiduciária, o domínio do bem dado em garantia real fica com o adquirente fiduciário, ou seja, integra o patrimônio do banco financiador. O mesmo, no entanto, não ocorre quanto à hipoteca e ao penhor, pois nestes o domínio do bem permanece na pessoa do emitente da garantia real.

"O ilustre professor Caio Mário da Silva Pereira, ao tratar da alienação fiduciária, não deixa dúvidas quanto ao acima afirmado, ao dispor que: ‘Ao contrário do que ocorre na situação pignoratícia ou hipotecária, com a alienação fiduciária a coisa já está na propriedade e na posse (indireta embora) do credor. (...) No penhor, como na hipoteca, a coisa é do devedor e do devedor continua sendo, gravada embora do ônus real; na alienação fiduciária a coisa já passa à titularidade do credor, descabendo a proibição de vir ele a ser seu dono.’ (in "Instituições de Direito Civil", 12ª ed., vol. IV , pág. 309).

"Dessa forma permanecendo o bem no domínio do tomador do empréstimo garantido por cédula de crédito industrial, não há que se falar em sua impenhorabilidade na execução trabalhista, em face do privilégio do crédito trabalhista.

"Cabe transcrever o pensamento do eminente professor Cristovão Piragibe Tostes Malta, que em sua obra "A execução no processo trabalhista", pág. 126, posicionou-se, com propriedade, no sentido da prevalência do crédito trabalhista sobre o bem hipotecado, verbis: ‘A idéia de que a hipoteca acompanha o bem penhorado, assim assegurando ao credor hipotecário garantia maior que a do exeqüente trabalhista é incompatível com o processo do trabalho, pelo menos partindo-se da premissa de que o crédito trabalhista é de maior hierarquia que a de qualquer outro. Os bens hipotecados podem, como já se viu, ser penhorados para satisfação de créditos trabalhistas e, sendo alienados em praça, liberam-se da hipoteca.

"Mostra-se, assim, totalmente diverso do presente caso o posicionamento adotado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, que somente encampa a hipótese em que a cédula de crédito industrial encontra-se garantida por alienação fiduciária, e não quando a cédula industrial estiver garantida por penhor ou hipoteca.

"Aliás, o Código de Processo Civil, posterior à edição do Decreto-Lei n° 413/69, permite a penhora de bens gravados por hipoteca (artigo 615, II), o que afasta qualquer alegação de impossibilidade de penhora de bens vinculados à cédula de crédito industrial. Tanto é assim, que o artigo 1.047, II, do CPC autoriza que o credor com garantia real obste, por meio de embargos de terceiro, a alienação judicial do objeto da hipoteca, sendo que a jurisprudência é no sentido de que, intimado o credor hipotecário da penhora, não poderá impedir que se faça a arrematação, salvo se tiver alegado nos embargos e comprovado que o devedor possui outros bens disponíveis sobre os quais poderá incidir a penhora (RTJ 110/912 e STF-RT 593/277)."

A Suprema Corte, como bem realçado na motivação do julgado supra transcrita, tem, é certo, afastado a penhora realizada em execução trabalhista quando o bem esteja vinculado a cédula de crédito por alienação fiduciária, porque, nesse caso, o bem alienado fiduciariamente não mais se encontra na propriedade do devedor. Transcrevemos, a propósito, a seguinte fundamentação do acórdão proferido no RE 114.940-0-PA, relator Ministro Néri da Silveira, que se reporta ao julgamento do RE 102.2999-0-PR, relator Ministro Rafael Mayer:

"Não se trata, obviamente, de simples interpretação da legislação ordinária que regula a alienação fiduciária ou a cédula de crédito industrial, mas da realidade de um negócio jurídico, tido nos autos por incontroverso, do qual resulta ao recorrente a propriedade fiduciária dos bens, com todos os consectários desse direito, mesmo que deles não tenha a posse direta.

"Por isso é que se disse, com inteira pertinência, em acórdão da E. 2ª Turma, no RE 88.059, relatado pelo eminente Min. Cordeiro Guerra, que: ‘O bem alienado fiduciariamente não pode ser penhorado, pois não é propriedade do devedor e, sim, do credor. Muito embora seja proprietário resolúvel e possuidor indireto, dispõe o credor das ações que tutelam a propriedade de coisas móveis e pode recorrer às ações possessórias entre os quais os embargos de terceiro’ (in RTJ 85/326).

"Assim se passa com a cédula de crédito industrial, quando a garantia escolhida se consubstancie em alienação fiduciária dos bens (art. 18 do Dec.-lei 413/69)"

Tal entendimento foi reiterado pela Excelsa Corte no julgamento dos Recursos Extraordinários RE 163.000-1-PE e RE 114.490-0-PA.

É de se realçar que tais precedentes do Supremo Tribunal Federal não versaram sobre penhora realizada em execução trabalhista de imóvel onerado por hipoteca cedular, mas, apenas, de tal penhora sobre bem vinculado à cédula de crédito por outra garantia, a saber, alienação fiduciária.

Por outro lado, os precedentes da Suprema Corte e do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, mencionados em julgados do E. Conselho Superior, que acentuam a impenhorabilidade do bem onerado por hipoteca cedular, não trataram de penhora realizada em execução trabalhista mas, sim, de penhora feita em execução civil, quando, sem dúvida, a impenhorabilidade do bem dado em hipoteca ou penhor cedular prevalece.

O Egrégio Superior Tribunal, por sua vez, já se pronunciou sobre o assunto ora enfocado afirmando que a impenhorabilidade dos bens vinculados à cédula de crédito industrial, prevista no Dec.-lei 413/69, não pode ser oposta à satisfação de créditos trabalhistas (cf. REsp. n. 55.196-0-RJ, relator Min. Cláudio Santos, e REsp. n. 66.579-RS, relator Ministro Eduardo Ribeiro).

Se os bens dados em garantia a créditos cedulares, ressalvada a hipótese de alienação fiduciária, cede aos créditos tributários, entendimento, saliente-se, já pacificado na Suprema Corte (cf. RE n. 103.109, relator Ministro Soares Munhoz; RE 84.059, relator Ministro Moreira Alves) no Colendo Superior Tribunal de Justiça (cf. REsp. n. 88.777-SP, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; REsp. n. 86.349-SP, relator Ministro Milton Luiz Pereira; REsp. n. 222.142-SP, relator Ministro Garcia Vieira; REsp. n. 100.578-SP, relator Ministro Humberto Gomes de Barros; REsp. n. 222.142-SP, relator Ministro Garcia Vieira) e no Egrégio Conselho Superior da Magistratura deste Estado (cf. Ap. Cív. n° 45.179-0/5 e n° 51.710-0/9) sob o argumento de que o 51.710-0/9, por ser diploma de hierarquia superior aos Decretos-lei n° 413/69 e 167/67, dada sua natureza de lei complementar, não foi modificado e nem revogado por tais decretos-lei e, portanto, ainda que legislador desejasse estatuir com a edição desses decretos um privilégio absoluto à garantia do crédito cedular com relação a outros créditos, nisso não obteve êxito total ante os artigos 184 e 186 do Código Tributário Nacional, pelos mesmos motivos tais bens dados em garantia a crédito cedulares, com exceção, frise-se, da alienação fiduciária, devem se sujeitar à execução trabalhista.

E isso porque o art. 186 do Código Tributário Nacional, ao estatuir a preferência do crédito tributário em relação a qualquer outro, seja qual for a sua natureza ou o tempo de sua constituição, faz expressa ressalva àqueles decorrentes da legislação do trabalho.

O E. Conselho Superior da Magistratura, aliás, já proclamou que a indisponibilidade do bem penhorado em execução fiscal por dívida do INSS ou da Fazenda Nacional, prevista na Lei n° 8.212/91, não inviabiliza o registro de penhora feita em execução trabalhista ante a preferência do crédito trabalhista estatuída no art. 186 do Código Tributário Nacional, lei de hierarquia superior (cf. Ap. Cív. 60.118-0/860.171-0/9 e 60.175-0/7, todas da Comarca de Rio Claro, relatadas pelo Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição).

Finalmente, é de se destacar, ainda, que conflitos de competência versando sobre o registro da penhora trabalhista em imóvel já hipotecado por cédula de crédito, envolvendo, de um lado Juízes da Justiça do Trabalho que insistem no ingresso da penhora no fólio real, e Juízes Corregedores Permanentes que, na esteira da tese albergada em vários precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura, vêm mantendo a recusa de registro do título judicial, têm sido conhecidos e solucionados pelo E. Superior Tribunal de Justiça com prestígio à decisão jurisdicional que deferiu a penhora (cf. CComp. 21.413/SP, rel. Min. Barros Monteiro; CComp. 21.649, rel. Min. Eduardo Ribeiro; CComp. 29.377/SP, rel. Min. Nancy Andrighi; CComp. 30.178/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

Tais motivos levam-nos a sugerir se digne Vossa Excelência propor ao E. Conselho Superior da Magistratura a revisão do entendimento acolhido em seus precedentes para permitir, doravante, o registro da penhora feita em execução trabalhista sobre imóvel gravado por hipoteca cedular ainda que inexista, no processo de execução, decisão incidental afastando o óbice da impenhorabilidade do bem vinculado à cédula de crédito, sem prejuízo, porém, da providência consistente na ciência do credor hipotecário, pelo registrador, do registro da penhora, consignada no parecer conjunto que lançamos nos autos do Prot. CG n° 34.222/00, já aprovado por Vossa Excelência.

 

19.Obrigações propter rem

Já aludimos no tópico anterior acerca da possibilidade de penhora do imóvel por inadimplemento das obrigações condominiais, mesmo se o imóvel estiver gravado com hipoteca cedular.

Ainda sobre a questão das obrigações propter rem constituídas pelo dever de adimplir as despesas condominiais, o CSM-SP já decidiu que tais obrigações, por sua natureza real, poderão ensejar a penhora do imóvel ainda que este já tenha sido transferido a terceiro, conforme se vê do r. acórdão proferido na Apelação Cível nº 645-6/5, comarca de São Vicente, publicado no DOJ de 27.11.2007, onde se aduziu que

"é certo que, também em qualificação de mandados de registro de penhora referentes à execução de débitos por despesas condominiais, o princípio de continuidade tem sido invocado para obstar o acesso do título judicial às tábuas de inscrição predial (CSM, Apelações Cíveis nºs 561-6/1, 294.6/2 e 248-6/3). No entanto, o caso destes autos não é equivalente àqueles, pois aqui estamos diante de executada (Ana Maria Florido Sanchez) que tem seu título de domínio registrado no fólio real (R.06/ Mat.106.179), com transmissão real operada em favor de terceiro (Caixa Econômica Federal: R.09/Mat. 106.179), arrematante do imóvel em execução hipotecária extrajudicial, que continua responsável pelo débito decorrente das despesas condominiais em execução, em virtude da natureza "propter rem" daquela obrigação. Ademais, até na esfera judicial do processo judicial relativo ao mandado em requalificação, foi expressamente consignada a viabilidade da penhora em pauta, nada obstante aquela transferência do imóvel à Caixa Econômica Federal, em respeito à natureza real da obrigação: ‘Despesas de condomínio Execução Obrigação propter rem’ Transferência do imóvel Irrelevância Penhora Possibilidade Recurso parcialmente provido. (...). Uma outra característica da obrigação propter rem’ é a possibilidade de sua transmissão ao sucessor a título particular. O sucessor a título singular assume automaticamente as obrigações do sucedido, ainda que não saiba da sua existência. Ou seja, a obrigação acompanha a coisa, vinculando seu dono, seja ele quem for, a Ana Maria Florido Sanchez ou a Caixa Econômica Federal. A obrigação é ambulat cum domino’ (2º TACivSP, Agravo de Instrumento nº 758.210-0/0, j. 27.08.2002,rel. Juiz Neves Amorim). Destaque-se, ainda, que a Caixa Econômica Federal está ciente da constrição judicial (fl s. 15 e 62/63). Neste contexto, não se pode afirmar que o registro da penhora em foco importe em violação ao princípio da continuidade, diante da exceção, judicialmente reconhecida no processo executivo, acima apontada, que reflete na esfera jurídica da arrematante, ora proprietária do bem imóvel".

20.É possível penhorar usufruto?

Equívoco também muito comum nas lides diárias registrais. Ignora-se por vezes que o direito real de usufruto é inalienável, como preceitua o artigo 1.393 do Código Civil. E se é inalienável, não é penhorável, a teor do disposto no artigo 649, I, do Código de Processo Civil.

O que o artigo 1.393 do Código Civil permite é a "cessão do exercício" do usufruto, não a transferência do direito em si. Daí ser possível, também, penhorar esse exercício do direito.

Contudo, embora se admita a possibilidade de penhora do "exercício do direito", tal ato não tem ingresso no registro imobiliário, em razão do entendimento predominante de que os atos passíveis de registro são elencados em numerus clausus pela lei (princípio da tipicidade), seja no artigo 167 da Lei de Registros Públicos, seja em outra legislação esparsa.

Nesse exato sentido decidiu a Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, nos autos do processo nº 583.00.2007.205608-4, publicada no DOJ de 13 de março de 2008, assentando que

"não se questiona aqui a possibilidade efetiva e processual da penhora do exercício do direito pertinente ao usufruto, que se caracterizará pela possibilidade efetiva de usar o imóvel e até mesmo se apropriar dos frutos civis que a coisa pode render. No entanto, a possibilidade processual da referida constrição não implica na viabilidade irrestrita ao acesso ao fólio real. Os atos registrários são pautados pela tipicidade não cabendo ao Oficial de Registro promover registro ou averbação de atos ou fatos não previstos especificamente em lei, mormente o artigo 167 da Lei 6.015/73. Com bem asseverado pelo Sr. Oficial de Registros e pelo membro do Ministério Público o direito constrito não é efetivamente um direito real e sim efeito deste, razão pela qual prescinde de registro para a sua eficácia. Isto quer dizer que o credor do título executivo pode exercitar o direito constrito independentemente do registro, haja vista que é de caráter puramente obrigacional. Destarte, não obstante a expedição do termo de penhora expedida pelo DD. Juízo apontado, o ato processual não merece menção expressa na matrícula imobiliária".


21.Penhora e falência

A par das disposições constantes da nova legislação falimentar[21], o estudo desse tema sob a ótica registral não pode olvidar o artigo 215 da Lei de Registros Públicos, que preceitua que "são nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência,ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente".

Em caso concreto que envolvia pretensão de inscrição de penhora sobre imóvel em cuja matrícula já se encontrava averbada a arrecadação do mesmo em processo falimentar, decidiu o CSM-SP que

"de fato, se é certo que a certidão de penhora, como demonstrado, está sujeita à qualificação registrária, mister se faz ter em mente que impera, quanto a isto, o princípio tempus regit actum, impondo ao Oficial que realize a análise com base no estado de coisas reinante no momento da efetiva apresentação do título. E, quando tal se verificou, a quebra já havia sido declarada e a arrecadação do bem averbada (fls. 46). Não vingam, pois, os argumentos de que a ação que acabou por originar a penhora em foco foi distribuída antes da falência e de que os apelantes não podem ser prejudicados pela demora na tramitação processual. São fatores inteiramente estranhos à seara registrária e ao apertado alcance da atividade de qualificação a que obrigado o Oficial.

O que importa no âmbito tabular é que, ao ser o título apresentado ao registrador, a bancarrota já era fato consumado e a arrecadação do imóvel se encontrava averbada. Não houve prenotação anterior à falência e ao termo legal. Por isso mesmo, do julgado à colação constou, peremptoriamente, que "é na data da apresentação do título ao registrador, que será feita a sua qualificação (art. 534, do Código Civil, combinado com os arts. 174, 182 e 186 da Lei de Registros Públicos)".

A remissão concerne ao Código de 1916, então vigente, com correspondência no artigo 1.246 do novel diploma. Justificado o óbice, enfim, diante da disciplina legal incidente.

Lembre-se que, nos termos do artigo 23 do Decreto-lei nº 7.661/45, ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, alegando e provando seus direitos. E, segundo seu artigo 24, as ações ou execuções individuais dos credores ficam suspensas. Não faltará quem invoque, ainda, o artigo 215 da Lei nº 6.015/73".

Observe-se, ainda, que a Lei 11.101/05 não alterou esse quadro, como se vê no seu artigo 6º.


22.Penhora: registro ou averbação?

Após a alteração da redação do artigo 659, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil, levado a termo pela Lei 11.382/06, surgiu a dúvida se a penhora passaria a ser objeto de registro ou de averbação.

A distinção não é de somenos importância. Há reflexos, por exemplo, no que pertine a saber se a negativa de acesso ao fólio real por parte do registrador deverá ser desafiada através do procedimento de dúvida, regrado pelos artigos 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos, ou se em procedimento administrativo inominado, sendo que para este último não há previsão de prorrogação da prenotação.

Outros reflexos dizem respeito, em alguns Estados da Federação, à diferença no valor das custas devidas pelo ato, diferença na competência recursal ou, como querem alguns, uma qualificação mais ou menos rigorosa.

Como este trabalho tem por objeto apenas investigar a posição jurisprudencial vigente nos órgãos censório-fiscalizatórios paulistas, limito-me a noticiar que o CSM-SP já decidiu que a partir da vigência da Lei 11.382/06 as penhoras passaram a ser objeto de averbação.

Tal o entendimento expresso no acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 948-6/8, comarca de São José do Rio Preto, publicada no DOJ de 26.01.2009, onde constou que

Na espécie, o que se discute é o ingresso no registro imobiliário de certidão de penhora de imóvel, efetivada em processo jurisdicional. Embora pela Lei de Registros Públicos tenha sido previsto o registro da penhora de imóveis (art. 167, I, n. 5), não há como desconsiderar que, nos termos do art. 659, § 4º, do CPC, com as alterações introduzidas pela Lei n. 11.382/2006, o ato em questão passou a comportar averbação.

Assim, com a nova redação dada ao § 4º do art. 659 do CPC, não se fala mais em registro da penhora de bens imóveis, mas sim em averbação de tal constrição.

Observe-se que a Lei n. 11.382/2006 teve vigência a partir de 21.01.2007, cumprido período de vacatio legis de 45 dias, e o título ora discutido foi apresentado na serventia em 01.02.2007, sujeitando-se, portanto, à averbação.

Como se pode perceber, não se está mais diante de dissenso relacionado a registro em sentido estrito, autorizador da instauração da dúvida registral disciplinada nos arts. 198 e seguintes da Lei n. 6.015/1973, mas sim de dissenso envolvendo ato de averbação, a ser solucionado pela via do processo administrativo comum.


Referências bibliográficas

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Notas

[1] GOMES Junior, Luiz Manoel. A penhora – necessidade de registro. Um novo direito real? A preferência na hipótese de duas constrições sobre um mesmo bem. Revista de Direito Privado nº 8, out-dez 2001, p. 120-127. São Paulo: RT, 2001.

[2] NERY Junior, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 10ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1042.

[3] ASSIS, Araken. Manual da Execução, 11ª ed. rev. ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007. São Paulo: RT, 2007, p. 592.

[4] OLIVEIRA, Francisco Antonio. Manual de penhora. Enfoques trabalhistas e jurisprudência, 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 127.

[5] JACOMINO, Sergio. Donationes inter virum et uxorem. Disponível em www.observatoriodoregistro.com.br (acesso em 12.01.2009).

[6] PASSARELLI, L. L. A auto-regulação da atividade registral-imobiliária: aplicação para suprir as deficiências do procedimento de dúvida e a questão das qualificações positivas. São Paulo: Boletim Eletrônico INR 3122, 2009.

[7] STJ, 2ª Seç. Ccomp 2870-0-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 25.8.1993, v.u., DJU 4.10.1993.

[8] (CSM-SP. Ap. Cível nº 100.745-0/9 – 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital – DOE de 30.06.2003).

[9] (CSM-SP. Ap. Cível nº 55-6/2, comarca de Ibiúna. DOE de 17.10.2003).

[10] (CSM-SP. Ap. Cível nº 79-6/1, comarca da Capital – 8º Oficial de Registro de Imóveis – DOE de 07.11.2003).

[11] (CSM-SP. Ap. Cível nº 101.259-0/8, comarca de São Paulo – 9º Oficial de Registro de Imóveis – DOE de 07.11.03).

[12] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3ª ed. rev. e atual. Forense: Rio de Janeiro, 1982, p. 304.

[13] ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do Registro de Imóveis.São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997, p. 56.

[14] GARCIA, José Manoel García. Derecho Inmobiliario Registral o Hipotecário, Tomo III. Madrid: Civitas, 2002, p. 1235.

[15] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3ª ed. rev. e atual. Forense: Rio de Janeiro, 1982, p. 243.

[16] GARCIA, José Manoel García. Derecho Inmobiliario Registral o Hipotecário, Tomo III. Madrid: Civitas, 2002, p. 1471.

[17] E também pelas suas autarquias, como o INSS, e fundações públicas, não se deve esquecer.

[18] Inclusive retroagindo à data da prenotação (artigo 1.246 do Código Civil).

[19] Lembre-se que o registro é obrigatório, conforme consta expressamente do artigo 169 da Lei de Registros Públicos. Defendemos que o adquirente e o credor que descumprem o comando legal estão por isso descumprindo a função social da propriedade.

[20] Por conseqüência, qualquer outra forma de transmissão do imóvel, como adjudicação, alienação particular, etc.

[21] Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005.