Pirataria de Sofware: questões da nova jurisprudência


Porjeanmattos- Postado em 17 outubro 2012

 

As questões jurídicas relacionadas ao direito autoral e, mais especificamente, ao combate à contrafação, são alvo constante da mídia, de campanhas publicitárias e, mais recentemente, de políticas públicas de responsabilidade do Conselho Nacional de Combate ä Pirataria, criado pelo Decreto-Lei 5.244/04.
 
Não há dúvida de que a violação do direito autoral lesa tanto o interesse exclusivo e particular do autor, quanto toda a sociedade em um aspecto amplo, seja pela sonegação fiscal, pelo descrédito no cenário internacional e econômico, bem como por representar uma barreira à realização de novos incentivos e investimentos na área.
 
Por tais considerações, e por mais que se discuta academicamente e em entendimentos jurisprudenciais isolados a questão da descriminalização da conduta de violação de direito autoral, não se poderia defender, em qualquer instancia, a banalização de tão relevante instituto que é necessário não apenas para o desenvolvimento cultural, mas também para o econômico de nosso pais.
 
Porém, não há dúvida de que algumas questões pontuais relativas aos litígios envolvendo direito autoral carecem de maior debate, atenção e, quiçá, mobilização por parte da sociedade ativista.
 
Um destes tópicos que tem sido noticiado recentemente é o relativo ä exigência de reciprocidade com o direito estrangeiro assinalado pelo artigo 2o, §4o, da Lei 9.609/98, a Lei do Software.
 
No caso específico dos programas de computador, é muito comum que estrangeiros proponham ações judiciais no país visando resguardar seus interesses econômicos, notadamente para estabelecer uma frente formal de combate à pirataria.
 
A Lei 9.609/98 impõe uma condição a tais estrangeiros, que é a comprovação de que a lei vigente em seu domicílio assegure os mesmos direitos aos brasileiros.
 
Tal determinação constitui um ônus processual, e que constitui uma verdadeira condição da ação específica para as questões envolvendo direitos autorais de programa de computador cujo titular seja estrangeiro, sem o que qualquer ação movida deve ser extinta sem resolução de mérito por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, consoante determinação do artigo 267, inciso IV, do Código de Processo Civil.
 
Trata-se de um simples reflexo do princípio da reciprocidade do Direito Internacional, o qual pressupõe uma relação de igualdade e de respeito mútuo entre dois ou mais Estados, o que não constitui inovação alguma para a doutrina e jurisprudência brasileiras.
 
No que se refere à sua aplicação e exigência concreta pelo Poder Judiciário brasileiro em questões atinentes ao direito autoral, todavia, é possível notar uma certa resistência em se analisar criteriosamente tal previsão legal, que nada mais representa do que a simples aplicação da lei, já que tal entendimento é muitas vezes combatido com um argumento maldoso, e até mesmo terrorista, de que se estaria a defender a “pirataria”ou a indiscriminada violação ao direito de autores.
 
Neste diapasão, situa-se uma recente e corajosa decisão do Tribunal de Justiça Mineiro, que irradia luz sobre esta tormentosa questão ao chamar a atenção para o fato de que a reciprocidade da lei brasileira e da estrangeira devem ser analisadas detalhadamente, a saber:
 
PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE - ANÁLISE DA EQUIVALÊNCIA DE DIREITOS – EXISTÊNCIA DE CONTROVERSA DE DIREITO ESTRANGEIRO - PROVA DA RECIPROCIDADE. - A equivalência de direitos (princípios da reciprocidade) depende de duas análises sobre a lei estrangeira: uma no campo da existência (direito estrangeiro tratado como fato) e outra no campo da aplicabilidade (direito estrangeiro aplicado como lei). - Havendo relevante controvérsia quanto à existência do direito equivalente, torna-se insuficiente simples prova documental do texto e da vigência de lei. (TJMG, 1997363-55.2008.8.13.0024. 18a Câmara Cível. DJMG 28.05.20)”.
 
O ordenamento jurídico brasileiro, aliás, está mais do que apto a coadunar com o julgado acima transcrito, conquanto o artigo 337 do Código de Processo Civil exija que a parte que alega direito estrangeiro deve provar o seu teor e vigência, e o artigo 14 da Lei de Introdução ao Código Civil preceitua que não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.
 
Antes de mais nada, em casos desta natureza, é necessário estabelecer o contraditório acerca da reciprocidade ou não da lei estrangeira vigente no domicílio daquele que move a ação judicial, pois se trata de uma exigência da lei brasileira que a vantagem pecuniária (indenização) perseguida pelo estrangeiro também seja assegurada ao brasileiro que eventualmente sofra um problema similar.
 
A complexidade da questão é agravada ainda mais quando se passa a analisar o ordenamento jurídico estrangeiro de países oriundos do common law, nos quais os precedentes jurisprudenciais tem acentuada influência na aplicação da lei.
 
Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a Copyright Act não assegura aos titulares de direito autoral estrangeiros direitos para a reparação civil (indenização) se este mesmo titular não observar certas cautelas e exigências locais.
 
 



Por Bernardo Menicucci Grossi

 

Disponível em: http://www.ibdi.org.br/site/artigos.php?id=237