A polissemia do Direito e o tridimensionalismo jurídico


Pormathiasfoletto- Postado em 18 novembro 2012

Autores: 
PARANHOS, Natália

 

 

INTRODUÇÃO

A palavra Direito, segundo o pensador Pitágoras, é denominada como sendo “o igual múltiplo de si mesmo”. Destarte, percebemos a dificuldade em sua conceituação, visto que três correntes específicas de estudo (axiológica, sociológica e normativa) acabam por retratá-la de maneiras diversas. O Direito nasce de uma tensão, de uma dialética entre o fato e o valor buscando soluções concretas e racionais para as relações sociais estabelecidas entre os homens e as coisas.
Sua edificação e interpretação estão sujeitas à dinâmica cultural-valorativa, que variaria em face do tempo e do espaço e à busca da solução justa, ou, ao menos, razoável, para o caso concreto tendo o homem como fonte. Nosso escopo é tratar com maior profundidade o conceito e aplicabilidade da Teoria Tridimensional Direito, vez que ainda hoje é tida como o mais claro entendimento sobre a significação jurídica.

1. O QUE É DIREITO?

Jus est realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae servata servat societatem; corrupta, corrumpit. Esta definição de Dante merece nossa análise demorada pois, de maneira límpida, é apresentada a ordem jurídica como fundamento inarredável da sociedade. Vamos traduzir, se é necessário fazê-lo, uma vez que as palavras são transparentes: "O Direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a".
Dante esclarece que a relação é uma proporção. A proporção é, sempre, uma expressão de medida. O Direito não é uma relação qualquer entre os homens, mas sim aquela relação que implica uma proporcionalidade, cuja medida é o homem mesmo. Notem como o poeta viu coisas que, antes dele, os juristas não tinham visto, oferecendo-nos uma compreensão do Direito, conjugando os conceitos de proporção e socialidade. Proporção entre quem? De homem para homem. Quando a proporção é respeitada, realiza-se a harmonia " ...quae servata, servat societatem..." e, quando corrompida, corrompe a mesma sociedade. Mas, Dante não diz que há apenas uma proporção de homem para homem. Ele delimita melhor o sentido da palavra
proportio esclarecendo, quase com o rigor da técnica moderna: realis ac personalis.
Para Dante, o Direito tutela as coisas somente em razão dos homens: a relação jurídica conclui-se entre pessoas, não entre homens e coisas, mas é "real" quando tem uma coisa (res) como seu objeto. Ideias que hoje nos parecem tão modernas, como a da humanização e da socialização do Direito, já encontram os seus antecedentes através de uma tradição histórica. O Direito, indiscutivelmente, inova, apresenta elementos de renovação permanente, mas conserva, sempre, um fulcro de tradição.

1.1 CONCEITUAÇÃO

Direito é a ordenação bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum. Todas as regras sociais ordenam a conduta, tanto as morais como as jurídicas e as convencionais ou de trato social. A maneira, porém, dessa ordenação difere de uma para outra. É próprio do Direito ordenar a conduta de maneira bilateral e atributiva, ou seja, estabelecendo relações de exigibilidade segundo uma proporção objetiva. O Direito, porém, não visa a ordenar as relações dos indivíduos entre si para satisfação apenas dos indivíduos, mas, ao contrário, para realizar uma convivência ordenada, o que se traduz na expressão: "bem comum". O bem comum não é a soma dos bens individuais, nem a média do bem de todos; o bem comum, a rigor, é a
ordenação daquilo que cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio, uma composição harmônica do bem de cada um com o bem de todos.

1.2 POLISSEMIA DO DIREITO

A Ciência do Direito, durante muito tempo teve o nome de Jurisprudência, que era a designação dada pelos jurisconsultos romanos. Atualmente, a palavra possui uma acepção estrita, para indicar a doutrina que se vai firmando através de uma sucessão convergente e coincidente de decisões judiciais ou de resoluções administrativas (jurisprudências judicial e administrativa).
Pensamos que tudo deve ser feito para manter-se a acepção clássica dessa palavra, tão densa de significado, que põe em realce uma das virtudes primordiais que deve ter o jurista: a prudência, o cauteloso senso de medida das coisas humanas.

O primeiro sentido da palavra "Direito" tem a ver com o que denominamos "experiência jurídica", cujo conceito implica a efetividade de comportamentos sociais em função de um sistema de regras que também designamos com o vocábulo Direito. É comum vermos uma palavra designar tanto a ciência como o objeto dessa mesma ciência, isto é, a realidade ou tipo de experiência que constitui a razão de ser de suas indagações e esquemas teóricos.
"Direito" significa também, tanto o ordenamento jurídico, ou seja, o sistema de normas ou regras jurídicas que traça aos homens determinadas formas de comportamento, conferindolhes possibilidades de agir, como o tipo de ciência que o estuda, a Ciência do Direito ou Jurisprudência.
Não pensem, entretanto, que se deva fazer uma identificação entre o Direito como experiência social e o Direito como ciência. A prova de que essa identificação não se justifica está neste fato, de conseqüências relevantes: não é apenas a Ciência do Direito que estuda a experiência social que chamamos Direito. O fenômeno jurídico pode ser estudado pelo sociólogo, dando lugar a um campo de pesquisas que se chama Sociologia Jurídica. A
experiência jurídica pode ser igualmente estudada em seu desenvolvimento no tempo, surgindo assim a História do Direito.

2. ORIGEM DO TRIDIMENSIONALISMO DO DIREITO
2.1. CRITICISMO DE IMMANUEL KANT

A origem do conceito de tridimensionalidade se fez por meio do Criticismo. Este é o termo para designar uma corrente filosófica cujo nome expressivo foi Immanuel Kant. Ele objetivava o estudo do empirismo e racionalismo a fim de atingir o conhecimento.
Kant nos trouxe a idéia de que as intuições sensíveis precisam da razão, assim como a razão precisa da intuição sensível. Isso significa que o ato do conhecer sensível já estava condicionado à subjetividade racional. O homem criou o conceito de tempo e espaço e, assim, a subordinação do conhecimento sempre se fez por meio de tais características.
Um fato (sensível) era valorado pela norma (conhecimento racional). Valor é a medida da justiça. Esta é a teoria tridimensional. Discorrer a respeito do Direito é inevitavelmente citar a polissemia. A ciência que se destina a estudar a experiência humana do justo chamou-se Jurisprudência — por ser o senso prudente da medida. Para o jurista romano, o que mais interessa é a medida de ligação ou a medida do enlace que a Justiça permite e exige, de tal modo que Justiça e Direito se tornam inseparáveis, considerado que seja como um todo o conjunto da experiência jurídica.

3. TEORIA TRIDIMENSIONAL DE MIGUEL REALE

Uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito no tópico 1.2 do presente artigo veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos, discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um aspecto axiológico (o Direito como valor de Justiça).
Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor.
As noções do Direito nos trazem a perspectiva do fato ("realização ordenada do bem comum"), da norma ("ordenação bilateral-atributiva de fatos segundo valores") e do valor ("concretização da ideia de justiça"). Assim, a compreensão integral do Direito somente pode ser atingida graças à teoria tridimensional do Direito.

3.1 FATO, VALOR E NORMA

O Direito é uma integração entre fato e norma. Esta resulta da valoração daquele. É impossível entender a norma sem a apreensão do fato social e se sua valoração. O dinamismo do fato social não anula a norma; ao contrário: aperfeiçoa o entendimento da norma. Isso significa que a norma não se petrifica. Ademais, sequer se torna anacrônica, fora de seu tempo.
Existe uma interdependência equilibrada propiciando a não-absorção ou exclusão uma pela outra.O fato é apreciado pelo jurista no seu dinâmico relacionamento com valor e norma. A teoria tridimensional em concreta e abstrata. A primeira tem fato, valor e norma ocupando
sempre a atenção do jurista, pouco importando que o ponto de partida, para ele, deva ser a norma. Para o abstrato, compete ao filósofo estudar apenas o valor, o sociólogo estudar o fato social e a norma ao jurista.
A tridimensionalidade não é suficiente para explicar o direito, que necessita de outras disciplinas (hermenêutica, lógica jurídica, etc). A sociologia jurídica analisa o processo de criação do direito e sua aplicação na sociedade. O adultério, por exemplo, foi revogado recentemente. O advogado da mulher adúltera poderia argumentar pela absolvição da ré alegando inaplicabilidade da norma. Já o Tribunal prima pela condenação da acusada.
Poderíamos considerar diversas opiniões, como a de um jurista, que alega inaplicabilidade pelo fato de se tratar de relação pessoal entre cônjuges. O Estado foi além dos limites de sua competência, ou seja, a norma contraria os princípios do direito. Outro sujeito poderia compreender as razões sociais que levaram à elaboração da norma e sua aplicabilidade, ou não.
Este é o ponto de reflexão a respeito do direito versus evolução social.

3.2 DIALÉTICA DE IMPLICAÇÃO-POLARIDADE

Fato, Valor e Norma não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta.Ademais, o Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que a integram.
Desde a sua origem, isto é, desde o aparecimento da norma jurídica, - que é síntese integrante de fatos ordenados segundo distintos valores, - até ao momento final de sua aplicação, o Direito se caracteriza por sua estrutura tridimensional, na qual fatos e valores se dialetizam, sendo tal fenômeno chamado de "dialética de implicação-polaridade"; que não se confunde com a dialética hegeliana dos opostos.
Segundo a dialética de implicação-polaridade, o fato e o valor nesta se relacionam de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro (polaridade) mas se exigindo mutuamente (implicação) o que dá origem à estrutura normativa como momento de realização do Direito. Por isso é denominada também "dialética de complementaridade".

3.3 REFLEXÕES ACERCA DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

Segundo a teoria tridimensional dinâmica de Miguel Reale, os fatos socialmente valorados são integrados ao corpo do ordenamento jurídico positivo, de forma sistemática. O Direito não é apenas fato como para os marxistas, não é apenas valor como na leitura da escola do direito natural e nem apenas norma positiva, como propõe o positivismo jurídico.
O direito é simultaneamente fato, valor e norma, ou a relação entre esses três níveis, com a integração normativa do fato valorado, através de um processo dialético. O Direito, primordialmente é construído a partir da uma conduta humana que, em determinadas circunstâncias exerce o direito.
Esse direito não é criado a partir de uma norma, pois, para se chegar na norma, precisou que houvesse a conduta humana. Ex: No Brasil não ha nenhuma lei proibindo que estudantes de direito se joguem pelas janelas das salas de aulas, pois não há essa conduta. O mesmo se aplica tanto ao fato quando ao valor. Primordialmente, temos uma conduta humana para que assim haja, de fato, o Direito. Se Reale nos diz que Direito é FATO, VALOR E NORMA, pergunta-se: Onde, na ideologia de Reale, entra tal conduta humana?
Todo fato relevante para o Direito decorre de uma conduta humana. E é somente sobre tais fatos relevantes que será construída uma valoração que poderá culminar em uma norma. A Teoria Tridimensional do Direito só é possível aos nossos olhos porque trabalhamos com leis positivadas. Se nosso sistema jurídico fosse baseado em jurisprudência, como é o inglês, acabaríamos por inibir a busca por novas possibilidades e visões sobre os questionamentos jurídicos.
Cóssio fala da conduta humana e sua interferência intersubjetiva. Resumidamente, ele coloca a linguagem como sendo um elemento "estranho" aos dois participantes da interação.
Ocorre que a linguagem não é um elemento "estranho". Exemplo: NÃO PENSE NUMA MAÇÃ VERMELHA AGORA!
Impossível não pensarmos na tal maça pelo fato de estarmos imersos na linguagem, ou seja, se caso ela fosse um estranho elemento aos participantes da interação, conseguiríamos tal feito? A resposta parece ser negativa. O direito é originário da conduta humana; não se origina das leis como dizia Kelsen. Logo, para resolvermos o caso concreto, temos que recorrer à conduta e não as leis.
Ao estudarmos a jurisprudência, temos uma noção de como variados casos (e juízes) se posicionaram. Ou seja, ao buscarmos respostas na jurisprudência, teríamos uma "resposta" para o caso, já que recorrendo à jurisprudência, estaríamos face à fonte primordial do direito: A CONDUTA HUMANA.
A jurisprudência por si só não poderia ser utilizada como forma de penalizar um crime. Alguns atos de extrema barbárie vem ocorrendo por não termos jurisprudência referente. Em 2003, na Alemanha, ‘A’ cometeu canibalismo, tendo colocado um anúncio no jornal procurando um voluntario para ser morto, ter a sua carne cortada e comida ao longo de um ano. O crime foi descoberto porque ‘A’ colocou anúncio na internet procurando mais um voluntário. Não havia jurisprudência sobre isso na Alemanha; e as leis germânicas não possuem nenhum tipo de penalidade para canibalismo. Por isso, recorreram a outras leis de forma 'genérica' (analogia) e usaram-nas para penalizar o sujeito . Concluímos que o sistema baseado em jurisprudências só é eficiente quando se trata de crimes comuns.

3.3.1 DIREITO E A INFLUÊNCIA DA LINGUAGEM

A linguagem para os ocidentais é determinante em qualquer construção humana, eles intitularam a filosofia como filosofia da linguagem, logo a linguagem superou a condição de tudo que lhe era estranho, o direito enquanto norma não é estranho à linguagem, só que o direito não é e nem nunca será norma, em nenhuma dimensão, por mais restrita que seja uma norma, sempre será linguagem e a linguagem se constrói e desconstrói, dependendo dos interesses que a cerca, ou seja, com uma norma dizendo a mesma coisa, em dois períodos, não distantes, de tempo diferentes podemos ter duas interpretações, inclusive, opostas. Pois na linguagem, "ganha quem repete mais e mais bonito".
Ou seja, a partir da linguagem o direito não é norma. Direito enquanto fato, não se coaduna, pois mesmo que não lhe seja negada a historicidade ele não necessariamente estaria ligado à uma época, mas à uma interpretação, isso é controvertido. Direito enquanto valor subsiste, ao menos a linguagem ainda não desestruturou o direito enquanto valor. Para a linguagem, a abordagem de Reale cai, e pode renascer, claro, não por um processo dialético, mas um processo de repetição e convencimento. O exemplo clássico de linguagem que é dado, pelos ocidentais é que a teoria de Newton não é mais verdadeira que a de Aristóteles, só convenceu mais pessoas.

4. DIMENSÕES DO SISTEMA JURÍDICO
4.1 EFICÁCIA, JUSTIÇA E VALIDADE

O sistema jurídico tem três dimensões: Justiça (valor), validade (norma) e eficácia (fato). Para exemplificar, nos pautemos no Direito de Família. O intérprete estuda as normas, o filósofo reflete acerca das instituições do matrimônio, conseqüências morais, etc. Já o sociólogo jurídico tem a incumbência de averiguar o impacto social da norma. Concluímos que a lei pode condicionar, influenciar e transformar o comportamento dos cidadãos. Por isso devemos dar maior atenção ao tema da eficácia.
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REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
CUNHA, Renan Severo Teixeira da. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Ed. Alínea, 2008.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Ed. Saraiva, 2005.
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5916/A-polissemia-do-Direito-e-o-tridimensionalismo-juridico