Ponderação e proporcionalidade no direito brasileiro


Porrayanesantos- Postado em 07 maio 2013

Autores: 
SILVEIRA, Vinicius Loureiro da Mota

 

1. RESUMO.

 

Em uma sociedade pluralista, inevitável a eclosão de conflitos entre as normas da Lei Fundamental. Com a colisão entre direitos de igual hierarquia, avulta de importância uma técnica capaz de solucionar a querela posta ao Estado-juiz. A ponderação consiste no método necessário ao equacionamento das colisões entre princípios, em que se busca alcançar um ponto ótimo, em que a restrição a cada um dos direitos fundamentais envolvidos seja a menor possível, na medida exata à salvaguarda do direito contraposto. Podemos divisar, no ordenamento, duas espécies de normas: as regras e os princípios. As restrições impostas aos direitos fundamentais em disputa devem ser arbitradas mediante o emprego do princípio da proporcionalidade, devendo o julgador buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo, que atenda aos imperativos da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, subprincípios do princípio da proporcionalidade.

 

Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Colisão, Ponderação, Princípio da proporcionalidade.


 

 

2.  INTRODUÇÃO.

 

De acordo com o princípio da Unidade da Constituição, todas as normas do texto constitucional apresentam o mesmo nível hierárquico. Uma vez inseridas na Carta Magna, as normas possuem o mesmo valor, independentemente do seu conteúdo.

 

Aliado a isto, temos a premissa de que as normas constitucionais devem ser interpretadas e aplicadas como um todo harmônico, cujos elementos devem guardar coerência interna, de modo a evitar conflitos entre os seus dispositivos.

 

Ocorre que, em uma sociedade pluralista como a brasileira, onde diversos setores encontravam-se representados no Poder Constituinte Originário, como ainda se encontram no Poder Reformador, acolhendo normas que promovem interesses e valores divergentes, inevitável a eclosão de conflitos entre as normas da Lei Fundamental. Como adverte Konrad Hesse,

 

Em síntese, pode afirmar: a Constituição Jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta do seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta esta realidade. Constatam-se os limites da força normativa da Constituição quando a ordenação Constitucional não mais se baseia na natureza singular do presente. Esses limites não são, todavia, precisos, uma vez que essa qualidade singular é formada tanto pela idéia de vontade da Constituição quanto pelos fatores sociais, econômicos e de outra natureza. (HESSE, 1991, p. 24).

 

Neste diapasão, mesmo sendo normas de aplicação imediata, os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal não são ilimitados, uma vez que encontram os seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna. (MORAES, 2002, p. 61).

 

Assim, diante de sua relatividade, e pela possibilidade freqüente que os direitos fundamentais podem entrar em colisão na solução de casos concretos, torna-se essencial a construção de uma técnica alternativa, que seja, por um lado, maleável, para dar conta da complexidade imanente ao fenômeno constitucional, mas que, por outro, não resvale para o puro subjetivismo. (SARMENTO, 2003, p. 22).  

 

Deste modo, possuindo os direitos fundamentais o caráter de princípios, normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, os nossos tribunais têm se utilizado do princípio da proporcionalidade quando confrontados pela apreciação de um conflito entre direitos fundamentais. Sob este pálio:

 

Uma das teses fundamentais expostas na teoria dos Direitos Fundamentais é que esta definição (os direitos fundamentais como princípios) implica no princípio da proporcionalidade com seus três subprincípios: idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, e vice-versa: que o caráter de princípios dos direitos fundamentais se segue logicamente do princípio da proporcionalidade. (ALEXY, 2002, p. 26).

 

No mesmo sentido, Willis Santiago Guerra Filho afirma, ao tratar da relatividade dos princípios constitucionais, bem como de um critério a ser adotado quando do conflito entre direitos fundamentais, que:

 

Não há princípio do qual se possa pretender seja acatado de forma absoluta, em toda e qualquer hipótese, pois uma tal obediência unilateral e irrestrita a uma determinada  pauta valorativa – digamos, individual- termina por infringir uma outra – por exemplo, coletiva. Daí se dizer que há uma necessidade lógica e, até, axiológica, de se postular um princípio de proporcionalidade, para que se possa respeitar normas, como os princípios – e, logo, também, as normas de direitos fundamentais, que possuem o caráter de princípio -, tendentes a colidir. (GUERRA FILHO, 2005).

 

Tentaremos, desta forma, demonstrar que a ponderação e o princípio da proporcionalidade são utilizados na solução dos conflitos entre direitos fundamentais.

 

3. PONDERAÇÃO E PROPORCIONALIDADE.

 

3.1. Ponderação.

 

Como bem apontado pelo ilustre professor Daniel Sarmento, a Constituição, em uma sociedade pluralista, acaba acolhendo normas que promovem interesses e valores divergentes, e que podem entrar em conflito na solução de casos concretos (SARMENTO, 2003).

 

Exemplo de fácil percepção, na defesa de interesses contrapostos, agasalhados por grupos políticos cujos valores acabaram, em maior ou menor medida, insertos no texto da Constituição Cidadã, é a proteção, de um lado, a propriedade privada, e, de outro, a função social que a mesma deve se ater para que, assim, possa se assegurar respeito àquele direito fundamental (CF, arts. 5°, XXII e XXIII).

 

É sob este paradigma, envolvendo casos concretos, com a colisão entre direitos de igual hierarquia, que avulta de importância uma técnica capaz de, sem estar adstrita ao talante do julgador, solucionar a querela posta ao Estado-juiz, com critérios que, mesmo com certa carga de subjetividade, são informados por outros onde subjace uma objetividade em que o jurisdicionado pode questionar e, sobretudo, fiscalizar como ocorreu o equacionamento de uma tensão, pelo intérprete responsável pela resolução da controvérsia.

 

A ponderação de interesses consiste, assim, no método necessário ao equacionamento das colisões entre princípios da Lei maior, onde se busca alcançar um ponto ótimo, em que a restrição a cada um dos bens jurídicos de estatura constitucional envolvidos seja a menor possível, na medida exata necessária à salvaguarda do bem jurídico contraposto (SARMENTO, 2003).

 

Historicamente, o tema da ponderação foi inicialmente suscitado pela jurisprudência dos interesses no início do século XX, permanecendo, porém, durante largo interregno, desprestigiado quando, na década de 60, foi colocado em posição de destaque não mais pela jurisprudência dos interesses, mas pela jurisprudência dos valores, cujos expoentes, dentre outros, foram Larenz, Canaris, Dworkin e Alexy.

 

Na cena local, talvez por particularidades acentuadas pela carga de positivismo e do conservadorismo, em uma sociedade que ainda tenta se livrar dos traços do patriarcalismo, impregnados na doutrina e na jurisprudência, o Brasil não perfilhou o mesmo interesse inicial pela matéria, ao passo que tribunais como os da Alemanha e dos Estados Unidos já utilizava e, conseqüentemente, a aperfeiçoava, na solução dos hard cases, com grande êxito.

 

Esta relativa ojeriza - ou preconceito - pode ser ainda notabilizada, hodiernamente, quando, indiretamente, a ponderação de interesses é utilizada, ou seja, de forma não aberta, enfatizando um amor exacerbado aos critérios lógico-formais do positivismo jurídico, cujos fundamentos, diante dos novos tempos, não são capazes de solucionar, na medida em que merecem ser resolvidos, todos os casos típicos do pós-positivismo.

 

Nesta seara, pode-se mensurar, com uma certa carga de contraposição, que, em uma sociedade onde há o predomínio da teoria jurídica positivista, cujo fundamento reside, na tarefa de aplicação do Direito, no silogismo, a ponderação de interesses desempenha um papel quase desprezível, tendo em vista a presunção da completude do sistema jurídico, auto-suficiente para a resolução dos conflitos de direitos, conflitos estes considerados como meramente aparentes sujeitos à resolução através de critérios abstratos, definidos de antemão pelo ordenamento.

 

Sob esta ótica, seria sempre possível precisar, com base no raciocínio lógico-formal,a norma aplicável a cada caso concreto, de modo que, definidos os fatos, todas as suas conseqüências jurídicas adviriam por via de um mecanismo silogismo. (SARMENTO, 2003, p. 20).

 

 Na medida em que se afasta deste ideário, evidenciado pela insuficiência dos critérios clássicos para a resolução de conflitos normativos (cronológico, hierárquico e de especialidade), resplandece com todo o vigor a temática da ponderação de interesses, oferecendo novos caminhos para a solução das controvérsias.

 

Diante deste quadro, imperioso destacar a necessidade de uma técnica aberta, um procedimento que seja capaz de solucionar a complexidade na qual o magistrado se coloca frente a inúmeras normas, contrapostas, enunciadas de modo vago, como o são os conceitos jurídicos indeterminados, mas que, assegurando o respeito à segurança jurídica, mesmo inevitavelmente um largo espaço para valorações subjetivas possa existir, não resvale para o puro subjetivismo. Reveste-se de importância, assim, como técnica de composição dos conflitos entre interesses constitucionais antagônicos (SARMENTO, 2003, p.23), a ponderação de interesses.

 

A respeito, averbando o caráter racional, e não apenas subjetivo, da ponderação de interesses, a mercê das críticas, dentre outros, de Habermas e de Friedrich Muller, acerca da manipulação, pelo juiz, da ponderação segundo sua livre convicção, com a conseqüente abertura para o subjetivismo e decisionismos judiciais, ou melhor, no tocante à alegada total liberdade do magistrado na ponderação de interesses, confira-se: 

 

A questão da ponderação radica na necessidade de dar a esse procedimento (colisão de direitos fundamentais) um caráter racional e, portanto, controlável. Quando o intérprete pondera bens em caso de conflito entre direitos fundamentais, ele estabelece uma precedência de um sobre o outro, isto é, atribui um peso maior a um deles. S se pode estabelecer uma fundamentação para esse resultado, elimina-se o irracionalismo subjetivo e passa-se para o racionalismo objetivo. (BARROS, 1996, p. 169).

 

No mesmo sentido, Emília Simeão Albino Sako:

 

A partir desta subdivisão (referindo-se aos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), é possível afastar o risco de decisões meramente subjetivas, uma vez que o julgador tem de externar as razões pelas quais a aplicação do princípio se fez necessária. A decisão pode, portanto, ser objeto de controle, tanto pelas partes do processo, quanto pela sociedade. (2005, p.62).

 

Destarte, tal concepção está correlacionada com o princípio da unidade da Constituição, onde se procura, dentro de uma visão global da Constituição, harmonizar as tensões porventura existentes entre normas colidentes.

 

O princípio da unidade da Constituição infere-se, assim, da interpretação sistemática, que exige a consideração, pelo intérprete, de que a norma não é um ente isolado, mas parte de um conjunto que tende a uma coerência significativa. (SANTOS, 2004, p. 32).

 

Nesta seara, a ponderação de interesses exsurge quando, pelo menos, dois princípios constitucionais estiverem em rota de colisão, em referência a um caso concreto, momento no qual caberá a um intérprete, em um primeiro plano, em consonância com o princípio da unidade da Constituição – o qual objetiva a busca de uma conciliação entre normas constitucionais aparentemente conflitantes, evitando as antinomias e colisões -, proceder à interpretação dos cânones envolvidos, para verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário, é possível harmonizá-los.

 

Na tarefa de evidenciar se um determinado caso, envolvendo dois ou mais princípios constitucionais, está albergado pela colisão de normas, ou, ao contrário, é possível harmonizá-los, resta também ao intérprete configurar, ou melhor, delimitar o campo normativo de cada princípio envolvido.

 

Para tanto, cada norma jurídica, implícita ou explicitamente, possui limites cujas fronteiras não podem ser transpostas. Esta análise dos limites imanentes dos direitos fundamentais, por exemplo, é uma tarefa anterior a resolução da colisão, pois esta só restará configurada se o caso concreto albergar normas cujos limites não foram superados.

 

Acaso não esteja uma norma no interior dos seus limites, deverá ceder espaço para a aplicação de uma outra norma cujos limites não foram superados.

 

Exemplo patente, de fácil constatação, são as fronteiras expressamente definidas na Constituição acerca da liberdade de associação (CF, art. 5°, XVII), inclusive de sua criação, independentemente de autorização (CF, art. 5°, XVIII). Destarte, criada uma associação de caráter paramilitar – associação para derrubar um governo -, como se pode observar com as existentes na Colômbia, lícita será a intervenção do Estado em sua dissolução.

 

Assim, não haverá colisão entre duas normas constitucionais quando, uma delas, se referir à criação de uma associação de caráter paramilitar, pois seus limites imanentes foram transpostos.

 

De outra banda, constatada uma efetiva colisão entre direitos fundamentais, por se tratar de uma situação concreta em que as normas se contêm no interior dos seus limites imanentes, não sendo possível harmonizá-las, passará o intérprete a uma segunda fase de análise, qual seja, a ponderação de interesses.

 

Neste caso, ele deve, à luz das circunstâncias concretas, impor “compressões” recíprocas sobre os interesses protegidos pelos princípios em disputa, objetivando lograr um ponto ótimo, onde a restrição a cada interesse seja a mínima indispensável à sua convivência com o outro (SARMENTO, 2003, p.102).

 

É sob este prisma que o operador do Direito, diante da percepção dos valores e princípios agasalhados no interior do ordenamento jurídico, atribuirá um peso específico a cada norma em colisão, para que se possa, assim, constatar, diante das circunstâncias concretas, qual dos direitos fundamentais deverá prevalecer.

 

Pode-se verificar, por seu turno, que determinada norma jurídica possui um peso genérico, frente aos valores insertos em um dado sistema jurídico, mas que, diante de uma análise acuidada, repita-se, das circunstâncias que envolvem um caso concreto, tal peso pode ceder em relação à uma outra norma que, genericamente, possui um peso inferior. Tal quadro deve-se ao fato de que o peso genérico é apenas indiciário do peso específico - peso que determinada norma assume ao serem sopesadas as nuances presentes em uma colisão de normas - que cada princípio vai assumir na resolução do caso concreto.

 

Outrossim, as restrições impostas aos interesses em disputa devem ser arbitradas mediante o emprego do princípio da proporcionalidade, devendo o julgador buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo, que atenda aos seguintes imperativos: a) a restrição a cada um dos interesses deve ser idônea para garantir a sobrevivência do outro; b) tal restrição deve ser a menor possível para a proteção dos interesses contrapostos e; c) o benefício logrado com a restrição a um interesse tem de compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico (SARMENTO, 2003, p. 105).

 

Percebe-se, pois, diante da constatação da necessidade da ponderação de interesses, frente a uma colisão inarredável de direitos fundamentais, qual dos direitos apresentados sob a forma de princípios deverá prevalecer, em feitio a proporcionalidade.  Para tanto, Robert Alexy afirma:

 

A lei da ponderação mostra que a ponderação deixa-se decompor em três passos. Em um primeiro passo deve ser comprovado o grau do não-cumprimento ou prejuízo de um princípio. A isso deve seguir, em um segundo passo, a comprovação da importância do cumprimento do princípio em sentido contrário. Em um terceiro passo deve, finalmente, ser comprovado se a importância do cumprimento do princípio em sentido contrário justifica o prejuízo ou não-cumprimento do outro. (2005, pp. 339-340).

 

3.2. Princípio da proporcionalidade.

 

3.2.1 Regras e princípios.

 

Em geral, podemos divisar, no ordenamento jurídico, duas espécies de normas jurídicas: as regras e os princípios. Estes, com o advento do neoconstitucionalismo e do pós-positivismo, passaram a desempenhar um novo papel, em consonância com o conjunto de transformações ocorridas no Estado e no Direito Constitucional, em especial, no Brasil, após a Constituição de 1988, aos novos paradigmas, como o reconhecimento da força normativa à Constituição, e a expansão da jurisdição constitucional, dentre outros.

 

Nesta esteira, a teor do seu próprio sentido, exprimindo e irradiando valores supremos de um dado sistema, o estudo dos princípios ganhou um novo impulso, diante da percepção de sua normatividade, ou seja, do reconhecimento de sua juridicidade, com o seu caráter conceitual e positivo de norma jurídica, deixando, assim, de desempenhar um papel secundário – quando se recorreria a sua aplicação somente na hipótese de lacuna legal.

 

A par desta constatação, quadra salientar, em deferência à mudança do caráter supletivo dos princípios, como instrumento de integração do sistema, para a percepção e consolidação de sua juridicidade, como espécie de normas constitucionais ao lado das regras, os estudos iniciados com Ronald Dworkin acerca da natureza jurídica dos princípios, e, posteriormente, desenvolvidos por Robert Alexy.

 

A este respeito, precisas são as palavras do professor Gustavo Santos:

 

Não mais se confundem os princípios constitucionais com os antes estudados princípios gerais do direito. Os princípios constitucionais são reconhecidos como verdadeiras normas jurídicas e não compõem o juízo do aplicador apenas como elemento de composição de “lacunas” do sistema, função que reservava a Lei de Introdução do Código Civil aos chamados princípios gerais do direito. São princípios jurídico-materiais.

 

Inicialmente destacaram-se, na matéria, os estudos de Ronaldo Dworkin. A partir dessa contribuição, Robert Alexy propôs uma conceituação de princípios hoje genericamente utilizada. Nessa definição, compreende-se que as normas constitucionais se apresentam ou sob a forma de regras, ou sob a forma de princípios. (2004, p.9).

 

Denota-se, diante deste quadro, o alto grau de abstração e da carência na determinabilidade na aplicação do caso concreto em que se revestem os princípios, podendo ser encontrados tanto de forma expressa, como de forma implícita, ao passo que, encontrados somente na forma expressa, as regras possuem um grau de concretização superior, diante de seu menor grau de abstração.

 

As regras, assim, permitem, pela suficiência do seu grau de concretização, a subsunção, pois delimitam, com a precisão necessária, as respectivas hipóteses de incidência e conseqüências jurídicas. Em apoio nas lições legadas por Dworkin, as regras incidem sob a forma do tudo ou nada, o que não sucede com os princípios.

 

Em outras palavras, presentes os seus pressupostos fáticos, ou a regra é aplicada ao caso concreto a ela subsumido, ou é considerada inválida para o mesmo. Já os princípios jurídicos atuam de maneira diversa, pois, presentes as condições de fato enunciadas como necessárias à sua incidência, daí não decorre necessariamente a sua aplicação ao caso concreto (SARMENTO, 2003, p. 44).

 

Em resumo, se duas regras estão em conflito – que deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação, com a aplicação dos critérios cronológico, hierárquico e de especialidade -, uma não poderá ser válida, enquanto, entre os princípios, em havendo colisão, será aplicado, dentro do mecanismo da ponderação, aquele que tiver maior peso ou importância naquela circunstância. Desta forma, quando os princípios colidem, não se excluem, pois não pertencem, ao contrário das regras, no mundo do juridicamente válido e existente, mas no indefinido mundo do possível.

 

Ao encontro destas explanações, enfatiza Suzana de Toledo Barros:

 

Resulta destas constatações que um conflito entre regras gera uma antinomia, entendida como a situação de incompatibilidade entre ambas, que conduz à necessidade de uma delas ser eliminada do sistema. Já em relação a um conflito entre princípios, diversa é a solução (...).  Quando dois princípios entram em colisão, não significa que se deva desprezar ou tornar inválido um deles. O que ocorre é que, sob certas circunstâncias, um princípio precede ao outro, e, sob outras, a questão de precedência pode ser solucionada de maneira diversa, mas sempre tendo em vista a possibilidade de realização de ambos. O conflito entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto os conflitos entre princípios, na dimensão do peso. ( 1996, pp. 154-155).

 

Frente a tais constatações, exsurge, porém, a dificuldade em se precisar a classificação de determinada norma como regra ou princípio, pois tal distinção não prescinde apenas de seu elemento literal, de sua sintaxe, importante mas que deve ser analisado conjuntamente com os elementos definidores de uma norma como regra ou princípio, pois nem sempre está claro, no enunciado, se determinada norma é uma regra ou um princípio. Em especial, a dificuldade será encontrada quando as regras contêm os chamados conceitos jurídicos indeterminados (SANTOS, 2004, p. 11).

 

A este respeito, corroborando o entendimento aqui expendido, o constitucionalista italiano Roberto Bin acendrou que:

 

não é então o modo pelo qual um enunciado legislativo está redigido que vai decidir sobre a natureza da norma que ele é capaz de exprimir sobre a sua classificação no grupo das regras ou dos princípios. (apud SARMENTO, 2003, p. 48).

 

Neste passo, no plano metodológico deste artigo, tenho que as colisões de direitos fundamentais não podem ser resolvidas no plano do tudo ou nada, do válido, mormente quando, em uma situação concreta, diante das circunstâncias, deverá prevalecer o de maior peso, permanecendo, outrossim, aquele direito fundamental de menor peso, perfeitamente válido no ordenamento jurídico.

 

Todavia, não se está aqui a dizer que os direitos fundamentais se apresentam, em todo e qualquer caso, com a natureza jurídica de princípios, dentro da subdivisão das normas em regras e princípios. Neste passo, sem margens a maiores questionamentos, não há como defender, frente aos direitos fundamentais, um modelo puro, que toma todas as suas normas somente como princípios, ou só como regras. A corroborar tal entendimento, veja-se:

 

é possível asseverar que a nossa Constituição não optou por modelo estrutural único para as normas de direitos fundamentais. No texto da Carta Política de 1988, estas são dispostas tanto em forma de princípios – o da liberdade de profissão, do juiz natural, da presunção de inocência, da ampla defesa, da igualdade, etc – como em forma de regras, v.g., a obrigatoriedade de relaxamento da prisão ilegal ou a admissão de ação penal privada em caso de omissão do Ministério Público no prazo legal. (BARROS, 1996, p. 155).

 

Outrossim, advindo das lições extraídas de Robert Alexy, os direitos fundamentais, mesmo quando expressados sob a forma de regras, reconduzem-se a princípios, tendo em vista o valor ou bem jurídico que visam proteger. (BARROS, 1996, p. 155).

 

E é no caráter principiológico das normas de direitos fundamentais que exsurge a aplicação do princípio da proporcionalidade no equacionamento de eventuais colisões, tendo em vista que a concretização dos direitos fundamentais está atada ao princípio da proporcionalidade, em razão do caráter principiológico das normas que os contemplam. (BARROS, 1996, p. 156).

 

3.2.2. Origem e evolução.

 

Prima facie, destacando que a noção de que os atos do Poder Público devem ser adequados e proporcionais em relação às situações a que visam atender é até intuitiva, Daniel Sarmento explica que, quando manejado com cautela e parcimônia, o princípio da proporcionalidade revela-se um excepcional instrumento para a proteção dos valores constitucionais, sobretudo daqueles não positivados no texto fundamental, em razão, principalmente, da fluidez e imprecisão de que se revestem os princípios, no qual enquadra-se a proporcionalidade, permitindo destacar, dentre as suas múltiplas funções, a de atuar como pauta procedimental de ponderação de interesses (SARMENTO, 2003, pp. 77/78).

 

Em suas intricadas relações, asseverou Suzana de Toledo Barros que o princípio da proporcionalidade tem como principal campo de atuação o dos direitos fundamentais, e, por isso, qualquer manifestação do poder público deve render-lhe obediência. (1996, p. 26).

 

Assim, pretende o princípio da proporcionalidade instituir a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle do excesso. (BONAVIDES, 2003, p. 393).

 

Revela-se, pois, o princípio da proporcionalidade como, dentre suas múltiplas funções, um mecanismo jurídico de salvaguarda e proteção eficaz dos direitos fundamentais, perante as múltiplas facetas do poder estatal, devendo fornecer, destarte, os critérios das limitações à liberdade individual.

 

É sob esta necessidade inarredável da ponderação de interesses que está ligado o princípio da proporcionalidade, cujo desenvolvimento encontra-se intrinsecamente relacionado ao advento do Estado de Direito na modernidade, tendo em vista que não se concebe que o poder, ali, seja exercido sem limites. A atividade dos poderes constituídos sempre deverá estar voltada à realização de determinados valores, que, explícita ou implicitamente, fundamentam a sua própria existência como sociedade política. (SANTOS, 2004, p. 106).

 

Muito embora a idéia do princípio da proporcionalidade esteja vinculada, nestes últimos tempos, ao Direito Constitucional – a vinculação deste princípio ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais -, tema, inclusive, deste estudo monográfico, sua origem repousa, frente aos delineamentos compatíveis com sua feição atual, no Direito Penal, seguindo os ensinamentos legados por Beccaria, segundo o qual as sanções criminais deveriam ser proporcionais à gravidade dos delitos praticados. Já em um segundo momento, mais precisamente no século XIX, o princípio em tela alcança o Direito Administrativo, em razão de ser entendido como medida para as limitações administrativas da liberdade individual. (SARMENTO, 2003, p. 79).

 

Saliente-se que foi depois da Segunda guerra Mundial, caminhando do Direito Administrativo, que os alemães, após o advento da Lei Fundamental de Bonn, e sobretudo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, alojaram o princípio da proporcionalidade como instrumento de aplicação de caráter constitucional.

 

É sobre este quadro - em relação à proporcionalidade, e sua aplicação, mais recentemente, nos campos do Direito Administrativo e do Direito Constitucional -, que Paulo Bonavides leciona, veja-se:

 

O princípio da proporcionalidade é, em rigor, antiqüíssimo. Redescoberto nos últimos duzentos anos, tem tido aplicação clássica e tradicional no campo do Direito Administrativo. Mas a grande novidade do fim do século XX vem sendo, sem dúvida, sua aplicação no domínio do Direito Constitucional(...). (2003, p.398)

 

Sob influência do direito alemão, em especial, com a jurisprudência da Corte Constitucional, o princípio da proporcionalidade ganhou expresso desenvolvimento, em grande parte devido à necessidade de se evitar eventuais atrocidades como as perpetradas pelo legislador nazista, recebendo, assim, especial proteção no texto constitucional. A este respeito, pontifica Daniel Sarmento:

 

a constitucionalização do princípio da proporcionalidade no direito continental europeu só veio a ocorrer após a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, como reação às barbaridades cometidas pelo legislador nazista. A preocupação da Corte Constitucional germânica com a proteção dos direitos fundamentais diante dos possíveis abusos do legislador, levou-a a transplantar, para o direito constitucional daquele país, o princípio da proporcionalidade (...), que passou a ser utilizado com freqüência como parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis. Assim, muito embora o princípio da proporcionalidade não se encontre explicitado no texto da Lei Fundamental de Bonn de 1949, hoje a doutrina e a jurisprudência reconhecem o seu caráter de princípio implícito, decorrente da cláusula do Estado de Direito. ( 2003, p. 80).

 

Adiante, acrescenta:

 

o reconhecimento e o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade nas nações européias ocorreu paralelamente à superação de experiências totalitárias traumáticas, o que representa um indício eloqüente da ligação visceral entre esse princípio e a vontade de efetivação dos direitos fundamentais. (2003, p. 81).

 

Neste pálio, a partir do impulso, em um primeiro momento, dado pela Alemanha, vários outros países europeus foram, paulatinamente, acolhendo, em sede constitucional, o princípio da proporcionalidade, como, exemplificadamente, podemos apontar a Itália, Portugal, Espanha, Suíça e Áustria, dentre outros.

 

No Brasil, diante da grande resistência de parte do Poder Judiciário em eventualmente transgredir o princípio da separação dos poderes, verdadeiro dogma, alicerçado como princípio fundamental da nova ordem constitucional, o princípio da proporcionalidade não teve o mesmo desenvolvimento observado nos países europeus, pós Segunda Guerra Mundial.

 

Não era para se esperar, diante deste quadro, um grande ativismo judicial na concretização de princípio tão elástico como a da proporcionalidade (SARMENTO, 2003, p. 91), isto é, uma intervenção dos Tribunais no mérito de certas valorações legislativas e administrativas (BARROSO, 2003, p. 220).

 

Outrossim, diante de novas vicissitudes de uma sociedade em constante transformação, e à míngua de um texto constitucional que não consegue acompanhar, com a velocidade necessária, a nova ordem social, o princípio da proporcionalidade, mesmo quando não invocado explicitamente, começou a ser utilizado, mesmo antes da Constituição de 1988, como atestou Daniel Sarmento, com os precedentes encontrados nos julgamentos do Recurso Extraordinário (RE) n° 18.331, de 21.09.1951, do relator Ministro Orozimbo Nonato, e da Representação n° 930-DF, de 5.5.1976, de relatoria do Ministro Rodrigues Alckmin (2003, pp. 91-92), decisões estas, entre outras, passíveis de serem catalogadas como manifestações de reconhecimento do princípio da proporcionalidade.

 

Sem embargo, o Pretório Excelso só veio a reconhecer explicitamente o princípio da proporcionalidade na decisão do pedido de liminar da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n° 855-2, de 1.06.1993 (SARMENTO, 2003, p. 93), onde se discutia a constitucionalidade da Lei do Estado do Paraná, cuja ementa assim prescreve:

 

Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determina a pesagem de botijões entregues ou recebidos para substituição à vista do consumidor, com o pagamento imediato da eventual diferença a menor: argüição de inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, IV e VI (energia e metrologia), 24 e parágrafos, 25, §2°, e 238, além de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos: plausibilidade jurídica da argumentação que aconselha a suspensão cautelar da lei impugnada, a fim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, no caso de vir a declarar-se a inconstitucionalidade. Liminar deferida.

 

O princípio da proporcionalidade é, pois, instrumento de interpretação a ser utilizado na ponderação de direitos em colisão, objetivando auferir aquele que, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto, detém o maior peso específico, prevalecendo um sobre o outro na solução da lide.Em derredor da matéria, entende, com brilhantismo, Georg Ress que:

 

O princípio da proporcionalidade, enquanto máxima de interpretação, não representa nenhum, critério material, ou seja, substantivo, de decisão, mas serve tão-somente para estabelecer, como diretiva procedimental, o processo de busca material da decisão, aplicado obviamente à solução de justiça do caso concreto e específico. (apud BONAVIDES, 2003, p. 426).

 

Está, por assim dizer, que, na ponderação de interesses por meio do princípio da proporcionalidade, objetivar-se-á não a exclusão de algum dos direitos em colisão, mas, na medida do possível, a busca de um resultado que aufira o melhor de cada uma das normas em uma determinada situação. Neste passo, pontifica Robert Alexy que:

 

Direitos fundamentais como princípios são mandamentos de otimização. Como mandamentos de otimização, princípios são normas que ordenam que algo seja realizado, relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas, em medida tão alta quanto possível. (2005, p. 339).

 

3.2.3. Decomposição do princípio da proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

 

Para o entendimento de toda a sua completude conceitual, e de tradição advinda da doutrina alemã, o princípio da proporcionalidade é subdividido em três subprincípios, quais sejam: a adequação (ou idoneidade), a necessidade (ou exigibilidade) e a proporcionalidade em sentido estrito, verdadeiros requisitos intrínsecos do princípio em foco, os quais, em conjunto, dão-lhe a densidade indispensável para alcançar a funcionalidade pretendida pelos operadores do direito (BARROS, 1996, p. 73).

 

O subprincípio da adequação, primeiro elemento do princípio da proporcionalidade, preconiza a relação entre o ato praticado e a finalidade almejada.

 

Em outras palavras, indaga se a medida adotada pelo Estado é adequada à obtenção do fim que o legislador pretende atingir. Estamos aqui a tratar, portanto, da utilidade da medida adotada. Cuida da relação de causalidade entre a medida adotada pelo Estado e o fim que visa alcançar, ou seja, uma relação de causa e efeito entre o meio utilizado e o fim pretendido (SANTOS, 2004, pp. 110-111).

 

Representa, na visão de Suzana de Toledo Barros, o respeito à congruência na relação meio-fim, restringindo-se o subprincípio da adequação à seguinte indagação: o meio escolhido contribui para a obtenção do resultado pretendido? (1996, p. 74).

 

Exclui-se, desta indagação, como se pode depreender, qualquer consideração no tocante ao grau de eficácia dos meios tidos como aptos a alcançar o fim desejado.

 

Como assentado, mais uma vez, por Suzana de Toledo Barros:

 

quando estejam em causa limitações aos direitos fundamentais, a adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exigência de que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade perseguida, pois, se não for apta para tanto, há de ser considerada inconstitucional. (1996, p. 74).

 

Por sua vez, o subprincípio da necessidade impõe a utilização, dentre as possíveis, da medida menos gravosa para atingir determinado objetivo, ou melhor, cinge-se a escolha do melhor meio, menos gravoso ao cidadão (refere-se, pois, ao meio mais idôneo e a menor restrição possível).

 

Como bem anotou o professor Daniel Sarmento, se há várias formas possíveis de chegar ao resultado pretendido, o legislador ou administrador tem de optar por aquela que afete com menor intensidade os direitos e interesses da coletividade em geral, recaindo, assim, na idéia de que se deve perseguir, na promoção dos interesses coletivos, a menor ingerência possível na esfera dos direitos fundamentais do cidadão (2003, p. 88).

 

Assim, o pressuposto do princípio da necessidade é que a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa. (BARROS, 1996, p. 76).

 

De outra banda, enquanto os subprincípios da adequação e necessidade tratam da otimização relativamente às possibilidades fáticas, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito ressalta a otimização relativamente às possibilidades jurídicas, nada mais significando do que a análise da relação custo-benefício da norma avaliada, ou seja, o ônus imposto pela norma deve ser inferior ao benefício por ela engendrado, sob pena de inconstitucionalidade (SARMENTO, 2003, p. 89), ou, em outras palavras, no dizer de Luís Roberto Barroso, a exigência da ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos do cidadão. (2003, p. 229).

 

Para Emília Simeão Albino Sako:

 

a proporcionalidade em sentido estrito traduz a ponderação que deve haver entre o gravame imposto e o benefício trazido. Se os critérios da necessidade e da adequação já foram atendidos, é preciso verificar se o resultado obtido é proporcional à carga coativa imposta. Por meio desse juízo de ponderação, procura-se conciliar os interesses dos indivíduos com o interesse da comunidade. (2005, p. 62).

 

Ou melhor, dentro das várias possibilidades jurídicas de realização de direitos fundamentais, é por meio do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito que se dará o equacionamento de uma colisão entre princípios, frente a uma ponderação em razão do bem ou valor que se pretende tutelar, com a relativização da aplicação de uma norma de direito fundamental, na solução do caso concreto.

 

A respeito, assim se pronuncia Willis Santiago Guerra Filho:

 

haverá respeito à proporcionalidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se mostra como o mais vantajoso, no sentido de  promoção de certos valores com o mínimo de desrespeito de outros, que a eles se contraponham, observando-se, ainda que não haja violação do mínimo em que todos devem ser respeitados. (2003, pp. 270-271).

 

Como assinalado por Pierre Muller, pela utilização do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a escolha deverá recair sobre o meio ou os meios que, no caso específico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo. (apud BONAVIDES, 2003, p. 398).

 

Outrossim, por oportuno, impende assinalar que, na maioria das vezes que está em julgamento a proporcionalidade de uma medida restritiva, é difícil identificar o vício da lei sob apenas uma das suas vertentes. Não raro, a violação ao princípio da proporcionalidade vem acompanhada de atentado a outros princípios ou regras constitucionais, mas os fundamentos de cada qual são perfeitamente distinguíveis. (BARROS, 1996, p. 73).

 

Neste vetor, o princípio da proporcionalidade é essencial para a realização da ponderação de interesses constitucionais, pois o raciocínio que lhe é inerente, em suas três fases subseqüentes (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), é exatamente aquele que se deve utilizar na ponderação. Ou melhor, ponderação e proporcionalidade pressupõem-se reciprocamente, representando duas faces de uma mesma moeda. (SARMENTO, 2003, p. 96).

 

4. CONCLUSÃO.

 

Ao final deste artigo, faz-se necessário sintetizar as principais idéias desenvolvidas, veja-se:

 

Em uma sociedade pluralista como a brasileira, onde diversos setores encontravam-se representados no Poder Constituinte Originário, como ainda se encontram no Poder Reformador, acolhendo normas que promovem interesses e valores divergentes, inevitável a eclosão de conflitos entre as normas da Lei Fundamental.

 

É com a colisão entre direitos de igual hierarquia, como o são os direitos fundamentais, que avulta de importância uma técnica capaz de solucionar a querela posta ao Estado-juiz.

 

A ponderação consiste no método necessário ao equacionamento das colisões entre princípios da Lei Maior, onde se busca alcançar um ponto ótimo, em que a restrição a cada um dos direitos fundamentais envolvidos seja a menor possível, na medida exata à salvaguarda do direito contraposto.

 

Podemos divisar, no ordenamento jurídico, duas espécies de normas jurídicas: as regras e os princípios. Estes se revestem de um alto grau de abstração e da carência na determinabilidade na aplicação do caso concreto. Já as regras somente são encontradas na forma expressa, possuindo um grau de concretização superior em relação aos princípios, tendo em vista o seu menor grau de abstração.

 

As regras incidem sob a forma do tudo ou nada, ou seja, presentes os seus pressupostos fáticos, ou a regra é aplicada ao caso concreto a ela subsumido, ou ela é considerada inválida para o mesmo. Quanto aos princípios, estes atuam de maneira diversa, pois presentes as condições de fato enunciadas como necessárias à sua incidência, daí não decorre necessariamente a sua aplicação ao caso concreto.

 

Se duas regras estão em conflito – que deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação, com a aplicação dos critérios cronológico, hierárquico e de especialidade -, uma não poderá ser válida, enquanto, entre os princípios, em havendo colisão, não se excluirão, pois não pertencem, ao contrário das regras, ao mundo do juridicamente válido, mas no indefinido mundo do possível, aplicando-se na colisão o mecanismo da ponderação.

 

O estudo dos princípios ganhou um novo impulso, diante da percepção de sua normatividade, deixando de desempenhar um papel secundário, de aplicação supletiva.

 

A insuficiência dos critérios clássicos para a resolução de conflitos acentua a necessidade da aplicação da ponderação de interesses.

 

A delimitação do campo normativo de cada direito fundamental envolvido em uma colisão é uma tarefa anterior à resolução da colisão, pois esta só restará configurada se o caso concreto albergar normas cujos limites não foram superados. Acaso as normas estejam contidas no interior dos seus limites imanentes, não sendo possível harmonizá-las, passará o intérprete a uma segunda fase de análise, qual seja, a ponderação de interesses.

 

O operador do Direito, diante da percepção dos valores e princípios agasalhados no interior do Ordenamento jurídico, e a luz das circunstâncias fáticas e jurídicas envoltas no caso concreto, atribuirá um peso específico a cada direito em colisão, para que se possa constatar qual dos direitos fundamentais deverá prevalecer.

 

As restrições impostas aos direitos fundamentais em disputa devem ser arbitradas mediante o emprego do princípio da proporcionalidade, devendo o julgador buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo.

 

É no caráter principiológico das normas de direitos fundamentais que exsurge a aplicação do princípio da proporcionalidade no equacionamento de eventuais colisões.

 

O princípio da proporcionalidade atua, dentre as suas múltiplas funções, como pauta procedimental de ponderação de interesses, e, como principal campo de atuação, nos direitos fundamentais.

 

O princípio da proporcionalidade é um instrumento de interpretação a ser utilizado na ponderação de direitos em colisão.

 

Em sua decomposição, o princípio da proporcionalidade é subdividido em três subprincípios. O da adequação preconiza a relação entre o ato praticado e a finalidade almejada por uma determinada norma, ou seja, se a medida adotada pelo Estado é adequada à obtenção do fim que o legislador pretende atingir. Por sua vez, o subprincípio da necessidade impõe a utilização, dentre as possíveis, da medida menos gravosa para atingir determinado objetivo. Em contrapartida, enquanto os subprincípios da adequação e da necessidade tratam da otimização relativamente às possibilidades fáticas, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito ressalta a otimização quanto às possibilidades jurídicas, avaliando a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos do cidadão.

 

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