"Praticas abusivas nos contratos de plano de saúde e atuação do Ministério Público"


PorLucimara- Postado em 15 maio 2013

Autores: 
Neto, Gonçalo Ribeiro de Melo

 

RESUMO

Estudo de práticas abusivas praticadas pelas operadoras de planos de saúde, tais como: limitação de tempo de internamento, negativa de cobrança de doenças e procedimentos, doenças preexistentes e negativa de cobertura e suspensão ou rescisão contratual arbitrária dos contratos. Considerações iniciais sobre planos de saúde, noções introdutórias de conceitos de plano de saúde, natureza jurídica, legislação aplicável ao setor e espécies de planos de saúde, atuação extrajudicial e judicial do Ministério Público.

Palavras-chave:

Práticas, abusivas, planos de saúde, Ministério Público.

ABSTRACT

Study of abuses committed by operators of health plans, such as limitation of length of hospitalization, negative charging of diseases and procedures, preexisting conditions and denial of coverage and arbitrary suspension or termination of contractual agreements. Initial considerations about health plans, concepts of introductory concepts of health care, legal, law applicable to the sector and types of health plans, Public Minister. atuation.

Key words: practics, abuse, health plans, Public Minister


 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa esclarecer os leitores acerca da prática de abusos por parte das operadoras de plano de saúde, problema que merece ser tratado pela ciência jurídica.

A prestação de serviços de plano de saúde é um serviço regulamentado por normas de ordem pública, cuja fixação de parâmetros básicos pelo Estado se faz necessária.

Todavia, conforme ficará claro ao longo da exposição do tema, essa regulamentação é recente e tardia, uma vez que desde a década de 40 são oferecidos esses tipos de serviços, que não eram submetidos a regras específicas, sendo regulamentados apenas pelo Código Civil ou Comercial.

Embora haja regulamentação e a Lei 9656/98 seja específica, observa-se que aquela não dispõe sobre muitos pontos e as operadoras de plano de saúde se aproveitam dessas brechas para deixar de fornecer serviços aos usuários.

Por isso, enumeram-se as principais condutas abusivas em capítulo próprio, sendo que antes de entrar nesse tópico foi necessário discorrer sobre alguns conceitos e tópicos da Lei 9656/98.

No primeiro capítulo, faz-se uma consideração inicial dos planos de saúde, abordando-se o conceito, natureza jurídica, legislação aplicável e os tipos de planos de saúde.

Frise-se que essas considerações iniciais são importantes, pois tratam de pontos relevantes do tema, uma vez que há uma delimitação das coberturas de cada plano de saúde. Sem a explanação desse assunto, não há como estabelecer a abusividade ou não das condutas das pessoas jurídicas que prestam o serviço.

Delimitar conceitos, natureza jurídica e legislação aplicável foi necessário para entrar na especificidade do tema, sobretudo porque situa o leitor e o prepara para enfrentar um tema específico e complexo, como o assunto aqui estudado.

Ultrapassada essa consideração inicial, ingressa-se no segundo capítulo do trabalho, onde são enumeradas quatro práticas abusivas praticadas pelas operadoras de plano de saúde.

As práticas relatadas, embora sejam em número de quatro, foram as que mais chamaram atenção da pesquisa e representam as mais relatadas pelos trabalhos científicos, são elas: limitação de tempo de internação, negativa de cobertura de doenças e procedimentos, doenças pré-existentes e negativa de cobertura e suspensão arbitrária dos contratos de plano de saúde.

O trabalho relata essas práticas e pretende orientar os leitores dentro de um assunto tão importante para a sociedade, sobretudo para os consumidores que são a parte vulnerável e dependem efetivamente desses serviços.

Por fim, discorre-se sobre a atuação judicial e extrajudicial do Ministério Público no que tange ao combate dessas práticas abusivas.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DOS PLANOS DE SAÚDE

1.1 Conceito de Planos de saúde

O conceito de plano de saúde está previsto no artigo 1º da Lei 9.656/1998, sendo que a sua transcrição se faz necessária como forma de exposição técnica do tema:

 

Plano Privado de Assistência à saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente, escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor

Vê-se que a lei define os planos de saúde como um serviço que garante a cobertura dos custos relativos à prestação de assistência à saúde a um conjunto de pessoas que são filiadas a esses planos através do pagamento de prestações com valores estabelecidos em contrato.

Ressalte-se que o dispositivo estabelece, de maneira clara, que a finalidade do contrato é garantir a assistência à saúde, por prazo indeterminado e sem limite financeiro, mediante o atendimento efetivado por profissionais ou serviços de saúde, que podem ser livremente escolhidos pelo contratante.

Ademais, a assistência prestada ao usuário poderá ser médica, hospitalar ou odontológica, a depender do tipo de serviço contratado, sendo que tal serviço poderá ser integral ou parcialmente pago às expensas da operadora, também de acordo com o que for contratado.

Observa-se que os planos de saúde são muito parecidos com os contratos de seguro saúde, já que os contratantes fazem parte de uma rede solidária, formada por vários usuários que pagam um valor mensal, na expectativa de que se um dia necessitarem da assistência médica terão o plano para cobrir eventuais despesas.

É um sistema através do qual se garante que os seus integrantes serão atendidos, mesmo que os custos sejam muito elevados, pois embora várias pessoas contribuam com o pagamento das prestações, nem todas estarão utilizando o serviço ao mesmo tempo.

1.2 natureza jurídica dos contratos de plano de saúde

Os contratos de plano de saúde, conforme já fora exposto, confundem-se com os contratos de seguro-saúde, pois a sua organização se baseia no princípio da solidariedade, já que todos contribuem para que alguns ou próprio contribuinte possa utilizar do serviço, em momento futuro.

Nas palavras de Nilza Rodrigues de Almeida:

Muito embora o seguro-saúde e o contrato de plano de saúde sejam diferentes, apresentam pontos em comum, pois ambos são decorrentes de uma poupança de particulares. Ao invés de guardar dinheiro para o momento da doença, que pode até não acontecer, as pessoas fazem uma poupança conjunta, que é administrada pela prestadora (2007, p. 71)

Antes da regulamentação dos contratos de plano de saúde já existiam os contratos de seguro-saúde, regulamentados pelo Decreto-Lei 73/66 e pelas normas do Código Civil e Comercial.

Tais contratos caracterizavam-se por serem instrumentos através dos quais o segurador se obrigava a pagar um prêmio ao segurado, quando da ocorrência de um evento que causasse ofensa à saúde do contratante.

Obviamente que tais contratos não se confundem com os contratos de plano de saúde, uma vez que as operadoras de plano não são contratadas para pagar um prêmio aos usuários, mas sim a arcar ou reembolsar as despesas do contratante, seja de forma integral, seja de forma parcial.

Ademais, os contratos de seguro saúde eram regulados pela Susep - Superintendência de Seguros Privados e os contratos de Plano de Saúde, são regulados pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, conforme lição a autora já mencionada:

A distinção fundamental entre seguro-saúde e plano de saúde, segundo Arnaldo Rizzardo, é que seguro-saúde é um contrato que visa reembolsar as despesas pagas pelo segurado, o médico e o serviço hospitalar de sua escolha. A prestadora paga uma quantia preestabelecida no contrato. O seguro-saúde era pago pela Susep- Superintendência de Seguros Privados. O Plano de Saúde, mais usado atualmente, é o contrato que oferece opção de escolha de médicos, hospitais, mas dentro de relação previamente estabelecida pela operadora (2007, p. 71)

No que tange especificamente aos contratos de plano de saúde, observa-se que os consumidores, ao celebrarem esse tipo de contrato, almejam que as pessoas jurídicas que prestam esse tipo de serviço sejam responsáveis pela realização de valores como a segurança, previsibilidade e proteção contra riscos futuros, pois na verdade tais valores estão por traz da celebração dos contratos.

Os contratos em estudo possuem a natureza de serem ligados diretamente a esses valores, por isso o aplicador do Direito deve estar atento, quando da análise desse negócio jurídico.

A Professora Cláudia Lima Marques acena para a importância desses valores na relação contratual:

Três valores são cada vez mais raros e, por isso, valiosos no mundo atual: segurança, previsibilidade e proteção contra riscos futuros. Estes três valores são oferecidos no mercado através dos planos e seguros privados de saúde, os quais possibilitam a transferência legal de riscos futuros envolvendo a saúde do consumidor e de seus dependentes a serem suportados por empresas de assistência médica, cooperativas ou seguradoras, prometendo ao seu turno segurança e previsibilidade, face ao pagamento constante e reiterado das mensalidades e prêmios. A relação entre paciente e médico sempre foi caracterizada como uma relação de confiança. No mundo de hoje, parte da confiança (ides) vai ser transferida para o organizador destes planos e seguros, intermediados ou conveniados, na previsibilidade do financiamento leal dos eventos futuros relacionados com a saúde. (1996, p. 71)

Ao celebrar um contrato de plano de saúde, o consumidor confia na contratada, a ponto de esperar ser atendido com dignidade quando necessitar de uma assistência médico-hospitalar. Prefere pagar uma mensalidade a uma pessoa jurídica administradora, a poupar o mesmo valor e utilizá-lo quando de uma eventualidade.

Citando a mesma autora, transcreve-se o objetivo principal dos planos de saúde:

O objetivo principal destes contratos é a transferência (onerosa e contratual) de riscos referentes a futura necessidade de assistência médica ou hospitalar. A efetiva cobertura(reembolso no caso dos seguros de reembolso) dos riscos futuros à sua saúde e de seus dependentes, a adequada prestação direta ou indireta dos serviços de assistência médica (no caso dos seguros de pré-pagamento ou de planos de saúde semelhantes) é o que objetivam os consumidores que contratam com estas empresas. Para atingir este objetivo os consumidores manterão relações de convivência e dependência com os fornecedores desses serviços de saúde, por anos, pagando mensalmente suas contribuições, seguindo as instruções (por vezes exigentes e burocráticas) regulamentadoras dos fornecedores, usufruindo ou não dos serviços, a depender da ocorrência ou não do evento danoso à saúde do consumidor e seus dependentes (consumidores-equiparados) (1999, p. 192)

Os contratos de plano de saúde também são considerados contratos de adesão, pois não permitem a negociação direta entre fornecedor e consumidor, havendo uma relação de hipossuficiência entre as partes contratantes. As pessoas jurídicas monopolizam o poder de barganha nessa relação, daí a razão da existência das práticas abusivas.

Por fim, conforme as lições de Daniela Batalha Trettel, os contratos de plano de saúde são considerados contratos cativos de longa duração:

Os contratos de planos de saúde também se caracterizam como contratos cativos de longa duração, em que o usuário dos serviços de saúde coloca-se em situação de dependência em relação à operadora, havendo a legítima expectativa de manutenção do vínculo contratual por tempo indeterminado. A esse tipo de contrato dá-se o nome de "contratos de trato sucessivo (2010, p. 68)

Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que os contratos de planos de saúde são contratos de adesão de trato sucessivo, que estão baseados nos princípios da segurança, previsibilidade e proteção contra riscos futuros, sendo os contratantes, partes vulneráveis nesse negócio jurídico.

1.3 legislação aplicável aos contratos de plano de saúde

Antes de discorrer sobre a legislação aplicável ao setor, importante fazer um levantamento histórico da prestação de serviços médicos no Brasil e a sua regulamentação.

Nas lições de TRETTEL, as atividades privadas de saúde nasceram nas décadas de 40 e 50 do século XX. Inicialmente foram criadas Caixas de Assistência a funcionários de bancos, a exemplo da CASSI - Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil e da Assistência Patronal para os servidores do Instituto de Aposentadorias e Pensões (atual GEAP).

Segundo as informações da autora citada:

O funcionamento dessa forma de assistência privada à saúde baseava-se na captação de recurso de empregadores e seus empregados, a fim de financiar uma assistência médico-hospitalar adicional à propiciada pelo Estado. Em regra, a prestação de serviços incluía o atendimento em estabelecimentos próprio ou no ambiente de trabalho além de reembolsos (2010, p. 29)

Ainda segundo a autora, somente na década de 60 a atividade começou a ser empresariada e convênios médicos passaram a surgir, nascendo as empresas de medicina de grupo, mas foi à partir da década de 80 que os planos de saúde passaram a dominar o mercado brasileiro

Embora os planos de saúde tenham a sua existência datada da década de 40, somente no ano de 1998, é que uma lei específica fora criada para regulamentar o setor de maneira específica, mas após muita pressão social, conforme relata Trettel:

Ao condicionar a atuação da Administração à edição de lei, a Constituição também impôs o dever de legislar. Todavia, a proposição de legislação específica para o setor de planos de saúde pelo Poder Executivo e sua posterior votação pelo Congresso Nacional, tardaram e somente aconteceram depois de muita pressão social. A lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/98) só entrou em vigor mais de dez anos depois da Constituição. Com a ausência de regulamentação criou-se um ambiente propício para que operadoras de plano de saúde cometessem abusos, sendo numerosos os conflitos com usuários. O setor, no que diz respeito aos parâmetros de prestação de serviços, formou-se segundo suas regras, sem regulação ou regulamentação do Estado (2010, p. 33)

Diante dessa omissão legislativa até o ano de 1998, surgiu uma divisão acerca da aplicação da legislação aos contratos celebrados após a entrada em vigor da Lei 9.656/98 e os celebrados anteriormente.

Antes da entrada em vigor da Lei dos Planos de Saúde, os contratos também eram divididos entre aqueles celebrados antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor Lei 8078/90 e após a vigência destes.

Os contratos celebrados antes da vigência do CDC, eram regulados pelo Código Civil, com exceção dos contratos de seguro saúde, que eram regulamentados pelo Decreto Lei 73/66.

Por isso, é importante solucionar um conflito aparente de normas no tempo, devendo-se responder aos seguintes questionamentos: a) qual legislação deverá ser aplicada aos contratos celebrados antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor? b) qual legislação deverá ser aplicada aos contratos celebrados após a vigência do Código de Defesa do Consumidor e antes da vigência da Lei dos planos de saúde? C) é possível aplicar o Código de Defesa do Consumidor e a Lei dos Planos de Saúde de maneira concomitante, em relação aos contratos celebrados após a edição da Lei nº 9.656/98?

Em resposta à primeira pergunta, O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o Código de Defesa do Consumidor deverá ser aplicado aos contratos celebrados antes da sua vigência, por serem os contratos de planos de saúde contratos cativos, de trato sucessivo.

Visando esclarecer o assunto, cita-se Daniela Batalha Trettel:

O Código de Defesa do Consumidor foi um divisor de águas na defesa do usuário de planos de saúde diante das práticas restritivas de direito das operadoras de planos de saúde. Em vigor a nova lei, começou o debate acerca da sua aplicabilidade aos contratos anteriores a ela. Contratos anteriores à vigência do Código de Defesa do Consumidor. O Superior Tribunal de Justiça entende que o contrato de plano de saúde é contrato de trato sucessivo, caracterizado pela prestação continuada no tempo, sendo o Código de Defesa do Consumidor aplicável aos fatos que ocorreram após a sua entrada em vigor. 'a questão fundamental a ser dirimida é sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, considerando que o contrato é anterior. Mas, na minha compreensão, esta terceira turma já decidiu eu nos contratos de execução continuada incide o Código de Defesa do Consumidor (Resp nº 331.860/RJ, DJ de 5/8/02), não sendo os fatos narrados anteriores a sua vigência (...) No mesmo sentido ainda os Recursos Especiais 244.847/SP, julgamento em 19/5/05, relator Ministro Pádua Ribeiro; 735.168/RJ e 986.947/RN, ambos julgados em 11/3/08 e relatados pela Ministra Nancy Andrighi (2010, p. 99)

Para se dar um exemplo, suponha-se que um cidadão tivesse celebrado um contrato em 1975 e venha a pleitear algum direito no Poder Judiciário. Neste caso, seguindo o posicionamento do STJ, o julgador deverá aplicar o Código de Defesa do Consumidor, sob o argumento de que embora o contrato tivesse sido celebrado naquela data, houve uma renovação ano a ano do contrato, sendo ele um contrato cativo. Não é o caso de aplicar a Lei de Planos de Saúde, mas somente o CDC, salvo se o contratante tiver optado por aderir à nova lei.

No que tange aos contratos celebrados após a vigência do CDC e antes da vigência da Lei 9.656/1998, aplica-se também o CDC e não a Lei 9656/98.

Por fim, para os contratantes que tiverem celebrado o contrato de plano de saúde após a vigência da Lei 9656/98, é possível aplicar tanto a Lei de Planos de Saúde, quando o Código de Defesa do Consumidor, ante a complementariedade existente entre os dois diplomas jurídicos, Assim explica Trettel:

A Lei dos Planos de Saúde mantém com o Código de Defesa do Consumidor uma relação de complementariedade, descendo a minúcias do setor que não precisam e não devem estar no código, que se propõe uma lei que traga "perspectiva e diretrizes". Não existe conflito de leis no tempo. Lei 9656/98 e CDC são aplicados concomitantemente aos planos de saúde. E havendo silêncio da lei específica, ou sendo esta inaplicável, aplica-se somente o Código, que trata indistintamente de todas as relações de consumo (2010, p. 70)

Conforme ficou explicado, deverá ser aplicada a Teoria do Diálogo das Fontes, exposta pela Professora Claúdia Lima Marques, que consiste na aplicação da norma mais favorável ao consumidor, quando da existência de duas fontes normativas.

Por isso, fica claro o seguinte: a) se o contrato fora celebrado antes da vigência do CDC, deverá se aplicado este diploma, em razão de os contratos de plano de saúde serem contratos de trato sucessivo. B) aos contratos celebrados entre a vigência do CDC e antes da vigência da Lei dos Planos de Saúde, aplica-se o CDC c) aos contratos celebrados após a vigência da Lei 9656/1998, aplicam-se o CDC e a Lei dos Planos em regime de complementaridade

1.4 tipos de planos e suas coberturas

A Lei 9656/98, visando regulamentar os serviços oferecidos pelos planos de saúde, que até então ofereciam uma diversidade de planos, sem haver um plano standard, passou a estabelecer a existência de determinados planos considerados padrão.

Foram estabelecidos cinco tipos de plano, que delimitam a cobertura a ser garantida pelo contratado: a) plano de seguro referência b) plano ambulatorial c) plano hospitalar d) plano hospitalar com obstetrícia e) plano odontológico.

1.4.1 plano de seguro referência

O plano de seguro referência é o plano mais completo. A inclusão desse serviço no artigo 10º da Lei 9656/98, teve a intenção de impor às contratadas o oferecimento de um serviço padrão, de modo que os consumidores pudessem comparar esse tipo de plano com os outros serviços fornecidos.

Conforme leciona Nilza Rodrigues Almeida:

O artigo 10 da Lei 9.656/98 estabelece o plano de seguro-referência. È o mais completo, inclui todas as doenças relacionadas pela Organização Mundial de Saúde, consultas e exames sem limitação de valor ou quantidade. O tratamento será realizado somente no Brasil; quando necessária a internação hospitalar, o padrão será enfermaria ou centro de tratamento intensivo. O plano inclui consultas e exames sem limitação de valor e quantidade. (...) O plano-referência não exclui doenças, todavia, exclui tratamentos como: clínico ou cirúrgico experimental: procedimento clínico para fins estéticos; inseminação artificial; tratamento de rejuvenescimento ou emagrecimento com finalidade estética; fornecimento de medicamentos tanto para tratamento domiciliar como medicamentos importados, fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados a ato cirúrgico; procedimentos odontológicos, salvo o conjunto de serviços voltados à prevenção e manutenção básica da saúde dentária; tratamentos ilícitos ou antiéticos; casos de cataclismas, guerras e comoções internas (2007, p. 94)

Observa-se que o plano de seguro referência é um plano que engloba todas as espécies de doenças, mas não todos os tipos de procedimento. Há limites que são excepcionados no próprio artigo e que serão expostos em tópico específico, quando da análise das práticas abusivas. Ressalte-se, por fim, que as operadoras são obrigadas a fornecer esse tipo de plano, com exceção das empresas que mantêm sistema de assistência à saúde por autogestão e empresas que operem somente planos odontológicos.

1. 4.2 Plano Ambulatorial

A Lei 9656/98 permitiu que as pessoas jurídicas prestadoras de serviço de plano de saúde oferecessem aos consumidores serviços segmentados, fora do plano padrão anteriormente explanado.

O Plano Ambulatorial é um exemplo, sendo uma espécie de plano que não cobre qualquer tipo de internamento, conforme ensina Nilza Rodrigues de Almeida:

O artigo 12, inciso I, da Lei 9.656/98 diz que o beneficiário tem direito a consultas médicas em número ilimitado, exames e outros tratamentos, desde que feitos em ambulatório. Não terá direito à internação hopitalar, nem mesmo para procedimentos de diagnósticos, ou qualquer terapia que exija apoio hospitalar. (2002, p. 96)

Esse tipo de plano permite que o usuário se utilize de consultas médicas de maneira ilimitada, exames e outros tratamentos, contanto que não seja um serviço que se utilize de apoio hospitalar por mais de doze horas.

As coberturas mínimas obrigatórias, na lição de FERRON são:

consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de medicina; e os serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente, desde que não exijam estrutura hospitalar por período superior a 12 (doze) horas mas somente ambulatorial (2002,, p. 40)

1.4.3 Plano Hospitalar

Essa é uma outra opção prevista em Lei, que permite ao usuário a internação em clínicas básicas e especializadas e em centro de terapia intensiva, não havendo limite de prazo, de valor e quantidade.

Todavia, é vedado ao usuário a utilização de serviços ambulatoriais, uma vez que contratou um plano hospitalar. Por isso, não poderá se utilizar de atendimento ambulatorial para fins de terapia, diagnóstico ou recuperação, salvo em se tratando de procedimentos especiais cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada na internação ou em se tratando de urgência ou emergência.

Para tanto, transcreve-se a citação de Fabiana Ferron:

Outra opção de plano segmentado, assegura ao beneficiário internações hospitalares em clínicas básicas e especializadas e em centro de terapia intensiva, sem limite de prazo, valor máximo e quantidade, não incluindo atendimentos ambulatoriais para fins de diagnóstico, terapia ou recuperação, ressalvados os relacionados com os procedimentos especiais cuja necessidade esteja relacionada à continuidade de assistência prestada na internação hospitalar e nos caso de urgência e emergência. O plano deve cobrir, ainda, um série de eventos previstos nas alíneas do inciso II, do artigo 12 da lei 9.656/98. As exclusões admitidas são apenas as descritas nos incisos do artigo 10, como por exemplo: tratamento experimental, procedimentos ou tratamentos para fins estéticos, bem como o uso de próteses ou órteses para esse fim, tratamentos ilícitos ou antiéticos (2002, p. 40)

Vê-se que este é um plano restrito, não abrangendo a cobertura de assistência médica aos usuários, nem a utilização de serviço ambulatorial, restringe-se, de uma forma geral, a internações, o que não exclui a abrangência de cobertura de cirurgias ou outros procedimentos mais elaborados, com as exceções que serão vistas em capítulo que trata das práticas abusivas.

1.4.4 Plano hospitalar com obstetrícia

Conforme traduz FERRON, o plano hospitalar com obstetrícia possui regramento semelhante ao plano hospitalar, com o acréscimo de que o plano cobre procedimentos relativos ao pré- natal, assistência ao parto e ao recém nascido durante os primeiros 30 (trinta) dias.

Diante dessa constatação não há necessidade de discorrer em excesso sobre este item, um a vez que haveria uma redundância.

1.4.5 Plano Odontológico

Os serviços de plano odontológico poderão ser fornecidos em conjunto com outra modalidade de plano ou isoladamente.

A Lei prevê as suas diretrizes no artigo 12, IV, dispondo que os mesmos deverão oferecer: consultas e exames clínicos; radiologia; procedimentos preventivos, de dentista, de endodontia e periodontia; e ainda, cirurgias orais menores, assim consideradas as realizadas em ambiente ambulatorial e sem anestesia geral.

2 PRÁTICAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE

Após discorrer sobre a natureza dos contratos de plano de saúde, a legislação aplicável ao assunto, as espécies de planos oferecidos, dentre outros tópicos necessários à orientação teórica do leitor, passa-se a discorrer sobre o tema em si.

Este capítulo não visa esgotar o tema, uma vez que não há como enumerar as práticas abusivas em sua totalidade. Porém, reflete um rol de práticas abusivas observadas pelo pesquisador quando da leitura de obras que tratam dos contratos de plano de saúde.

2.1 limitação temporal nos casos de internamento

É importante ressaltar, antes de discorrer sobre a limitação temporal de internamento, que serão estudadas as hipóteses nas quais os usuários são contratantes dos seguintes planos: plano de seguro referência, plano hospitalar ou plano hospitalar com obstetrícia. Os consumidores que optarem pelo plano ambulatorial não têm direito ao internamento, por isso não haverá necessidade de enquadrá-los na discussão.

Conforme já fora disposto nos tópicos que tratam das espécies de plano de saúde, vê-se que a Lei 9656/98, nas alíneas do artigo 12, trata de maneira clara acerca da limitação ou não no que tange à internação .

É da literalidade dos dispositivos, que se afere a impossibilidade de se limitar o tempo de internação dos usuários de plano de saúde.

Em seu artigo 12, II, constata-se essa afirmação:

II- quando incluir internação hospitalar: a) Cobertura de internações hospitalares, vedada a limitação de prazo, valor máximo e quantidade, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, admitindo-se a exclusão de procedimentos obstetrícios; b) Cobertura de internações hospitalares em centro de terapia intensiva, ou similar, vedada a limitação den prazo, valor máximo e quantidade, a critério do médico assitente" (grifou-se)

Observa-se que o artigo é claro e não permite que as operadoras estabeleçam em seus contratos limitação temporal no caso de internação. Porém, embora haja previsão expressa, as operadoras de plano de saúde praticam reiteradas vezes essa abusividade.

Diversos usuários ingressaram com demandas no Poder Judiciário, a ponto de o Superior Tribunal de Justiça ter que editar a Súmula nº 302, sedimentando o posicionamento daquele órgão Judiciário, no sentido de ser considerada abusiva cláusula contratual que limitasse o tempo de internação hospitalar: Súmula 302: "é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado".

2.2 negativa de cobertura de doenças e procedimentos

Os contratos celebrados após vigência da Lei 8656/98 não são de gerar polêmica quanto à cobertura de doenças, pois o artigo 10º da Lei é expresso ao dispor que as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde da Organização Mundial de Saúde deverão estar inseridas na cobertura dos planos de saúde.

Dessa forma, por haver previsão literal, os planos não poderão se negar a cobrir eventos relacionados às doenças enquadradas naquela relação. Qualquer cláusula contratual que disponha de forma diversa deverá ser considerada abusiva e caso haja a ocorrência de alguma doença não prevista no rol, o usuário poderá ingressar no Poder Judiciário visando a cobertura, com base nos princípios da proporcionalidade, a depender do caso em concreto.

O foco do problema, todavia, está nos contratos que foram celebrados antes da vigência da lei, pois em alguns desses contratos há previsão expressa de que certas doenças não poderão ser cobertas pelo plano.

Tal problemática, todavia, que a princípio é complicada, poderá ser solucionada facilmente, uma vez que conforme já fora esposado, o Código de Defesa do Consumidor deverá ser aplicado aos contratos firmados antes da vigência da Lei 9656/98.

Esse posicionamento já é adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que entende serem os contratos de plano de saúde contratos cativos de trato sucessivo.

Assim sendo, qualquer cláusula que vede a cobertura de doenças catalogadas no Cadastro Internacional de Doenças deverá ser considerada abusiva.

O próprio STJ já julgou casos nos quais se visava declarar abusiva cláusula que restringia o atendimento de usuários com o vírus da AIDS e outras doenças infectocontagiosas e entendeu serem abusivas tais cláusulas.

Conforme relata TRETTEL "Na análise dos julgados referentes à cobertura de AIDS e outras doenças infectocontagiosas verifica-se a tendência do STJ de considerar abusiva cláusula contratual que exclui a cobertura de determinada doença".

No que tange à negativa na realização de procedimentos, tem-se uma questão mais complexa, uma vez que a própria Lei, em seu artigo 10º já exclui a cobertura de certos procedimentos.

Transcreve-se:

Art. 10º (...) respeitadas as exigências mínimas estabelecidas em lei, exceto: I- tratamento clínico ou cirúrgico experimental; II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órtoses e próteses para o mesmo fim; II- inseminação artificial; IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética; V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados; VI fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar; VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico; IX - Tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes; X casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente"

Transcritas as exceções, surge uma pergunta: seriam tais exceções numerus clausus ou os planos de saúde poderiam excluir da cobertura outros tipos de procedimentos ou outras hipóteses nas quais seria restrita a cobertura?

Entende-se que sejam cláusulas fechadas, pois a intenção do legislador fora prever os casos em espécie, em que seria possível negar a cobertura. Ademais, a razão de o Estado editar a Lei em estudo fora intervir nos abusos e por um marco regulatório no setor.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça leva a concluir que se tratam realmente de cláusulas fechadas pois as demandas levadas àquela Corte, no que tange à cobertura de procedimentos relacionados à angioplastia, parto cesariana, quimioterapia, hemodiálise e fisioterapia obtiveram decisões favoráveis ao consumidor, em razão de tais procedimentos não estarem previstos dentro das exceções.

Em estudo recente, a doutrinadora Daniela Batista Trettel que é constantemente citada neste trabalho, realizou uma pesquisa na jurisprudência do STJ, analisando os casos que envolviam planos de saúde e no tópico referente ao tema em questão, concluiu:

Nas decisões analisadas do STJ foram identificados casos referentes à negativa dos procedimentos de angioplastia (RESP 399.585/MG, julgamento em 23/4/02, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar), parto cesariana (RESP 341.528/MA, julgamento em 3/3/05, relator Ministro Barros Monteiro) quimioterapia (RESP 668.216/SP, julgamento em 15/3/07, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito), hemodiálise, (RESP 541.339/SP, julgamento em 4/1/03, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito) e fisioterapia (RESP 439.410/SP, julgamento em 10/12/02, Relator Ministro Carlos Alberto Meneses Direito). Em todas essas demandas, a tutela requerida pelo usuário foi conferida, garantindo-se a cobertura do procedimento. (2010, p. 110)

Todavia, é importante relatar que uma grande polêmica recai sobre a cobertura dos procedimentos relativos à realização de transplantes e procedimentos de alta complexidade.

Dispõe o parágrafo 4º do art 10º da Lei 9656/98:

A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida pela ANS" uma vez que se tratam de um ponto delicado da Lei 985656.

Observa-se que a previsão encastelada nesse dispositivo abre a possibilidade de uma dupla interpretação: a ANS poderá prever casos excluindo da cobertura determinados exame ou só poderá versar sobre a amplitude das coberturas em determinados exames?

Entende-se que a finalidade do dispositivo é deixar para a ANS a regulamentação da cobertura e não estabelecer as restrições quanto à cobertura, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Todavia, não é essa a posição da ANS que possui resolução prevendo quais são os transplantes cobertos pelas operadoras, conforme cita TRETTEL:

A discussão sobre a possibilidade de exclusão de cobertura de transplante ganha relevo se considerarmos que mesmo os contratos novos possuem esse tipo de exclusão. Segundo a Resolução Normativa 167/08 da ANS, que lista os procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde, são necessariamente cobertos os transplantes de rim, córnea, e autólogo de medula óssea. Os demais procedimentos, dentre eles o de coração, fígado e heterólogo de medula óssea, permanecem fora do rol de coberturas obrigatórias (2010, p. 112)

Vê-se que a ANS, além de ultrapassar a legitimidade do seu poder regulamentar, agiu de maneira mais prejudicial ainda, a ponto de esclarecer somente as hipóteses em que são permitidas a realização dos transplantes e não as hipóteses em que são vedados.

Ora, cabe aos usuários ingressarem com demandas no Poder Judiciárioe questionar a legalidade de dessa resolução, uma vez que já há decisões do STJ decidindo que prevalece o direito à saúde como direito fundamental.

2.3 doenças preexistentes e necessidade ou não de realização de exame prévio.

Sabe-se que a Lei 9656/98 prevê que as operadoras estão autorizadas a negar a cobertura de atendimento durante os 24 (vinte e quatro) meses, no caso de doenças preexistentes:

Art. 11. É vedada a exclusão de cobertura às doenças preexistentes à data de contratação dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário. Parágrafo único. È vedada a suspensão da assistência à saúde do consumidor ou beneficiário, titular ou dependente, até a prova de que trata o caput, na forma da regulamentação a ser editada pela ANS"

Não é necessário discutir sobre a possibilidade de a operadora se negar a fornecer a cobertura, no caso de doença preexistente, nos primeiros 24 (vinte e quatro) meses do contrato, pois há previsão legal quanto a essa possibilidade, sendo legítima a negativa por parte da operadora.

Todavia, a pergunta a ser feita é se a operadora poderá se negar a efetivar a cobertura sem que tenha sido feito um exame prévio no usuário, quando da celebração do contrato.

Os defensores da necessidade de realização prévia do exame, sustentam que seria injusto que o consumidor, geralmente leigo no assunto, firmasse o contrato, pagasse a mensalidade durante vários meses e quando necessitasse do plano tivesse uma negativa. Sustentam que a doença preexistente deveria estar prevista quando da celebração do contrato, para que o consumidor não fosse tomado de surpresa.

De outra banda, os que sustentam não ser necessária a realização do exame, afirmam que não se pode desconsiderar a má-fé do consumidor, que sabia da doença ou lesão pré-existente e não comunicou ao plano.

Embora haja essa discussão doutrinária, o Superior Tribunal de Justiça já possui entendimento no sentido de que é necessária a realização de exame prévio.

Relata TRETTEL:

É antiga a jurisprudência do STJ em que se sustenta que não cabe à operadora de plano de saúde alegar doença para a qual se busca tratamento é pré-existente e negar atendimento ao usuário de plano de saúde se não realizou exames no usuário antes da contratação (2010, p.105)

Por isso, adotando-se a posição do STJ, a realização de exame prévio é obrigatório. Porém, entende-se que essa posição não deve ser adotada em todos os casos. Obviamente que a regra deve ser essa, porém, há casos em que a má-fé do consumidor é expressa, devendo ser analisado caso a caso, sob pena de cometer injustiça.

 

2.4 suspensão ou rescisão contratual de forma arbitrária.

As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a aturar a inadimplência dos usuários, pois do contrário, se tornaria inviável a exploração da atividade econômico, nesse sentido.

Porém, por ser um serviço de relevância pública, que envolve a integridade física e até a vida das pessoas, o legislador trouxe restrições quanto à suspensão ou rescisão contratual, no caso de inadimplência por parte dos usuários.

Dispõe o artigo 13 da Lei 9656/98:

Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei têm renovação automática à partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput , contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: i- a recontagem de carências II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência; e III- a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação do titular

Da leitura do dispositivo, afere-se que é ilícito suspender o fornecimento da cobertura, no caso de atraso de pagamento inferior a sessenta dias, seguidos ou não durante doze meses.

Além disso, é necessário que haja uma notificação prévia do usuário no qüinquagésimo dia de inadimplência. Sem todas essas formalidades, será ilícito ao contratado suspender o fornecimento do serviço.

Um outro ponto que merece comentário é a impossibilidade de se suspender o serviço quando do internamento do usuário. Nesse caso, mesmo estando em inadimplência, que supere o prazo, o usuário não poderá ser retirado do internamento.

3- AUTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Sabe-se que o Ministério Público, após a Constituição Federal de 1988, passou a ser a instituição responsável pela defesa dos direitos individuais indisponíveis e dos direitos difusos dos cidadãos.

Na visão constitucional, percebe-se que o Ministério Público passou a ser o "porto seguro" da sociedade, uma vez que obteve status de instituição autônoma e independente e os seus membros passaram a dispor das mesmas garantias e prerrogativas dos membros do Poder Judiciário.

No âmbito das relações de consumo, o Ministério Público passou a ter atuação relevante, uma vez que o Direito do Consumidor é um direito difuso, que atinge uma quantidade indeterminada de sujeitos.

Por essa razão, necessário discorrer sobre a atuação dessa instituição autônoma e permanente, responsável pela defesa do Direito Difuso do Consumidor quando da ocorrência de práticas abusivas nos contratos de plano de saúde.

3.1 atuação judicial e extrajudicial do Ministério Público.

Alguns estudiosos, ao discorrer sobre a atuação do parquet nas lides coletivas, discorrem de forma exaustiva sobre a resolução judicial dos conflitos, todavia, esquecem de se atentar para o fato de que muitos conflitos podem ser solucionados sem a necessidade de ingresso com uma demanda no Poder Judiciário.

A atuação do Ministério Público de forma resolutiva, ou seja, sem a necessidade de ingresso com demanda judicial vem sendo apresentada como uma nova linha de atuação ministerial e tem sido exitosa, conforme leciona Leonardo Barreto Moreira:

Uma vez compreendido que o Ministério Público pode ter atuação classificada como demandista (quando busca o Poder Judiciário) ou resolutiva (quando resolve internamente determinado problema a partir de seus instrumentos e prerrogativas sem necessidade de provocação da prestação jurisdicional), a doutrina institucional progressista, constitucionalmente oxigenada, tem acentuado a necessidade de se estimular o desempenho desse segundo papel, quer pela morosidade infelizmente usual do Poder Judiciário na atenção à tutela coletiva, quer, sobretudo, pelo caráter democrático, fortalecimento e valorização das próprias atribuições do Ministério Público quando se consegue obter bons resultados para a sociedade dessa forma (2010, p. 34)

Nessa senda, filiando-se ao posicionamento de que as medidas judiciais devem ser utilizadas após a tentativa extrajudicial de resolução, com exceção das ações de improbidade administrativa, em que não há possibilidade de composição e de outros casos práticos, passa-se a discorrer inicialmente sobre as medidas extrajudiciais que poderão ser adotadas pelo Ministério Público, quando da ocorrência de práticas abusivas nos contratos de plano de saúde.

3.1.1envio de Ofícios solicitando informações e realização de audiências públicas.

 

O envio de Ofício aos fornecedores requerendo esclarecimentos é o primeiro passo adotado pelo Ministério Público, quando da ciência de irregularidades. Tal medida, embora pareça um mero ato de requisição de informações pode ser útil e até sanar pequenas irregularidades.

Além disso, através desse expediente, o Ministério Público irá obter informações originárias do próprio fornecedor, que poderão servir de instrumento de prova da eventual prática abusiva.

Assim leciona Moreira:

É por meio de ofício que se comunicam aos órgãos internos a abertura desses expedientes, bem como por intermédio deste instrumento que se viabiliza a instrução das investigações, incluindo a imprescindível diligência de serem requisitados documentos para exame e apreciação, entre outros atos. (2010, p. 63)

Com base nessas informações o Órgão Ministerial poderá designar a realização das audiências públicas, que registre-se, é um dos grandes instrumentos de aproximação do Ministério Público com a sociedade, conforme se transcreve do mesmo doutrinador:

Na função de defesa do povo e da sociedade civil (ombudsman), dentro das atribuições extrajudiciais de fiscalização e tomada de providências em relação a poderes constituídos ou autoridades, inevitável que a prática e realização de reuniões e audiências públicas revelem espaços e compromissos constantes, necessários e úteis ao bom desempenho das atribuições extrajudiciais do Ministério Público (2010, p. 65)

Durante as audiências públicas será possível coletar uma maior quantidade de dados e provas necessárias à instrução dos procedimentos administrativos e apreender informações técnicas de entidades participantes da audiência.

Além disso, durante a realização das audiências públicas é possível que os fornecedores se comprometam a solucionar o descumprimento das suas obrigações, realizando termos de ajustamento de conduta, instrumento que a seguir será explanado.

3.1.2 Recomendações Administrativas

As Recomendações Administrativas são peças elaboradas pelos órgãos ministeriais, com vista a alertar os seus destinatários acerca de eventual irregularidade existente.

É uma peça que emite a posição do Ministério Público e adverte o infrator, passando-se a mensagem de que em caso de descumprimento, o Ministério Público adotará as medidas cabíveis.

Ensinam Leonardo Barreto Moreira Alves e Marcio Soares Berclaz:

A Recomendação Administrativa, em síntese, trata-se de peça narrativa e argumentativa na qual o Ministério Público emite posição e orientação em determinado sentido, alertando e advertindo o destinatário da medida de que o descumprimento do comportamento cobrado e exigido implicará na adoção das providências cabíveis dentro das atribuições ministeriais" (2010, p. 35).

Havendo prática abusiva por parte dos fornecedores de plano de saúde é possível que uma Recomendação Administrativa seja suficiente para a solução do impasse.

Pode-se dar um exemplo: suponha-se que os hospitais conveniados ao plano exijam dos usuários comprovante de pagamento, quando da realização de algum procedimento, negando-se a fornecer o serviço, quando o consumidor estiver em débito.

Ora, conforme já se discorreu, para que o consumidor seja impedido de fruir o atendimento, é necessário que esteja em débito por mais de 60 (sessenta dias) corridos ou ao longo do ano e deverá haver uma notificação para que o serviço seja suspenso. Só após a superação dessas etapas é que será possível ao plano negar o custeio do atendimento.

Nesse caso, será viável a expedição de uma recomendação, a ser afixada nos hospitais conveniados, o que deixará ciente tanto o consumidor dos seus direitos, quanto aos hospitais das suas obrigações.

É bom frisar que as Recomendações Administrativas não são meras cartas de orientação, mas possuem um conteúdo cogente, uma vez que deixam expressa a obrigação do fornecedor e no caso de descumprimento, deixa patente que o fornecedor está praticando uma conduta abusiva, apesar de devidamente notificado.

Cita-se mais uma vez os ilustres membros do Ministério Público e autores:

Como se vê, não obstante a denominação possa gerar algum tipo de confusão ou mesmo caracterizar impropriedade terminológica do legislador, obviamente que a Recomendação Administrativa não é uma simples sugestão, conselho ou recado destituído de força cogente e coativa, predicados, aliás, não inerentes ao universo jurídico e ao próprio campo do direito enquanto ciência (2010, p. 36)

Portanto, pode-se ver, através dos ensinamentos dos membros do Ministério Público acima citados, que as Recomendações Administrativas são instrumentos eficazes, dos quais dispõem os membros do Ministério Público para efeito de coibir as condutas abusivas por parte dos fornecedores.

3.1.2 Termos de Ajustamento de Conduta.

Os Termos de Ajustamento de Conduta ou Compromissos de Ajustamento de Conduta são acordos celebrados entre o Ministério Público e os fornecedores. Uma grande vantagem desses acordos é que eles possuem a natureza jurídica de título executivo extrajudicial.

Cita-se Moreira e Berclaz;

O termo de ajustamento de conduta (TAC) nada mais é do que uma transação ou acordo formalizado buscando estabelecer determinada conduta ou comportamento, sob pena de sanção, acerto de vontades que, uma vez firmado, constitui título executivo passível de realização pelas modalidades executórias disponíveis. (2010, p. 47)

Os Termos de Ajustamento de Conduta podem ser celebrados a qualquer momento, não só na fase extrajudicial, mas também na fase judicial, conforme ensinam os mesmos autores:

O momento da sua incidência é extremamente diversificado e depende da realidade de cada situação concreta. Situa-se ordinariamente no âmbito extrajudicial vinculado a determinado procedimento administrativo (exemplo: Procedimento Preparatório ou Inquérito Civil) ou mesmo Recomendação Administrativa autônoma, mas não sendo de se afastar a possibilidade da sua celebração ocorrer após ajuizamento de Ação Civil Pública, portanto, posteriormente ao desempenho de alguma atribuição de natureza judicial (2010, p. 48)

Assim, após a expedição de uma Recomendação Administrativa, ou após a realização de uma audiência pública ou até mesmo após uma simples conversa entre o Órgão Ministerial e o fornecedor, caso haja interesse de se acordar sobre determinada questão, poderá ser celebrado um TAC com vistas à solução do litígio, podendo inclusive ser arbitrada multa, para o caso de descumprimento do acordo por parte do fornecedor.

Caso haja o descumprimento, o Acordo valerá como Título Executivo Extrajudicial e poderá se ingressar com uma Ação Civil Pública para executar o título.

Assim, é possível afirmar que o TAC é um dos instrumento mais importantes a ser utilizado quando da solução extrajudicial dos conflitos. Além de ser possível arbitrar uma multa em caso de descumprimento e além de ter a eficácia de título executivo extrajudicial, o TAC é um instrumento através do qual o Ministério Público obtém a confissão fática do Requerido, não precisando ingressar com uma Ação Civil Pública de Conhecimento. Basta executar o TAC, inclusive a multa nele prevista.

3.1.3 Ação Civil Pública

A Ação Civil Pública é uma medida Jurisdicional de solucionar o litígio, quando não mais for possível a resolução extrajudicial do litígio. É a medida mais conhecida, sobretudo porque é a mais relatada nos trabalhos acadêmicos.

Por essa razão, não se faz necessário discorrer com profundidade sobre o tema, sob pena de se tornar repetitivo.

A Ação Civil Pública está prevista na Lei 7347/85 e trata-se de uma Ação que visa proteger os direitos difusos e coletivos, tanto é assim que o cidadão individualmente não possui legitimidade para ajuizá-la, mas somente as associações e o Ministério Público.

No caso de haver a ocorrência de práticas abusivas pelos fornecedores de serviços de plano de saúde, após esgotadas as tentativas extrajudiciais, aconselhável o ingresso co a ACP buscando inclusive a tutela inibitória com fixação de multa em caso de descumprimento.

CONCLUSÃO

Diante da exposição do tema, pôde-se constatar a existência de quatro práticas abusivas que são previstas na literatura jurídica e praticadas pelas operadoras de saúde: limitação temporal nos casos de internamento, negativa de cobertura de doenças e procedimentos, doenças preexistentes e necessidade ou não de realização de exame prévio e suspensão ou rescisão contratual de forma arbitrária.

Pôde-se constatar que, de início, é vedada a limitação de tempo de internamento, uma vez que a própria legislação prevê que as operadoras de plano deverão prestar os serviços sem limitação de tempo ou custos.

No caso da negativa de cobertura de doenças ou procedimentos, constata-se que no que tange à cobertura de doenças, em relação aos planos contratados após a vigência da Lei 9656/98, não se pode negar a cobertura daquelas previstas na Classificação Internacional de Doenças da Organização Internacional de Saúde. Caso não esteja previsto no referido rol, poderá o usuário socorrer-se ao Poder Judiciário. Ainda em relação à cobertura de doenças, no caso de contratos firmados anteriormente à vigência da Lei, entende-se que são abusivas as cláusulas que restrinjam a cobertura de doenças.

Já no caso dos procedimentos, as operadoras devem seguir as exceções previstas em lei, que já dispõe sobre os procedimentos não cobertos, merecendo-se fazer comentário sobre o caso dos transplantes e procedimentos de alta complexidade.

Nesses casos, a Lei 9656/98 delega à ANS o poder de regulamentar a cobertura desses serviços, porém aquela autarquia vem prevendo, através de resoluções quais são os transplantes que poderão ou não ser realizados. Entende-se que há uma violação ao princípio da legalidade, pois o poder regulamentar não pode criar exceções e a lei apenas conferiu à ANS o poder dever de estabelecer a regulamentação da prestação dos serviços de transplante e procedimentos de alta complexidade.

Pôde-se contatar, também, que uma outra conduta praticada pelas operadoras é a negativa de fornecimento da cobertura, nos casos de doença preexistente, mesmo sem a realização de exame prévio. Demonstrou-se que o STJ tem posição antiga e consolidada exigindo a realização de exame prévio, antes de se negar a cobertura, o que ao ver deste pesquisador, não pode ser adotado em todos os casos, não devendo ser exigida a realização do exame, quando haja comprovada má fé por parte do usuário.

Por fim, constatou-se também que as operadoras não podem suspender ou rescindir o contrato em caso de inadimplência de forma arbitrária, devendo-se respeitar o prazo de 60 (sessenta) dias de atraso, no período de 12 (doze) meses, que pode ser consecutivo ou não, devendo haver notificação do usuário no qüinquagésimo dia .Porém, caso o usuário esteja internado, não poderá ser retirado do hospital por inadimplência, ou até mesmo fraude, em nenhuma hipótese.

Analisando-se a atuação do Ministério Público em relação ás práticas abusivas, constatou-se que essa instituição poderá adotar medidas extrajudiciais (emissão de Ofícios e realização de Audiências Públicas, celebração de Termos de Ajustamento de Conduta, Recomendações Administrativas) e judiciais (ingresso com Ação Civil Pùblica) com vistas a evitar a continuidade das referidas práticas.

 

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