Princípios do Direito Ambiental e a Proteção Constitucional ao Meio Ambiente Sadio


Porwilliammoura- Postado em 14 dezembro 2011

Autores: 
DUARTE JÚNIOR, Ricardo César Ferreira

 

Princípios do Direito Ambiental e a Proteção Constitucional ao Meio Ambiente Sadio

 

Ricardo César Ferreira Duarte Júnior

 

Bacharel em Direito e pós-graduando em Direito Administrativo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

CAPÍTULO 1 - MEIO AMBIENTE COMO DIREITO DE 3° GERAÇÃO; CAPÍTULO 2 - PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL; 2.1 PRINCÍPIO DO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA; 2.2. PRINCÍPIO DA NATUREZA PÚBLICA DA PROTEÇÃO AMBIENTAL; 2.3.PRINCÍPIO DO USUÁRIO-PAGADOR; 2.4. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR (POLLUTER PAYS PRINCIPLE) OU PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE; 2.5. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO; 2.6 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO ; 2.7. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO; 2.8. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO; 2.9 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ENTRE OS POVOS; CAPÍTULO 3 - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE SADIO;


 

CAPÍTULO 1 - MEIO AMBIENTE COMO DIREITO DE 3° GERAÇÃO

O meio ambiente está inserido entre os direitos de terceira geração. Preliminarmente é bom que se esclareça que a sequência de uma geração do direito não exclui a geração passada, não traz, desta forma, uma idéia de revogação, mas, sim, de harmonização, complemento. Exemplo a ser destacado é o direito de propriedade, típico direito de primeira geração. Vê-se que posteriormente que a função social da propriedade, positivada na Constituição Federal e no Código Civil Brasileiro, não ocasiona a eliminação do primeiro, mas impõe uma indispensável harmonização entre ambos. Ainda sobre o foco da propriedade, não se pode afirmar que o direito ao meio ambiente sadio, de terceira geração, eliminou o direito de proprietário em utilizar-se da coisa. Apenas, em caratér integrativo, exige que este último seja exercido em consonância em os reclamos da conservação dos recursos naturais, alargando o sentido da função social da propriedade, direito de segunda geração.

Partindo do postulado da solidariedade social é que emana o direito da terceira geração, cujos titulares não recaem no indivíduo em si, mas na própria coletividade ou em agrupamentos sociais. São estes, os direitos difusos e coletivos, como é o caso, dos direitos ao meio ambiente equilibrado, à paz, ao desenvolvimento, à proteção dos consumidores, à tutela do patrimônio histórico e cultural. Vocacionam-se à busca de uma melhor qualidade de vida à comunidade. O meio ambiente está positivado em nossa Carta Magna, em um capítulo próprio, que dá as diretrizes gerais da salvaguarda do meio ambiente (art. 225) - capítulo este que irá ser falado posteriormente -. Tem-se como remédio jurídico para a proteção dessas garantias sociais o inquérito civil e a ação civil pública, que possui o Ministério Público como legitimado para tal.

A idéia de direitos fundamentais de terceira geração já vem sendo assimilada pela jurisprudência de nossos pretórios. Isso ficou bem esclarecido em passagem da ementa do STF, Pleno, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 17-11-95, p. 39. 2006 do MS 22.164 – SP, in verbis:

O direito à integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo indentificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos da segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento do direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexaurabilidade .

Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) - prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeracionais - Espaços territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225, §1°, III) - Alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente - Medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei - Supressão de vegetação em área de preservação permanente - Possibilidade de a administração pública, cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial - Relações entre economia (CF, art 3°, II, c/c o art. 170, VI) e ecologia (CF, art.225) - Colisão de direitos fundamentais - Critérios de superação desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes - Os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) - A questão de precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) - Decisão não referendada - consequente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas.” (ADI 3.540 - MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/06)

Como se pode perceber pelas jurisprudências pretorias, o meio ambiente, a partir do artigo 225 da Constituição Federal, foi elevado a direito de 3°, consagrando, pois, o princípio da solidariedade.

CAPÍTULO 2 - PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL

Para se entender todo o sentido da norma constitucional que introduziu a responsabilidade penal da pessoa jurídica é importante considerar os princípios que se constituem o alicerce do Direito Ambiental; sobre os quais teceremos breves comentários.

2.1 PRINCÍPIO DO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA

Esse direito fundamental foi reconhecido pela Conferência das Nações sobre o Ambiente Humano de 1972 (princípio 1) , reafirmado pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (princípio 1) e pela Carta da Terra de 1997 (princípio 4) , conquistando posteriormente espaço nas Constituições mais modernas, dentre elas a Constituição Federal Brasileira, no art. 225, caput, que assim dispõe:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

Desse princípio basilar da nossa Carta Magna decorrem todos os outros, pois quando se fala em direito à vida, não se fala só em não ficar doente ou viver, mas em ter qualidade de vida, viver com qualidade. Por isso, há que se falar em direito à qualidade de vida, direito a uma vida digna, com um meio ambiente ecologicamente equilibrado, levando-se em conta todos os elementos da natureza, como: água, ar, solo, dentre outros.

O reconhecimento do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado configura-se, para Édis Milaré: “uma extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência - a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver”.

2.2. PRINCÍPIO DA NATUREZA PÚBLICA DA PROTEÇÃO AMBIENTAL

Esse princípio decorre da previsão legal que considera o meio ambiente como um valor a ser necessariamente assegurado e protegido para uso de todos ou, como queiram, para fruição humana coletiva . Isso quer dizer que não pode apropriar-se individualmente de parcelas do meio bem ambiente para o consumo privado. A natureza jurídica do meio ambiente ecologicamente equilibrado é de uso comum do povo, e essencial à sadia qualidade de vida, segundo o caput do artigo 225 da CF; fato esse que impõe ao Poder Público e à coletividade como um todo a responsabilidade por sua proteção. Fazendo uma avaliação do princípio ora em questão, tomando como referência outros príncipios basilares do Direito Público, como o princípio da primazia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público, é de fácil constatação que o meio ambiente deve prevalecer sobre direitos individuais privados. Neste caso, quando houver dúvida na resolução de alguma questão, deve-se privilegiar o interesse social - a dizer, in dubio pro societa ou pro ambiente .

2.3. PRINCÍPIO DO USUÁRIO-PAGADOR

Resulta das intervenções do Poder Público necessárias à manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente. A ação dos órgãos e entidades públicas se concretiza através do exercício do seu poder de polícia administrativa. No Brasil, a primeira legislação a trazer este princípio foi a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6938/81, quando em seu art. 4°, VII, instituiu “à imposição, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. Isso significa que o usuário dos recursos ambientais deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a sua utilização; tendo por objetivo fazer com que os custos não sejam suportados nem pelos Poderes Públicos, nem por terceiros. O uso indevido dos recursos naturais pode levar ao locupletamento ilegítimo do usuário, pois onerará a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada. A razão desse princípio é pagar aqueles que se beneficiaram da deterioriação ou contribuíram para a mesma. Porém, é importante que se lembre, que esse princípio não é uma punição e nem confere ao pagador o direito de poluir. Mesmo que não haja qualquer ilicitude no comportamento do pagador este princípio pode ser implementado.

2.4. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR (POLLUTER PAYS PRINCIPLE) OU PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE

No dizer de Édis Milaré este princípio “se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (o custo resultante dos danos ambientais) precisam ser internalizados.”. Isto quer dizer que o poluidor é obrigado a pagar o dano ambiental que pode ser causado ou que já foi causado, porém o pagamento efetuado pelo poluidor não lhe confere direito de poluir.

O princípio em tela busca impedir que a sociedade arque com os custos, financeiro e ambiental, da recuperação ao meio ambiente lesionado causado por um poluidor indetificável, que auferiu lucro com a atividade econômica por ele exercida. Caso este dano fosse arcado pela sociedade, esta seria duplamente prejudicada, pois pagaria financeiramente para a recuperação do ambiente - o que na maioria das vezes não se consegue recuperar de forma integral - e pelo meio ambiente, bem comum de todos, que teria sido degradado.

A Lei 6938/81, em seu art. 4°, VII, instituiu o princípio do poluidor-pagador em nosso mundo jurídico, e, ainda, instituiu a responsabilidade objetiva pelos danos ambientais, ao impor “ao poluidor e ao predador” a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, independentemente de culpa. O princípio 16 da Declaração do Rio, 1992, seguiu essa mesma linha ao dispor que “as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo o qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público”. A Constituição Federal foi mais além ao dispor, em seu §3° do art. 225, que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Podendo a pessoa, jurídica ou física, responder ainda penal e administrativamente pelos danos causados (art. 225, §3°, da Constituição Federal).

2.5. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

O princípio da precaução é aquele que determina que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de ter a certeza de que estas não serão adversas para o meio ambiente . Precaução é substantivo do verbo precaver (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado). A precaução é caracterizada pela ação antecipada do risco ou perigo. Ou seja, este princípio está voltado para momento anterior à consumação do dano. E visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras e à continuidade da natureza existente no planeta.

Gerd Winter diferencia perigo ambiental de risco ambiental. Diz que, “se os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque sempre permanece a probabilidade de um dano menor. Os riscos podem ser minimizados. Se a legislação proíbe ações perigosas, mas possibilita a mitigação dos riscos, aplica-se o `princípio da precaução’, o qual requer a redução da extensão, da frequência ou da incerteza do dano”.

Na Declaração do Rio/92 o príncipio 15 prescreve que:

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para previnir a degradação ambiental”.

A questão primordial deste princípio consiste na prevenção da irreversibilidade do dano potencial, que pode ser entendida como a impossibilidade de volta ao estado ou condição anterior (constatado o dano, não se recupera o bem atingido). O inc V do §1° necessita ser levado em conta, juntamente com o próprio enunciado do art. 225 da CF, onde o meio ambiente é considerado “essencial à sadia qualidade de vida”. Controlar o risco é não aceitar qualquer risco. Há riscos inaceitáveis, como aquele que coloca em perigo os valores constitucionais protegidos, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, os processos ecológicos essenciais, dentre outros.

Diante do exposto, vale salientar que uma aplicação estrita do princípio da precaução inverte o ônus da prova e impõe ao autor potencial provar, com aterioridade, que sua ação não causará danos ao meio ambiente, e que na dúvida opta-se pela solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente (in dubio pro salute ou in dubio pro natura).

2.6 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

Muito parecido com o princípio da precaução, este princípio informa tanto o licenciamento ambiental como os próprios estudos de impacto ambiental. Tanto um como outro são realizados sobre a base de conhecimento já adquiridos sobre uma determinada intervenção no ambiente. O licenciamento ambiental, como princípal instrumento de prevenção de danos ambientais, age de forma a previnir os danos que uma determinada atividade causaria ao ambiente, caso não tivesse sido submetida ao lincenciamente ambiental.

Prevenir tem o significado de agir antecipadamente, porém, para que haja essa ação antecipada, é preciso informação, o conhecimento do que se quer prevenir. Sem informação organizada e sem pesquisa não há prevenção. Nos termos dos ensinamentos de Machado :

Quando a Lei. 6938/81 diz, em seu art. 2°, que em sua Política Nacional do Meio Ambiente observará como princípios a `proteção dos ecossistemas, com a preservação das áreas representativas’, e `a proteção de áreas ameaçadas de degradação’, está indicando especificamente onde aplicar o princípio da prevenção. Não seria possível proteger sem aplicar medidas de prevenção.

A Declaração do Rio/92 também trata de tal princípio ao dizer: “A fim de conseguir-se um desenvolvimento sustentado e uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos, os Estados devem reduzir e eliminar os modos de produção e de consumo não viáveis e promover políticas demográficas apropriadas”.

2.7. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO

A Declaração do Rio/92 diz, em seu Princípio 13, que:

“Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar, da mesma forma, de maneira rápida e mais decidida, na elaboração das novas normas internacionais sobre responsabilidade e indenização por efeitos adversos advindos dos danos ambientais causados por atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou sob seu controlem em zonas situadas fora de sua jurisdição”.

Apesar de avançar, quanto ao Direito Ambiental, a Declaração do Rio, ainda, se mostra tímida, pois se refere, apenas, “à indenização das vítimas”. O Direito Ambiental Internacional deve evoluir no sentido de obter a “reparação” ao meio ambiente danificado.

No Direito Ambiental pátrio a Lei 6938/81 adotou a responsabilidade objetiva ao meio ambiente, tendo a Constituição Federal considerado imprescindível a obrigação de reparação dos danos causados ao meio ambiente.

2.8. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO

A informação ambiental não tem o fim exclusivo de formar opnião pública. Valioso formar a consciência ambiental, mas com fins próprios, administrativos e judiciais, para manifestar-se. O grande destinatário da informação - o povo, em todos os seus seguimentos, incluindo o científico e não-governamental - tem o que dizer e opinar. As informações ambientais recebidas pelos órgãos públicos devem ser transmitidas à sociedade civil, excetuando-se as matérias que envolvam comprovadamente segredo industrial ou do Estado. A informação ambiental deve ser transmitida sistematicamente, e não só nos chamados acidentes ambientais. A informação ambiental deve ser transmitida de forma a possibilitar tempo suficiente aos informados para analisarem a matéria e poderem agir diante da Administração Pública e do Poder Judiciário .

2.9 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ENTRE OS POVOS

A nossa Carta Magna estabelece como princípio nas relações internacionais da República Federativa do Brasil, em seu art. 4°, IX, a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”.

É mister resalvar que o Direito Ambiental não conhece fronteiras, no dizer de Álvaro Mirra, “dimensão transfronteiriça das atividades degradadoras exercidas no âmbito das jurisdições nacionais”.

A Declaração Sobre o Ambiente Humano, resultado do Rio 10+, em seu Princípio 20, enfatizou a necessidade do livre intercâmbio de experiências científicas e do mútuo auxílio tecnológico e financeiro entre os países, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais.

É importante resaltar que a implementação do princípio não importa em renúncia à soberania ou à autodeterminação dos povos, em alinhamento, aliás, com o dispositivo no Princípio 2 da Declaração do Rio, segundo o qual “os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de área além dos limites da jurisdição nacional”.

CAPÍTULO 3 - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE SADIO

A Constituição Federal veio com algumas inovações, em relação às Constituições brasileiras anteriores: a primeira foi a criação de um capítulo próprio em relação ao meio ambiente, Capítulo VI do Título VIII; e, a mais importante das inovações, a fruição de um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado à um direito fundamental, estendendo-o a um direito subjetivo da personalidade e criando dessa forma um campo para a construção de um sistema de garantias da qualidade de vida dos cidadãos.

Apesar de haver um capítulo todo voltado ao meio ambiente, sendo ele comportado em um único artigo, 225, há diversos outros artigos e incisos que o reconhecem como de vital importância para o conjunto de nossa sociedade, seja porque são necessárias para a preservação de valores que não podem ser mensurados economicamente, seja porque a defesa do meio ambiente é um princípio constitucional que fundamenta a atividade econômica (Constituição Federal, art. 170, VI). É importante salientar que tal capítulo não foi de intenção dos parlamentares, mas, sim, resultado de uma emenda popular. Diz a importante norma constitucional:

“art. 225. todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (grifo nosso)

Ao analisar o caput deste artigo vemos a riqueza e abrangência que o legislador conseguiu sintetizar em poucas palavras. Podemos concluir, a partir da análise deste, que foi elevado o meio ambiente a um direito fundamental da pessoa humana, podendo ser, assim, considerado uma extensão do art. 5° e um importante marco na construção de uma sociedade democrática e participativa e socialmente solidária . É importante salientar que o direito ao meio ambiente sadio não se limita apenas aos brasileiros ou estrangeiros residentes no país, mas, sim, a todos que aqui estejam, mesmo que seja transitoriamente, a pessoas coletivas e indeterminadas. Daí a natureza difusa e de caratér público (pois é relativo a um interesse coletivo ou difuso ambiental). Ao criar para todos um direito subjetivo a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a CF/88 deu legitimidade para provocar a ação do Poder Público; ensejou limitações administrativas e intervenções na propriedade. Ou seja: o que o constituinte pretendeu foi constituir um bem jurídico próprio distinto daquele sobre o qual se exerce o direito de propriedade (art. 1228 do Código Civil). Vemos, também, que é dever jurídico de natureza objetiva (do Estado e da coletividade) a proteção ambiental; tendo como titular desse direito as gerações presentes e futuras, derivando daí o seu caráter intergeracional e dúplice.

A Constituição Federal, com o intuito de tornar efetivo o exercício do direito ao meio ambiente sadio, estabeleceu uma gama de incubências ao Poder Público, arroladas nos incisos I ao VII do §1° (“... incube ao poder público.”) do art. referido, que constituem em direitos públicos subjetivos, exigíveis a qualquer momento . Nesses incisos estão contidos os comandos para o legislador ordinário e para os administradores. Tais comandos são de natureza obrigatória (obrigação de fazer) e não podem ser descurados pelos destinatários.

Um dos incisos mais importantes do §1° do referido artigo, é o IV, que trata do estudo prévio de impacto ambiental, consolidando, desta forma, o princípio da prevenção e o da precaução e o da publicidade ou informação. Tal princípio é de plena importância, pois ele garante e obriga a realização de um relatório, que deve ser bem elaborado, no intuito de avaliar os impactos sociais, econômicos e ambientais que a instalação da obra ou atividade virá causar àquela região. Apesar da importância deste instituto, há severas críticas a serem feitas ao mesmo. A principal delas é que este estudo só analisa a obra em destaque, em sentido unitário, isolado. Então, caso haja outra obra da mesma magnitude sendo feita na mesma região, haverá dois estudos onde se encontrará o relatório de cada impacto que cada obra irá causar naquele local, mas sem levar em consideração o impacto que a obra vizinha irá causar em consonância com a construção avaliada. Não há uma sinergia entre estes estudos. Outra crítica a ser feita é que, pelo fato de tal estudo ser patrocinado pelo empreendedor, muitas vezes há favorecimento, ou desvio - se assim posso dizer -, de “verdades” para que esse laudo seja aprovado pelo Poder Público.

Os demais incisos do §1° dispõem:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Já, no § 2º desse mesmo artigo, a Constituição impôs a todos que explorarem recursos minerais a recuperação do meio ambiente degradado (efetivação do princípio da responsabilidade), de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei; e no § 3º (novidade): introduziu a possibilidade de sanções penais para as pessoas jurídicas: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”. No §4º, a Constituição Federal elenca a Floresta Amazônica Brasileira, Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato-Grossense e Zona Costeira como patrimônios nacionais.

Como já foi falado ateriormente, apesar de haver um capítulo próprio do meio ambiente, há diversas outras proteções ao mesmo, de forma esparsa, na nossa Constituição Republicana, como:

Art. 5º, inc.LXXIII - legitimando qualquer cidadão para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Art.23 - estabelecendo competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para:
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

Art. 24 - estabelecendo competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

Art. 129 - Colocando dentre as funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Art. 170 - Incluindo a defesa ao meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica;

Art. 174 - Estabelecendo, em seu §3º, a necessidade de harmonização da atividade garimpeira com a preservação do meio ambiente.

Art. 182 – Plano Diretor – política de desenvolvimento urbano.

Art. 200 - Integrando o sistema único de saúde com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Art.216 - Relacionando os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico como patrimônio cultural brasileiro.

A Constituição garante como bens ambientais:

• as águas (integrando os bens da União/art.20,III, ou dos Estados/art.26, I);
• as cavidades naturais subterrâneas (art.20, X); • a energia (art.22, IV);
• espaços territoriais protegidos (225, §1º, III).;
• a fauna (art.24, VI);
• a flora (art.23, VII);
• as florestas (art.23, VII);
• as ilhas (União/20,IV, Estados/26, II e III);
• a paisagem (art.216, V);
• o mar territorial (art.20, VI);
• as praias fluviais (art.20,III);
• as praias marítimas (art.20, IV);
• recursos naturais da plataforma continental (art.20, V);
• recursos naturais da zona econômica exclusiva (art.20, V);
• os sítios arqueológicos e pré-históricos (art.20, X);
• os terrenos de marinha e acrescidos (art.20, VII);
• os terrenos marginais (art.20, III).
Obs: os bens ambientais possuem regime jurídico especial, diferente do estabelecido no Código Civil.

São atividades relacionadas com o meio ambiente (CF/88):

• a caça (art.24, VI);
• a educação (art.225, §1º, VI);
• o garimpo (art.174, §3º);
• a irrigação;
• a manipulação de material genético (art.225, II);
• a mineração (art.225, §2º);
• a atividade nuclear (art.21, XXIII).

REFERÊNCIAS

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BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constittuição do Brasil, São Paulo, v. 7, Saraiva, 1990.

BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo. São Paulo, editora Manole, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

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BRASIL. Lei n° 9605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispoõe sobre as anções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 de fevereiro de 1981.

DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: Direito Fundamental. Editora Juruá, 2003.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência e glossário. 4 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

NAÇÃOES UNIDAS, Declaração do Rio de Janeiro sobre o meio ambiente e o desenvolvimento (1992). In SILVA, Geraldo Eutálio do Nascimento e. Direito Ambiental Internacional. Rio de Janeiro: Thex, 1995.

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VALERY, Álvaro Luiz. Princípios Fundamentais do Direito Ambiental . Revista de Direito Ambiental, São Paulo: RT, n,2, 1996.