Prisão preventiva após a Lei nº 12.403/2011


Porrayanesantos- Postado em 21 junho 2013

Autores: 
SILVA, Marllisson Andrade

I – INTRODUÇÃO

 

Após a promulgação da Lei nº 12.403/2011, houve uma enorme mudança nas espécies de prisão elencadas no Código de Processo Penal, sobretudo na prisão preventiva, que, atualmente, só pode vir a ser decretada se não for cabível nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão dispostas no artigo 319 do Código de Processo Penal.

 

II – CONCEITO

 

A prisão preventiva pode ser definida como uma espécie de prisão cautelar decretada durante a fase de investigação policial ou no curso da ação penal, quando presentes indícios de autoria e materialidade do delito e se fizer necessária para a garantia da ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal, por conveniência da instrução processual ou, ainda, quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa.

 

Nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar: “é a prisão de natureza cautelar mais ampla, sendo uma eficiente ferramenta de encarceramento durante toda a persecução penal, leia-se, durante o inquérito policial e na fase processual” (ALENCAR; TÁVORA, 2013, p. 579).

 

III – PRESSUPOSTOS

 

Para que a prisão preventiva venha a ser decretada é necessário que estejam presentes dois requisitos, quais sejam, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, elementos esses que dão ensejo aofumus commissi delicti e que estão previstos na parte final do artigo 312 do Código de Processo Penal.

 

Advirta-se que os citados requisitos não são dispensados pela jurisprudência, conforme se infere do aresto emanado do Superior Tribunal de Justiça a seguir transcrito:

 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME DE HOMICÍDIO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. NARRATIVA QUE FRANQUEIA AO ACUSADO A PLENITUDE DE DEFESA. 2. PRESSUPOSTOS DA PRISÃO CAUTELAR. PROVA DA MATERIALIDADE. INDÍCIOS DE AUTORIA. ELEMENTOS DEVIDAMENTE DESCRITOS NA DENÚNCIA. 3. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO. 1. A denúncia atende os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, tendo o Ministério Público apontado de forma clara a conduta perpetrada pelo acusado, descrevendo como teria ocorrido a dinâmica do crime e em que circunstâncias se deram os fatos. Tem-se, assim, assegurado ao paciente o conhecimento da conduta criminosa a ele imputada, de forma a permitir o perfeito exercício do direito de defesa, não podendo, assim, ser apontada como inepta a inicial acusatória. 2. Demonstrada a existência de prova da materialidade e de indícios de autoria, presentes estão os pressupostos da prisão preventiva. Quanto aos fundamentos, observa-se que não foram analisados pelo acórdão recorrido, razão pela qual não se mostra possível referida análise. 3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (STJ, RHC 34.985/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 02/04/2013) (grifou-se)

 

Por se tratar de uma prisão decretada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e restringir o direito de liberdade do indivíduo, figura como medida de exceção, razão pela qual afigura-se imprescindível que o Magistrado que venha a decretá-la fique atento se há nos autos prova da existência do crime, que pode ser comprovada por qualquer meio probatório admitido em direito.

 

No tocante à autoria, por vigorar no nosso ordenamento jurídico o princípio da presunção de inocência (CF, artigo 5º, inciso LVII), que pode ser traduzido no sentido de que o acusado só pode vir a ser considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, é suficiente no momento da decretação desta prisão cautelar indícios suficientes de autoria, ou seja, basta uma tênue ligação do acusado ao fato a ele imputado.

 

IV – CABIMENTO

 

O legislador, atento ao fato de que a prisão preventiva só pode vir a ser decretada de forma excepcional, além de elencar os dois pressupostos já estudados, acresceu situações imprescindíveis para demonstrar que a liberdade do indivíduo ocasionará riscos, hipóteses estas previstas também no artigo 312 do Código de Processo Penal, in verbis:

 

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 

 

Parágrafo único.  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

 

Dentre as situações elencadas, a primeira que permite o decreto prisional do sujeito e é a mais controvertida, por ser bastante genérica, é a garantia de ordem pública.

 

Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, ela pode assim ser entendida:

 

Em nosso entendimento, a decretação da preventiva com base neste fundamento, objetiva evitar que o agente continue delinquindo no transcorrer da persecução criminal. A ordem pública é expressão de tranqüilidade e paz no seio social. Em havendo risco demonstrado de que o infrator, se solto permanecer, continuará delinqüindo, é sinal de que a prisão cautelar se faz necessária, pois não se pode esperar o trânsito em julgado da sentença condenatória. É necessário que se comprove o risco. (ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 8ª edição. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 581)

 

Também funciona como causa para decretação da custódia cautelar a garantia da ordem econômica, que pode ser entendida pelo mesmo fundamento utilizado pelos citados doutrinadores, com a peculiaridade de que no caso em apreço, as infrações afrontam a ordem econômica do país.

 

Já o decreto prisional por conveniência da instrução criminal revela-se necessário para assegurar a realização do devido processo legal, que se desenvolve com a livre produção de provas pelas partes, mas, o acusando objetivando se livrar da persecução penal passa a destruir o acervo probatório que está sendo produzido ou promove ameaças às testemunhas, vítima, enfim, tenta frustrar o curso normal do processo penal.

 

Ela também será necessária quando houver a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal e pode ser decretada na situação em que o réu está prestes a fugir do distrito da culpa.

 

Além dessas hipóteses, a Lei nº 12.403/2011, inseriu um parágrafo único ao dispositivo para permitir que a prisão preventiva também seja decretada quando houver o descumprimento de qualquer das medidas cautelares.

 

V – RESTRIÇÃO DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

 

Uma novidade trazida pela Lei nº 12.403/2011 e que está assentada no artigo 313 do Código de Processo Penal é a restrição do cabimento de decretação desta espécie de segregação cautelar, pois com a mudança não são todas as infrações penais que acobertam tal medida, tendo em vista que o espírito desta Lei foi tornar o decreto prisional como última medida aplicada pelo juiz no caso concreto.

 

Com efeito, a preventiva só pode vir a ser decretada nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos, fato que leva o intérprete à conclusão de que os crimes culposos e as contravenções penais foram excluídos e não mais admitem esta espécie de custódia.

 

O inciso II do artigo 313 também prevê como hipótese autorizadora o fato do criminoso ser reincidente em crime doloso, respeitada, é claro, o período depurador de 05 (cinco) anos.

 

Além disso, é perfeitamente cabível a prisão preventiva nos crimes que envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

 

Por fim, também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

 

Com relação a esta última hipótese, afigura-se pertinente uma crítica, pois quando não é possível ter certeza acerca da identidade civil da pessoa, o ordenamento jurídico abre a possibilidade de se fazer a sua identificação criminal através do processo datiloscópico e fotográfico, nos moldes autorizados pelo artigo 3º da Lei nº 12.037/2009, revelando-se, assim, injusta e totalmente desnecessária a segregação do indivíduo.

 

VI – ASPECTOS GERAIS DA PRISÃO PREVENTIVA

 

A prisão preventiva pode ser decretada durante o inquérito policial ou no curso da ação penal, sendo que, na primeira hipótese, o magistrado não pode vir a decretá-la de ofício, necessitando, para tanto, de representação da autoridade policial ou requerimento do representante do Ministério Público. No curso da ação penal, é perfeitamente admissível que o juiz, caso entenda presentes os seus requisitos, decrete ex officio a prisão do acusado.

 

Ressalva deve ser feita para a hipótese em que ficar constatado que o agente praticou o delito sob o manto de uma das excludentes de ilicitude (CP, artigo 23), pois o artigo 314 do Código de Processo Penal veda a segregação cautelar quando a prova nos autos for nesse sentido.

 

Como a Constituição Federal exige que as decisões judiciais sejam fundamentadas, com a decisão que decretar ou revogar a preventiva não poderia ser diferente, previsão esta também regulamentada pelo Código de Processo Penal em seu artigo 315.

 

Com efeito, essa motivação desse ser válida e aliada a um dos requisitos legalmente previstos, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, in litteris:

 

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA, E POSTERIORMENTE MANTIDA QUANDO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA.ATOS JURISDICIONAIS DESPROVIDOS DE QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE QUE PREVALECE ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE DEMORA PARA A FORMAÇÃO DA CULPA. FUNDAMENTO PREJUDICADO EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DO DECRETO SENTENCIAL. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS, CONTUDO, CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. Como já é de amplo conhecimento, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e ambas as Turmas desta Corte, após evolução jurisprudencial, passaram a não mais admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário, nas hipóteses em que esse último é cabível, em razão da competência da Suprema Corte e deste Tribunal tratar-se de matéria de direito estrito, previstas na Constituição da República. 2. Entretanto, a impetração de writ substitutivo de recurso ordinário em habeas corpus não impede a concessão de ordem de ofício no caso de flagrante ilegalidade. É o que ocorre no caso, em que a segregação imposta é ilegal. 3. "Em matéria de prisão processual, a garantia constitucional da fundamentação do provimento judicial importa o dever da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não-culpabilidade é de prevalecer até o momento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória" (STF, HC 101.705/BA, 2.ª Turma, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe de 03/09/2010). 4. É imprescindível, pois, que a prisão processual (iniciada com o auto de prisão em flagrante e mantida quando da prolação da sentença condenatória) seja decretada com motivação válida e aliada a um dos requisitos legalmente previstos. Porém, na espécie, não foram explicitados tanto na decisão em que se converteu o flagrante em segregação preventiva quanto no decreto sentencial um motivo idôneo sequer, apto a justificar a medida constritiva. 5. Tal entendimento inclusive foi sedimentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC n.º 84.078/MG, Rel. Min. EROS GRAU, no qual se concluiu que a custódia cautelar (entenda-se prisão antes de condenação transitada em julgado), em quaisquer hipóteses, só pode ser implementada se devidamente fundamentada, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. 6. Resta prejudicada alegação de excesso de prazo para a formação da culpa se, após a impetração do writ, é proferida sentença condenatória. De qualquer forma, tal tese é desinfluente à solução da controvérsia, devido à procedência do outro fundamento da impetração. 7. Writ não conhecido. Concedida, entretanto, ordem de habeas corpus ex officio, para determinar a imediata soltura do Custodiado, se por al não estiver preso, com aplicação, entretanto, das medidas cautelares diversas da prisão descritas nos incisos I, II, III, IV e V, do art. 319, do Código de Processo Penal, devendo o Juiz Sentenciante estabelecer os lugares que o Paciente não poderá frequentar e a distância que manterá do Codenunciado. Ordem estendida, em idênticos termos e restrições, ao Corréu VILMAR DA SILVA CARDOSO. (STJ, HC 254.625/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 06/06/2013) (grifou-se)

 

Se após o decreto prisional, no curso do processo, restar constatado que os requisitos que autorizaram a custódia do acusado desapareceram, deve o juiz revogar a prisão, de ofício ou por provocação, pois a prisão preventiva é movida pela cláusula rebus sic stantibus (CPP, artigo 316).

 

Da decisão que decreta a prisão preventiva não cabe recurso, nada impedindo, contudo, que a defesa impetre habeas corpus para livrar o acusado do cárcere. Em sentido contrário, da decisão que indefere ou revoga esta prisão cautelar, é cabível a interposição do recurso em sentido estrito, no prazo de 05 (cinco) dias, conforme previsão expressa do artigo 581, inciso V, do Código de Processo Penal.

 

VII – CONCLUSÃO

 

No decorrer do presente estudo, foi possível constatar que após a entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, houve uma enorme alteração no conteúdo alusivo à prisão preventiva, diante do seu espírito de que a prisão cautelar só pode vir a ser decretada como medida excepcional, ou seja, quando as medidas cautelares de meio aberto não se revelarem mais suficientes.

 

Além disso, foi possível constatar que, além da prisão preventiva ser decretada como última medida, houve uma enorme restrição para sua aplicação, pois o magistrado, atualmente, só pode vir a decretá-la quando presentes os requisitos autorizadores (CPP, artigo 312) e os mesmos estiverem em harmonia com as regras insculpidas no artigo 313 do Código de Processo Penal.

 

Levando em consideração o aumento da criminalidade e a atual realidade do sistema prisional brasileiro, totalmente defasado devido à superlotação dos presídios e falta de estrutura física para comportar todos aqueles que infringem a lei penal, é possível afirmar que, no aspecto de tornar a privação cautelar de liberdade do indivíduo comoultima ratio, como também o de reduzir o âmbito de sua aplicação, andou bem o legislador, pois, assim, evita que um infrator que praticou um crime de menor gravidade, ao ser privado de sua liberdade, muitas vezes de forma desnecessária, responda ao processo tomando por base o senso de responsabilidade a ele conferido através das medidas cautelares de meio aberto, deixando “vaga” no cárcere para os criminosos que venham a cometer delitos de maior gravidade.

 

VIII – REFERÊNCIAS

 

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

 

Decreto-Lei nº 3.689/1941. Código de Processo Penal. Disponível em: www.planalto.gov.br Acesso em 12 de junho de 2013.

 

JUSTIÇA, Superior Tribunal. Disponível em: http://www.stj.jus.br Acesso em: 12 de junho de 2013.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. Vol. 1, 6ª Ed. São Paulo: Método, 2012.

 

LEIA MAIS EM: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,prisao-preventiva-apos-a-lei-no-124032011,43985.html