PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES FUNCIONAIS - Conceituação, Tramitação e Aspectos Controvertidos


Porwilliammoura- Postado em 16 novembro 2011

Autores: 
ALVES, Henrique Nunes Inocêncio

PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES FUNCIONAIS - Conceituação, Tramitação e Aspectos Controvertidos

  

SUMÁRIO

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

2. CRIMES FUNCIONAIS VS CRIMES DE RESPONSABILIDADE

 

3. CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO NO DIREITO PROCESSUAL PENAL

 

4. DOS SUJEITOS E DOS CRIMES ABARCADOS PELO PROCEDIMENTO ESPECIAL

 

5. DA TRAMITAÇÃO DA FASE PRÉ-PROCESSUAL E AS DIFERENTES OPINIÕES DOUTRINÁRIAS

5.1. Crimes Funcionais Relacionados a Concurso

 

6. CONCLUSÃO

 

NOTAS

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se a presente pesquisa do Procedimento Especial aplicado aos Crimes Funcionais. Tal procedimento está previsto nos artigos 513 a 518, do Código de Processo Penal. O presente trabalho tem como objetivo perpassar uma visão geral do procedimento em epígrafe, apresentando as diversas nuances que numa primeira leitura dos artigos do nosso Diploma Adjetivo Repressivo possa nos parecer claro, na verdade é bem mais complexo do que se apresenta.

A partir dessa leitura, verificaremos que para aplicação do procedimento não devemos ser confundir Crimes Funcionais com os Crimes de Responsabilidade, dentro dos quais, estes se referem aos atos ilícitos praticados pelos Agentes Políticos, e são regidos por procedimento singular. Enquanto Os Crimes Funcionais referem-se aos Agentes Administrativos no exercício de suas funções e são abarcados pelo procedimento estudado.

Abordaremos o conceito de Funcionário Público que o Direito Processual Penal se utiliza para aplicar o procedimento especial nos processos que envolvam Crimes Funcionais. Bem como as circunstâncias de fato que são de suma importância para cabimento do procedimento e determinação da respectiva competência.

Em seguida, apresentar-se-á o rol de Crimes Funcionais abarcados pelo procedimento determinando os respectivos sujeitos de direito.

O ápice do presente artigo será a abordagem daquilo que chamamos de prerrogativa processual. De outro modo analisar-se-á a Fase Pré-processual, singular do Procedimento Especial que se aplica aos Crimes Funcionais, conforme as diferentes teses doutrinárias a respeito.

Por último, apresentaremos as conclusões e reflexões auferidas pelo estudo realizado.

Deste modo a presente pesquisa possui um caráter informativo, com intuito de esclarecer de maneira geral as controvérsias conceituais, demonstranndo quem são os sujeitos de direito e apresentar onde se encontram as discussões doutrinárias sobre o presente tema.

 

2. CRIMES FUNCIONAIS VS CRIMES DE RESPONSABILIDADE EM SENTIDO ESTRITO

Os Crimes Funcionais estão previstos nos artigos 312 à 326 do Código Penal e legislação esparsa[1]. São praticados por funcionários públicos nos termos artigo 327 do Código Penal de 1940.

São considerados crimes próprios, ou seja, só podem ser praticados por uma determinada classe de pessoas que no caso em epígrafe exerça função pública.

Tais demandas possuem tramitação especial no Direito Processual Penal, prevista nos seus artigos 513 a 518, do respectivo diploma.

Há uma verdadeira confusão lingüística no que tange os "Crimes Funcionais" e "Crimes de Responsabilidade". Tal confusão é gerada por essa ultima expressão que ora é utilizada para designar Crimes Funcionais, ora para designar os crimes cometidos Agentes Políticos, ou mesmo abrangendo ambos. Nas palavras de Magalhães de Noronha[2], citando Raul Chaves, tal expressão tem um sentido amplo, pois, afinal, "... como acentuam os autores e, dentre eles, Raul Chaves, em sua tese de concurso: ‘... a locução é viciosa – com foros de linguagem legislativa – ora aludindo àqueles delitos por que são responsáveis os ministros e secretários de Estado, ora designado certas espécies de crimes comuns, definidos no Código de 1830, ou seja, delicta in offico, crimes de função, delictapropria nos que exercem funções públicas"

Para solucionar essa dicotomia a Doutrina e a Jurisprudencia compreende que o conceito de Crimes Funcionais, em virtude da própria leitura Constitucional embasada no art 52 da Carta Magna de 1988, não engloba os Agentes Políticos. Estes Possuem tanto tipificação penal, quanto procedimentos próprios para os crimes que realizam no exercício de suas funções. Respectivamente a conduta ilícita do Agente político é tipificada como Crime de Responsabilidade, a qual possui procedimento singular que se caracteriza pela permissão Constitucional dada ao poder legislativo, concedendo a este a função executiva e judicante para que o inquérito, a tramitação e o julgamento das lides que envolvam os Agentes Políticos com prerrogativa de foro ocorram nas casas Legislativas nos termos da Constituição Federal, das Constituições Estaduais e Lei orgânica dos Municípios e, no que couber, as regulamentações oriundas das respectivas casas legislativas.

 

3. CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA DIREITO PROCESSUAL PENAL

O conceito de Funcionário Público utilizado pelo Direito Processual Penal é o que está previsto no art 327 do Código Penal que assim dispõe:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm

O conceito de funcionário publico para o direito penal é diferente do conceito determinado pelo Direito Administrativo. Neste, funcionário público é espécie do gênero Servidor Público. A expressão "funcionário público" não aparece na CR. A Carta Magna não utiliza o termo "funcionário público", mas a expressão é utilizada de forma difusa pela doutrina e jurisprudência para determinar os ocupantes de cargo ou emprego público que possuem vinculo estatutário.

Segundo ainda o Direito Administrativo, esses cargos, empregos ou funções públicas são criados por lei, possuem denominação, posicionamento e quantitativos delimitados nos termos do inc II do art 37, da CF de 1988 que assim dispõe:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

O conceito determinado pelo Direito Penal é mais amplo. Abarca quaisquer indivíduos que no exercício de alguma função pública, ainda que temporariamente, e independentemente da forma de vinculação; cometam crimes no exercício de suas funções contra a administração pública.

O procedimento especial referente aos crimes cometidos por funcionários públicos aplica-se às pessoas que exerçam função pública nos termos do art 327 do CP que não tenham prerrogativas de foro.

O CP adotou assim um conceito bastante extensivo de funcionário público. Nelson Hungria ensina que"não é propriamente a qualidade de funcionário público que caracteriza o crime funcional, mas o fato de que é praticado por quem se acha no exercício de função pública, seja esta permanente ou temporária, remunerada ou gratuita, exercida profissionalmente ou não, efetiva ou interinamente, ou per accidens (ex: o jurado, a cujo respeito achou de ser expresso o art. 438 do Cód. de Processo Penal; o depositário infiel nomeado pelo juiz, etc)".[3]

Não obstante, ressalta-se que a perda da qualidade de funcionário público acarreta a não aplicação do procedimento especial. Remetendo-se para o procedimento comum. Segundo Nestor Távora, "se o funcionário perde o seu status, por v.g. ter sido exonerado ou estar aposentado, não mais terá o direito à defesa preliminar. Este fato deve ser constatdo na fase procedimental adequada, quando o magistrado for determinar a notificação para o ato".

 

 

4. DOS SUJEITOS E DOS CRIMES ABARCADOS PELO PROCEDIMENTO ESPECIAL

 

Urge ressaltar que há requisitos singulares para que sujeito ativo faça jus ao Procedimento Especial. São eles:

  • o exercício, ainda que transitório ou sem remuneração, cargo, emprego ou função publica;
  • Que o crime seja direcionado contra os interesses da Administração publica seja ela direta ou indireta, em qualquer ente federativo, nos termos dos art. 312 a 326 do CPP e Legislação esparsa.

O sujeito passivo é o Estado, seja ele representado pelos quatro entes que compõem a Administração Direta (União, Estados Membros, Distrito Federal e Municípios) seja representado pelas pessoas jurídicas que compõe da Administração Publica Indireta (Autarquias, Fundações, Empresas Públicas, Sociedade de Economia Mista, Consórcios Públicos).

A Competência é determinada conforme o sujeito passivo. Em consonância com art. 109 da Constituição federal de 1988, se o crime for cometido contra a União ou Distrito Federal será competente a justiça Federal. Se o crime for cometido contra Estado membro ou Município, a competência será da justiça comum.

Quanto as pessoas jurídicas da Administração Indireta as competências são particularmente definidas pela Carta Magna de 1988 ou mesmo pela própria jurisprudência.

No que tange As Autarquias e Empresas Públicas, eis o inciso IV do art. 109 da CF, que trata de matéria criminal afeta à Justiça Federal:

"Art.109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

De forma análoga às Autarquias, a jurisprudência compreende que a competência para atuar nas causas que envolvam crimes funcionais contra a Fundação Pública será da Justiça federal assim como daquelas.

Já a sociedade de economia mista tem a competência das ações penais definida em duas sumulas. Nos termos da Súmula nº 42 de 14/05/1992 - DJ 20.05.1992, "compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento".

Ratifica esse entendimento a sumula 556 do STF a qual preconiza:
"É Competente a justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista".
Quanto aos Sujeitos Ativos, tais crimes só podem ser cometidos por pessoas que exercem funções públicas. Damásio de Jesus adota a denominação "delicta in officio", isto é, crimes dos que realizam atividade estatal, cujo exercício pode ser efetivado a qualquer título, definitivo ou precário, ainda que sem qualquer remuneração, como ocorre nas hipóteses de convocação de particulares pelo Estado, citando-se como exemplo, os jurados, os mesários, dentre outros. Noronha[4] corrobora com o entendimento de Damásio dizendo que:

"não é mister, assim, que a pessoa seja funcionário público; o que é indispensável é que exerça função pública,que, no dizer de Maggiore é qualquer atividade que realiza fins próprios do estado,ainda que exercida por pessoas estranhas à administração pública".

No mesmo sentido é a lição de Delmanto[5], para quem a lei "quis deixar claro que basta o simples exercício de uma função pública para caracterizar, para os efeitos penais, o funcionário público". Sendo assim, ainda que a pessoa não seja empregada nem tenha cargo no serviço publico, ela estará incluída no conceito penal de funcionário público, desde que exerça, de algum modo, função pública.

Não exercem função Pública os Tutores, os Curadores, os inventariantes judiciais. Estes, na realidade, exercem Múnus publico, o qual não se confunde com função pública. Com as inovações introduzidas pela lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000, no § 1º do art. 327 passou-se a considerar funcionário público por equiparação "quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para execução de atividade típica da administração pública". Nesse sentido, são também atingidas pela extensão conceitual feita pelo art. 327 do Código Penal as pessoas que trabalham em entidades paraestatais, atualmente denominadas entidades do terceiro setor as quais se situam fora da administração indireta (compreendem os serviços sociais autônomos, entidades de apoio e organizações não governamentais, as chamadas ongs). São exemplos: o SESC, o SENAI e o SESI.

O procedimento em epígrafe não se aplica a outros delitos praticados por funcionário público, mesmo que essa qualidade seja qualificadora do delito. Exs.: arts 150, §2º, e 351, §§ 3º e 4º, do Código Penal; art. 10, §4º, da Lei n. 9.437/97. De outro modo o funcionário publico que comete o crime de invasão de domicílio não fará jus ao Procedimento Especial, pois, este crime não é direcionado contra a Administração Publica. Sua condição de funcionário público, ainda que seja qualificadora do crime não tem o condão de conceder-lhe as prerrogativas inerentes ao procedimento.

 

5. DA TRAMITAÇÃO DA FASE PRÉ-PROCESSUAL E AS DIFERENTES OPINIÕES DOUTRINÁRIAS

O Procedimento Especial é bifásico, sendo uma primeira fase administrativa e a segunda fase a judicial. Dedicaremos este tópico ao estudo da fase Administrativa, mais conhecida como Fase Pré-Processual ou Defesa Preliminar.

Oferecida da denúncia ou queixa o juiz notificará o funcionário público para que ofereça uma resposta por escrito dentro do prazo de 15 dias. Ressalta-se que o funcionário não é citado e sim notificado, pois tecnicamente ainda foi recebida a denuncia ou queixa. Todos os crimes funcionais são de ação pública. Seja incondicionada (por meio de denuncia) ou condicionada (mediante representação). Nos termos do artigo 514 do CPP a defesa preliminar só pode ser oposta nos crimes afiançáveis.
Crime afiançáveis são aqueles cuja pena mínima não ultrapassa 2 anos.
Crimes de menor potencial ofensivo são aqueles cuja pena máxima não ultrapassa 2 anos e tambem todas as contravenções penais.

Entretanto, com as recentes alterações promovidas pela lei 12.403 de 04 de maio de 2011 a fiança tomou status de medida cautelar admissível em todos os crimes, exceto aqueles que a lei, expressamente determina como inafiançáveis. Logo os crimes de excesso de exação (art. 316, §1º, do CP) e facilitação ao contrabando (art. 318 do CP) que eram inafiançáveis, e portanto não eram regidos por este procedimento especial, com advento do inc. VIII, art. 319 da lei 12.403 de 04 de maio de 2011, tornaram-se afiançáveis, logo, fazem jus às prerrogativas processuais especiais. Mesma analogia deverá ser realizada com os dispositivos de leis esparsas similares a este exemplo.

Ao elaborar a denuncia o Ministério Público deve juntar todos documentos sob pena de preclusão. Ao contrario do processo comum em que os documentos podem ser juntados ao longo do processo, no procedimento especial, estes deverão ser juntados na denuncia.

Encaminhada a denuncia ao juiz, ele não a recebe nem a rejeita, ou seja, não realiza o juízo de prelibação. Este só ocorrerá depois que o funcionário público apresentar a defesa preliminar. A denuncia é a materialização do direito de ação, direito público de deduzir a pretensão em juízo. No oferecimento da denuncia há autos, mas não há ação. O direito de ação surge no recebimento da denuncia. Não se pode falar em ação ou processo antes do juiz receber a denuncia. Na fase Pré-Processual o Funcionário Púbico não é considerado réu, só investigado. Nesse sentido há duas teses doutrinárias no que concerne a obrigatoriedade da apresentação da defesa pelo funcionário público na fase administrativa, bem como a obrigatoriedade da sua notificação. Parcela da doutrina entende que é facultativa a apresentação da defesa preliminar pelo funcionário publico, e obrigatória a sua notificação. Tal tese é defendida Nestor Távora:

"Obrigatoriedade da defesa preliminar: como se desume do texto legal (art. 514, CPP), a apresentação da defesa preliminar é mera faculdade, sendo estratégia a ser utilizada ou não pela defesa. Contudo, entendemos que a notificação para a sua apresentação é obrigatória, sob pena de nulidade. Esta, contudo, é meramente relativa, carecendo de demonstração do prejuízo". TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processo Penal. 3ª ed. PODIIVM 2009. p. 655.

O autor, critica a sumula 330 do STJ a qual dispensa a defesa preliminar quando a ação vier instruída por inquérito policial, alegando que:

"Somos veemente refratários a este entendimento. Não se pode suprimir um ato de defesa pelo simples fato da inicial estar embasada em inquérito. A Defesa preliminar deve ser vista como ato útil a levar o magistrado elementos que o permitam realizar um juízo mais equilibrado de admissibilidade da inicial e em alguns casos, até mesmo rejeitá-la pelos elementos que lhe são trazidos. Admitir a supressão desse momento pelo fato da previa realização do inquérito é violar de morte o devido procedimento, além do contraditório e da ampla defesa. Se isto ocorrer, haverá nulidade, e por se tratar de ato que tumultua arbitrariamente o procedimento, admite-se o manejo da correição parcial, ou até mesmo a impetração de hábeas corpus para que se reconheça a nulidade". TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processo Penal. 3ª ed. PODIIVM 2009. p. 655.

Logo, segundo essa corrente, não pode sumula do STJ extinguir o direito à facultatividade a ser exercido pela defesa previsto pelo CPP. É a defesa que escolhe se quer ou não apresentar reposta preliminar, no entanto, é obrigatória a sua notificação.

Como vimos Nestor Távora compreende que a notificação é obrigatória em qualquer caso, pois se trata de mandamento previsto em dispositivo legal. É obrigatória a notificação do funcionário público nos termos do art. 514 do CPP.

A outra vertente afirma que a defesa é facultativa, pois o procedimento Judicial, que é indisponível, só se inicia após o recebimento da denúncia. Não se aplica a indisponibilidade na fase administrativa. Seguem esse entendimento Guilherme Souza Nucci.

Nucci discorda de Távora, pois entende que não é obrigado notificação do funcionário publico, apesar do texto de lei, nos casos em que a denuncia vier lastreada por inquérito policial. Nesse caso o juiz pode dispensar a notificação, receber a denuncia e mandar citar o réu. Segundo Nucci no inquérito policial já foi exercido o contraditório. Esse é o entendimento compartilhado e fixado pela sumula 330 do STJ que assim dispõe:

Súmula: 330 STJ

É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial. http://www.stj.jus.br/docs_internet/VerbetesSTJ.txt

Nas palavras da própria Corte Superior:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 319 DO CÓDIGO PENAL. ART. 514 DO CPP. NULIDADE RELATIVA.

A inobservância ao disposto no art. 514 do CPP, para configurar nulidade, exige o protesto oportuno e a demonstração de prejuízo daí decorrente. Além do mais, a defesa preliminar não é indispensável quando a acusação está supedaneada em inquérito (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso).

Recurso desprovido.(RHC 17.521/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 25/4/2005, p. 359)

No que se refere ainda à notificação do funcionário público é obrigatória também a notificação do chefe da repartição. Preceitua o artigo 359 do CPP que "o dia designado para funcionário público comparecer em juízo, como acusado, será notificado assim a ele como ao chefe de sua repartição".

Como vimos, há dupla exigência: mandado para o funcionário público e ofício requisitório à sua chefia. De acordo com Nucci[6], "faltando um dos dois, não está o funcionário obrigado a comparecer, nem pode padecer das conseqüências de sua ausência, como a revelia".

No que se refere ainda à obrigatoriedade da fase pré-processual, o que acontece se juiz não oportunizar o rito especial? O STJ trata o assunto como nulidade relativa. Corrobora tal entendimento a própria edição da sumula 330 do STJ supra. No entanto, nos últimos tempos o STF andou inovando o entendimento referente à obrigatoriedade de apresentação da defesa preliminar sob pena de nulidade absoluta. Em três precedentes (HC 85.779, 96.058 e 97.244), a 2ª Turma da suprema corte entendeu que a falta da defesa preliminar constitui nulidade absoluta, ensejando a anulação do recebimento da denúncia e de todos os atos subseqüentes.

O STF fundamenta dizendo que se trata de violação do devido processo legal e ampla defesa, com previsão constitucional, alega ainda ser presumível o prejuízo:

"Art. 514 do CPP. Formalidade da resposta por escrito em crime afiançável. Nulidade alegada oportunamente e, como tal, irrecusável, causando a recusa prejuízo à parte e ferindo o princípio fundamental da ampla defesa." (RT 601/409).

"Art. 514 do CPP. Falta de notificação do acusado para responder, por escrito, em caso de crime afiançável, apresentada a denúncia. Relevância da falta, importando nulidade d processo, porque atinge o princípio fundamental da ampla defesa. Evidência do prejuízo." (RT 572/412).

Porém, esse entendimento do STF vai de encontro da regra do art. 563 do CPP, que determina que "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". Em regra, a corte tem entendido que qualquer inobservância do devido processo legal gera nulidade absoluta, insanável e de prejuízo presumido. Nota-se que tal entendimento vai de encontro também aos princípios da economia e celeridade processual.

Quanto ao Jus postulandi na fase administrativa, por não ser fase judicial, é possível. Uma vez notificado, o acusado não precisa constituir advogado ou defensor, ele pode exercer pessoalmente seu direito de defesa na fase pré-processual.

No que tange ainda a notificação, Nestor Távora[7]assevera que na situação em que não se acha o funcionário público não será admitida notificação por edital. Da mesma forma, não haverá notificação por precatória para o acusado que não se encontre na comarca. Nestes casos o juiz devera nomear advogado dativo. Já na fase judicial é obrigatório o advogado.

Na defesa preliminar do acusado apresentada ao juiz que o notificou na fase administrativa, é permitida que se adentre não só nas questões preliminares, mas também no mérito do processo penal que ainda não se iniciou. Embora a lei não fale, é possível, nessa defesa preliminar, deduzir questões processuais (preliminares ou prejudiciais) que impeçam o recebimento da denúncia sem produzir coisa julgada material, assim como arguir causas de extinção de punibilidade. O juiz vai analisar o mérito de um processo que não existe. Se o acusado adentra o mérito em sua defesa preliminar, o juiz acolhe a tese e o absolve, tal decisão faz coisa julgada material.

No caso em que o juiz absolva o acusado na fase pré-processual há divergentes correntes sobre procedimento que deverá ser adotado para tornar valida e eficaz a decisão. Apresentamos aqui as duas mais divergentes.

Segundo Nestor Távora[8], "a rejeição da inicial acusatória terá status de decisão definitiva fazendo coisa julgada material". Segundo o doutrinador, "provada de forma inconteste a atipicidade da conduta ou demonstrada desde logo a extinção de punibilidade deve o magistrado reconhecer tais circunstancias de sorte a definir ao mérito em questão, em verdadeiro julgamento antecipado do feito".

Nesse mesmo capitulo de sua excelente e dinâmica obra Távora ainda fala da tese defendida por Eugenio Pacelli, a qual diverge da sua:

"Prevalece, entretanto, a posição em sentido contrário, de sorte que a rejeição teria força de mera interlocutória teminativa. Neste sentido, Eugenio Pacelli. Em razão da reforma (Lei nº 11719/08) uma vez recebida a inicial, ao ser seguido o procedimento comum ordinário, teremos uma segunda fase preliminar, esta de natureza obrigatória, apresentada no prazo de 10 dias, contados da citação do réu, o que permitirá ou não a ocorrência da absolvição sumária (art. 397, CPP)".

Sendo menos Cortez do que Távora entende-se que Eugenio Pacelli[9]defende praticamente a revogação da fase Pré-Processual. Segundo ele o art 514 do CPP foi revogado não só no que diz respeito a distinção de crimes afiançáveis e inafiançáveis para fins de determinação de forma procedimental; bem como foi revogado quanto a seu conteúdo pelo art 394 §4 do mesmo diploma, modificado pela lei 11719/08. Pacelli considera toda a matéria abarcada devido a modificação promovida supervenientemente por essa lei. Pacelli ainda acrescenta que com a unificação de procedimentos o rito agora é rigorosamente o ordinário. As decisões judiciais anteriormente previstas no art 516 devem ser redirecionadas para os art. 395 e 397, do CPP, não se aplicando a decisão de improcedência da ação.

Não obstante as teses apontadas e seguindo-se lógica dos preceitos do Diploma Adjetivo Repressivo, recebida a denuncia inicia-se a segunda fase: Procedimento Judicial. Aqui, é cabível todas as formas de citação. Daqui em diante aplica-se o processo ordinário. Ou seja, após o recebimento da denuncia, os atos procedimentais posteriores serão aqueles previstos para o rito ordinário, ainda que a pena máxima prevista seja inferior a quatro anos.

Ratificando tal entendimento, Nestor Távora[10] afirma:

"De Outro lado, se resolver pelo recebimento da denuncia ou da queixa, o magistrado ordenará a citação do acusado, designando interrogatório, seguindo-se o rito comum ordinário (artigos 517 e 518, CPP), independente da quantidade da pena cominada. Desta forma, o que faz a lei tratar esse procedimento como especial, é a fase que precede o recebimento da denuncia. Superada esta etapa, com o recebimento da inicial, o procedimento a ser seguido é o ordinário".

Ao prolatar a sentença, se houver condenação por crime funcional, o juiz deverá atentar para o disposto no art. 92, I, a, do Código Penal, que estabelece:

"Art. 92 - São também efeitos da condenação:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)".

Atente-se, ainda que o art. 92, parágrafo único do Código de Penal ressalva que tal efeito não é automático, devendo ser motivadamente declarado na sentença.

 

5.1. Crimes Funcionais Relacionados a Concurso

Questão também emblemática é aqui envolve o Concurso de Pessoas que está previsto nos artigos 29 a 31 do Código Penal em crimes cometidos contra a Administração Pública, onde que apenas um dos sujeitos ativos é funcionário público que faz jus ao procedimento especial. Parte da doutrina compreende que deve se aplicar o procedimento especial somente pro funcionário público. Desmembraria-se dessa forma o processo. Nestor Távora[11]é adepto a essa doutrina

Em sentido oposto há também o entendimento que não se desmembra o processo. Segundo essa corrente todos fazem jus ao procedimento especial. Esse último se embasa na sumula 704 do STF que assim dispõe:

Súmula 704

Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.

Entretanto a Súmula 704 do STF refere-se ao foro privilegiado típico dos crimes de responsabilidade. O que não se confunde com procedimento especial dos crimes fincionais. Sendo assim esta sumula não tem aplicabilidade e tal corrente considera-se infundada.

A discussão também se estende quando o assunto é Concurso de Crimes. Segundo Nestor Távora e Tourinho Filho nos dois se aplicará o procedimento especial tanto para o crime contra a administração publica quanto para o crime não funcional:

"Por seu turno, havendo concurso de crimes, sendo um funcional e outro não funcional, entendemos que deve haver notificação para defesa preliminar em face de ambos os delitos, e o procedimento mais amplo e especial abrangeria até mesmo o delito não funcional, ampliando-se a esfera defensiva. No mesmo sentido. Tourinho Filho".

Prevalece, no entanto o posicionamento do STF e do STJ os quais compreende que nos concursos de infrações prevalece o rito ordinário, suprimindo dessa forma a fase processual.

 

"Stj e STF, HC 70.099, Min Moreira Alves: ART. 292 do cpp. Dá para acumular os dois ritos, desde que seja adotado o ordinario."

 

6. CONCLUSÃO.

O Procedimento Especial conferido aos Funcionários Públicos que cometam crimes funcionais tem como característica peculiar o estabelecimento de verdadeiras prerrogativas processuais que nos leva ao questionamento sobre sua legitimidade perante o principio da Isonomia. No entanto, como vimos continua sendo divergente a sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

Quanto o entendimento do STF sobre nulidade absoluta, quando da não oportunização da defesa preliminar fica alguns questionamentos: Na prática, será que advogado pedirá o rito especial caso o magistrado não o observe o art. 514 do CPP e receba a denúncia sem defesa preliminar? Tal entendimento do supremo não corroboraria para que a defesa nesses casos não solicitasse o rito e deixasse como uma carta na manga para alegar a nulidade absoluta posteriormente? Num Estado dito Democrático de Direito que preza dentre outros, pela Isonomia, seria plausível determinadas classes de pessoas possuírem prerrogativas processuais justificadas somente na norma positivada?

São diversos os questionamentos, tanto pró quanto contra ao procedimento dos crimes funcionais. No entanto estes questionamentos que cabem respostas para nos dois sentidos. Nesse sentido, tais perguntas ficarão em aberto... Trata-se de um convite ao nobre e interessado leitor a produzir, complementar e responder essas dúvidas.

 

NOTAS

1 "... nem todos os crimes de funcionários público se acham definidos no aludido título do Código Penal, pois podem eles cometer outros que, pela prevalência do bem jurídico ou por outra razão, são definidos em diversas leis ou mesmo em outros funcionando, nestes, a qualidade de funcionário como causa de aumento de pena, como sucede, p. ex., com os arts. 150, parágrafo 2.º, 289, parágrafo único, 295 e outros.". MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito Penal, São Paulo: Saraiva. p.346

2 MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito Penal, São Paulo: Saraiva. p.348

3 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991

4 MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito Penal, São Paulo: Saraiva. p.350

5 DELMANTO, Celso, Código Penal Comentado, Rio de Janeiro, Renovar, 1988. p. 360

6NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003. p. 543.

7 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processo Penal. 3ª ed. PODIIVM 2009. p. 655.

8 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processo Penal. 3ª ed. PODIIVM 2009. p. 656.

 

9 PACELLI, Eugenio, Curso de Processo Penal, 10ª ed, Lúmen Júris Editora. p.628.

 

10 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processo Penal. 3ª ed. PODIIVM 2009. p. 654.

11 "Concurso de infratores: havendo mais de um réu, a defesa preliminar só será oportunizada àqueles que estejam na condição de funcionário publico". TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processo Penal. 3ª ed. PODIIVM 2009. p. 655.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito Penal, São Paulo: Saraiva.

 

 

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense.

 

DELMANTO, Celso, Código Penal Comentado, Rio de Janeiro, Renovar, 1988.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003.

 

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processo Penal. 3ª ed. PODIIVM 2009.

 

PACELLI, Eugenio, Curso de Processo Penal, 10ª ed, Lúmen Júris Editora.