Projeto de Lei do Novo CPC e o esvaziamento da tese de intempestividade do recurso prematuro


PorPedro Duarte- Postado em 25 fevereiro 2013

Autores: 
Daniel Saulo Ramos Dultra

Dissertação a respeito do esvaziamento da construção jurisprudencial da tese de intempestividade do recurso prematuro, bem como da mitigação da súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça, consoante disposição do art. 186, § 1º, do Projeto de Lei do novo CPC (PLS 166/2010), redação da versão final.

1. Conceito de recurso

Numa definição simples e objetiva, no âmbito jurídico, recurso é a forma (meio) de se provocar uma nova análise sobre uma determinada decisão, dentro do mesmo processo, para reformá-la, modificá-la, ou integrá-la. Esse conceito em muito se aproxima da definição dada pelo jurista Elpídio Donizete, pela qual, “recurso, numa acepção técnica e restrita, é o meio idôneo para provocar a impugnação e, conseqüentemente, o reexame de uma decisão judicial, com vistas a obter, na mesma relação processual, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do julgado”1.

Recurso, para Moacyr Amaral Santos, é "o poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação”2.

Em verdade o motivo da existência dos recursos está assentado no fato de se dar efetividade aos princípios constitucionais da ampla defesa e o do duplo grau de jurisdição.O primeiro é princípio constitucional explícito, consoante dispõe o art. 5º, LV, da Magna Carta#. O segundo, duplo grau de jurisdição, é princípio implicitamente previsto na Carta Política, como consectário do devido processo legal, e da previsão constitucional de tribunais de superposição, aos quais a CF/88 atribui competências recursais, em conformidade com o disposto nos art. 92 a 126 da Lei Maior.

Importante salientar que pelo princípio do duplo grau de jurisdição é estabelecida a possibilidade das partes submeterem uma matéria que já foi apreciada e decidida por um órgão jurisdicional a novo julgamento a ser realizado por outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior (previsão constitucional da superposição de tribunais).

Em se tratando de processo civil os recursos estão previstos no Código de Processo Civil, Lei 5.869/73, ou em leis extravagantes, ou mesmo na própria Constituição Federal, como é o caso dos recursos especial e extraordinário.

2. Tempestividade

Para interposição de qualquer recurso, a parte interessada deverá observar o prazo definido em Lei. Quando o recurso é interposto dentro do prazo estabelecido em lei, diz-se que o mesmo é tempestivo. A tempestividade é requisito objetivo de admissibilidade do recurso. Na visão de José Carlos Barbosa Moreira, é requisito extrínseco (referente ao exercício do direito de recorrer) de admissibilidade dos recursos.

Levando-se em conta o disposto no art. 508 do Código de Por cesso Civil, em geral, os recursos devem ser interpostos no prazo de 15 dias. Como exceção a tal regra temos o agravo e os embargos declaratórios, devendo o primeiro ser interposto no prazo de 10 dias, e o segundo no prazo de 05 dais. Neste ponto é importante salientar que umas das mudanças em relação aos recursos que pode ser implementada pela aprovação do Projeto de Lei do novo Código de Processo Civil é a possibilidade de unificação dos prazos de recursos para 15 dias, remanescendo apenas como exceção os embargos declaratórios3.

Tecidas essas considerações inicias, é salutar determinar o início da contagem do prazo para recorrer. E neste sentido, o art. 506 do CPC, cujo conteúdo manter-se-á praticamente inalterado no art. 957 do PL do novo CPC (apenas o acréscimo do termo decisão aos incisos do dispositivo), dispõe que o prazo aplicável para interposição do recurso contar-se-à: i) da leitura da sentença em audiência; ii) da intimação às partes, quando a sentença não for proferida em audiência; iii) da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial. Nesse diapasão, o recurso que for interposto após o prazo estabelecido em lei é considerado intempestivo, não sendo conhecido pelo órgão jurisdicional ad quem por ausência de requisito objetivo de admissibilidade.

3. Tese da intempestividade do recurso prematuro

A algum tempo, vem sendo sedimentado na jurisprudência pátria a tese de que o recurso é considerado intempestivo não só quando é interposto após o prazo estabelecido em lei, mas também quando o é antes de ser iniciado o prazo para sua interposição.

Nesse raciocínio, entende-se por recurso prematuro o recurso interposto antes da publicação da decisão recorrida, ou seja, antes mesmo da parte ser intimada da decisão a ser recorrida ela interpõe o recurso. O recurso prematuro vem sendo considerado inadmissível pelos Tribunais, pois é considerado como recurso fora do prazo legal (intempestivo).

A questão vem sendo constantemente enfrentada pelos tribunais, tendo chegado às cortes superiores, em especial ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. O STF e o STJ têm considerado a hipótese de inadmissibilidade dos recursos extraordinário e especial, devido à chamada "intempestividade por prematuridade". De acordo com esse entendimento, sendo o recurso interposto anteriormente à publicação da decisão - intimação pela imprensa oficial - ou durante a pendência de julgamento de embargos de declaração, considerando não se ter iniciado o prazo para interposição do recurso, será ele intempestivo, devido à sua prematuridade.

Nesse sentido, colaciono abaixo alguns julgados recentes a respeito do tema:

RECURSO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DA DECISÃO IMPUGNADA. INTEMPESTIVIDADE. HIPÓTESE DE NÃO-CONHECIMENTO. RECURSO PREMATURO. É intempestivo recurso interposto antes da publicação do acórdão impugnado (Orientação Jurisprudencial 357 da SDI-1 desta Corte). Recurso de Revista de que não se conhece. (270001620085150110 27000-16.2008.5.15.0110, Relator: João Batista Brito Pereira Data de Julgamento: 03/08/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/08/2011).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE AGRAVO. PREQUETIONAMENTO. RECURSO PREMATURO. INTEMPESTIVIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. Recurso interposto prematuramente, posto que deduzido quando sequer existia, formalmente, o acórdão que a parte insurgente deseja impugnar, devendo, por conseguinte, ser considerado intempestivo. Unanimemente, negou-se seguimento aos embargos declaratórios. (70378420108170000 PE 0012087-91.2010.8.17.0000, Relator: Antenor Cardoso Soares Junior, Data de Julgamento: 22/02/2011, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 43).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL. OPOSIÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. RECURSO PREMATURO. INTEMPESTIVIDADE.1. "É assente na jurisprudência do STF e do STJ que a intempestividade recursal advém não só de manifestação tardia da parte, mas, igualmente, da impugnação prematura." 2. Embargos declaratórios não conhecidos. (1043068 RS 2008/0065913-6, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 04/11/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2010)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO PREMATURO. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS.I - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que é extemporâneo o recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido, sem que haja a devida ratificação do ato. II -Embargos de declaração não conhecidos. (760139 RS , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 15/02/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-051 DIVULG 17-03-2011 PUBLIC 18-03-2011 EMENT VOL-02484-02 PP-00365)

Dois são os fundamentos principais, nos quais os tribunais, buscam tentar embasar e legitimar a aplicação do Instituto. O primeiro fundamento é que o acórdão impugnado pelos embargos - considerando a pendência de julgamento dos embargos de declaração - não é decisão de última instância e, portanto, não se mostram presentes os requisitos contidos nos artigos 102, III e 105, III, da Constituição Federal. Por sua vez, o segundo fundamento se assenta na Súmula 281 do STF4, que discorre sobre a inadmissibilidade do recurso extraordinário enquanto existente, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.

No caso específico dos embargos declaratórios, o STJ sumulou entendimento pelo qual seria inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação5. Nesse sentido, a parte pode até interpor o recurso antes da publicação do acórdão dos embargos, entretanto precisa reiterar/ratificar o recurso.

4. Corrente doutrinária contrária à aplicação da tese da intempestividade do recurso prematuro

Não obstante o entendimento majoritário no âmbito dos tribunais seja pela aplicabilidade do instituto do recurso prematuro (extemporâneo), vozes contrárias ainda são encontradas na jurisprudência, e sobretudo na doutrina, pois entendem que se a parte está recorrendo ela se deu por intimada da decisão, dispensando assim a espera da intimação para interposição do recurso.

No início deste artigo, esclarecemos que o motivo, a razão da existência dos recursos está assentada na efetivação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Acrescentamos ainda que, mesmo que indiretamente, a possibilidade de recorrer é corolário do princípio do devido processo legal, em especial do devido processo legal substantivo (substantive due process of law).

Do devido processo legal substancial ou material é que são extraídos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Por este princípio todos os atos infraconstitucionais devem guardar relação de compatibilidade com o espírito da constituição, em especial com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

E nesse raciocínio, quando a Constituição Federal assegura o princípio da ampla defesa, não é razoável pensar que um recurso interposto antes de iniciado formalmente o prazo para interposição, não seja conhecido sob a justificativa de intempestividade, em razão de uma suposta prematuridade. O direito à defesa (aqui diga-se, ampla defesa), não entremostra-se prematuro pelo simples fato de uma iniciativa que dentro da lógica racional prescinde de formalidades, haja vista o recorrente já está ciente da decisão por outros meios.

Importantes nomes da doutrina pátria comungam desta idéia. Fredie Didier afirma que “como se não bastasse os fundamentos dos defensores da intempestividade prematura não se sustentarem, eles pecam também pela falta de razoabilidade (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. v. 3. Salvador: Podivm, 2007)”.

5. Art. 186, § 1º, do Projeto de Lei 166/2010 (novo CPC)

O Projeto de Lei 166/2010 (novo CPC) traz em seu bojo dispositivo que vem a calhar com a corrente doutrinária e jurisprudencial que entende pela inaplicabilidade da tese da intempestividade do recurso prematuro.

O art. 186, do referido projeto de lei, na versão final do Senado, que trata sobre os prazos em geral, em § 1º, dispõe, ipsis litteris:

Art. 186. Na contagem de prazo em dias, estabelecido pela lei ou pelo juiz, computar-se-ão, somente os úteis.

§ 1º. Não são intempestivos atos praticados antes da ocorrência do termo inicial do prazo.

Pela literalidade do texto legal é de fácil conclusão que a partir da entrada em vigor do novo código de processo civil, não mais existirá razão para que os recursos interpostos antes da ocorrência do termo inicial do prazo não sejam conhecidos sob a alegação de intempestividade. A aprovação do projeto de lei supracitado levará ao esvaziamento da construção jurisprudencial da tese de intempestividade do recurso prematuro, bem como da mitigação da súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça.

6. Conclusões

Como consectário dos princípios da ampla defesa, bem como do devido processo legal, sob a ótica da razoabilidade, insculpidos na Constituição Federal de 1988, não há espaço para entendimento que refuta por intempestivo recurso que seja interposto antes da ocorrência do termo inicial do prazo.

Com a aprovação do Novo Código de Processo Civil, o entendimento perfilhado e sedimentado, sobretudo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, a respeito da prematuridade de recurso interposto antes da ocorrência do termo de início do prazo, deverá ser reformulado, o que possivelmente mitigará a súmula 418 do e. STJ.

Referências bibliográficas

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 11ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2010.

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 7.º ed. Vol. 3. Bahia: JusPodium, 2009.